Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

A Aplicação e Efetivação dos Direitos Fundamentais entre Particulares: um estudo sobre a eficácia horizontal
A Aplicação e Efetivação dos Direitos Fundamentais entre Particulares: um estudo sobre a eficácia horizontal
A Aplicação e Efetivação dos Direitos Fundamentais entre Particulares: um estudo sobre a eficácia horizontal
E-book351 páginas4 horas

A Aplicação e Efetivação dos Direitos Fundamentais entre Particulares: um estudo sobre a eficácia horizontal

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

A obra : "A aplicação e efetivação dos direitos fundamentais entre particulares: um estudo sobre a eficácia horizontal", consiste num estudo científico acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, a aplicação dos direitos fundamentais entre particulares, utilizando como suporte teórico sempre a teoria constitucional dos direitos fundamentais mais abalizada, através da elucidação envolvente, porquanto científica, de métodos e princípios hermenêuticos para essa compreensão bem como das decisões majoritárias dos Tribunais pátrios e internacionais para um entendimento mais prático. Primando por um rigor científico, porém, sem preciosismos acadêmicos O autor apresenta um cenário cognitivo de estudo dos direitos fundamentais perpassando por aspectos teóricos e práticos, numa linguagem acessível e didática, sendo indicada para estudantes e profissionais da área jurídica, das ciências humanas de forma geral, bem como para todas as pessoas que possuem interesse de entender melhor e de maneira mais aprofundada a aplicação dos direitos fundamentais entre particulares em nosso ordenamento jurídico pátrio.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de out. de 2020
ISBN9786558773467
A Aplicação e Efetivação dos Direitos Fundamentais entre Particulares: um estudo sobre a eficácia horizontal

Relacionado a A Aplicação e Efetivação dos Direitos Fundamentais entre Particulares

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de A Aplicação e Efetivação dos Direitos Fundamentais entre Particulares

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    A Aplicação e Efetivação dos Direitos Fundamentais entre Particulares - Edson Vieira de Paula Júnior

    intrínseca.

    1 - PREMISSAS METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: PERSPECTIVAS EPISTEMOLÓGICAS

    1.1 - Exposição da problemática acerca do tema: explicação necessária face aos aspectos multidimensionais de direitos fundamentais e sua aplicação inter privatos.

    A questão dos Direitos Humanos/ Fundamentais vem-se tornando, nos dias atuais, cada vez mais carecedora de um estudo aprofundado, que expresse nitidamente um caráter científico, ao mesmo passo que forneça uma hipótese de verificação legítima. Vivencia-se uma época de intensa transformação social, dessa feita, de modo mais veloz do que se verificou ao longo de toda construção do sistema jurídico, cujos fatores socioeconômicos e políticos tendem a abalar o real significado estrutural e conjuntural desses Direitos imprescindíveis e essenciais à construção da dignidade humana.

    Inobstante já serem tão evidenciados os Direitos Humanos fundamentais na atualidade, sendo neste esteio objeto de intensa pesquisa e estudo por parte das mais variadas áreas do saber humanístico. Ainda, depara-se, não raramente, com profundas confusões conceituais, ou no mínimo, com métodos utilizados para sua investigação e aplicação que não se coadunam com suas bases principiológicas. Não obstante, dotados de máxima efetividade e situação privilegiada num texto constitucional de estrutura rígida, como o do Brasil, soberbamente protegido com cláusulas de inviolabilidade, por imposição do próprio sistema democrático em que se acham inseridos. Conquanto tais direitos se encontrarem elaborados a partir de axiomas que requerem uma peculiar forma de exposição de seu conteúdo e, consequentemente, a possibilidade de eficiente aplicabilidade.

