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Perspectivas sobre a violência doméstica no Brasil: Os 15 anos da Lei Maria da Penha
Perspectivas sobre a violência doméstica no Brasil: Os 15 anos da Lei Maria da Penha
Perspectivas sobre a violência doméstica no Brasil: Os 15 anos da Lei Maria da Penha
E-book234 páginas2 horas

Perspectivas sobre a violência doméstica no Brasil: Os 15 anos da Lei Maria da Penha

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Sobre este e-book

Os artigos se debruçaram em estudar uma temática complexa; a violência doméstica no âmbito da Lei Maria da Penha. Aborda temas como: combate a violência contra a mulher; violência psicológica; medidas protetivas; efetiva proteção à mulher; percepções da vítima no atendimento policial; violência de gênero; violência contra mulheres negras; defesa da mulher no direito de família; prestação alimentícia na Lei Maria da Penha; rede de proteção; e dever do poder público e políticas públicas eficazes. O livro é um farto material que irá subsidiar pesquisas, estudos e reflexões pertinentes relativas os desdobramentos jurídicos que envolvem o tema no Brasil.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de nov. de 2021
ISBN9786589602903
Perspectivas sobre a violência doméstica no Brasil: Os 15 anos da Lei Maria da Penha

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    Perspectivas sobre a violência doméstica no Brasil - Conhecimento Livraria e Distribuidora

    PARTE I

    COMBATE À VIOLÊNCIA

    LEI 13.931/19, COMBATE À VIOLÊNCIA

    CONTRA A MULHER REAL OU IDEAL?

    Carolina Mynssen[1]

    INTRODUÇÃO

    O presente capítulo abordará de forma bem ampla, os desdobramentos e impactos da Lei nº 13.931, de 10 de dezembro de 2019[2], que alterou a Lei nº 10.778[3], de 24 de novembro de 2003, e que dispõe sobre a notificação compulsória dos casos de suspeita de violência contra a mulher.

    Importante esclarecer que o trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto sobre os desdobramentos e impactos da referida lei, seja no real, ou no ideal combate à violência contra a mulher. O presente capítulo tem a intenção de promover ponderações, debates e reflexões sobre a eficácia da referida lei.

    A violência contra a mulher mostra diversas caras, porém, neste capítulo, o enfoque vai se projetar sobre os casos de violência física e/ou sexual.

    É importante esclarecer que esse direcionamento da pesquisa para a elaboração do presente capítulo foi afunilado para essas formas específicas de violência contra a mulher, observando o fato de que o atendimento médico ao que se refere a lei em comento, trata de atendimentos às vítimas que buscam os serviços de saúde - públicos ou privados - em que os casos mais comuns de atendimentos médicos a mulheres vítimas de violência ocorrem por atos de violência física ou sexual.

    Partindo do princípio de que a referida Lei teve a intenção de contribuir para a incansável luta pelo fim da violência contra a mulher na sociedade, é necessário frisar que, obviamente, é necessário que o Estado intervenha para que seja possível, de forma real, combater efetivamente a violência contra a mulher, porém, necessário se faz que essas intervenções e ações sejam estudadas e avaliadas, principalmente, sob o ponto de vista do impacto na vida das vítimas e não apenas em estatísticas.

    Inicialmente, cabe trazer algumas informações muito relevantes acerca do tema violência contra a mulher.

    Um dos grandes marcos iniciais no combate à violência contra a mulher foi a Lei Maria da Penha. É possível afirmar que a citada Lei, resumidamente, foi resultado da condenação do Brasil na Organização dos Estados Americanos por omissão e tolerância à violência contra a mulher.

    Assim como a Lei nº 11.340/2016[4], existe uma série de outros dispositivos que complementam e enriquecem o acervo de mecanismos para coibir a violência contra as mulheres no Brasil.

    De acordo com a OMS - Organização Mundial de Saúde -, a violência significa o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação.[5]

    A Convenção de Belém do Pará[6] salienta que a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades; violência contra a mulher é qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.

