Corpos, Poderes e Ensino de Filosofia
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Corpos, Poderes e Ensino de Filosofia - Joana Tolentino
CORPOS, PODERES E
ENSINO DE FILOSOFIA
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2022 da autora
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Joana Tolentino
CORPOS, PODERES E
ENSINO DE FILOSOFIA
Dedico este livro às minhas avós, Odila e Lindaura, mulheres guerreiras, musas inspiradoras; aos meus filhos, Teo e Morgana – obras-primas
que criei; aos estudantes com quem atuo na aula, na cena, na vida.
Agradecimentos
Agradeço imensamente a todas as pessoas que tornaram este livro possível, tanto aquelas que contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa de doutorado, que deu origem a este escrito, quanto as que foram decisivas para a materialização deste sonho. Agradeço à Kayala e Nkosi pela minha existência e aos meus ancestrais, em especial à minha mãe Cristina, que me permitiram estar aqui, trilhando por searas do ensino, da universidade, de palavras e escritos. Agradeço às amigas e aos amigos de toda uma vida, que me apoiaram neste e em diferentes projetos: Sara Dantas, Diana Victor, Giovânia Costa, Carmen Filgueiras, Marcelo Guimarães e Márcia Ganen. Agradeço aos encontros potentes que tive na vida acadêmica, tantas vezes pouco comuns: aos professores Filipe Ceppas e Alejandro Cerletti, pelas contribuições inestimáveis ao texto que se desenrola neste livro, à professora Olga Grau, a quem muito admiro, e em especial ao professor Walter Kohan, inspiração para a escrita, que muito me honra ao prefaciar este livro. Aos companheiros e companheiras de trabalho, daqui e da Argentina, que me nutriram com nossas trocas – muitos engrandeceram essas páginas com belos relatos de experiências de ensino: Bárbara Romeika, Aline do Carmo, Germano Nogueira, Juliana Lira, Rebeca Furtado, Leonardo Couto, Rafael Barbosa, Natalia Cantarelli, Laura Gallazi, Maximiliano Durán, Javier Freixas. Agradeço à mam’etu Kafurengá pelo cuidado e a guiança e ao terreiro Caxuté pela família estendida. A Eduardo Malheiros pelo amor e os sonhos. Por fim, agradeço às crias, Morgana e Teo, pela parceria, a convivência, a paciência e o amor.
Soñadores,
de Albert Pla e Liniers
Hay una escuela perdida
allá en medio del Montseny,
donde solo estudian los niños
que sueñan despiertos.
Es la escuela de los soñadores,
donde solo estudian los niños
que sueñan despiertos.
Allí está Joan que soñaba
que su cama tenía alas
y a media noche despegaba
y volaba, y volaba, y volaba.
Y Lidia que soñaba
que su noivo era um lobo
y se pasaban las noches enteras
aullando bajo la luna llena,
y esto es lo que hacían.
Y Fina que soñaba
que respiraba bajo
el água y nunca se ahogaba.
Y se hacía unos pendientes
con perlas marinas.
¡Ah! Y además era íntima amiga
de los delfines y los tiburones y las gambas.
Y Marta que soñaba
que la tierra era cuadrada
y que se iba de vacaciones
a otra galáxia.
Y Fidel que soñaba
que le pegaba una
pedrada al rey de España.
Y Gerard que soñaba
que era un gato que soñaba
que era Gerard que soñaba.
Y Joana que soñaba
que su padre nunca le pegaba,
y Roser que soñaba
que su madre nunca la reñía.
Y Cristina que se iba
pasito a pasito como
una chinita a la China
y hablaba en chino de la China.
- Chin, Chano, Chun, Chau.
Y Albert que soñaba
y soñaba y soñaba
y de tanto que soñaba
nunca se despertaba,
y a la escuela, claro,
nunca se presentaba,
pero la maestra nunca
le ponía falta
y siempre le aprobaba.
Porque Albert estudiar
no estudiaba, pero soñar,
¡vaya si soñaba!
¡Menuda señorita!
