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Trilhando Sonhos
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E-book572 páginas7 horas

Trilhando Sonhos

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Sobre este e-book

Thiago Fantinatti sonhava em conhecer o vasto continente Sul-Americano sobre as duas rodas de uma bicicleta, de modo independente e sem pressa. Queria seguir do Atlântico ao Pacífico, dos Pampas ao Atacama, dos Andes à Amazônia... Um ano depois e mais de 15.000 km pedalados, ele havia conseguido. Em Trilhando Sonhos , o viajante não só recorda sua grande aventura como também se deixa levar pelas lembranças e anotações. Em suas páginas nos conduz não apenas a momentos engraçados, relatos de causos marcantes e emocionantes, encontros com pessoas fascinantes e lugares desafiadores, mas também a momentos de desequilíbrio, de temor e de dificuldades.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de ago. de 2011
Trilhando Sonhos

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    Pré-visualização do livro

    Trilhando Sonhos - Thiago Fantinatti

    Prefácio

    Em 2007, durante um momento de lucidez absoluta, decidi realizar meu sonho. O que segue é um relato detalhado do que aconteceu depois disso.

    Criei um jeito de escrever, o de quem nunca escreveu um livro antes, e o faço descrevendo detalhadamente primeiro os fatos que mais marcaram. Colocando no papel, além do que vi também o que senti e inicio minhas experiências ainda viajando, aqui nesta mágica e pequena cidade no meio dos Andes chilenos. Depois de 265 dias sinto maturidade suficiente na viagem para isso. Uma viagem através do surpreendente, uma viagem através da surpreendente América do Sul; feita de sonho, de superação, descobertas e principalmente de autoconhecimento.

    Durante estes últimos meses vivi como um nômade, sempre seguindo de um lugar para outro, assim como meus pensamentos e sentimentos. Do sonho um pouco lúdico e até infantil à realização que se sente na pele. Do extremo sul do mundo aos trópicos; do calor extremo ao frio congelante da cordilheira dos Andes. Da gente cosmopolita das grandes capitais às pessoas simples do campo; de bairros nobres a lugares que parecem esquecidos por todos nós; da solidão, do isolamento e da distância entorpecente à hospitalidade sem explicação das pessoas de bom coração com histórias de vida fantásticas. Da despedida de todos os dias à chegada de todos os dias. Das coisas que eu sonhava às que eu nem imaginava sonhar. Da dor física ao clímax de chegar onde se sonhou chegar.

    Desta forma, encontrei força. Uma coisa que ainda não sei explicar. Um poder de realização imenso e intenso movido por um sonho simples. Descobri que não é e nem foi uma questão física e sim uma certeza de que quando se sonha e se busca o que se sonhou, ele também busca você. Te leva, te carrega nos braços e tudo que você tem a fazer é deixar ser levado. Sem medo e sem questionar muito o que está fazendo.

    Hoje sou mais forte do que antes. Sinto que agora posso realizar tudo o que realmente queira.

    Divido o prazer das passagens, paragens, muitas vezes escritas aleatoriamente, antes de ordená-las cronologicamente numa história que fizesse sentido em todas a linhas.

    San Pedro de Atacama, Chile, 20 de agosto de 2009

    Enquanto escrevo vou relembrando, revivendo cada momento e enfrento o novo desafio: o de escrever. Talvez tão difícil quanto cruzar um continente numa bicicleta.

    Escrevo e revivo exatamente o medo do inicio; a solidão de quando tive que enfrentar a estrada por mim mesmo; o calor de 45º no norte da Patagônia argentina e o vento forte que quase nunca para no Sul. Sinto novamente o vento frio no meu rosto, avisando que não seria fácil. Também a sensação da neve quando a toquei pela primeira vez e o cansaço extremo ao subir a cordilheira dos Andes – até quase 5000 metros de altitude –, bem como o calor abafado da selva amazônica e sua refrescante chuva tropical.

    Sinto de novo a dúvida sobre quando, como e qual caminho seguir. Sinto meus pés frios enquanto acampava nas noites de temperaturas negativas no deserto. A dor e o cansaço dos dias mais difíceis e as realidades distintas da minha. Lembro que a solução mais simples sempre era a correta: seguir minha intuição. Cruzo de novo todos os rios que cruzei. Escuto o som da bicicleta enquanto pedalava. Visualizo a distância e o horizonte das paisagens por onde passei. Um horizonte que nunca é alcançado. Reencontro a liberdade, no mais intenso e real sentido da palavra. Reencontro todas as pessoas que cruzaram meu caminho e que se transformaram nas coisas mais preciosas da viagem. Reencontro emoção e lágrima. Reencontro a saudade e o amor. E redescubro, no final da viagem, o motivo pelo qual viajei tanto.

    Confesso que a viagem começou tímida, mas à medida que fui despertando para a minha realização e me envolvendo de cabeça neste imenso mar de descobertas, ela se transformou numa sequência contínua e alucinante de acontecimentos surpreendentes e reveladores. Não escrever seria um ato totalmente egoísta e pessoalmente frustrante.

    Como me disse, por e-mail, o argentino Herman Zapp, autor do livro Atrapa tu Sueño – em português Agarre seu sonho –: Sí, por favor escriba tu libro que tenemos que demostrarles a los soñadores que se puede! (Sim, por favor escreva seu livro porque temos que mostrar aos sonhadores que se pode!).