    O tema toma maior relevo, quando se tem em vista que referidos equívocos, quanto à estrutura destes direitos, inviabilizam sobremaneira a construção e proteção do conceito de dignidade humana, contrapondo-se de maneira contundente aos imperativos de um Estado Democrático de Direito. Na medida, também, em que a análise apenas superficial daqueles gera óbices em sua compreensão, por parte dos mais diversos segmentos estatais dotados de soberania, em face ao destaque que possuem, ou ao menos deveriam possuir nas relações jurídicas em que permeiam. Mormente e ainda no que concerne a essa compreensão frente ao objetivo do presente trabalho, que se ocupa mediatamente da investigação de tais Direitos, explicitando seus caracteres essenciais (na maioria das vezes impossível apenas por um método dogmático-silogístico ou por assim dizer, lógico-formal), e imediatamente sua aplicação entre particulares.

    Neste sentido, impõe-se delimitar o tratamento apropriado que se objetiva imprimir quanto à matéria Direitos Fundamentais, sempre com vistas às peculiaridades que lhe são próprias.

    Quando se refere aos Direitos Fundamentais e sua concretização em face da exigência de um Estado Democrático de Direito, com escopo de conter uma instabilidade jurídico-social, almeja-se, aprioristicamente, imprimir um tratamento a esses direitos que se coadune com o sentido de Constituição aberta albergado no sistema constitucional pátrio vigente. Este sistema foi construído com uma significante inspiração de cunho sociológico (acentuado no país a partir da reabertura democrática, consolidada com a instauração da carta política de 1988). Neste sentido, o conceito de Constituição aberta ganha força e adesão a partir do estado caótico em que se viu a sociedade após a Segunda Guerra. Pois o velho sistema jurídico ou a forma como se aplicava regulamentações normativas nas relações intersubjetivas estavam atreladas a um obsoleto e engessado paradigma jurídico, com inspiração no código napoleônico de 1804, que não respondia mais com um aparato normativo conivente com a situação de insegurança e caos social em que esta mesma sociedade via-se mergulhada. Caos representado não só por aspectos isolados, mas sim, por uma soma de fatores derivando num processo que resultaria nas lições de Luhmann (apud NEVES, 1996) em uma hipercomplexificação social.

    A hipercomplexificação social traria como característica elementar própria à completa modificação de paradigmas nos mais diversos segmentos da vida social dentro daquele contexto histórico do pós-guerra. O binômio certeza e segurança jurídica não pareciam mais consistentes diante da real tensão exercida, sobretudo, por fatores econômicos e políticos instaurados de certa forma de maneira instável e desestabilizante na sociedade. Culminou, enfim, na necessidade de reconstrução, ou melhor, de uma releitura dos estatutos jurídicos até então utilizados. Pois não forneciam mais subsídios adaptados coerentemente aos fatos determinantes daquele estágio conflituoso em que se encontravam as pessoas e seus modelos sociais, em referência às relações normativo-jurídicas em que faziam parte reciprocamente, e também em face do Estado.

    No campo prático, pode-se apontar como expressão de equívocos apoiados numa obsoleta postura jurídica, o posicionamento da magistratura, mesmo que de maneira não generalizante, pautado numa concepção de juiz boca de lei. Concepção em que o magistrado adota uma postura conservadora, erigindo ao grau máximo o que se pode denominar de fetichismo legal, derivando este necessariamente do "modelo do legislador como monopolista das fontes de produção do direito, e do juiz como mero aplicador mecânico das leis produzidas pelo legislador" (ROCHA, 1995, p.107).

    O acerto ora feito possui suas raízes fincadas num longo processo histórico, a posição estatal assumida pelo juiz como mero aplicador mecânico das leis produzidas pelo legislador, torna-se clara a partir da concepção jurídica instaurada pela revolução francesa de 1789.

