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Metamorfose do Risco:  uma mudança paradigmática da pós-modernidade
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Metamorfose do Risco:  uma mudança paradigmática da pós-modernidade
E-book184 páginas2 horas

Metamorfose do Risco: uma mudança paradigmática da pós-modernidade

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Sobre este e-book

Entramos em uma nova etapa da modernidade, cada vez mais ocupada em debater, prevenir e gerenciar os riscos socialmente produzidos e que são resultado direto do progresso tecnológico. Esses novos riscos de alta consequência são diferentes de tudo que já enfrentamos no passado, tanto em escala quanto em complexidade. E, por serem diferentes de tudo que conhecemos e por estarem inerentemente conectados a muitos dos aspectos essenciais da modernidade, tais riscos infectam nossa sociedade com um sentimento fundamental de vulnerabilidade.
As sociedades modernas são moldadas por novos riscos e incertezas fabricadas. Suas fundações são abaladas pela antecipação da catástrofe global. Os riscos estão cada vez mais permeando a sociedade moderna, afetando nossa cultura, nossa política e nossos espíritos.
No advento da sociedade reflexiva de riscos, vemos florescer as incertezas científicas, o medo do desconhecido, o futuro incerto, tudo isso em meio a uma complexidade social, a uma crise do Estado-nação e ao colapso de uma ordem social sustentada por paradigmas que não mais respondem aos maiores anseios da sociedade pós-moderna. Embora sempre tenham sido inerentes à sociedade, os riscos de hoje se diferenciam daqueles de outrora por seus aspectos de globalidade, imperceptibilidade e irreversibilidade decorrentes do modelo político-econômico adotado. Como respondemos a tudo isso — enquanto sociedade global — é que continua um verdadeiro mistério.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de mar. de 2022
ISBN9786525231020
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    Metamorfose do Risco - Bruno Vinciprova Pileggi

    1. PÓS-MODERNIDADE E A LIQUIDEZ DO MUNDO

    Certa vez, ouvindo uma palestra proferida pelo bispo anglicano John Robert Reid, me deparei com a mais simples e talvez perfeita definição da pós-modernidade. Contava o bispo uma piada na qual dois marinheiros australianos desembarcaram em uma cidade portuária inglesa e, a fim de aproveitar a vida noturna da cidade, se dirigiram ao primeiro pub que encontraram. Depois de algumas bebidas e já um tanto embriagados, os dois saíram do estabelecimento, caminhando sob a forte neblina típica da região. Neste momento avistaram um homem que vinha caminhando em sua direção. Sem saber que se tratava de um condecorado oficial naval britânico, os australianos se dirigiram a ele e foram logo perguntando: Diga aí cara, você sabe onde estamos?. Nitidamente ofendido o oficial retrucou: Vocês têm ideia com quem estão falando?. Eis que um australiano vira para o outro e diz: Estamos realmente encrencados, nós não sabemos onde estamos e esse aí não sabe nem quem ele é. Esta parece ser a mais pura explicação da pós-modernidade. Não sabemos onde estamos, quem somos, mas ainda assim estamos tentando entender algo sobre a nossa realidade.

    Mas afinal, o que é pós-modernidade? Segundo o Modern-day Dictionary of Received Ideas³ This word has no meaning. Use it as often as possible⁴. O termo pós-modernidade tem sido utilizado com grande frequência das mais variadas formas imagináveis. Sua popularidade parece derivar da facilidade com que o termo pode significar qualquer coisa para qualquer um. Mas não se deve assumir que não há importância no verdadeiro sentido da palavra. Teria a pós-modernidade induzido uma transformação radical na cultura, principalmente entre os Estados ocidentais e, em caso afirmativo, teria sido tal mudança boa ou ruim. Definir a pós-modernidade não é apenas definir um termo. É definir verdadeiramente uma era e, a partir daí, medir como responder às novas realidades que dela emergem⁵.