    E para escrever e recordar, procurei não buscar referências em histórias similares, como livros de outros cicloturistas, pois não quero sofrer influência na minha escrita, aliás, para não dizer que fui totalmente autêntico, a única coisa que fiz foi assistir – enquanto ainda viajava – o filme de Walter Salles Diários de Motocicleta, o qual conta a história do jovem argentino Ernesto Guevara e seu amigo Alberto Granado em sua viagem pela América do Sul realizada há quase 60 anos. Do filme e do museu de Che, que visitei em San Martín de los Andes, na Argentina, apenas resgatei algumas poucas e pequenas passagens que invariavelmente relacionam-se com fatos que vivi e lugares por onde passei, embora sejam viagens bastante diferentes entre si.

    Abril de 2010 – Cinco meses após a viagem

    O plano simples

    Percorrer a América do Sul de bicicleta numa viagem de no mínimo oito meses através de seis países: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia e Peru. Queria conhecer de verdade, tocar e sentir, o que somente via pela televisão. Queria também uma mudança na minha vida. Não que não fosse boa, mas sabia que haveria possibilidades quase infinitas, se saísse um pouco do meu mundinho. Além do mais eu já tinha construído uma página na internet e minha ideia era atualizá-la quase diariamente. Iria fazer o que a maioria dos viajantes não faz: entreter as pessoas com a viagem enquanto viajava. Acredito que tenha funcionado, já que tive mais de 25 mil acessos e mais de 80 mil pageviews nos primeiros 15 meses a partir de quando foi colocada no ar pouco antes da viagem. Minha página segue online – www.trilhasulamericana.com.br – e pretendo mantê-la funcionando enquanto for possível.

    A motivação

    A mesma motivação que todo mundo que viaja tem, somada a um desejo enorme de conhecer lugares e culturas distintas do meu cotidiano. Eu sempre soube, pela experiência de outros que já fizeram algo parecido, que o resultado seria positivo para mim, principalmente no que diz respeito ao autoconhecimento. Também queria realizar algo memorável, algo do qual me lembrasse pelo resto da minha vida, encarado como um desafio pessoal e que viveria intensamente mesmo tendo a certeza de que não seria fácil.

    Este livro fazia parte dos planos desde o início. Por esse motivo, foi escrito lentamente, primeiramente apenas dentro de meus pensamentos, dia após dia na estrada e guardado, cultivado até que pudesse se libertar e pular para o papel. De fato, esta tarefa também foi uma de minhas principais motivações. Minha longa viagem só terminaria quando estivesse publicada, como agora, em suas mãos.

    Capítulo 1 - Sul do Brasil

    Capítulo 1 - Sul do Brasil

    Seis de setembro de 2008

    Km zero

    Ourinhos, São Paulo, Brasil

    - Pronto! – disse, com expressão de espanto, quando terminei de colocar o último item na bagagem da bicicleta, na noite anterior à partida.

    Naquele momento percebi uma coisa: o tamanho do ato que estava me propondo. Também o quanto – até certo ponto – prepotente eu era. E que havia colocado coisas demais na minha bagagem. Sentia um aperto no peito e isso não estava nos meus planos.

    Mais tarde, minha namorada chorou mais um pouco e depois dormiu. Naquela noite quase não dormi. Não consegui pregar os olhos. Dentro de algumas horas iniciaria a viagem que havia sonhado por anos e planejado efetivamente por mais de um ano.

    Havia treinado por mais de um ano com meu amigo Martinho Herkrath pelas estradas da região de Ourinhos, interior de São Paulo, cidade onde vivia. Acordando cedo nos finais de semana para pedalar, enfrentando o calor e testando os limites do corpo toda semana. Não é necessário treinar um ano todo para fazer uma viagem assim, mas era a melhor maneira de manter-me focado no objetivo.

    O dia da partida

    Domingo, 7 de setembro de 2008, 7 horas da manhã. Dia da independência do Brasil, manhã fria. Não acordei bem. Sentia o destino me empurrando como um pai que leva seu filho à escola pela primeira vez e o deixa lá. Era como se eu não tivesse escolha. Tinha que ir e ponto final. Mas a sensação de impotência diante do que havia escolhido não estava me fazendo bem. Tive a sensação que este dia havia chegado rápido demais.

    Cuidado com o que você deseja. Seu sonho pode se transformar em realidade.

    Na hora que sai de casa, vi como a bicicleta estava difícil de manejar e extremamente pesada. Já havia pedalado com bagagem, mas não com tudo aquilo. Senti seu peso e pesando ainda mais estava a minha responsabilidade. Tinha muita gente acreditando em mim naquele momento e isso me deixou um pouco preocupado.

    Combinamos - eu e Martinho - de sair de uma praça da minha cidade. Ele faria apenas os primeiros 15 dias da viagem comigo. Nosso outro amigo chamado Sandro, seguiria só os primeiros quilômetros.

