Meninos do crack
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Meninos do crack - Ana Paula Nonnenmarcher
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Prefácio
Vidas amargas
Meninos do crack traz histórias que se confundem com depoimentos, desabafos. Todas verídicas e escritas em primeira pessoa, dando voz a personagens marginalizados pelo preconceito. Com linguagem informal e recheada de gírias, as histórias contidas neste livro apresentam a forma narrativa oral de cada personagem, dando-nos a impressão de as estarmos ouvindo, em vez de as lendo.
Neste livro, mergulhamos, a cada história, em uma personalidade e em uma vida diferente. Somos homens e somos mulheres. Somos jovens de baixa e alta renda. Somos aposentados. Somos tudo e somos todos, que fogem, roubam, apanham e sofrem. Todos que se desesperam com a ausência da droga e cometem atos revoltantes e escatológicos para conseguir mais uma pedra, ou até, em sua gíria, mais um pega
. Atos que lhes tiram a condição de sujeito.
Fortes, envolventes, surpreendentes e, quase em sua totalidade, tristes, as histórias compiladas em Meninos do crack levam o leitor a uma reflexão profunda sobre o sistema e, principalmente, sobre o desenvolvimento humano. Ao ler esta obra, percebemos que muitas das personagens começaram com o crack para fugir de sua realidade excludente e, muitas vezes, violenta, o que nos levou a uma análise sobre a importância de uma estrutura familiar concreta e participativa no desenvolvimento da criança e do adolescente.
Em Meninos do crack, somos convidados a conhecer os danos da dependência química causada pelo crack da maneira mais crua e realista possível. Meninos do crack é um verdadeiro soco no estômago.
Fernanda da Costa, jornalista
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter me dado forças suficientes para prosseguir no meu objetivo e ter iluminado meu caminho, para que eu realizasse este trabalho.
Um agradecimento especial a todas as pessoas que confiaram no meu projeto e compartilharam comigo o sonho de ter este livro pronto.
Obrigada, família, por ter paciência, embora estivesse preocupada com o mundo em que eu estava me infiltrando.
Agradeço a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, colaboraram para que este trabalho fosse desenvolvido e finalizado.
Ao menino Gustavo Henrique Bittencourt Goulart, por ter me sugerido ideias e por estar sempre atento ao que poderia ser útil.
Um agradecimento especial a Gilberto Valentin Boscato, por ter lido meus manuscritos, o que foi fundamental para o término da obra.
À todas as personagens reais deste livro, que me deixaram penetrar no seu mundo e responderam aos meus questionamentos sobre o seu maior temor: o crack.
À deputada Zilá Breitenbach, ao seu assessor de imprensa Sérgio Rigo de Souza e a Marcos Flach, um agradecimento especial. Obrigada pela oportunidade e por terem acreditado em mim.
Agradeço à jornalista Gilda Carla Pinheiro por ter dado o seu parecer sobre a obra.
Mundo das pedras
Não foi fácil entrar em um ambiente que parecia estar muito distante de mim, mas a curiosidade e a busca por respostas me fizeram mergulhar no misterioso mundo das pedras.
No início, pensei em elaborar apenas uma reportagem sobre o assunto. Porém, o tema era muito abrangente, bem mais do que eu pensava. Travei uma luta diária com a minha família e as pessoas que convivem comigo, mas não hesitei e fui à busca.
Quanto mais eu lia a respeito, mais a minha curiosidade se aguçava. Foi quando eu resolvi que iria atrás das respostas, para preencher algumas lacunas. Intrigava-me pensar que seres humanos, homens e mulheres de classes sociais e idades diferentes, se entregavam às pedras. Quem seriam essas pessoas? Por que entraram nesse mundo? Quais seriam as sensações de fumar uma pedra de crack? Como sair dessa escuridão? O que podem vir a fazer para saciar o vício? Algumas lacunas foram preenchidas. Descobri os filhos e as filhas do crack e conheci um pouco de suas histórias. Porém, algumas respostas ficaram no vazio do esquecimento, como a sensação da pedra, que se esvai com a fumaça.
Um problema social grave, que revela índices de recuperação baixos. O tratamento existe, mas nem todos conseguem se livrar do vício.
Este livro foi elaborado com o objetivo de mostrar à sociedade o mundo de um usuário de crack, seus anseios, seus medos, suas vidas, seu cotidiano. Eu tive que enfrentar inúmeras barreiras, sendo a primeira delas convencer as pessoas de que eu queria desenvolver um trabalho sério, a começar pela minha família. Toda vez que saía em busca de mais uma entrevista, de um usuário, começavam as brigas familiares. Minha mãe, em uma tarde, me mandou escrever poesias e não cansava de repetir: Desista desse livro, tu estás maluca. Escolha outro assunto, não te envolvas com essa gente.
