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Vivendo em comunidade: haitianos evangélicos na periferia de São Paulo
Vivendo em comunidade: haitianos evangélicos na periferia de São Paulo
Vivendo em comunidade: haitianos evangélicos na periferia de São Paulo
E-book310 páginas3 horas

Vivendo em comunidade: haitianos evangélicos na periferia de São Paulo

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Sobre este e-book

Esse livro é resultado de uma longa pesquisa etnográfica e surgiu frente a necessidade de compreender o papel que as comunidades evangélicas haitianas exercem entre seus adeptos no Brasil. A convivência com um grupo de haitianos evangélicos em um bairro periférico de São Paulo nos levou a constatar a relação entre a religião desses imigrantes e o contexto migratório em que estavam inseridos. Nesse processo foi possível perceber o cotidiano de haitianos em suas comunidades evangélicas e os dilemas enfrentados em torno de questões relacionadas a família, trabalho, saúde, educação, recepção de novos membros migrantes, acolhimento e integração.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de mai. de 2022
ISBN9786589465317
Vivendo em comunidade: haitianos evangélicos na periferia de São Paulo
Autor

Bernadete Alves de Medeiros Marcelino

Bernadete Alvesde Medeiros Marcelino Doutora em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Bacharel em Teologia e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Graduada em Pedagogia pela Universidade Guarulhos.

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    Vivendo em comunidade - Bernadete Alves de Medeiros Marcelino