    Enquanto seguia de casa até a praça, milhares de coisas passaram pela minha cabeça. Alguns amigos e minha família foram até lá para a despedida. Ninguém está emocionalmente pronto para uma coisa assim. Deixar tudo. Amigos, trabalho, família, namorada, enfim, meu cotidiano em busca de algo incerto. Sabia que fisicamente estava preparado, mas a pressão da despedida foi forte demais. Senti medo como nunca havia sentido antes na vida. Na hora da partida não conseguia olhar no rosto de ninguém. Se o fizesse, talvez não fosse capaz de seguir. Tinha vontade de chorar, mas respirei fundo, me despedi e subi na bicicleta. Precisava acordar e entender minha nova realidade, afinal já vivia esta partida há mais de um ano. Neste momento me lembrei de uma regra importante que tinha aprendido durante o ano de treinos: sempre cruzar um quilômetro de cada vez. Isso mesmo: pensar pequeno, mas com um objetivo grande. O resto iria aprender na estrada. Eu tinha que aprender.

    No primeiro dia seguimos por caminhos que já havíamos passado inúmeras vezes. Pedalar não era mais novidade há muito tempo. Sabíamos nos comportar na estrada e conhecíamos bem os caminhos da região, pois no último ano havíamos cruzado quase 7000 quilômetros juntos.

    Fizemos 120 quilômetros neste dia – sempre quando se inicia um dia bem cedo é comum fazer uma boa quilometragem – e chegamos à cidade de Ibaiti, no Paraná – a hospedagem foi num hotel.

    Havíamos começado muito bem. Fizemos um longo trecho e me senti mais confiante.

    Martinho sempre foi um guerreiro. Nunca o vi descer da bicicleta numa subida. Eu sim já havia feito isso algumas vezes. Lembro-me de um dia que fomos até Iaras, uma cidade próxima, mais ou menos 100 quilômetros de Ourinhos. Fazia um calor insuportável. Já na volta, depois de 162 quilômetros pedalados, eu não tinha mais forças. Estava totalmente desgastado. Derrubei minhas luvas no chão e exausto tentei vesti-las, mas desisti e sentei no chão. Às vezes o cansaço chega a níveis que afetam a capacidade intelectual, ainda que vestir luvas não seja uma tarefa que demande tanto raciocínio assim. Sou magro, não tenho reservas energéticas e quando minha energia acaba, preciso me alimentar e descansar. Liguei para o meu pai e ele foi me buscar de carro. Martinho conseguiu voltar e fez mais de 200 quilômetros – seu recorde de pedaladas num só dia.

    De agosto de 2007 a agosto de 2008 passou exatamente um ano de treino e esta experiência serviu para sabermos até onde poderíamos ir. Aprender a reconhecer os limites do corpo foi fundamental. Inclusive, fizemos uma viagem de uma semana de Curitiba até Florianópolis (506 quilômetros pelo caminho escolhido por nós). Precisávamos saber como era viajar dias seguidos na estrada. Foi um ótimo teste para ambos. Há um link no final do livro, um capítulo especial, um trecho do meu diário escrito sete meses antes da grande viagem, onde conto esta aventura de uma semana em fevereiro de 2008.

    As pedras no caminho, deixe para trás

    No segundo dia saímos de Ibaiti e 40 quilômetros depois paramos num restaurante à beira da estrada chamado Favo de Mel. Logo depois do almoço seguimos. Estava prestes a passar pelo primeiro grande teste da viagem. Poucos minutos depois, numa curva, em alta velocidade, eu caí. Caí de um jeito que nunca havia caído em mais de um ano andando de bicicleta. Neste momento tudo mudou. Levantei pulando num pé só e sentei a beira da rodovia. Não pensava em nada. Apenas me sentei e logo compreendi o que havia acontecido. Minha bicicleta ficou sobre a pista e os carros tinham que desviar um pouco para passar. Não conseguia esticar minha perna esquerda e sentia fortes dores no braço do mesmo lado, além do mais estava com todo o lado esquerdo do corpo ralado. Martinho estava mais à frente e logo voltou. Ficou apavorado. Foi avisado do acontecido por um caminhoneiro que passava no momento que caí. Ele retirou a minha bicicleta da rodovia e perguntou:

    – O que aconteceu?

    – Caí cara, caí. Acho que estou machucado.

    Uma ducha de água fria caiu sobre a minha cabeça naquele momento. Eu não podia acreditar. Fui derrubado por uma distração e uma imperfeição no acostamento. Pensei: É isso? Só isso? Assim termina o meu grande sonho? Tudo me pareceu uma grande piada.

    Logo em seguida, um motorista parou o carro e perguntou se estávamos precisando de ajuda. Martinho levou minha bicicleta até o restaurante onde havíamos almoçado e fui de carro. A todo o momento me lamentava e dizia:

    – Pelo menos oito meses de viagem e caio no segundo dia! Não pode ser! Tenho que voltar!

    Estava claro que tinha fraturado o braço. Nunca me quebrei até então, mas meu braço estava com uma aparência horrível. Sentia fortes dores na perna também e isso me deixava realmente preocupado. Uma fratura na perna é um pesadelo para qualquer ciclista.

    Enquanto estava no restaurante, Martinho tentou chamar uma ambulância. Até conseguiu, mas foi em vão. A ambulância nunca chegou. O lugar era um pouco isolado, não havia telefone e somente havia sinal de celular de cima de um morro. Em seguida apareceu um rapaz chamado Maurício, que nos levou de volta a Ibaiti para que eu pudesse ser atendido. Deixamos as bicicletas e quase toda a bagagem no restaurante e seguimos com ele. Em Ibaiti fui atendido no pronto socorro. Fiz radiografias e o médico que estava de plantão concluiu que não havia fraturas, tanto na perna, como no cotovelo e punho.