    Neste marco histórico, houve uma mudança estrutural tanto na ordem política, como nas demais relações sociais. A visão extremada de igualdade entre os homens fez nascer a perspectiva de uma nova arquitetura social a burguesia vitoriosa com a queda do regime absolutista pautado no ancien regime. Ávida pela manutenção do status quo adquirido, cria uma estrutura própria de poder sob a égide da igualdade e da liberdade formal, representada somente perante a lei, suprimindo, portanto, quaisquer prerrogativas corporativas, clericais ou nobiliárquicas. Essa visão faz nascer uma série de princípios que repercutem tanto na esfera pública como na órbita privada (PEREIRA, 2003). Assim, assevera Canotilho:

    Seja em nome da razão, seja em nome da realização do projeto da modernidade, as constituições oitocentistas rasgaram conformadoramente a ordem jurídica civil. E os temas que nela operam serviram para dar liberdade e autonomia aos sujeitos envolvidos e presos nas malhas estamentais e nobiliárquico-feudais. (CANOTILHO 2001, apud PEREIRA, 2003, p. 125-126).

    O paradigma liberal de Estado e, por conseguinte, sua visão imposta à ciência jurídica teve sua construção inspirada decisivamente no jusnaturalismo contratualista, notadamente nos séculos XVII e XVIII, por meio de juristas e escritores progressistas (ROCHA, 1995). Por exemplo, Rousseau, que incisivamente legou contribuições amplas para a própria ideologia individualista de direitos fundamentais, bem como Montesquieu, que por conflitar com a magistratura, dado ao seu caráter político reacionário cria o termo juiz boca da lei (la bouche de la loi). Objetiva-se, assim, a formação de um juiz impessoal, controlado, limitado exclusivamente pelo aspecto positivista-legalista, deturpando a aplicação normativa do direito, transformando a sua atuação num dogmatismo não condizente com os reclames da sociedade de então, desvirtuando o real sentido de justiça. Nas lições de Ferraz Júnior (1997), tais considerações são bastante elucidativas,

    Já falamos desta característica da dogmática. Ela explica que os juristas, em termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendê-lo e torná-lo aplicável dentro dos marcos da ordem vigente. Esta ordem que lhes aparece como um dado, que eles aceitam e não negam, é o ponto de partida inelutável de qualquer investigação. Ela constitui uma espécie de limitação, dentro da qual eles podem explorar as diferentes combinações para a determinação operacional de ‘comportamentos jurídicos possíveis’ [...].

    [...] Esta limitação teórica pode comportar posicionamentos cognitivos diversos que podem conduzir, por vezes, a exageros, havendo quem faça do estudo do direito um conhecimento demasiado restritivo, legalista, cego para a realidade, formalmente infenso à própria existência de fenômeno jurídico como um fenômeno social; pode nos levar ainda a crer que uma disciplina dogmática constitui uma espécie de prisão para o espírito, o que se deduz do uso comum da expressão ‘dogmático’, no sentido de intransigente, formalista, obstinado, que só vê o que as normas prescrevem (FERRAZ JÚNIOR, 1994, p.48).

    Essa visão da dogmática jurídica adquire contornos a partir de um enfoque teórico-crítico do direito que no Brasil inicia-se na década de 1970 (WOLKMER Apud SCHIER, 1999). É uma reação a um regime político autoritário, oriundo do golpe militar de 1964, que lhe concedia mais segurança contra os ataques político-ideológicos do então regime ditatorial.

    Com efeito, a partir desse enfoque que teve origem sob a ótica de direito transmitida historicamente pelos critérios da pura razão, demonstrados mediante as teorias jurídicas de cunho jusnaturalista contratualista, é transformado o magistrado num simples instrumento de aplicação da lei. À época, fazia parte da única classe representada no parlamento, estando, pois, sob suspeita de agir ainda de acordo com as arbitrariedades do monarca, portanto, em perspectivas condizentes com o velho regime. No entanto, para a burguesia representaria um retrocesso, já que seu ideário da revolução pautava-se na limitação do poder absolutista, sendo indispensável, então, a ideia de segurança jurídica dentro daquele contexto histórico.