¡Qué simpática que era!,
que soñaba que era una chiquilla
y cantaba como una gitanilla
en las noches de luna llena.
Y Ramón que soñaba
cosas tan extrañas
que es imposible explicarlas.
Y, en fin, las cosas,
que soñaba Laura
es mejor no saberlas.
Hay una escuela perdida
allá en medio del Montseny,
donde solo estudian los niños
que sueñan despiertos.
Y es que hasta el conserje
Pintaba escuelas sin muros
ni clases ni rejas ni maestros
ni tonterías de esas,
solo ventanas abiertas
por donde hacían carreras
los sueños de los niños
y las niñas.
y mientras tanto Fina
nadaba entre sirenas…
PREFÁCIO
Uma estética teatral do ensino de Filosofia e seus paradoxos
Onde se encontra a filosofia? A pergunta não é de fácil resposta, muito menos pela profusão de figuras que, desde diversas tradições, falam em nome da filosofia. Há, dentre elas, uma tradição que fala, ainda, bastante alto entre nós. Desde seu interior, Foucault (2011) tem nos ensinado que uma de suas figuras ícones, Sócrates, faz nascer a filosofia como uma força que se localiza tanto entre as ideias dos que a praticam quanto na vida dos que a vivenciam. Ou seja, haveria pelo menos duas possibilidades para essa filosofia a partir de Sócrates: o lugar mais resguardado das ideias, conceitos, pensamentos, e o lugar mais instável da vida. Certamente, não são caminhos incontaminados ou impossibilitados de se cruzarem. Antes bem, parece difícil andar apenas por um deles. Contudo, afirma Foucault (2011), um caminho tem opacado o outro e, hoje, nas instituições que transmitem a filosofia, a vida parece ter sido deixada de lado para concentrar-se na circulação das ideias e dos sistemas de pensamento.
Não era assim naquele momento socrático. Ao contrário, a vida não podia ficar fora do caminho transitado pelo filosofar. Qual vida? A princípio, claro, a própria vida, mas sem descuidar as outras vidas. Tanto a filosofia nasce preocupada com as outras vidas que Foucault (2011) também nos ensina, com Sócrates, da filosofia como uma forma de cuidado em relação ao cuidado que as outras vidas manifestam sobre si mesmas. Por isso, a filosofia a partir de Sócrates é uma forma de relação pedagógica e por isso Sócrates é condenado, em parte, pelos efeitos de sua vida sobre a vida dos mais jovens. Trata-se de uma relação paradoxal consigo mesmo na medida em que o mestre do cuidado é aquele que cuida de si, cuidando do cuidado dos outros. Assim, a filosofia nasce como uma espécie de escola de vida. Ao mesmo tempo, vai destacar também Foucault, é uma estética da existência, uma forma de fazer da própria vida uma expressão artística. Por isso, a filosofia, com Sócrates, surge como uma forma estética de uma ética pedagógica.
Essas duas possibilidades da filosofia, que na vida de Sócrates se entrecruzam, começam a desprender-se a partir de sua morte: uma delas é a que mais entusiasma Platão, Aristóteles e os que continuaram esse desdobramento intelectual de ideias, conceitos, sistemas de pensamento que hoje chamamos história das ideias filosóficas ou, simplesmente, filosofia. Com outras escolas socráticas, a filosofia segue aquela outra linha, mais próxima a uma forma de vida, a uma maneira de ocupar o espaço público; os cínicos, por exemplo, incorporam um detalhe interessante: neles, o próprio corpo é a sua filosofia. Não há nos cínicos teoria ou sistema de pensamento, pelo menos não fora dos gestos corporais que expressam ao mesmo tempo um pensamento e uma forma de vida. Seus corpos são a sua filosofia. Assim, com os cínicos, a filosofia torna-se o corpo vivo do filósofo. Foucault (2011) mostra como, na tradição da filosofia europeia, a primeira linha quase opacou a segunda.