    Voltamos para casa de ônibus. Totalmente frustrante para mim. Sair de casa para viajar pelo menos oito meses e voltar no segundo dia foi devastador.

    No meu pensamento tudo era transitório. Não tinha outro objetivo naquele momento. Eu voltaria. Apenas não sabia quando, mas tudo seria uma questão de tempo para mim.

    Dois dias depois, já em casa, ainda sentia fortes dores no braço esquerdo. Não entendia o que estava acontecendo. Não tinha posição boa para me acomodar. Estava inchado e dolorido. Foi então que resolvi ir a meu médico de confiança, o Dr. Antônio Tavares, que já havia cuidado do meu joelho no passado. Ele me atendeu com atenção especial e assim que olhou a radiografia me disse:

    – Seu braço está doendo porque está quebrado!

    – Agora sim isso faz sentido! – brinquei.

    Agora sabia a causa da dor e podia ficar mais tranquilo. Sabia que tudo era mesmo uma questão de tempo e o médico me tranquilizou ainda mais, dizendo que não precisaria de cirurgia alguma. Apenas 28 dias de imobilização. Fraturei o punho a poucos milímetros da articulação. Se tivesse fraturado a articulação, talvez fosse preciso abandonar o projeto da viagem, pelo menos neste ano. Escrevi em minha página na internet o que tinha ocorrido comigo, deixando muito claro o meu retorno assim que possível:

    Ontem, 8 de setembro, segundo dia dos 250 dias previstos da minha viagem, sofri uma queda um pouco feia , às 14h, nas proximidades da cidade de Ventania/PR, cerca de 160 quilômetros de Ourinhos. Após almoço e descanso numa lanchonete à beira da estrada saímos e cerca de um quilômetro adiante numa forte ladeira me distraí por um segundo e o degrau do acostamento me derrubou. Eu estava a uns 50 km/h e uma queda nesta velocidade com toda aquela bagagem pode ser comparada a uma queda com uma moto pequena.

    Tive ferimentos nas costas, lateral do quadril e tornozelo. Torci o tornozelo esquerdo e bati forte meu joelho esquerdo.

    Fui atendido no pronto socorro de Ibaiti/PR e fiz raios-X do braço esquerdo que parecia fraturado, mas por sorte não houve fratura, apenas luxação no punho e cotovelo. Fui medicado e estou tomando remédios. Hoje vou consultar meu médico pra ter uma segunda opinião. O braço não foi imobilizado.

    Quando caí, Martinho, que estava à minha frente, não me viu e foi avisado por caminhoneiros um quilômetro depois. Fiquei sentado esperando socorro, pois estava com muitas dores. Logo em seguida parou um carro com duas pessoas e Martinho voltou. Levantaram a bike, que teve o aro traseiro bem danificado e Martinho me ajudou a pôr de volta a bermuda e um dos tênis que foi arrancado.

    Nos levaram até a lanchonete e um rapaz chamado Maurício que passava de carro nos levou até Ibaiti para atendimento médico cerca de 1h30 depois, pois o resgate demorou.

    As bikes e a maior parte da bagagem ficaram na lanchonete e hoje, dia 9, Martinho vai buscá-las de carro.

    Minha perna acordou bem hoje e teoricamente já pode pedalar, mas o braço pode demorar de três a cinco semanas. A partir da semana que vem vou iniciar um treino para as pernas numa academia para não perder o condicionamento. Assim que estiver recuperado sairei, de Ourinhos novamente e desta vez pra fazer certo.

    Este foi o primeiro acidente sério causado por imperfeições no acostamento em mais de um ano e quase 7000 quilômetros pedalados.

    Sempre tiro coisas boas dos acontecimentos: não bati a cabeça e caí perto de casa. E algumas lições: não correr tanto nas descidas com bagagem e tomar mais cuidado com as imperfeições do acostamento. Lições aprendidas na hora certa. Pretendo reiniciar assim que tiver condições. Com mais cuidado e mais devagar. Como diz o personagem principal do filme À procura da felicidade: Esta parte da minha vida chama-se aprendizado.

    Obrigado a todos!

    Thiago - 09/09/2008

    Fui ao meu ortopedista de confiança hoje e ele viu que realmente meu punho esquerdo está quebrado. Viu a fratura que o médico de Ibaiti não viu! O osso rádio foi lascado na ponta. Ficarei com gesso 28 dias.

    Gostaria de dizer que o gesso vai ser deixado de bicicleta no mesmo lugar que caí... Um obstáculo a mais ou a menos não faz diferença.

    Um abraço a todos!

    Thiago - 10/09/2008

    Eu estava tenso e nervoso com a situação. Fui motivo de piada e sei que muita gente que nunca sequer saiu da cidade me criticou duramente por ter retornado. Isso só me deixava com mais gana de continuar.

    Minha maior preocupação era o tempo. Eu não tinha muito tempo. Planejei a data da partida para que pudesse chegar ao extremo sul do continente exatamente no verão. Se atrasasse demais iria ter grandes problemas com frio e neve no sul. Iniciei treinos, pelo menos para as pernas, numa academia. E assim se passaram os 28 dias de recuperação.