    Necessário ressaltar que configura violência contra a mulher (doméstica ou familiar) qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. (BRASIL, 2006)[7].

    A violência contra as mulheres é um grande problema de saúde pública e de violação de direitos humanos. Os números alarmantes informam que, uma em cada três mulheres (35%) no mundo, já sofreram violência física e/ou sexual por parte do parceiro ou de terceiros. (OPAS, 2017)[8]

    Dessa forma, examinando todos os dados apresentados e a crescente realidade de violência contra as mulheres, não apenas no Brasil mas no mundo inteiro, legislações como a referida norma devem ser profundamente debatidas e estudadas.

    2. DO VETO PRESIDENCIAL À APRESENTAÇÃO INICIAL DA PROPOSTA

    Após a apresentação do Projeto de lei que propôs a referida norma, a presidência consultou os Ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e Ministério da Saúde antes de proferir o veto. O veto seguiu com a seguinte fundamentação:

    A propositura legislativa altera a vigente notificação compulsória de violência contra a mulher atendida em serviço de saúde público ou privado, que atualmente tem por objetivo fornecer dados epidemiológicos, somente efetivando-se a identificação da vítima fora do âmbito da saúde em caráter excepcional, em caso de risco à comunidade ou à vítima, sempre com o seu consentimento. Assim, a proposta contraria o interesse público ao determinar a identificação da vítima, mesmo sem o seu consentimento e ainda que não haja risco de morte, mediante notificação compulsória para fora do sistema de saúde, o que vulnerabiliza ainda mais a mulher, tendo em vista que, nesses casos, o sigilo é fundamental para garantir o atendimento à sua saúde sem preocupações com futuras retaliações do agressor, especialmente quando ambos ainda habitam o mesmo lar ou ainda não romperam a relação de afeto ou dependência.

    Revendo a fundamentação do veto presidencial, estendendo a discussão e fazendo um recorte para fora da política partidária, urge ponderar sobre a realidade da grande maioria das mulheres vítimas de violência familiar.

    Os operadores do Direito que atuam com violência contra a mulher, de modo geral, sabem que, na maior parte das vezes, as mulheres vítimas são dependentes financeiramente do agressor, possuem prole em comum e, de modo geral, não têm condições para enfrentar de forma justa, manobras e retaliações dos agressores sem um tempo hábil para tomarem determinadas medidas, até buscarem ajuda e apoio.

    Nesse sentido, a realidade que se apresenta hoje em dia, comprova que a mulher que foi vítima de violência pelo parceiro e buscou assistência médica - caso a autoridade policial seja informada em até 24 horas, como determina a lei debatida - não terá tempo hábil para conseguir manejar e resolver todas as complicações inerentes à saída daquele parceiro de casa, ou pior, o impedimento de retorno ao lar, o afastamento dos filhos, desamparo econômico e vários outros desdobramentos que serão impostos a essa vítima em razão da exposição prevista no dispositivo.

    Um estudo com estimativas globais publicadas em 2017, pela OMS, indica que aproximadamente uma em cada 3 mulheres (35%) em todo o mundo, sofreram violência física e/ou sexual por parte do parceiro ou de terceiros durante a vida. Apenas com esse dado é possível afirmar que, obviamente, o Estado brasileiro não tem estrutura, abrigos, pessoal nas delegacias e um judiciário ágil e capaz de prover para essas vítimas, todo o aparato e cobertura suficientes, caso haja a exposição de cada caso ou suspeita de violência sem o consentimento da vítima.

    É preciso lembrar que a agressão física se mostra, de modo geral, como a forma de violência mais fácil de se identificar, embora quase sempre seja precedida (ou acompanhada) de outras formas de violência, como a patrimonial e a psicológica, das mulheres. Ou seja, essa mulher, além de absolutamente frágil estará subjugada e ainda mais vulnerável.

    Obviamente não devem ser tratados da mesma forma os casos de perigo de morte da paciente, casos que poderiam ter como desfecho o feminicídio, ou seja, o homicídio praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, hoje, classificado como um crime hediondo. Nesses casos, a comunicação já era obrigatória. (BRASIL, 2003)[9].