    titulo

    Sumário

    Agradecimentos

    Prefácio

    Introdução

    1 - Migração: elementos conceituais e práticos

    1.1 O fenômeno migratório na atualidade: concepções gerais

    1.1.1 O conceito de Migração

    1.1.2 Macro e microprocessos

    1.1.3 Provisoriedade

    1.1.4 Migração e trabalho

    1.1.5 Motivações migratórias

    1.1.6 Transnacionalismo

    1.1.7 Redes

    1.1.8 Comunidades

    1.1.9 Comunidades e redes haitianas

    1.2 Elementos para concepção de uma cosmovisão migratória haitiana

    1.2.1 Matizes de fundo histórico

    1.2.2 Desastres naturais

    1.2.3 Emigrações haitianas

    1.2.4 Cosmovisão migratória haitiana

    1.2.5 Eles são evangélicos?

    2 - Comunidades evangélicas haitianas em Guaianases

    2.1 Guaianases − Periferia de São Paulo

    2.1.1 O bairro de Guaianases e algumas de suas características

    2.1.2 Dados históricos

    2.1.3 Dados estatísticos

    2.1.4 Observação empírica

    2.2 Haitianos em Guaianases − Considerações a partir da pesquisa de campo

    2.2.1 A relação com o bairro

    2.2.2 O perfil do público imigrante

    2.2.3 Haitianos evangélicos no bairro

    2.2.4 Relação entre haitianos e Igrejas evangélicas do bairro

    2.2.5 Comunidade Batista Haitiana de Guaianases

    3 - Entre eles: a comunidade e o cotidiano de seus adeptos

    3.1 Estratégia de campo

    3.1.1 Voz do migrante

    3.1.2 Convivência com o migrante

    3.1.3 Ênfase ao cotidiano do migrante

    3.1.4 A experiência com o migrante

    3.2 A comunidade étnica – Redes sociais migratórias e solidariedade

    3.2.1 A atuação da comunidade

    3.2.2 O líder da comunidade

    3.2.3 A questão da Família

    3.2.4 A questão da Moradia

    3.2.5 A questão do trabalho

    3.2.6 A questão da saúde

    3.2.7 A questão da educação

    4 - O papel da comunidade evangélica haitiana

    4.1 Relatos migratórios

    4.1.1 O relato de Maila

    4.1.2 O relato de Bory

    4.1.3 O relato de Romeu

    4.2 Antes, durante e depois da migração: uma análise do papel da comunidade

    4.2.1 Antes de migrar

    4.2.2 Durante a migração

    4.2.3 Depois da migração

    4.2.4 Outras considerações

    Conclusão

    Referências bibliográficas

    Sumário

    Agradecimentos

    Prefácio

    Introdução

    1 - Migração: elementos conceituais e práticos

    1.1 O fenômeno migratório na atualidade: concepções gerais

    1.1.1 O conceito de Migração

    1.1.2 Macro e microprocessos

    1.1.3 Provisoriedade

    1.1.4 Migração e trabalho

    1.1.5 Motivações migratórias

    1.1.6 Transnacionalismo

    1.1.7 Redes

    1.1.8 Comunidades

    1.1.9 Comunidades e redes haitianas

    1.2 Elementos para concepção de uma cosmovisão migratória haitiana

    1.2.1 Matizes de fundo histórico

    1.2.2 Desastres naturais

    1.2.3 Emigrações haitianas

    1.2.4 Cosmovisão migratória haitiana

    1.2.5 Eles são evangélicos?

    2 - Comunidades evangélicas haitianas em Guaianases

    2.1 Guaianases − Periferia de São Paulo

    2.1.1 O bairro de Guaianases e algumas de suas características

    2.1.2 Dados históricos

    2.1.3 Dados estatísticos

    2.1.4 Observação empírica

    2.2 Haitianos em Guaianases − Considerações a partir da pesquisa de campo

    2.2.1 A relação com o bairro

    2.2.2 O perfil do público imigrante

    2.2.3 Haitianos evangélicos no bairro

    2.2.4 Relação entre haitianos e Igrejas evangélicas do bairro

    2.2.5 Comunidade Batista Haitiana de Guaianases

    3 - Entre eles: a comunidade e o cotidiano de seus adeptos

    3.1 Estratégia de campo

    3.1.1 Voz do migrante

    3.1.2 Convivência com o migrante

    3.1.3 Ênfase ao cotidiano do migrante

    3.1.4 A experiência com o migrante

    3.2 A comunidade étnica – Redes sociais migratórias e solidariedade

    3.2.1 A atuação da comunidade

    3.2.2 O líder da comunidade

    3.2.3 A questão da Família

    3.2.4 A questão da Moradia

    3.2.5 A questão do trabalho

    3.2.6 A questão da saúde

    3.2.7 A questão da educação

    4 - O papel da comunidade evangélica haitiana

    4.1 Relatos migratórios

    4.1.1 O relato de Maila

    4.1.2 O relato de Bory

    4.1.3 O relato de Romeu

    4.2 Antes, durante e depois da migração: uma análise do papel da comunidade

    4.2.1 Antes de migrar

    4.2.2 Durante a migração

    4.2.3 Depois da migração

    4.2.4 Outras considerações

    Conclusão

    Referências bibliográficas

    Landmarks

    Cover

    Bernadete Alves de Medeiros Marcelino

    Vivendo em comunidade: haitianos evangélicos na periferia de São Paulo

    São Paulo, 2022.

    Copyright © Editora Pluralidades, 2022.

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998.

    É expressamente proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação e outros), sem prévia autorização, por escrito, da editora.

    Direção Geral:

    Iago Freitas Gonçalves

    Equipe editorial:

    André Yuri Abijaudi

    Flávio Santana

    Iago Freitas Gonçalves

    Revisão e preparação de texto:

    Flávio Santana

    Capa, diagramação e projeto gráfico:

    Talita Almeida

    Conselho Editorial:

    Dr. Edin Sued Abumanssur (PUC-SP)

    Dra. Cleusa Caldeira (FAJE-MG)

    Dra. Marina Correa (UFS)

    Dr. Maxwell Fajardo (UNICEU-SP)

    Dr. Ênio José da Costa Brito (PUC-SP)

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Agradecimentos

    Com imensa alegria estou publicando mais um trabalho realizado, motivo pelo qual agradeço a Deus. Tenho plena consciência de que muitas pessoas foram extremamente relevantes durante esse processo, por isso não posso deixar de citá-las.