Essa cena grega marcou essas duas linhas da filosofia com uma série de paradoxos. Um deles diz respeito à sua relação ao saber, pois precisamente a filosofia, inicialmente com Sócrates, não se mostra tanto como um saber quanto como uma relação ao saber. É uma relação que o incomoda, sacode, faz perder sua estabilidade e segurança. Em todo caso, é uma forma de saber que não sabe; ou seja, não é um saber, pelo menos não sem esse paradoxo constitutivo. Ela é também paradoxal em relação à política, pois, sendo ela mesma política, parece enfrentar qualquer política afirmada, qualquer repartição do estado das coisas. É uma política da antipolítica. Finalmente, é um paradoxo em relação à vida, nada menos que com a vida. Porque Sócrates sabe, entre as poucas coisas que diz saber, que uma vida sem filosofia não vale a pena ser vivida. Mas também sabe que essa única vida que pode viver vai levá-lo inexoravelmente à morte. Em outras palavras, sabe que a única vida que pode ser vivida não pode de fato ser vivida. A sua filosofia exige-lhe que viva a vida que o faz morrer. E não é o único a viver (e morrer) desse paradoxo – claro, nessa tradição de filosofia que inicia. Os cínicos, por exemplo, que o digam.
Desde essa cena grega, então, a filosofia vive e morre de uma posição paradoxal em relação à ordem dos saberes, das vidas e das políticas afirmadas numa dada ordem social. Talvez isso ajude a entender como ela foi se tornando, no que Foucault (2011) denomina como momento cartesiano
, uma atividade intelectual separada da vida. Assim, desde a modernidade europeia, a Filosofia foi encontrando um lugar mais abrigado nas instituições educativas, particularmente nas universidades e escolas. Esse lugar é, vale recordá-lo, instável, paradoxal, frágil. Nos países da América Latina, as coisas são bastante mais complexas e precárias. Por um lado, quando essas instituições se encontram com as tradições, a história e a realidade que são as nossas, esse caráter instável, frágil e paradoxal da filosofia cresce até confundir-se com ela mesma. E sua própria presença fica seriamente ameaçada. Por outro, a filosofia diversifica seu alcance e se encontra confundida com outras formas de saber, em especial quando ela é associada mais a uma forma de vida educadora do que a um sistema de pensamento. Figuras tão heterodoxas como Simón Rodríguez e Paulo Freire recriam essa tradição da filosofia como forma de vida, uma espécie de ética e heroísmo no dizer de Foucault (2011), carregada desses paradoxos que, ao mesmo tempo, a constituem, com seus desgostos e sentidos.
Seja como for, pelo menos nos últimos trinta anos, em nossa região, o campo dos estudos sobre a filosofia e sua circulação entre a vida e as instituições educativas não tem parado de crescer, em que pesem as difíceis condições institucionais. O Brasil é um dos países onde esse crescimento mostra-se mais constante, apesar das dificuldades para a filosofia sustentar sua presença nas instituições, muito mais claramente a partir do Golpe de agosto de 2016. A vitalidade da filosofia é crescente como uma força de resistência, espécie de formação cultural cada vez mais forte, incisiva, diversificada. Como uma mostra disso, grupos de trabalho e pesquisa, como o Laboratório de Ensino de Filosofia Gerd Bornheim, da Faculdade de Educação da UFRJ (LEFGB-FE/UFRJ), coordenado por Filipe Ceppas, têm surgido em diversas universidades públicas. Nesse espaço, surge a tese que estamos apresentando agora como livro, de Joana Tolentino, Corpos, poderes e ensino de Filosofia.
Este livro que estamos prefaciando, Corpos, poderes e ensino de Filosofia, faz jus à característica paradoxal do ensino de Filosofia na América Latina. Reafirma-a, sustenta-a, desdobra-a. Por um lado, Joana se nutre da fonte inescusável daquela mesma tradição que remonta à Grécia, no seu caso particular dando especial ênfase a algumas categorias do filósofo francês Jacques Rancière. Com elas, situa o foco do ensino de Filosofia entre a estética e a política. Busca, desde essa ótica, pensá-lo como uma presença democrática e performativa na instituição escolar. Mas não só estão Rancière e a tradição grega para inspirar Joana. Ela oferece uma filosofia aberta, flexível, macia, para que, acompanhada dessa força estética e política, possa se nutrir também, na tradição latino-americana, de diversos outros pensadores, entre os quais uma figura filosófica singular como a do criador do Teatro do Oprimido, Augusto Boal.