    Contudo, com a derrubada do veto, a Lei entrou em vigor.

    3. PROCEDIMENTOS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI 13.931 DE 2019

    Antes da entrada de vigência da Lei nº 13.931/2019, a Lei que regia a notificação compulsória era a Lei nº 10.778 de 2003, que estabelecia a notificação compulsória, no território nacional, em casos de violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos ou privados.

    A notificação se realizava apenas para as autoridades sanitárias e o objetivo era atualizar as estatísticas, subsidiando a elaboração de políticas públicas de combate à violência doméstica. A finalidade de fornecimento de dados para a vigilância epidemiológica, visava à prevenção e promoção da saúde.

    Não havia obrigatoriedade de notificação para a autoridade policial e nem prazo para tal comunicação. E, de certa forma, antes da alteração à legislação, a identificação da vítima se resguardava fora do âmbito da saúde, uma vez que, apenas em caráter excepcional, em caso de risco à comunidade ou à própria vítima, poderia haver tal identificação.

    Obviamente que a Lei 13.931 de 2019, tem a intenção e o objetivo de diminuir a subnotificação dos casos de violência contra as mulheres, mas, a qual custo? Ao determinar a identificação da vítima para a autoridade policial por parte do profissional da saúde, em até 24 horas, mesmo sem o prévio consentimento da paciente, ainda que diante apenas de indícios de violência, e mesmo não havendo risco de morte, essa conduta, na prática, desmobiliza ainda mais essa mulher - uma vítima já passando por momento sensível e de extrema vulnerabilidade.

    A lei anterior não trazia a necessidade explícita do consentimento da vítima para a notificação; com exceção dos casos de perigo de morte, enfim, todos os demais eram notificados à autoridade sanitária, sem a exposição da vítima para fora do sistema de saúde.

    4. COMBATE REAL OU IDEAL?

    No que se refere ao combate real ou ideal da violência contra a mulher, é importante esclarecer que diminuir a subnotificação não constitui solução para o real combate. É claro que é uma necessidade, porém, buscar essa diminuição da forma imposta pela lei, impõe consequências reais muito prejudiciais para as vítimas.

    Na realidade, a mulher vítima de violência que procurou ajuda e assistência médica será, mais uma vez, revitimizada, uma vez que a sua própria autonomia, sua autodeterminação, seu direito de escolha, e seu direito à preservação da própria privacidade serão absolutamente desconsiderados.

    A vítima, muitas vezes, se afasta de amigos e da família e enfrenta sozinha, todas as dificuldades que permeiam um relacionamento abusivo. Logo, os efeitos dessa violência costumam também impactar a vida financeira, econômica e profissional dessa vítima, que, na maior parte dos casos é totalmente dependente financeira e emocionalmente do agressor, além de, em muitos casos, ter prole em comum, fatores que só aumentam a sensibilidade dessa mulher.

    Assim, a notificação em 24 horas deixa de ser, de fato, a solução dos problemas dessa mulher. Muito menos a salvação dessa vítima, pois a colocará em situação bastante difícil e complexa para prosseguir - seja impactando na sua moradia, na convivência com os filhos, na subsistência financeira e em outras formas de violência às quais ela poderá ser submetida.

    Retirar da mulher a escolha de relatar para a autoridade policial ao seu tempo e de acordo com suas necessidades, indícios ou violência real é o mesmo que vulnerabilizar essa vítima e estimular a que ela perca a confiança no sigilo que permeia a relação médico-paciente. Resulta, inclusive, na diminuição da procura por parte de vítimas que têm medo de serem expostas ao buscar atendimento médico. Ou seja, poderá, sim, impactar no número de atendimentos a mulheres vítimas de violência, não em razão da redução dos casos de violência, e sim pela baixa procura por essas mulheres, de atendimento médico - por medo de serem expostas.