    Renata

    Durante as sete semanas que fiquei parado muita coisa passou pela minha cabeça. Acabei aceitando a situação e encarando somente como um desafio a mais. Por outro lado sabia que teria que usar este tempo para decidir o que realmente queria fazer, ou seja, se seguiria adiante com meus planos. Durante este período pensei muito na minha namorada Renata que sempre foi fundamental. Ficamos três anos juntos e durante o último ano – antes da viagem – ela sempre apoiou minhas ideias malucas. Aventureira como eu, já havíamos viajado muito de carro.

    Quando comecei a planejar efetivamente a viagem pela América do Sul, ela estava do meu lado mesmo sabendo que a viagem significaria ficarmos separados por muito tempo e claro que isso nos deixava muito tristes e preocupados. Sem titubear continuou me apoiando e acho que apesar do apoio verdadeiro, tinha uma esperança que eu desistisse da loucura pouco antes de começar.

    Ter o apoio dela e dos meus pais era o que me sustentava. No inicio da ideia chegamos a pensar em viajar juntos e iniciamos um treinamento, mas infelizmente não foi possível. Com alguns problemas respiratórios logo percebemos que seria muito difícil para ela.

    Durante o treinamento deixava de passar os domingos com ela para sair de bicicleta pelas estradas. Não era fácil. E quando voltava totalmente desgastado, dormia... Claro que isso, aos poucos foi deixando a relação um pouco complicada. Mas o que eu podia fazer? Não tinha outra alternativa.

    Uns dias antes da minha partida ela organizou uma festa surpresa com vários de nossos amigos. Fizeram cartazes me desejando boa sorte e estavam todos lá, foi realmente muito emocionante e especial. Neste momento, mais uma vez, senti que minha ideia já havia saído do imaginário e afetava diretamente as outras pessoas. Era praticamente um ponto sem retorno. E foi durante a minha recuperação que decidimos terminar nosso relacionamento, seria melhor para ambos. Não era justo ficarmos assim como estávamos. Teria que deixá-la livre para poder ter minha liberdade também. Foi melhor assim.

    A recuperação

    Os 28 dias seguintes foram duros. Via a cada dia o condicionamento físico adquirido durante o último ano todo ir embora como se não fosse nada. Assim que retirei o gesso, iniciei a fisioterapia. Banhos com água quente, massagem, exercícios com a mão e muita paciência. Os braços são fundamentais para o ciclista, embora isso não seja óbvio. Precisava me recuperar para poder voltar a pedalar, ainda que minhas pernas já estivessem em perfeitas condições.

    Estava muito mal, além da fratura, tinha a luxação do meu cotovelo e isso me incomodava mais que a própria fratura no pulso, mas lentamente fui me recuperando. Entre a fisioterapia e o tempo ocioso até minha nova partida, tratei de consertar a bicicleta. Tive que trocar o aro traseiro que ficou parcialmente destruído na queda e repensei muita coisa. Principalmente em relação à quantidade de bagagem que estava levando. Teria que reduzir e melhorar de alguma forma a estabilidade da bicicleta. Como estava, não poderia seguir.

    Reduzi minha bagagem quase pela metade. Retirei tudo o que não era extremamente necessário, isso incluía os alforjes dianteiros e muito do meu equipamento de fotografia e vídeo. Também fiz um reforço no bagageiro traseiro para que ficasse mais rígido e mudei a forma de colocar a bolsa de guidão para que ficasse mais baixa e balançasse menos. Todas estas mudanças deixaram a bicicleta muito mais estável.

    Estava recuperado e apenas cinco semanas depois da fratura voltei a pedalar, ainda com dores e uma proteção no pulso. Fui até a cidade de Jacarezinho/PR, cerca de 25 quilômetros – desde minha casa – de Ourinhos. Fui e voltei com dores, muito calor, furo no pneu e chuva.

    Estava pronto novamente. Pronto e feliz de estar vivendo estas coisas de novo. Em mais duas semanas eu estaria pronto para cair de novo na estrada. Em meu diário na web, falei um pouco sobre essa experiência:

    Ontem, 8 de outubro, um mês após minha queda, retirei o gesso. Se eu fosse dar uma nota de zero a 10 para o estado do meu braço seria assim: na hora que caí, -1; com o gesso, zero; e agora eu daria nota 4 para ele. Não está quebrado, mas não serve para quase nada! O médico disse que em dez dias estarei fazendo todos os movimentos. Quando eu conseguir me apoiar com o braço esticado será hora de pegar a estrada novamente. Devo sair do mesmo lugar que caí. Após pensar um pouco achei essa uma boa ideia já que o trecho de quase 160 quilômetros até lá já foi feito. Assim o Martinho ganha mais dois dias de pedalada e pode ir mais longe também.

    Devo iniciar com alguma proteção para o punho. Não tenho tempo pra esperar estar 100% já que o verão está chegando e depois do Natal começa a corrida contra o sol, pois os dias vão se encurtando novamente.

