Imparcialidade da jurisdição: Problemas contemporâneos do processo penal
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Imparcialidade da jurisdição - Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
IMPARCIALIDADE DA JURISDIÇÃO
PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS DO PROCESSO PENAL
Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
EDITORASINGULAR
São Paulo – 2018
À memória da Professora Maria Isabel Moraes Pitombo.
A Dani, Rafaela, Henrique, André e Gabriel
Agradecimentos
Aos Professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho, Rui Manuel Gens Moura Ramos, Jónatas Eduardo Mendes Machado, Rui Cunha Martins.
Aos colegas de pós-doutoramento em Democracia e Direitos Humanos – direito, política, história e comunicação – do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX e do Ius Gentium Conimbrigae, da Universidade de Coimbra, em especial, Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Juliano José Breda e Luciano Feldens.
Ao Pedro Dutra, pela amizade, pelo incentivo aos estudos e pela dedicação na revisão do texto.
Aos companheiros de Moraes Pitombo Advogados.
Table of Contents
Capa
Folha de rosto
Dedicatória
Agradecimentos
Sumário
Introdução
PARTE I
PROPOSTA DE DEBATE
Capítulo 1 – A problemática
1.1 Perspectiva histórica
1.2 Os problemas contemporâneos
PARTE II
BASE DOGMÁTICA NECESSÁRIA PARA O ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES
Capítulo 2 – Imparcialidade do Juiz
2.1 Tratados internacionais
2.2 Constituição da República Federativa do Brasil
2.3 Código de Processo Penal
2.4 Do conceito de imparcialidade judicial
Capítulo 3 – Juiz Natural
3.1 Tribunal de Segurança Nacional, mau exemplo na história brasileira
3.2 Perspectiva constitucional do juiz natural
3.3 Pré-constituição do juiz ou tribunal pelas normas reguladoras de jurisdição e competência, antes do cometimento da infração penal
a. Juiz penal competente, conforme a Constituição da República
b. Anterioridade da lei quanto à competência
c. Taxatividade das normas de competência
Capítulo 4 – Iniciativa Instrutória do Juiz Penal
4.1 Breve síntese das premissas
4.2 Devido processo legal e paridade de armas
4.1 Inquisitividade inerente ao processo penal
Parte III
As teses
Capítulo 5 – Proteção dos sujeitos do processo penal no tocante à pré-concepção do magistrado
5.1 O espírito de neutralidade
5.2 Espécies possíveis de pré-concepção
5.3 Exteriorização de pré-concepção e respectiva prova
Capítulo 6 – A desvinculação subjetiva do juiz penal quanto às próprias decisões e sentenças
6.1 Opinião pública
6.2 Internet, redes sociais e pressão sobre o juiz criminal
6.3 O interesse pessoal e a respectiva prova
Parte IV
Conclusões
Conclusões
Bibliografia
Notas
Ficha Catalográfica
Introdução
Este estudo apresenta o resultado das pesquisas que foram empreendidas a contar de 2012, no curso de pós-doutoramento em Democracia e Direitos Humanos – direito, política, história e comunicação, do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX e do Ius Gentium Conimbrigae, ambos da Universidade de Coimbra.
Optou-se por selecionar um tema que combinasse diversas áreas de conhecimento abarcadas pelo mencionado curso, com foco em três questões do processo penal que se inter-relacionam: (i) imparcialidade jurisdicional; (ii) juiz natural; e (iii) iniciativa instrutória do juiz penal.
Partindo do problema na área do direito, foi construída uma reflexão que se inicia com a história, mostrando que a imparcialidade de quem julga constitui antiga preocupação social. Com isso, foram relembrados conceitos do passado que podem servir para auxiliar no exame das dificuldades de judicar em matéria penal nos dias atuais.
A sociedade em rede, a economia global e a cultura da virtualidade trouxeram reflexos na atividade do juiz criminal, o qual não consegue mais se isolar para decidir as questões trazidas em juízo. Agora, o que se vê é um magistrado sempre pressionado pelas redes sociais, tendente a procurar dados na internet, cioso daquilo que as pessoas hão de comentar sobre suas decisões, talvez segundos depois de serem proferidas.
Esta mudança na comunicação passa a influir sobre o comportamento de quem precisa manter o equilíbrio – há séculos, simbolizado pela balança – na condução de casos judiciais que podem ser pauta diária da mídia e da rede de computadores, com milhares, talvez milhões, de espectadores.
Considerada a nova realidade, não se pode deixar de valorizar a imparcialidade como característica essencial da jurisdição. Necessário percorrer os documentos internacionais de direitos humanos para rememorar o leitor da maneira pela qual se consolidou a ideia do juiz imparcial como condição para o exercício do Poder Judiciário.