    Apesar desta concepção de direito encontrar-se sob contornos inteiramente arcaicos, ainda se encontra certas vezes, embora na atualidade de forma mitigada, a resistência de tribunais. Principalmente, com respeito aos seus cortes constitucionais, seja nos sistemas jurídicos alienígenas, ou mesmo diante do sistema jurídico pátrio, quando se trata de emprestar um outro tratamento à ciência jurídica, que não aquele condizente com as necessidades imperiosas dos fatos sociais em que incidirão suas normas de conduta. Principalmente, com respeito aos direitos fundamentais, os quais são possuidores de um núcleo axiológico, portadores de dimensões de cunho ideológicas, a despeito, reproduzem continuamente a noção de ordenamento jurídico como um sistema coerente, completo e independente da realidade socioeconômica, como bem assinala o professor Albuquerque Rocha (1995).

    No mesmo sentido, assevera ainda o professor quando trata da práxis no judiciário pátrio,

    O modelo que vimos de esboçar prevaleceu, na Europa, até os anos 60 e 70 deste século, quando foi abandonado por não atender mais às novas e complexas realidades dos tempos atuais, que determinaram um deslocamento nos papéis dos poderes estatais.

    No entanto, entre nós, o velho modelo prossegue alimentando a cultura jurídica e guiando a práxis de boa parte de nossa magistratura.

    A concepção do juiz boca da lei ainda vigente na doutrina e na prática da magistratura não é um fato destituído de efeitos práticos.

    Na verdade, a reverência dogmática da magistratura à lei obedece à lógica do sistema, que reclama, de um lado, a efetividade da velha legislação tuteladora dos interesses longamente hegemônicos e, de outro lado, a não aplicação do novo direito, representado pela constituição de 1988, que, pelos princípios que lhe servem de fundamento e pelos valores superiores que consagra, constitui a mais importante ferramenta para superar as antigas estruturas e, por consequência, para emancipar as classes populares, assumindo, assim, um claro significado democrático-social (ROCHA, 1995, p. 109).

    Faz-se mister destacar que a ciência jurídica possui como postulado operacional a regulamentação da vida em sociedade. Portanto, a utilização de dogmas torna-se indispensável para a concretude deste fenômeno, pois sem uma base que sirva de referencial, sem pontos fixos de referência, tornar-se-ia impossível o exercício da jurisdição, exatamente por carência de elementos que otimizassem a comunicação. Por conseguinte, não haveria como fixar condutas norteadoras de uma sociedade num dado contexto espaço-temporal. Todavia, não é menos correto afirmar que quando se trata de formular dogmas os quais regulem a vida em sociedade, deve-se ter em conta as exigências impostas por todo o sistema, o qual primazia aos preceitos constitucionais consignados na carta democrática de 1988. Desta forma, deverão ser vislumbrados tanto os aspectos de validade e eficácia, quanto os aspectos de coerência e legitimidade.

    Ademais, quando se trata de direitos fundamentais, deve-se observar sempre e como ponto inegável que quanto à taxionomia no texto constitucional vigente em que se figuram, respondem por uma configuração específica. Desta forma, impõem um tratamento valorativo e ao mesmo tempo concretizador, na medida em que representam para um Estado Democrático os anseios mais almejados de um corpo social. Ainda, à luz do entendimento de que tais direitos estão insculpidos no documento de extrema normatividade que acentua o sentido jurídico de Constituição, portanto, torna-se imprescindível uma interpretação adequada dos mesmos e, por consequência lógica, uma compreensão no mínimo ratificadora de anseios jurídico-sociais.

    Destarte pode-se advogar que o molde a ser utilizado pelo magistrado no momento do exercício interpretativo de suas funções seja mais afinado, mesmo que em cada caso em concreto a ele apresentado, com todos os aspectos e elementos formadores de direitos fundamentais (considerado toda a sua multidimensionalidade). Não só aqueles limitados a um silogismo cartesiano-aristotélico que tendem por esvaziar por completo todo o conteúdo axiológico destes princípios, marcadamente impressos mediante um regime político democrático num Estado de Direito.