    Primeiramente agradeço aos meus professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pela dedicação oferecida aos pós-graduandos do Programa de Ciência da Religião, entre os quais me incluí por alguns anos. Todos eles tiveram uma parcela de contribuição para que esse trabalho fosse concretizado. Agradeço especialmente ao professor Dr. Edin Sued Abumanssur, que me orientou durante o percurso do doutorado, e aos professores PhD. Suzana Ramos Coutinho, Dra. Dulce Maria Tourinho Baptista, Dr. Paolo Parise e Dra. Hosana Baeninger, que participaram da minha Banca de Doutoramento. O aporte oferecido foi imensamente relevante e influenciou diretamente o resultado apresentado nesse livro.

    Também faço agradecimentos aos grupos de pesquisa Religião e Cidade e Protestantismo e Pentecostalismo e à Comissão do Simpósio Internacional de Religião e Migração, que contribuíram de maneira incomensurável para a minha formação. Participar desses grupos me deu a oportunidade de conhecer diferentes autores e aprimorar as minhas percepções sobre projetos de pesquisa, estratégias de estudos, organização de eventos acadêmicos, entre outros aspectos. Considero que a experiência com os integrantes desses grupos (alunos e professores) agregou muitos valores à minha maneira de enxergar o diálogo entre religião e migração, influenciando, ainda que indiretamente, a construção deste trabalho.

    Sou grata também aos meus familiares, pelo incentivo e pela ajuda em diferentes momentos da minha pesquisa. De modo especial, cito a minha mãe, Ana A. de Medeiros, por ter me acompanhado em diversas visitas de campo, facilitando a minha trajetória etnográfica. Ser mulher em um campo que precisava ser desvendado apresentava obstáculos que foram superados porque pude contar com a presença da minha mãe. Com a companhia dela, pude ir a lugares onde não poderia estar sozinha e me relacionar de maneira mais próxima com os imigrantes pesquisados.

    Agradeço também a toda a equipe de trabalho do programa de pós-graduação em Ciência da Religião da PUC-SP, aos colegas de curso e outros que cruzaram o meu caminho durante essa jornada e deixaram alguma contribuição para a pesquisa em pauta. De modo especial, agradeço aos meus amigos(as) haitianos(as) pelo companheirismo durante esse percurso.

    "[...] viver e conviver com os universos pesquisados, participando de suas dificuldades e dramas,

    [...] um esforço para não ficar preso ao senso comum,

    estereótipos e preconceitos [...]."

    (VELHO, 2005, p.13)

    Prefácio

    Um bom texto tem duas qualidades: o conteúdo relevante e a boa escrita. Um texto bem escrito não tem apenas um português correto, mas tem também graça e estilo. O português aprende-se com algum esforço, a graça e o estilo adquirem-se apenas com a prática e a maturidade intelectual. Já vi boas ideias irem para o ralo porque o texto era chato demais, mal escrito e cheio de erros.

    O texto de Bernadete tem todas as qualidades desejadas: uma escrita leve e direta, clara e focada, sem drama e sem enrolação. Além, obviamente, de um português correto. Essas são qualidades formais encontradas neste livro cujo valor não é menor que a relevância da pesquisa em si: o problema, o método, a acuidade do olhar e a postura ética diante de um fenômeno que se sustenta sobre a tragédia de homens, mulheres e crianças em processos de migração.

    A migração é um estado de liminaridade que se estende para além do trânsito em si. O estado liminar antecede o início da viagem e permanece no local de destino e, por vezes, alcança a geração seguinte. Essa situação imprime um caráter de provisoriedade para a vida dos envolvidos diretamente no processo migratório. É uma provisoriedade que começa no momento da decisão pela partida e continua por tempo indefinido. O tempo da liminaridade é um constante ainda-não e se funda na impermanência dos projetos pessoais e coletivos.