    Quem já se quebrou, sabe como é. Levaria mais de 60 dias até ficar perfeito. Pretendo sair com 45 dias contados a partir do dia do tombo.

    quinta-feira, 23 de outubro de 2008, 16h31

    Conversando com alguns ciclistas experientes e descrevendo meu tombo, cheguei à conclusão que, provavelmente, quebrei o braço esquerdo antes mesmo de cair no chão. Quando caí não haviam marcas de pancada e minha mão estava limpa, não tocou o chão, assim como o braço todo. Acho que quebrei o punho quando o guidão girou e voei por cima dele. Deve ter torcido meu braço. Isso explica também a luxação no cotovelo.

    Finalmente voltei a pedalar! Quarenta e três dias depois de bater de frente com a Lei de Murphy numa curva e fraturar meu braço no segundo dia da viagem, finalmente consegui pedalar... Queria ir até Santo Antônio da Platina, que daria uns 98 km ida e volta, mas meu pneu furou em Jacarezinho, em frente a um borracheiro, então deixei ele remendar pra mim... resolvi voltar dali porque não daria tempo de chegar e voltar de dia. Foram 52km. Não é nada, mas pra quem quebrou o braço não ta tão ruim. Tá doendo muito, mas dá pra aguentar.

    Dois de novembro de 2008 – Um difícil recomeço

    Quando a hora chegar eles dirão coisas vazias, não ouça! Eles proclamarão os flagelos da vida, mas tudo isso se dissolverá no ar quando você começar a suar. O tempo se encarregará dos que ficaram a imaginar as possibilidades. Enquanto eles sonham, você dispara. Não pare! Ao partir, você descobre que tudo aquilo que sempre disseram sobre o mundo estava errado. Quando é você que está lá tudo ganha um olhar novo. Qualquer sonho sem um passo é só um delírio, mas se você der o primeiro, já não precisa sonhar.

    Renato Cabral, Adriano Fernandes e Leonardo de Agostini (Cicloturistas)

    Dia 3, 269 km pedalados

    Castro, Paraná, Brasil

    Considero este dia como a verdadeira data de início da viagem. Apesar de não estar tão bem fisicamente quanto estava da primeira vez, a cabeça estava um pouco mais preparada. Cinquenta e seis dias haviam se passado desde meu acidente.

    Como sair no dia da independência do Brasil não funcionou, desta vez sairíamos no dia de finados! Claro que a data foi meramente uma coincidência. Decidimos recomeçar exatamente do ponto onde paramos, ou seja, do restaurante Favo de Mel. Preciosismo ou não, não importa. O fato é que eu não queria pedalar de novo o que já havia cruzado. Meu pai e o Eduardo, pai de Renata, nos levaram até o lugar onde me acidentei. Neste momento deixei um presente para a estrada que me derrubou. O gesso ficou exatamente no lugar que cai. Não precisava mais dele e estava preparado para esquecer este acidente.

    Agora tínhamos a companhia de outro amigo chamado Armando, que nos acompanharia por 600 quilômetros até a cidade de Florianópolis.

    Tinha vencido o primeiro grande desafio físico e mental da viagem. Já esperava pelos próximos. As alterações que fiz na bagagem e na bicicleta deram resultado. Estava mais leve e muito mais fácil de lidar.

    Durante os treinos usei uma bicicleta antiga que tinha. Uma mountain bike convencional.

    Dois meses antes da viagem e depois de algumas – poucas, é verdade – tentativas de patrocínio junto a alguns fabricantes, resolvi comprar uma nova. Optei por uma mountain bike Sundown de fabricação brasileira, com quadro de alumínio, suspensão dianteira e componentes Shimano Deore LX. Não queria ter surpresas desagradáveis no caminho. Uma bike intermediária é suficiente. Às vezes quando digo que fui com uma Sundown as pessoas me dizem: Nossa, uma Sundown!?. Mas o fato é que comparada com bikes importadas da mesma faixa de preço, esta opção oferecia componentes – câmbio e outros acessórios – muito superiores. Escolhi o quadro de alumínio, pois queria uma bicicleta leve. Afinal de contas, a diferença de peso eu poderia levar a mais em bagagem. Sou leve, peso 60 kg e já saio em vantagem sobre a maioria dos ciclistas, pois exerço menos estresse sobre a bicicleta. O alumínio seria resistente o suficiente. Somente estaria em maus lençóis se o quadro recebesse um impacto muito forte e se rompesse. Neste caso, soldar o alumínio em qualquer lugar seria impossível. Junto com a bicicleta comprei algumas ferramentas básicas, um pneu reserva dobrável de kevlar para ser meu estepe e uma corrente extra idêntica à da bike com a qual eu faria um rodízio a cada 1.500 ou 2.000 quilômetros, para ter sempre duas correntes em condições similares de uso.

    No terceiro dia corrido de viagem ainda tinha que lidar com as dores no pulso e o cotovelo que não esticava completamente. Além do mais, a falta de condicionamento me deixava um pouco desconfortável, mesmo assim percorremos 109 quilômetros. A viagem estava me testando sem piedade. A retomada foi realmente dura. Ainda tinha milhares de dúvidas na minha cabeça.

    Quando chegamos ao planalto paranaense estávamos pedalando ao redor de 1000 metros de altitude. O tempo virou e começou a chover. Choveu muito, esfriou bastante e ficamos molhados. Eu não estava com a roupa de proteção contra chuva, porque quando começou não fazia frio, mas depois, completamente ensopado senti muito a temperatura baixa e bastante frio.