O resultado é um texto inspirador, potente, inquietante para pensar a presença da filosofia em nossas instituições educativas. Sim, efetivamente, Corpos, poderes e ensino de Filosofia atualiza e ajuda a pensar a presença da filosofia naquelas duas linhas ora distinguidas na tradição grega. Como uma atividade intelectual, o livro trabalha, apresenta e problematiza uma série de conceitos – como eficácia estética, micropolítica, emancipação, pathos filosófico, igualdade das inteligências, autoaprendizagem, didática aleatória, repetição criativa, partilha do sensível – advindos daquela mesma tradição europeia, e em particular francesa, com alguma interlocução com autores mais próximos. E o livro também oferece elementos para pensar na vida que em nome da filosofia se vive dentro das escolas, sobretudo a vida dos que entram nelas para ensiná-la
. Aqui, a aposta se faz a partir de palavras como a criação, a interação, ou o diálogo. Assim o faz quando narra experiências a partir do ensino de Filosofia no Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, como a RádioFilosofia e o Sarau Filosófico, que buscam de alguma forma desestabilizar os lugares tradicionais de aprender e ensinar filosofia.
Nesse sentido, o livro pode ser lido como uma crítica da efetiva formação de professores e professoras de filosofia, dos limites que essa formação impõe, pois se trataria de propiciar uma formação que esteja, não a serviço da reprodução de uma tradição, mas a favor da criação e da expansão da palavra, do pensamento e da vida. Ou, para dizê-lo em palavras de Rancière, uma formação filosófica de professoras e professores, no sentido estético e político afirmado no livro, propiciaria outra partilha do sensível, outro reparto do visível e do invisível, o que faz do ensino de Filosofia um ato estético e ao mesmo tempo político. Envolve corpos e poderes, na medida em que os que participam do ensino de Filosofia não só veem alterado seu campo de visibilidade, quanto sua percepção de si mesmos como seres igualmente capazes de pensamento e de fala. Não se trata, certamente, apenas de um problema de percepção: a professora de filosofia, assim inspirada, deixa de explicar o que seria obrigatório aprender, para que a palavra seja tomada pelos que são capazes de decidir e dizer o que estão de fato aprendendo. A filosofia na escola é também a possibilidade de uma outra
política. Assim, Corpos, poderes e ensino de Filosofia mostra os desbordes estéticos e políticos de uma formação filosófica por vir.
Desse modo, talvez o melhor elogio que possamos fazer de Corpos, poderes e ensino de Filosofia seja inscrevê-lo como um esforço por descolonizar o campo do ensino de Filosofia entre nós, tanto no que diz respeito à sua prática, seus métodos, suas formas de avaliação, quanto à formação das professoras e professores que o exercem. Para essa complexa tarefa, apela a pensadores latino-americanos, africanos e também europeus, porque esse esforço descolonizador não diz respeito tanto a um lugar de nascimento quanto a uma posição que se exercita no pensamento e na vida. Nesse sentido, talvez professoras e professores de Filosofia em exercício em qualquer nível de ensino sejam leitores privilegiados do livro, pelo trabalho descolonizador consigo mesmo e com sua própria prática, que ele inspire a desdobrar.
Por fim, eis talvez outro achado que Corpos, poderes e ensino de Filosofia permite compartilhar: o trabalho descolonizador que cabe a quem habita a filosofia é ao mesmo tempo filosófico, político e artístico. Ou, para dizê-lo com outras palavras: ele começa consigo mesmo, no próprio corpo, na vida mesma. Assim, quando o trabalho filosófico se abre à expressão artística, as novas formas de habitar a escola fazem escola, e a filosofia vai ao encontro de uma política emancipadora, liberadora, esteticamente revolucionária. O corpo a corpo da sala de aula, atravessado por uma criação artística entre iguais, leva a voz da filosofia a uma expressão política outra. Para dizê-lo com Joana e Rancière, a outras partilhas do sensível, outros jogos de corpos e poderes.