    Quadrando-se no mesmo fundamento, disserta com propriedade Ferraz Júnior,

    [...] É preciso esclarecer o seguinte: quando se diz que o princípio básico da dogmática é o da inegabilidade dos pontos de partida, isto não significa que a função dela consista nesse postulado, ou seja, que ela se limite a afirmar, repetir dogmas pura e simplesmente. A dogmática apenas depende deste princípio, mas não se reduz a ele. Neste sentido, uma disciplina dogmática, como a jurídica (a teologia é outro exemplo), não deve ser considerada uma prisão para o espírito, mas sim um aumento da liberdade no trato com a experiência normativa. Isto porque, se com a imposição de dogmas e regras de interpretação, a sociedade espera uma vinculação dos comportamentos, o trabalho do teórico cria condições de distanciamento daquelas vinculações. O jurista, assim, ao se obrigar aos dogmas, parte deles, mas dando-lhes um sentido, o que lhe permite certa manipulação. Ou seja, a dogmática jurídica não se exare na afirmação do dogma estabelecido, mas interpreta sua própria vinculação, ao mostrar que o vinculante sempre exige interpretação, o que é a função da dogmática. De um modo paradoxal podemos dizer, pois, que esta deriva da vinculação a sua própria liberdade. Por exemplo, a Constituição prescreve: ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O jurista conhece esta norma como o princípio da legalidade. Prende-se a ele. Mas que significa aí a lei? Como é ele quem vai esclarecer isto, cria-se para o jurista um certo âmbito de disponibilidade significativa: lei pode ser tomada num sentido restrito, alargado, ilimitado etc. [...] (Ferraz Júnior, 1994, p.49).

    Da impessoalidade do jurista (como consectário lógico da dogmática), que trata como imperativo de uma ordem jurídica segura a qual pode ser assimilada, no entanto, por uma expressiva acentuação de uma atividade limitativa e contida do juiz quando na aplicação do direito. Isto poderia ser interpretado como uma maneira de afastamento do real conteúdo das normas jurídicas. Haja vista que o magistrado como sujeito cognoscente do direito, e este por sua vez enquanto objeto cogniscível de seu estudo, não parte da sua apreensão deste de forma absolutamente neutra, por não se constituir tal ação em atividade humanamente possível.

    O juiz, diferentemente, como um ser humano está inserido numa malha de elementos socioculturais, portanto, plenamente suscetível a formular proposições expressas por decisões (sentenças, acórdãos etc.), no exercício estatal de sua jurisdição. No entanto, nada impede que tais decisões não se coadunem com direitos fundamentais em seus mais variados aspectos, inclusive quanto à atenção de que possuem prerrogativas sobre os demais institutos normativos que se encontrem hierarquicamente abaixo da Constituição.

    Quando se fala em elementos socioculturais como ponto a ser vislumbrado pelo magistrado no exercício da jurisdição, parte-se do entendimento que estes aspectos formadores de quaisquer produções em relação ao ser humano têm como gênese toda carga de informações adquiridas também pelo juiz ao longo de sua convivência social. Como um ser social é, por conseguinte, suscetível a influxos culturais ideológicos, advindos do contexto espaço-temporal em que foi desenvolvida sua capacidade intelectual crítica-analítica. Deste modo, os aspectos ideológicos, morais, religiosos e econômicos do magistrado podem perfeitamente direcioná-lo a uma ou outra decisão jurídica, partindo de uma falsa concepção de segurança e certeza, objetivando uma visão estritamente dogmática de direito. Poderá, então, está imprimindo, mesmo despercebido, também critérios valorativos acerca de institutos de natureza por assim dizer extra jurídica como critério de aferição do que se tenha como justo ou injusto.

    Com efeito, pode-se perfeitamente encontrar na velha dogmática, oriunda da construção ideológica do código napoleônico de 1804, alusão aos institutos notadamente valorativos como, por exemplo, a boa-fé tradicionalmente inserida no contexto de uma dogmática-civilística. Embora se deva consignar que tal instituto jurídico é dotado de conceituação elástica e difusa, consubstanciando-se num verdadeiro sistema de valores. Por isso, exige-se um esforço de interpretação mais voltado para o caso concreto com o fito exclusivo de se obter uma melhor compreensão do fenômeno jurídico-sociológico em que se defronta o operador do direito no momento de sua atividade interpretativa.