    Quais seriam as características mais marcantes da nossa era? Talvez quem mais tenha se aproximado de uma explicação clara a respeito da condição pós-moderna seja Jean-François Lyotard, para quem a era pós-moderna é aquela em que o grande relato perdeu sua credibilidade⁶, isto é, essencialmente, a perda na credibilidade do progresso.

    Se for este o caso, estamos realmente diante de uma grande mudança cultural. Como abordaremos em seguida, toda a civilização — desde os tempos da antiguidade grega — guiou-se pela crença no progresso⁷ e na busca da felicidade. A modernidade — fundada na ideia de progresso pelo conhecimento, pela razão, pela tecnologia, pelas artes e pela economia — foi responsável pela secularização da escatologia e da escolástica cristã. As premissas centrais da civilização ocidental foram reescritas em uma nova linguagem. Acontece que, sem credibilidade no futuro, toda a estrutura na qual se sustentava a cultura ocidental se vê ameaçada de ruir.

    Em seu projeto, Nietzsche — um crítico de seu tempo e da modernidade — conseguiu compreender o significado do surgimento, do desenvolvimento e da destruição da ideia de progresso na sociedade ocidental:

    Desde a Antiguidade, pusemos o valor de uma ação, de um caráter, de uma existência na intenção, no fim em virtude do qual se fez, viveu, agiu: essa arcaica idiossincrasia do gosto toma, por fim, um rumo periclitante - posto que, nomeadamente, a falta de intenção e de fim do acontecer venha, cada vez mais, para o primeiro plano da consciência. Com isso, parece preparar-se uma desvalorização universal: nada tem sentido - essa melancólica sentença quer dizer que todo sentido jaz na intenção e, como a intenção falta absolutamente, então falta também absolutamente o sentido. Segundo aquela valoração, o valor da vida foi forçosamente deslocado para um vida depois da morte; ou para o progressivo desenvolvimento das ideias, ou da humanidade, ou do povo, ou para além do homem; com isso chegou-se, no progressus do fim, ao infinitum; tinha-se, enfim, a necessidade de constituir para si um lugar no mundo-processo (com a perspectiva dessacralizante de que este talvez seja o processo em direção ao nada).

    Certo é que, conforme ensina Viviane Mosé, o terreno firme onde sempre acreditamos pisar, a materialidade do mundo, a verdade, a realidade, hoje sabemos, é água corrente, fluxo sobre o qual construímos imensas parafernálias discursivas e técnicas que desabam⁹.

    1.1 DA PROVIDÊNCIA AO NIILISMO

    Ao longo da história, percebe-se uma constante na evolução do ser humano, sua eterna tentativa de melhorar o mundo e se fazer mais humano¹⁰. O que nos parece, entretanto, é que ao longo do caminho o Homem se dirigiu em direção ao nada. Para entendermos o mundo em que vivemos, essencial que tenhamos em mente o processo do pensamento que conduziu o Homem ao momento em que se encontra hoje. Para tanto, de forma breve, proponho abranger esse processo em três momentos distintos: o período pré-moderno (ou do niilismo negativo), o moderno (ou do niilismo reativo) e o pós-moderno (ou do niilismo passivo).

    1.1.1 A PRÉ-MODERNIDADE

    Historicamente, pode-se conceituar o período pré-moderno como aquele cunhado sob uma visão de mundo pautada no fundamentalismo judaico-cristão, isto é, na doutrina da providência¹¹. Esta doutrina foi responsável por influenciar de forma eficaz toda a civilização ocidental, determinando a forma de agir, pensar e se organizar de toda a sociedade¹².

    À época, criou-se a ideia de que através do governo de Deus haveria uma ascensão natural do Homem ao progresso. Ocorre que, embora muito se tenha esperado, tal melhoria não veio. Diante da falta de sucesso da proposta pré-moderna e de toda a confiança depositada na providência divina, começa a surgir ao final do século XVII¹³ um rápido processo de racionalização da sociedade, alavancado pelo impacto do pensamento iluminista emergente¹⁴.

    A insatisfação com o plano pré-modernista, aliado ao surgimento de um ideal científico sólido, possibilita ao Homem enxergar a sua predisposição à criação e ao desenvolvimento, quando emancipado de Deus.