Desse modo, Corpos, poderes e ensino de Filosofia é uma espécie de abertura de caminhos para transitar quando se ensina filosofia. Um interlocutor para pensar os caminhos andados, para desandá-los, para voltar a andá-los, para se atrever a pensar que sempre estamos a tempo de começar um novo caminho, quando se trata de ensinar ou viver a filosofia. Basta dar lugar aos corpos, a começar pelo próprio; propiciar outras palavras e pôr-se à sua escuta; confiar na igual capacidade de todas as existências; sentir os outros corpos num corpus diverso, composto, multifacetado, polifônico, que é expressão da própria filosofia.
Walter Omar Kohan
Rio de Janeiro, setembro de 2018
Referência
FOUCAULT, Michel. A coragem da verdade. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
Sumário
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
CORPOS EM JOGO NO FILOSOFAR: POTÊNCIAS POLÍTICAS E ESTÉTICAS - DIÁLOGOS COM JACQUES RANCIÈRE
1. Potências políticas em jogo na enunciação deste discurso
2. O jogo filosófico
3. Gestos do pensamento: outras jogadas para pensar a ideia de formação
a) Narrando experiências de ensino: Rádio Filosofia e Sarau Filosófico
4. Potências estéticas em jogo no filosofar e ensinar a filosofar
5. Filosofar e ensinar a filosofar no modo da arte
6. Eficácia estética no jogo artístico de ensinar e aprender a filosofar
7. Uma jogada: hibridismo e revolução estética das aulas de filosofia
8. Liberdade e emancipação: jogo cotidiano de ensinar e aprender a filosofar
9. Sobre o ensino universal libertário/emancipador
a) Ordem explicadora: crítica do ensino emancipador/libertário ao ensino tradicional
b) Princípio libertário-emancipador do ensino universal
c) Bases estética e política do ensino universal – libertário e emancipador
CAPÍTULO 2
ENCONTROS DOS CORPOS NO FILOSOFAR: DIÁLOGOS DECOLONIAIS - PODERES, SABERES E ENSINO DE FILOSOFIA
1. Dimensão política inerente ao trabalho da/o professor/a de Filosofia
2. ‘Ensinar a filosofar’ como método: um caminho possível para o ensino da Filosofia
3. Lançando um olhar sobre o ensinar a filosofar e a formação de professoras/es
a) Indistinção das aulas de bacharelado e licenciatura em filosofia
b) Supervalorizações e silenciamentos no currículo da formação docente
c) Excesso de especialização do saber universitário já na graduação
d) Por um vínculo libertário entre estudantes e docentes
4. Experiências filosóficas: fomentando coletivos de enunciação
a) Narrando outras experiências de ensino
5. Falso consenso no ensino e na história da filosofia
6. A escola e a descolonização de suas práticas
7. Algumas palavras sobre filosofia, filosofar, libertação e emancipação
8. Crítica às metodologias tradicionais para o ensino da Filosofia
9. Colonialidade e descolonização da filosofia e do filosofar
10. Reconhecendo a existência de filósofas e filósofos brasileiros, latino-americanos, afrodiaspóricos, ameríndios
11. Modelo hegemônico de professor/a de filosofia
12. Notas sobre política, escola, Estado, liberdade e emancipação
a) Narrativa de uma experiência de ensino na formação continuada
CAPÍTULO 3
CAMINHOS DOS CORPOS NO FILOSOFAR: TRILHAS ARTÍSTICAS, RASTROS FILOSÓFICOS - MOBILIZANDO POTÊNCIAS ESTÉTICO-ARTÍSTICAS NO ENSINAR FILOSOFIA
1. Introdução ao jogo: aproximações entre filosofia e arte
2. O movimento paradoxal de ensinar filosofia, ensinar a filosofar
3. Pathos filosófico, pathos teatral
a) Avaliações: tensão entre tradição e inovação na escolha pela pluralidade
b) Diálogo com diferentes saberes
c) Revolução estética das aulas de filosofia
4. O corpo no ensino, na sala de aula, na filosofia
5. Uma experiência de ensino na formação de professoras/es de Filosofia
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Introdução