    A chuva forte seguia, e num momento olhei ao lado da estrada e vi um cachorro, sujo e doente, totalmente molhado e tremendo de frio. Não podia fazer nada para ajudá-lo, porque também estava numa situação difícil. Não parei de pedalar. Seguia lentamente. Neste momento comecei a chorar e a pensar que talvez eu não tivesse forças para realizar o que queria. Quanto mais chovia, mais eu chorava – acho que naquele momento, eu estava precisando daquilo – e ainda estava no inicio da viagem, passando por tantos testes! Realmente, neste momento pensei em desistir. Foi um dos poucos momentos que cheguei a cogitar esta possibilidade. Olhava a rodovia e pensava que ainda teria todo um continente para cruzar! Parecia pretensão demais!

    Estava muito assustado, mas aos poucos fui percebendo que os testes passam e tudo termina. No final tudo se tranquiliza e tudo que eu tinha a fazer era simplesmente seguir e manter a calma.

    Fizemos uma parada num pequeno restaurante à beira da estrada e quando paramos tivemos a constatação que realmente estávamos em más condições. Faltou muito pouco para ficarmos hipotérmicos. Tremia compulsivamente de uma maneira que quase me impedia de realizar coisas simples. Minhas mãos estavam geladas e as unhas e lábios completamente roxos. O Martinho não estava melhor. Nos secamos como foi possível e tomamos um café bem quente. Logo sem seguida a chuva diminuiu muito e foi possível seguir. Foi até um pouco irônico, pois foi um dos dias em que senti mais frio em toda a viagem. Ainda perto de casa e cruzando o cálido Brasil subtropical. No final deste dia chegamos à cidade de Castro. Novamente não quisemos perder muito tempo buscando um lugar para dormir e fomos direto a um hotel.

    Armando já havia desaparecido. Viajando quase sem bagagem, ele não conseguiu permanecer no mesmo ritmo que eu e o Martinho. Assim que chegamos a Castro tentamos localizá-lo, mas foi em vão. Fiquei preocupado, pois meu saco de dormir estava com ele.

    No dia seguinte tive meu primeiro furo no pneu. E foi um furo espetacular, com um prego enorme atravessando de um lado a outro. Trocar o pneu ainda sem muita experiência, com aquele calor e com Martinho falando o tempo todo não foi uma tarefa das mais simples. Esse foi o primeiro de muitos furos.

    Mais um dia de pedalada se foi. Acampamos pela primeira vez atrás de uma base operacional dos funcionários da rodovia.

    Minutos antes, havíamos feito uma parada no posto de combustíveis que ficava bem ao lado da base dos bombeiros e embora o plano fosse seguir mais um pouco, Martinho percebeu que eu estava cansado.

    Foi um dia em que não me senti bem o tempo todo. Minhas pernas não estavam no seu melhor desempenho. Martinho respeitou totalmente minha condição.

    Jantamos no restaurante do posto e pudemos tomar uma ducha também, mas mesmo havendo hospedagens ali, escolhemos acampar.

    Compartilhar a barraca pequena com o Martinho, que nunca foi muito esbelto, não foi fácil. Mas, no fundo, eu estava tentando desfrutar cada minuto com ele, pois sabia que seguiria somente mais uns dias comigo. Martinho também estava muito envolvido com o sonho da viagem e visivelmente triste em não poder seguir toda a viagem.

    Acampar é sempre divertido, além do mais, o pessoal da base nos convidou para tomar um cafezinho e jogar um pouco de conversa fora. Foi muito agradável.

    Chegamos em Curitiba no final do quinto dia e fomos procurar a casa de uma amiga do Martinho, chamada Andrea, que acabou nos hospedando por uma noite o que foi muito bom. Fomos muito bem recebidos.

    Base Operacional

    Andar de bicicleta em Curitiba é uma aventura perigosa como em toda cidade grande. Há muitas ciclovias nas ruas principais, mas são irregulares e cheias de obstáculos (pelo menos as que conheci). Ainda sim, Curitiba é uma das localidades onde me senti mais seguro.

    Visitamos alguns pontos turísticos como a Ópera de Arame e o Jardim Botânico. No dia seguinte fomos até a Colombo, que faz parte da grande Curitiba para passar uma noite na casa dos tios do Martinho, Saleme e Cármen, que nos receberam de braços abertos.

    No caminho a Colombo pudemos relembrar a viagem de sete dias que fizemos sete meses antes. Pedalamos novamente um pequeno trecho pela movimentada BR 116. Nesse trecho da viagem encontrei e conversei com várias pessoas sobre o projeto e quando detalhava o pretendido, sentia que na maioria das vezes não me davam muito crédito. De fato, às vezes, nem eu mesmo acreditava muito.

    A próxima grande aventura seria descer a serra do mar até a cidade de Joinville, já encostada no mar.

    Diferentemente da viagem de fevereiro, quando optamos descer pela belíssima e tranquila estrada da Graciosa, desta vez escolhemos a perigosa e movimentadas BR 376 e BR 101, pois queríamos velocidade e um caminho mais curto para tentar chegar até Joinville ainda neste dia, pois não era muito perto. Deu tudo certo. Percorremos 150 quilômetros e a descida ajudou.