    Muitas dessas vítimas sairão do hospital ou do posto de atendimento para a residência que divide com o suposto agressor; caso não tenham amparo ou para onde ir, a intimação do indivíduo dar-se-á no mesmo local em que se encontra a vítima, o que, por si só, já a expõe. Na realidade, o Brasil não possui abrigos suficientes para atender e acolher todas as vítimas, e apenas por essa realidade a imposição da discutida Lei, já seria um perigo em si.

    Em verdade, a violência contra a mulher, obviamente, merece atenção exclusiva do legislador, do ordenamento jurídico e da sociedade em geral, porém, de forma extremamente acertada, estudada e consciente.

    Ainda nesse sentido, é preciso ponderar se a aplicação da referida Lei, mesmo em desalinho às manifestações dos Ministérios da Saúde, da Mulher e da presidência, não fará mais mal do que bem a essas mulheres as quais, em tese, a lei supostamente prima por auxiliar.

    Assim, inequívoca, pois é a conclusão de que com a notificação compulsória em até 24 horas por parte do profissional de saúde, muitas mulheres deixarão de buscar atendimento médico, fato que por si, só já depõe contra o dispositivo.

    Diante do cenário legal, importa frisar que o mesmo dispositivo determina, inclusive, a notificação de indícios[10], ou seja, essa vítima será exposta não havendo certeza de violência.

    Asseverando o lesivo poder de um relacionamento opressor, em última análise, decorre uma anulação da vítima, o que faz com que essa mulher, especialmente, caso não receba apoio ou assistência externa, não encontre estrutura para realizar as manobras básicas necessárias para que, em 24 (vinte e quatro) horas, esteja pronta e preparada para se mover e se libertar da situação de violência, a qual muitas vezes, vivencia há tanto tempo.

    Desse modo, oportuno destacar ser de suma importância garantir assertividade na aplicação da legislação de proteção à mulher; idem, na efetividade da criação de medidas à promoção da real acolhida e do fortalecimento das vítimas dos relacionamentos abusivos. Legislações sem lastro real sobre a aplicabilidade e os impactos, efetivamente, prejudicam mais do que auxiliam na verdadeira erradicação deste novelo de afrontas e abusos contra a mulher.

    A mulher vítima de agressão precisa ser acolhida, protegida em seus direitos e devidamente cuidada. E, naquilo a que se refere esse cuidado, é preciso esclarecer que o atendimento médico o pressupõe, mais a proteção; contudo, ao obrigar esse profissional a expor a paciente, como não encarar o impacto real da referida legislação de forma fria e impessoal, obrigando, em última análise, que o profissional da saúde atue sobrepujando sua própria ética de cuidado e proteção?

    5. COMBATE IDEAL?

    A violência contra a mulher pode se dar de diversas formas e, extremas. De modo geral, atinge e afeta, antes de tudo, a própria dignidade da pessoa, valor fundamental para uma vida íntegra e sadia. Atualmente não é possível aceitar que uma legislação tão recente não proteja de forma real a mulher que precisa ter sua dignidade protegida da forma mais ampla possível. A dignidade do indivíduo e o conceito de dignidade da pessoa humana, valor fundamental da Constituição da República Federativa do Brasil[11] - deve sobrepujar toda e qualquer interpretação.

    Ao analisarmos a legislação em debate é possível perceber a preocupação do legislador em reduzir a subnotificação de casos de violência contra as mulheres, mas, na realidade, a norma estabelece outra realidade. Considerando ser o suposto agressor o marido, o pai, ou o avô da vítima, por exemplo - o que é extremamente comum - e considerando também uma relação de afeto e dependência entre eles, conforme citado anteriormente, é possível que, por própria escolha, essa mulher não tenha interesse em registrar o ocorrido, de imediato. Porém, fato é que a legislação em comento não permitirá que a mulher se safe dessa escolha, pois com a imposição ao profissional de saúde em fazê-la sem o consentimento da paciente, mesmo que ela não queira registrar ou prosseguir, a ela será imposta a vontade do Estado, tendo sido esses direitos também retirados dela.

    Havendo a notificação determinada pelo

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