    Neste contexto dramático, a religião é um dos elementos que mais contribuem para a sobrevivência de grupos migrantes em seus locais de destino, ao lado da celebração de datas significativas que remetem ao país de origem. A migração haitiana foi acompanhada pela formação de inúmeras comunidades evangélicas que se constituíram em redes de apoio, criaram espaços de pertencimento e de ajuda mútua e possibilitaram o fortalecimento de suas identidades étnicas.

    Processos migratórios não acontecem isoladamente. O migrante, desde o planejamento até a execução da viagem e sua recepção e alocação no local de destino, está coberto por uma rede de apoio constituída pelos parentes, vizinhos, amigos e, principalmente, pelos irmãos de fé. A migração, portanto, não pode ser vista como um projeto desestruturador da identidade do sujeito, mas, antes, como um projeto de reintegração ou reconstituição de laços sociais que as dinâmicas da globalização desfizeram. Nesta perspectiva, a religião, seja como marca identitária, seja como escolha de fé, coopera na manutenção de laços que remontam às comunidades de origem e se utiliza deles para ressignificar os novos espaços e a nova realidade. Em outras palavras, há boas evidências de que o processo migratório é, antes de tudo, um evento coletivo que envolve famílias e indivíduos que mantêm entre si algum tipo de laço anterior.

    Nas periferias das grandes cidades como, por exemplo, o bairro de Guaianases em São Paulo, onde se situa a comunidade haitiana pesquisada neste livro, a religião que é praticada ali, em específico o tipo peculiar de pentecostalismo de periferia, reproduz a cultura religiosa subjacente nos ambientes originários do migrante. A religião do migrante não é necessariamente a mesma religião vivida no local de onde saiu. Pode ter até o mesmo nome, mas ela responde a desafios novos com novas respostas.

    Os migrantes tendem a formar suas próprias comunidades onde compram, vendem, trabalham, se casam, nascem e morrem. Ocupam um determinado território na cidade e mudam a sua paisagem ao imprimirem suas marcas nas vestimentas que usam, nos cheiros característicos de sua comida, no tipo de serviço ofertado, no estilo de fazerem negócios. O migrante executa o seu projeto migratório por fluxos de sociabilidade compostos pelas relações primárias, muitas vezes de bases religiosas originárias. Se a migração decompõe, ela também recompõe. Família, trabalho e religião continuam sendo instituições fundantes da sociabilidade do migrante. Tais relações, no entanto, são recompostas no local de destino sobre bases diferentes das experimentadas anteriormente.

    O processo de migração, portanto, não se esgota no deslocamento espacial das pessoas. Existe um antes, feito de medo, expectativa e planejamento e existe um depois, feito de adaptação, frustração e saudade. E existe uma pesquisadora que não desconhece esses fatos. Pelas qualidades acadêmicas e humanas presentes em cada parágrafo, a relevância desse livro se impõe a quem quiser saber mais sobre o sentido das migrações contemporâneas e da migração haitiana em particular.

    Dr. Edin Sued Abumanssur

    Introdução

    Migrar tem sido a realidade de muitas pessoas em todo o mundo, por diferentes motivos e para diferentes lugares. Nesse contexto, deixar o lugar de origem pode ser a única alternativa para a manutenção da própria vida. Esse fato nos leva à constante e impactante lembrança de que, além das inúmeras problemáticas que envolvem os processos migratórios, existem neles seres humanos vivendo em condições de extrema precariedade. Esse é um fenômeno que impõe a necessidade de recomeçar, envolve perdas permanentes e provisórias perante a esperança na reconstrução de um futuro melhor, nem sempre alcançado¹.