    Percebe-se de forma geral no sistema jurídico pátrio, uma vastidão de normas jurídicas que possuem uma estrutura de normas - regras as quais requerem um exercício hermenêutico com estreita aproximação daquele necessário para aferição de normas - princípios, exatamente na medida em que traz em seus bojos uma série de significações valorativas. De maneira exemplificativa, pode-se citar o artigo 51, inciso IV, da lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990, O nosso Código de Proteção e Defesa do Consumidor, in verb,

    São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV-estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. (BRASIL, 1992, grifo nosso).

    Em um diploma dotado do mais alto grau de interesse público, que diz respeito aos interesses jurídicos, os quais primam por uma sólida segurança jurídica, estão inclusos dispositivos normativos os quais para seu pleno entendimento necessitam de um exercício interpretativo aberto, coordenado com os elementos sociológicos que o caso concreto dispuser. Dessa forma, quando se trata da temática eleita como pesquisa, à necessária incursão na teoria do direito, mais especificamente numa teoria de aplicabilidade das normas jurídicas, mormente as de estrutura principiológicas, já se impõem com uma complexidade típica de assuntos que tratam de direitos fundamentais. Principalmente, quando se quer um tratamento que vislumbre a eficácia, a validade e o alcance destes direitos entre particulares.

    Torna-se imprescindível, portanto, que a abordagem do tema se dê com utilização de vários tópicos, assinalando as consequências advindas da análise multifacetada que os mesmos impõem. Exatamente porque as posições acerca do tema não são homogêneas, pois dependem de inúmeros paradigmas, socioeconômicos, político-jurídicos, e até de circunstâncias histórico-institucionais, razão pela qual se torna imperiosa a diversidade de formulações baseadas em disciplinas metajurídicas.

    Torna-se lícito afirmar, que não se faz necessário o estudo dos princípios e suas peculiaridades normativas para chegar à conclusão de que é impossível o estudo do direito sem formulações cujo objeto de estudo é os valores, visto que não se trata de questões analisadas de forma neutra, causal. Assim, diante do conceito de dogmática como construção jurídica neutra e isenta de quaisquer outros aspectos, vislumbra-se a possibilidade de normas jurídicas, que não obstante possuírem estrutura de normas regras, possibilita uma percepção vasta de valores (ou em outras palavras, embasadas em juízos de valor). Por conseguinte, deriva-se a obrigatoriedade do posicionamento do magistrado como copartícipe direto da construção do direito através de racionalizações valorativas.

    Isto evidenciado torna-se fácil inferir de forma significativa a inconsistência do argumento de postular um direito "seguro", por simples afastamento de princípios de natureza geral ou até mesmo, e de forma mais preocupante, os de natureza constitucional. Torna-se mais incoerente quando se deve perceber quanto aos princípios constitucionais à sua estrutura normativo-material e à função que desempenham no âmbito do ordenamento jurídico (COELHO, 1997, p. 35).

    Nesse entendimento, ensina Gustavo Tepedino,

    No caso brasileiro, a introdução de uma nova postura metodológica, embora não seja simples, parece facilitada pela compreensão, mais e mais difusa, do papel dos princípios constitucionais nas relações de direito privado, sendo certo que doutrina e jurisprudência têm reconhecido o caráter normativo de princípios como o da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade, aos quais se tem assegurado eficácia imediata nas relações de direito civil. (TEPEDINO, 2000, p.12).

