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Letras Trêmulas: Livro, agenda e diário
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Letras Trêmulas: Livro, agenda e diário
E-book61 páginas34 minutos

Letras Trêmulas: Livro, agenda e diário

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Sobre este e-book

O que é uma casa? Com extrema delicadeza, a escritora Beatriz Castier funde poesia e arquitetura em seus contos, para definir e indefinir esse lugar em que se habita. Em "Letras trêmulas: livro, diário e agenda", a casa se expande para além das paisagens entrevistas por suas janelas. É metáfora de experiências vividas. É passagem para o mundo que fica logo ali, depois do mar. Mas Beatriz dribla o mar, foge dos múltiplos naufrágios, e deixa que ficção e realidade se entrelacem enquanto o texto aporta nas ilhas da sua memória.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de abr. de 2022
ISBN9786588360231
Letras Trêmulas: Livro, agenda e diário

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    Letras Trêmulas - Beatriz Castier

    LIVRO AZUL DA PROFECIA

    Falsos profetas

    As refeições da casa do Flamengo eram comandadas pela voz doce da minha avó. Somente quando todos — meu tio-avô, meus pais, meus tios, meu irmão e eu — já estávamos sentados à mesa, a dona da casa autorizava o início da cerimônia. Era pouco educado fazer perguntas sobre o que seria servido. Ao primeiro toque da sineta, surgia a entrada. Quando todos já haviam terminado aquela etapa, minha avó tocava a sineta, e aparecia o prato principal. O ritual continuava, e vinha a esperada sobremesa; depois do último toque da sineta, o cafezinho.

    Durante as longas refeições, eu, pré-adolescente, permanecia quieta, prestando atenção à conversa. Meu irmão, três anos mais velho do que eu, já se aventurava a dar suas opiniões. Os adultos falavam sobre tudo, contavam histórias e discutiam os acontecimentos políticos; e, de vez em quando, um deles se levantava e corria até a cristaleira. Lá do alto tirava o Livro Azul da Profecia. Era nele que tudo, ou quase tudo, era anotado.

    Naquele dia marcante, a cerimônia de almoço na casa do Flamengo não se realizou. Cheguei da escola, toquei a campainha e ninguém atendeu. Achei estranho. Ó de casa! Cadê vocês?, gritei e não obtive resposta. No prédio vizinho, morava uma amiga da escola e, de lá, telefonei pra casa. Meu tio atendeu: Fique onde está, e desligou. Depois do almoço com minha amiga, fiz a segunda ligação. Foi mamãe que atendeu: Melhor dormir aí esta noite. E desligou. Após dez minutos de muita ansiedade, chamei pela terceira vez, e meu pai, com voz agitada, respondeu à ligação. Achei que não deveria fazer muitas perguntas, mas queria saber como estavam todos e se podia falar com minha avó. Todos da família estão bem. Sua avó não está aqui. Quando papai desligou, tive a certeza de que algo terrível havia acontecido com vovó. À tardinha, ouvi um barulho na rua e não consegui identificar se era sirene de polícia ou de ambulância. Minha avó estava sendo levada ao hospital, e todos me escondiam isso. Por quê? À noite, antes de me deitar, liguei pra casa mais uma vez. Ninguém atendeu.

    No segundo dia fora de casa, comecei a me sentir um estorvo para aquela família vizinha que me acolhia. Minha mãe ligou pela manhã, pedindo que eu não fosse à escola e que voltasse pra casa no início da tarde. Depois do almoço, agradeci a hospitalidade e me despedi. No caminho, pensei como seria difícil encarar a morte de minha avó. Toquei a campainha, meus pais abriram a porta e me abraçaram com força. Permanecemos calados até chegarmos ao terceiro andar, onde ficavam os quartos. Entrei no de vovó, e lá estava ela, sã e salva, rodeada por meu tio-avô, meus tios e meu irmão. Mal pude sentir alívio; minha mãe segurou a minha

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