Esse percurso pelos tratados de direitos humanos leva a se repensar o constitucionalismo, que deixa de ser um sistema fechado de determinado ordenamento jurídico para se tornar uma obra aberta sob os influxos de valores universais de proteção ao Homem, que pesam na exegese e na aplicação do direito nacional.
PARTE I
PROPOSTA DE DEBATE
Capítulo 1
A problemática
Sumário: 1.1. Perspectiva histórica – 1.2. Os problemas contemporâneos
1.1 Perspectiva histórica
O cuidado com a imparcialidade de quem decide os conflitos constitui aspecto inerente à própria história do desenvolvimento da sociedade¹. Trata-se de questão de ordem social anterior ao corpo escrito de regras², posto que a natureza gregária do Homem reclama por reconhecer quem³ pode expressar o justo frente a uma contenda⁴.
Na Grécia Antiga, escolhia-se o julgador conforme a eminência social, bem como a reputação de sagacidade e fair dealing⁵. Aquele que julgava devia mostrar equilíbrio (íson), daí "o justo (o direito) significar o que era visto como igual (igualdade)"⁶.
Esse matiz da igualdade na palavra diké manteve-se no pensamento grego através dos tempos, significando desde a isonomia entre aqueles que não detinham direitos iguais (não nobres) perante a lei e o juiz, até a participação ativa de todos na administração da justiça, consoante a lição de Werner Jaeger⁷. Vê-se, portanto, na diké a gênese da democracia⁸.
Na Ética a Nicômaco, Aristóteles afirma: "Na pessoa do juiz procura-se um terceiro imparcial e alguns chamam os juízes de árbitros e de mediadores, querendo assinalar com isso que, quando se tiver encontrado o homem da justa medida, conseguir-se-á obter a justiça" ⁹.
Cumpre observar que a importância do terceiro neutro surge com a preocupação quanto ao conhecimento da verdade. Assim, na evolução da Grécia Arcaica para a democracia ateniense, a verdade é vista como norte para os procedimentos voltados a dirimir conflitos e examinar provas¹⁰.
Enquanto nas leis encontram-se as medidas na acepção de grandezas determinadas, na mente do julgador está a balança¹¹ apta a mensurar e apreciar o todo composto pelas partes¹². O ideal do juiz é ser a personificação do justo, no pensamento aristotélico.
A balança¹³, como símbolo, segue da tradição grega¹⁴ para o direito romano. As diferenças entre as imagens das deusas Diké e Iustitia denotam concepções diversas sobre o Direito¹⁵, mas ambas a conservam como expressão da busca do equilíbrio.
Aos romanos interessavam os critérios de nomeação para o iudex. Assim, nem todos podiam ser indicados para o cargo¹⁶, pois, alguns estavam impedidos pela lei, outros pela natureza e outros mais pelos costumes (Paulo, 17 ed., D. 5.1.12.2)¹⁷.
No direito romano, merece especial atenção o poder do julgador de perquirir os fatos sub judice com objetivo de se aproximar da verdade. A ele estaria incumbida a tarefa de julgar segundo o alegado e provado (judex secundum allegata et probata, judicare debet), o que não fazia dele um expectador da atividade das partes¹⁸ nem lhe tirava o dever de cumprir as leis, as constituições e os costumes¹⁹. Ao contrário, o pragmatismo típico dos romanos impunha um juiz interessado em conhecer o quadro fático e aplicar o Direito.
E, a eles, não passou despercebido o problema da imparcialidade, motivo pelo qual afirmavam ser contra a equidade alguém se tornar juiz em causa própria (Digesto 1. V, t. I, 17).
Por óbvio, as diferenças sociais e as questões políticas influíam no resultado dos processos judiciais, o que levou Theodor Mommsen, ao examinar patrícios e plebeus na Monarquia, a afirmar que a imparcialidade seria similar à concepção imaculada, a qual se poderia desejar, mas não obter²⁰.
Note-se, como observa Mario Bretone, que a venalidade de juízes inferiores obrigava à procura dos tribunais – distantes, lentos e custosos²¹.
Ainda assim, pode-se constatar que, no processo penal romano²², mais especificamente no período do Baixo Império, ocorreram avanços quanto à imparcialidade na jurisdição, aos direitos do acusado e à busca da par conditio para os submetidos a processo-crime²³.
Mais do que rápida incursão na história do direito²⁴, este exame inicial do direito greco-romano serve para mostrar como os dois povos, consagradores da imagem da deusa da Justiça, enfrentaram questões que atormentaram os iluministas e nos afligem até os dias presentes²⁵.