    O caminho foi perigoso, pois é necessário dividir a rodovia com caminhões enormes, às vezes com pouco ou quase nenhum acostamento. Em alguns momentos passamos apuros. Lembro-me de um momento que tive de ter muito sangue frio. Enquanto ultrapassava um caminhão na descida veio outro enorme por trás de mim. Tive que manter a calma, encostar devagar no canteiro central e dar espaço para o monstro. Na descida é quase impossível parar uma coisa tão grande, haja visto que muitas vezes são caminhões carregados, neste caso a responsabilidade é toda do ciclista. É comum ultrapassar caminhões em situações assim, pois eles normalmente descem a serra lentamente. Mesmo assim, às vezes a bicicleta chega a velocidades muito perigosas muito rapidamente e temos que nos policiar o tempo todo quanto a isto.

    Chegamos em Joinville são e salvos, apesar das altas doses de adrenalina – este dia foi um dos poucos que fiz 150 quilômetros num único dia na viagem. Quilometragens assim são um pouco demais para o meu tipo de ciclismo.

    Ainda meio perdidos na chegada paramos para comer alguma coisa e logo conhecemos uma moça que nos passou seu telefone e disse que poderíamos acampar no seu quintal, mas acabamos dormindo num hotel, pois estávamos precisando de um pouco de conforto. Confesso que ainda me sentia um pouco preguiçoso em buscar lugares grátis para dormir.

    Ficar no hotel em Joinville foi muito bom, pois conhecemos muita gente bacana e recebemos a visita de um velho amigo do Martinho chamado Marquesani, que trabalha como professor de dança.

    Quando estávamos num lugar assim, com bastante gente, até tentávamos não beber cerveja e dormir cedo, mas confesso que nunca consegui ter muita disciplina durante toda a viagem.

    Santa Catarina

    Teríamos pela frente o magnífico litoral norte de Santa Catarina. Uma região linda que já havia visitado inúmeras vezes de carro e uma vez de bicicleta, quando fizemos uma viagem teste por esse litoral e sendo teste, seguimos por caminhos secundários, muitas vezes sem pavimento, mas desta vez seguiríamos pela BR 101, a principal rodovia do litoral sul. Obviamente, seguir pela BR não seria tão emocionante quanto foi o caminho alternativo que fizemos antes, pois na ocasião, passamos e visitamos praticamente todas as praias que haviam pelo caminho, porém a decisão de pedalar pela estrada principal agilizaria muito nossa viagem.

    O verão nesta região é exuberante. Praias e mais praias limpas – exceto poucos lugares – e lindas... O litoral Catarinense sempre foi o meu favorito e ter a oportunidade de percorrê-lo novamente era espetacular. Estávamos muito animados.

    Durante este trecho, em alguns momentos, cheguei a entrar em conflito com o Martinho. Apesar de nos conhecermos há muito tempo a realidade do dia-a-dia na estrada às vezes nos deixava muito suscetíveis a discussões sem sentido. Muitas vezes Martinho tinha uma postura de pai comigo e isso me irritava profundamente. Eu não estava aberto a seguir muitas regras. Nunca é muito fácil estar com alguém numa viagem assim. A personalidade aflora em situações de estresse e a paciência realmente se torna uma grande virtude – eu diria vital.

    Durante o caminho pelo litoral catarinense comecei a sentir dores no joelho direito e pouco antes de chegarmos à linda e agitada cidade de Camboriú lutamos contra um vento persistente que vinha de encontro e nesta hora senti muitas dores. Quando caí havia golpeado o outro joelho e essa dor estava me deixando um pouco preocupado e confuso, pois não sabia a causa.

    Chegamos a Camboriú e fomos direto à orla. Fizemos umas fotos na praia e Martinho telefonou para nossa amiga Denise. Logo descolamos um lugar muito bacana para ficar. Ela nos emprestou seu apartamento para passarmos a noite.

    Resolvi ficar duas noites na para dar tempo de recuperação ao meu joelho que doía um pouco e também por já ter visitado inúmeras vezes este lugar maravilhoso, de onde tenho boas lembranças. Gosto muito do agito noturno e do ambiente multicultural. Movimentado, mas sem estresse.

    Num dia comum da temporada de verão o idioma que se fala na cidade muda para o espanhol, claro que não oficialmente, mas somente se ouve espanhol pelas ruas. A quantidade de turistas argentinos é enorme.

    Curtíssima estada desta vez e já pé na estrada, ou melhor, pé no pedal e para isso, antes de sairmos da cidade, fizemos uma parada numa bicicletaria. O dono, ao ver minha bolsa de guidão da marca Ararauna me disse: Ah, eu conheço o Rodrigo e a Eliana – donos da empresa –, os encontrei faz pouco tempo, tendo um encontro de cicloturismo aqui na região esta semana. Pensei: Poxa, que mundo pequeno mesmo.

    Eliana e Rodrigo me ajudaram muito durante os preparativos para a viagem vendendo seus equipamentos praticamente a preço de custo. Foi uma pena estarmos de saída. Seria interessante visitar um evento assim, mas tudo que queríamos era seguir até Floripa – nome carinhoso dado a Florianópolis. Acredito eu que conhecido por todo o Brasil, ou quase todo. Nosso próximo destino.

    Dia 11, 834 km pedalados

    Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

    No caminho a Floripa, visitamos muitas outras cidades litorâneas, sempre

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