    Nesse cenário, o Brasil surge como um espaço cada vez mais importante para o entendimento das dinâmicas migratórias internacionais². Tais dinâmicas estão inseridas em um contingente de expressiva circulação de imigrantes pelo mundo, decorrente de inúmeras transformações sociais, econômicas, culturais e ideológicas. Contexto no qual nos deparamos com o fluxo migratório haitiano para o país.³

    Houve um aumento da imigração haitiana para o Brasil logo após um terremoto que aconteceu no Haiti em janeiro de 2010. O crescente fluxo migratório de haitianos para o território brasileiro se manteve intenso até meados de 2015. Apesar da redução desse fluxo nos anos posteriores, o país chegou a receber mais de 80 mil imigrantes haitianos e haitianas com visto humanitário⁴.

    Nos momentos iniciais desse processo, foi possível constatar a presença de muitos haitianos do sexo masculino. Ao longo dos anos, muitos deles passaram a receber seus familiares − esposas, filhos e outros parentes −, o que permitiu a reunificação familiar de alguns deles. Nesse episódio, observamos a presença de diversas mulheres, crianças, adolescentes e jovens haitianos.

    Cabe ressaltar que esses imigrantes foram recebidos no Brasil de forma muito distinta⁶ daqueles que os antecederam em outras conjunturas migratórias no país. A grande maioria deles vivenciou um estado de depreciação no território brasileiro, que traduzia o reflexo de um histórico racista e xenofóbico nem sempre explícito, mas que se manifesta no dia a dia desse contingente, por meio de situações como violação de direitos, representações midiáticas tendenciosas, insuficiências de políticas públicas migratórias, entre outras.

    Como os negros são as maiores vítimas do racismo velado existente na sociedade brasileira⁷, por serem estrangeiros e negros, os haitianos enfrentam xenofobia e preconceito racial. Além disso, muitos deles se encontram em condições de descaso e de dificuldades no país. Esses imigrantes passam necessidades básicas, como a falta de alimentos, roupas, móveis, utensílios domésticos comuns e a ausência da família.⁸ Eles reclamam dos baixos salários, das condições de trabalho, moradia, transporte, da falta de oportunidades, violência e preconceito racial⁹. Por isso, preservar a esperança no lugar da dor parece ser a alternativa mais viável para a maioria deles.

    Esse cenário e outros, desencadeado por essa imigração, suscitou a elaboração de diversos estudos que compõem uma das obras que se tornou referência no país, intitulada A imigração haitiana no Brasil, organizada por Baeninger; Peres; Fernandes; Silva; Assis; Castro; e Cotinguiba (2016). No entanto, mesmo em meio a tantas abordagens relevantes, enxergamos a necessidade de entender mais especificamente e profundamente a relação desse processo imigratório com a religião.

    Percebemos que existem muitos haitianos evangélicos¹⁰ no Brasil e que a religião representa para eles um dos principais recursos no processo de inserção social¹¹. Nesse sentido, as comunidades evangélicas (igrejas) se tornam lugares onde eles podem professar a fé, conviver com familiares e amigos, e formular estratégias de inserção no novo contexto social em que passaram a viver.¹²

    Devido à realização de uma pesquisa anterior de mestrado sobre a relação que haitianos estabeleceram com a Igreja Adventista do Sétimo Dia¹³, pudemos perceber o surgimento de inúmeras comunidades evangélicas haitianas de diferentes denominações no Brasil. Porém, ao constatarmos que a religião predominante no Haiti é o catolicismo¹⁴, passamos a refletir sobre justificativas para o fato de a maioria dos haitianos que chegavam ao país se declararem evangélicos. Isso nos levou a formular a hipótese de que essas comunidades religiosas poderiam ter facilitado o processo imigratório haitiano para o Brasil. Tais reflexões nos levaram a indagar qual seria o papel exercido pelas comunidades evangélicas haitianas entre seus adeptos em contexto migratório no país. Entretanto, precisávamos delimitar o espaço geográfico onde a pesquisa de campo poderia ser realizada e as comunidades evangélicas haitianas a serem observadas.