Este livro aborda o ensinar e o aprender a filosofar enquanto problema filosófico. Isso significa refletir sobre sua prática, buscando fundamentação no diálogo com a tradição filosófica, para pensar sobre sua importância, seu papel, sua forma, seu modus operandi, suas estratégias. Significa também dialogar com outros campos, outras áreas e, para tal, escolhemos a arte como nossa companheira de viagem. Neste livro, investigamos a imbricação entre corpos e poderes nas relações de ensino e aprendizagem, em especial no campo da filosofia, aspectos políticos e estéticos presentes no ensinar e aprender a filosofar. Para o diálogo filosófico, adotamos como marco teórico o recorte de alguns filósofos contemporâneos, europeus e latino-americanos, mas elegemos como principal interlocutor, em especial para o primeiro capítulo, mas perfazendo toda a obra, Jacques Rancière. Entendemos ser no pensamento de Rancière que esses escritos encontram maior eco no caminho que nos propomos trilhar, qual seja: investigar os aspectos políticos e estéticos presentes no ensinar e aprender a filosofar. Segundo nos evidencia Rancière, existe uma imbricação entre o que há de mais genuíno na estética e na política, na medida em que o que há de primevo na política é a partilha dos tempos e espaços no mundo que nos é comum, dizendo respeito, em última instância, a esse âmbito sensível em que há o encontro dos corpos e no qual estes atuam. Ora, podemos notar que todo esse jogo político de partilha do sensível¹ refere-se a uma configuração que é, por princípio, estética.
A hipótese que guia este estudo é de que essa imbricação entre política e estética, apontada por Rancière, constitui-se como uma teia estético-política que dá suporte e define os possíveis também nas práticas de ensino-aprendizagem, em especial na filosofia, que é o recorte epistemológico que aqui se opera. E, assim, focamos no como e no quanto essa teia estético-política afeta as práticas de ensino-aprendizagem, em especial no campo do filosofar, engendrando discursos, mas também silenciamentos, impondo relevâncias e apagamentos. Entende-se que a filosofia se distingue das outras disciplinas, sendo afetada e propiciando relações diferenciadas na produção do saber, nas relações de ensino e aprendizado, pois há uma especificidade no proceder filosófico, no filosofar, que pertence à sua forma, que caracteriza a filosofia muito mais do que qualquer recorte de conteúdo, tornando difícil delimitar um corpus de investigação filosófico. No entanto, em especial no segundo capítulo, que está voltado para o aspecto político, criticamos e denunciamos o rígido cânone filosófico que opera de modo padronizado e hegemônico, apagando determinados corpos e seus saberes, no interior da filosofia institucionalizada e seu ensino, corroborando para a definição de currículos e metodologias. Estes se veem delimitados, circunscritos a um rol cronológico de teorias, sistemas e conceitos associados aos padrões da colonialidade. Assim, exaltam determinadas subjetividades, epistemes e metodologias, reforçando os estereótipos e a excludente geografia de saberes, poderes e seres, incorrendo no epistemicídio de grupos inteiros. Essas reflexões são atravessadas, ao longo dos capítulos, pelo compartilhamento de relatos de experiências de ensino que dialogam com as apostas teóricas apresentadas, no sentido de denunciar e tensionar, na busca pela superação dos genocídios epistêmicos.
Um dos nossos objetivos neste livro é investigar essa base-teia política e estética que se mostra inerente às práticas de ensino e aprendizagem, em especial no ensinar a filosofar, a fim de fomentar a discussão e o debate, pressupondo o dissenso como saudável, diverso, polissêmico. Quem sabe assim, em alguma medida, possamos oxigenar nossas práticas de