    1.1.2 A MODERNIDADE

    Dizia Nietzsche Para onde foi Deus? […] Já lhes direi! Nós o matamos — você e eu. Somos todos os seus assassinos¹⁵. Com a morte de Deus, a intervenção divina foi finalmente substituída pela razão humana. Nesse momento, viu-se surgir um novo tipo de humano, o sujeito autorreferente moderno¹⁶.

    O pensamento racional foi responsável por conduzir o ser humano em direção a um caminho supostamente sem incertezas ou ambivalências, libertando-o do mundo obscuro dos ditames da religião e da crença cega.

    Este novo juízo de negação do saber da Igreja, em busca de uma visão autônoma em relação a Deus, é o que finalmente leva à modernização da sociedade como um todo (cultura, política, economia, relações sociais etc.), bem como à ciência como a conhecemos hoje (revolução científica moderna)¹⁷.

    O Homem assume as rédeas que conduzem sua própria história, se colocando não apenas como parte desta jornada, mas sim no eixo central deste novo sistemas de valores sustentado na técnica e na consciência humana de poder interferir e transformar a sua realidade a partir de sua própria inteligência¹⁸.

    Na estrutura dessa sociedade encontra-se a afirmação da razão, da ciência e da técnica como as únicas fontes do conhecimento, capazes de guiar o Homem em direção aos avanços que tanto almejava. Para Edgar Morin:

    As sociedades, arrancadas de suas tradições, iluminavam seu devir não mais seguindo a lição do passado, mas indo em direção a um futuro promissor e prometido. O tempo era um movimento ascensional. O progresso era identificado com a própria marcha da história humana e impulsionado pelos desenvolvimentos da ciência, da técnica, da razão.¹⁹

    Apenas aquilo que era capaz de ser medido pela razão e confirmado de forma experimental era tido como válido e verdadeiro. Essa segurança e certeza da ciência que florescia, deu azo a uma sociedade em que enquanto de um lado tínhamos a valorização da razão e do método, por outro encontrávamos a negação dos instintos, das paixões, das contradições e dos afetos, em prol da racionalidade pura²⁰.

    Conforme bem resumiu David Lyon:

    A modernidade abrange todas as mudanças significativas que aconteceram em muitos níveis desde o século XVI em diante, mudanças assinaladas pelas alterações que erradicaram os trabalhadores do campo e os transformaram em citadinos industriais móveis. A modernidade questiona todos os modos convencionais de fazer as coisas, substituindo autoridades por seu próprio arbítrio, baseada na ciência, no crescimento econômico, na democracia ou na lei. E ela debilita o eu; se, na sociedade tradicional, a identidade é dada, na modernidade ela é construída. A modernidade começou a conquistar o mundo em nome da razão; a certeza e a ordem social seriam erigidas sobre novas bases.²¹

    Como resultado, a modernidade trouxe consigo mudanças expressivas nas relações sociais, descortinando um mundo de novos paradigmas sociais nunca antes imaginados. Para os fins deste estudo, podemos citar com maior relevância, por exemplo, a estreita relação formada entre o humano e a máquina no incessante processo de industrialização. Com ela, […] aspectos como especialização, a uniformidade, a padronização, se tornaram características comuns da vida moderna²². Podemos citar, ainda, as diversas mudanças sociais como a separação do trabalho, do lazer, da vida doméstica e da religião; a forte distinção entre o público e o privado; a delegação de tarefas antes atribuídas à família e à Igreja ao Estado (ensino, saúde, comunicação etc.); e o progressivo processo de urbanização.

    Segundo Ulrich Beck:

    A visão de mundo moderna se baseava na chamada fé no progresso — a saber, a transferência da crença religiosa na salvação para as forças produtivas terrenas, seculares, da tecnologia e da ciência. Aqui, também, crença significa confiança no invisível, nesse caso, na potencial capacidade dos seres humanos e de suas instituições para resolver os problemas da existência com crescente precisão e

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