De plano, percebe-se que já havia a noção quanto ao problema da seleção de quem pode julgar²⁶, porque se sabia que o reconhecimento social de alguém como honesto e ponderado conferia legitimidade ao processo e ao julgamento.
Na estrutura do Estado contemporâneo, este tema ainda traz inquietação²⁷. Embora existam concursos públicos²⁸ para o ingresso na magistratura (art. 93, I, da CR), restam incertezas sobre qual limite de indagação têm as bancas examinadoras quanto à vida privada e à personalidade dos candidatos²⁹, bem como quanto pesam esses aspectos para o critério de escolha³⁰.
Se, por um lado, isso permite impedir o ingresso de pessoas cujo histórico e comportamento social sejam incompatíveis com a judicatura, por outro, esse óbice ao acesso necessariamente se pauta nos padrões dos examinadores, próprios de determinado momento e lugar³¹.
Naqueles povos antigos, afirmava-se também que o juiz deve conferir tratamento isonômico, seja no que se refere ao acesso à Justiça, seja na direção dos procedimentos judiciais. Impõe-se um terceiro acima dos que contendam, com olhos voltados à descoberta do acontecimento gerador da discórdia.
Mais do que isso, alertavam no sentido de que a atividade do juiz vincula-se estritamente às leis. Portanto, antes de Montesquieu, vislumbrava-se a legalidade como limite da atuação dos magistrados e alicerce das decisões³².
Outro aspecto relevante da Antiguidade é a relação entre a procura da verdade e a imparcialidade jurisdicional, tema que depois veio a ser objeto de acurada reflexão de Michel Foucault³³.
Ao invés de se resolverem os conflitos com juramentos, ou invocações a deuses, verificou-se que só era possível julgar depois de se conhecerem detalhes fáticos e de se compreender a dinâmica dos comportamentos. Quando se passa a reconhecer o processo como instrumento (forma) de se atingir a verdade, advém a inerente apreensão quanto a quem julga e aos procedimentos que adota.
Há muitos séculos, portanto, ressalta-se a importância do equilíbrio no tratamento equânime dos sujeitos processuais, bem como da inexistência de interesse pessoal no julgamento, ou mesmo de pré-concepção sobre a questão trazida a juízo.
1.2 Os problemas contemporâneos
Todavia, essa temática toma contornos de maior relevância na atualidade e exige um rígido enfoque a contar da perspectiva do Estado de Direito³⁴.
A sociedade em rede, a economia global e a cultura da virtualidade³⁵ trouxeram reflexos no comportamento das pessoas e não permitem que o magistrado consiga se isolar no gabinete para apreciar os fatos, sem receber influência das opiniões do público, da mídia, dos colegas de trabalho ou mesmo da família.
As mensagens telefônicas, os e-mails, as redes sociais invadem o universo do julgador sem que se tenha ciência com quem ele se comunica e qual qualidade de informação lhe chega. É impossível também saber que grau de equilíbrio para decidir ele mantém depois de ver o que as pessoas pensam sobre o caso sob sua responsabilidade e quais conjecturas fazem sobre ele e sobre as decisões que irá proferir.
A velocidade com que as informações se propalam contribui para essa agonia do magistrado, cujas decisões podem circular entre milhares, em minutos, passando a ser centro de críticas dos mais variados níveis e em quantidade expressiva.
A par disso, não se pode crer que ele conseguirá se limitar ao conteúdo dos autos para tomar uma decisão. A tendência contemporânea de pesquisar dados na internet faz com que se imagine o juiz de direito a procurar informações sobre os fatos e pessoas envolvidas nos buscadores da rede. Existe um risco concreto de magistrados passarem a se pautar pela opinião coletiva e por dados que ninguém tem controle, muito menos os sujeitos do processo, porque estão, tais elementos, fora dos autos.
Isso faz pensar que a imparcialidade na jurisdição não pode mais ser tratada tão só como um problema no âmbito da relação jurídica processual. Hoje, a imparcialidade não está somente no comportamento equidistante do juiz em relação aos dois polos antagônicos do processo judicial.
No processo penal, ampliou-se o enigma quanto ao juiz imparcial, porque os casos de repercussão logo se tornam objeto de debate na mídia, o que acaba por ocasionar uma tomada de posição da imprensa sobre o pretenso crime e respectivo autor. Esse debate espraia-se entre as pessoas, levando até mesmo à criação de movimentos nas denominadas redes sociais (p. ex., por meio do Facebook), destinados a influir no resultado do processo judicial – os quais, diga-se logo, exigem provimento jurisdicional rápido e exemplar.
Vale acrescer