    Em 2017, por meio de uma publicação realizada em redes sociais pela Igreja Adventista da Promessa (IAP) de Guaianases, obtivemos a informação de que essa instituição acolhia haitianos no bairro em questão. Ao conhecermos algumas pessoas da igreja, foi possível entrar em contato e fazer a nossa primeira aproximação com o grupo no segundo semestre daquele mesmo ano. Após obtermos o consentimento dos responsáveis, pudemos conhecer alguns haitianos acolhidos pela IAP que residiam no bairro, mas que eram pertencentes a diferentes comunidades evangélicas. Posteriormente foi possível conhecer algumas dessas comunidades também. Esse cenário nos possibilitou aprimorar nossa indagação inicial: Qual o papel exercido pelas comunidades evangélicas haitianas entre seus adeptos em contexto migratório no Brasil, possível de ser verificado a partir de uma pesquisa etnográfica em Guaianases? A proposta central da nossa pesquisa era analisar esse papel. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética para pesquisa com seres humanos na PUC-SP, do qual recebemos aprovação.

    As escolhas metodológicas para a execução desta pesquisa consistiram de levantamento bibliográfico e de pesquisa etnográfica. A pesquisa etnográfica envolveu a observação participante em celebrações religiosas na Comunidade Batista Haitiana de Guaianases. Além disso, ainda que com menos regularidade, foi necessário realizar visitas a outras comunidades haitianas ou a comunidades que não eram constituídas de haitianos, mas que mantinham contato com haitianos no bairro em questão. Convivemos regularmente com integrantes do grupo de haitianos em Guaianases e realizamos entrevistas abertas devido à necessidade de obter informações advindas de alguns dos agentes envolvidos, como líderes religiosos, membros e outros. Também coletamos três relatos migratórios de haitianos.

    Por meio desses relatos migratórios foi possível ouvir os imigrantes e conhecer suas experiências, conquistas e insatisfações. Sayad¹⁵ foi a nossa inspiração, no entanto, pressupostos refletidos com base em Chauí¹⁶ foram relevantes para a nossa posição perante tal estratégia. Inicialmente, não buscamos confirmar a veracidade desses relatos, afinal, não era possível saber se o conteúdo deles era real ou falso, e esta (veracidade) poderia ser revelada posteriormente à luz de outros aportes metodológicos usados. No entanto, entendemos que nesses relatos estaria presente o que era significativo. A partir dessa posição, seria possível encontrar as lógicas e as justificativas próprias de tais relatos, que são frequentemente julgadas, mas nem sempre compreendidas.

    Sabíamos também que os relatos poderiam trazer ricas informações para a nossa análise. Além disso, não estávamos lidando com ideias ou pontos de vista, mas sim com histórias de vida, boas e ruins, repletas de prazeres e sucessos, mas também de dores e fracassos. Os entrevistados eram indivíduos reais, com os próprios sonhos e sofrimentos¹⁷, que se viram inseridos em um processo de imigração com peculiaridades que precisavam ser desveladas.

    Também elaboramos um diário de campo e dispomos de recursos audiovisuais e de fotografias. Os recursos audiovisuais foram utilizados para o auxílio dos relatórios e algumas fotografias fazem parte do trabalho final. A pesquisa teve um caráter qualitativo, entretanto utilizamos alguns dados quantitativos para compreendermos melhor o nosso objeto. Em fevereiro de 2020 finalizamos a pesquisa etnográfica. O resultado do trabalho se deu a partir da análise dos dados coletados em campo em diálogo com o referencial bibliográfico.

    Nesse percurso etnográfico que durou mais de dois anos, foi possível participar de inúmeras celebrações haitianas em diferentes comunidades evangélicas, festas de casamento, nascimentos de bebês, entre outros eventos. Também fizemos diversas visitas às residências de alguns deles. No entanto, não presenciamos apenas celebrações. Observamos também

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