    Neste tocante, já se pode intuir que a eficácia, e aplicação de princípios fundamentais, ou melhor, dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada, é consequência de um amadurecimento histórico da sociedade como maneira de readequação de modelos jurídicos não mais condizentes com a realidade imposta, principalmente numa sociedade pós-moderna. Uma reestruturação, portanto, da aplicabilidade do direito, envolvendo diversos fatores, como uma nova visão de dogmática jurídica. Assim, a imposição do entendimento quanto aos princípios constitucionais, como normas dotadas de extrema normatividade (entendimento firmado principalmente após a segunda guerra mundial, e com robusta colaboração teórico-jurídica de Konrad Hesse), e, por conseguinte, a necessidade de aplicação de uma hermenêutica constitucional própria - ou interpretação de acordo com a Constituição, por meio da harmonização de vários métodos – realidade jurídica inteiramente moldada para a emergente realidade político-social, e não propriamente a construção de uma nova teoria relativa a direitos fundamentais é o que se deverá demonstrar na continuidade do presente trabalho.

    Deste modo, quando se faz remissão a ideia de aplicação de direitos fundamentais entre particulares (seja de forma mediata ou imediata), como consequência de um amadurecimento histórico da sociedade sob diversos ângulos, jurídico, econômico, e sociocultural, faz-se mister delimitar o enfoque que se deseja emprestar a tal proposição.

    Decerto, quando se faz alusão a um amadurecimento histórico da sociedade tendo como base a aplicação de direitos fundamentais inter privatos, parte-se do viés de história enquanto impulso redefinidor da sociedade em seus múltiplos aspectos, com ênfase em seu elemento evolucionista. No entanto, não só neste aspecto isolado, como também no sentido de história como instrumento interpretativo da realidade, a partir de dados verificados no passado, mas apreendidos de maneira crítico-analítica.

    Explica-se melhor, desde Augusto Comte os cientistas sociais procuraram legitimar-se socialmente entre seus pares estabelecendo limites epistemológicos para a delimitação do que seria compreendido como ciências sociais. Nestes termos, o século XIX foi prodígio de teorias sociais que equiparavam as ciências humanas às ciências naturais. Nessa perspectiva, a História tornou-se fundamental, pois legitimava os insipientes projetos de definição das nações; o passado passa a ser um elemento indispensável na legitimação da marcha evolutiva que teria estabelecido, quase que naturalmente, as estruturas sociais existentes no presente. Nasciam, assim, acobertadas de legitimidade, o que se denominou de teorias evolucionistas.

    É somente a partir dos anos sessenta do século XX, com a aproximação da antropologia social e a reaproximação da filosofia, e da sociologia com aspectos mais culturais, que uma leitura mais interpretativa do passado passou a compor o repertório dos historiadores: socialistas, ou culturalistas. Passam a ler, quase de forma consensual, o passado, como sendo uma interpretação, ou um instrumento interpretativo dentre os muitos possíveis, e não uma lição para as gerações presentes e futuras.

    Neste enfoque, a História perde sua característica exclusiva de evolucionista e ganha contornos interpretativos, assim para historiadores adeptos da "História Social e História Cultural", que não se justifica apenas como um processo inevitável de evolução, determinada por um ciclo constante e contínuo de progresso. Muito mais que isso, a história passa a ser a narrativa que interpreta, sob esse enfoque, como maneira interpretativa da realidade. Uma vez este viés assumido, aquela passa a ser um arquivo fornecedor de subsídios elementares que proporcionem a investigação lúcida da sociedade atual, portanto, passa a ser vislumbrada a partir de um certo grau de relatividade, como maneira, ou um dos aspectos em que se pode apoiar o cientista no estudo da realidade social a que se propõe.

    Decerto, essa forma inovadora de se perceber os fenômenos históricos contribuiu largamente para uma visão menos estanque e determinista da sociedade. Quebraram-se paradigmas construídos em aspectos nitidamente preconceituosos acerca da superioridade de determinados grupos sociais em relação aos demais, apenas por consorciar evolução, progresso com termos como civilização, que parte de uma visão unilateral de um ou de alguns grupos sociais que acreditam serem os civilizados.

    A concepção de hegemonia de sociedades civilizadas sobre outras supostamente incivilizadas, possuindo como amparo um discrímen irrazoado, exatamente por possuir como base de análise toda uma complexidade de aspectos culturais, não ganha consistência,

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1