Não, eu não era poeta. Nunca fui. A teimosia persistia, e jamais iria desistir. Esse mundo, do crack, me intrigava. Queria respostas.
Depois da luta diária com a família, chegou a vez de sofrer o preconceito dos vizinhos e dos conhecidos, que me viam na companhia de viciados. Por muito tempo, virei alvo das fofocas de pessoas que me tacharam como: a mais nova pedreira do bairro
. Não me importei. Não pensei, em nenhum instante, no conceito que a sociedade teria de mim. Meu objetivo seguia.
Ruas e mais ruas, praças, calçadas, pontos de prostituição, lugares de consumo de crack: lá estava eu novamente, em busca de mais uma vítima das pedras. Muitos concordavam em me conceder uma entrevista, outros temiam que eu fosse da polícia e alguns, ainda, me falavam palavrões e pediam para que eu fosse embora. Eu escutava incontáveis nãos. Porém, os muitos sins me faziam vibrar.
Eles compartilharam suas histórias de vida. Revelavam sua aproximação com as pedras através das mãos suadas e trêmulas, que faziam identificar a fissura, dos olhos vidrados e dos pés que não paravam, andando de um lado para o outro. Cinquenta histórias de homens e mulheres que, um dia, experimentaram a primeira pedra, pensando que controlariam o vício, e foram fisgados.
As minhas idas aos pontos de drogas eram marcadas por bolsas revistadas e mil perguntas, como: É da polícia? Vai gravar? Filmar? Tirar fotos?
Queriam provas de que eu era mesmo jornalista.
O meu objetivo não é conscientizar o mundo, mas colocar a realidade nua e crua, de um viciado em pedras, para a sociedade.
Apertem os cintos, porque a viagem começa agora. Depoimentos que, muitas vezes, irão assustar e histórias chocantes e avassaladoras, poucas com final feliz, que servem de alerta para todos nós. Saberemos, mais profundamente, o que acontece com as pessoas que fumam pedras, que mergulham no crack.
Bem-vindos ao submundo do crack.
Pequenas pedras que parecem ser inofensivas. Cabem na palma da mão, podendo ser escondidas em qualquer lugar. Chegaram às metrópoles dos Estados Unidos, como Nova York, por volta dos anos 1980, e eram consumidas apenas pela classe baixa. Porém, foram se destacando entre outras drogas.
O crack, naquela época, era tão potente que os traficantes tiveram que refazer sua fórmula, porque perdiam a clientela. Como era apenas o refugo da cocaína, sem nenhuma outra substância, as pedras eram extremamente químicas. Uma droga que viciava rápido, de baixo custo, mas que causava a morte de seus consumidores.
Em meados dos anos 1980, ele já não era apenas o refugo da cocaína, pois foram acrescentados mais ingredientes.
O crack chegou ao Brasil em 1988, na cidade de São Paulo. A mídia começou a observar pessoas estranhas que andavam pelas ruas apressadamente, com olhar vidrado, depois de fumar algo em um cachimbo rudimentar. O crack havia chegado. Uma teoria diz que o crack veio parar no país porque o mercado ficou saturado de cocaína, que possuía um preço elevado, variando entre trinta e cinquenta reais o grama, e tinha pouca saída. Sendo assim, tiveram que criar uma nova forma de usar a cocaína. Foi assim que nasceu o crack. O valor era bem menor, variando entre cinco e dez reais. No início, o crack era a droga com consumo voltado para as classes desprovidas de recursos financeiros.
Outra teoria diz que a criação do crack deve-se à forma de fabricar uma qualidade de cocaína sem o devido refino, já que para tal necessita-se de éter, acetona, glicerina e permanganato de potássio. Esse processo, além de caro, resulta em substâncias voláteis e odores fortes, que são facilmente detectados pela polícia.
As pedras são oito vezes mais potentes que a cocaína. Estima-se que viciam logo nas primeiras fumadas. Uma droga que atualmente não é apenas usada por meninos de rua ou prostitutas. O crack está nas classes sociais mais variadas, não escolhe sexo, raça ou cor. A absorção do crack é feita por via pulmonar e, em quinze segundos, atinge os neurônios. Seu índice de absorção é de 100% via pulmonar.
O crack está liderando todas as estatísticas. Em 2009, do total de pessoas usuárias de drogas abordadas, 90% consumiam crack. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, entre sua população existe aproximadamente 55 mil usuários de crack. Por causa do alto poder estimulante, o crack vicia oito vezes mais rápido que a cocaína. Com isso buscam-se ferramentas para diminuir o impacto da dependência em todo o país.
Dez, doze. O número variava, dependendo do dia e do quanto de dinheiro as pessoas tinham no bolso para ir fumar. Um mundo à parte, é o que parecia para quem observava de longe. Pessoas que chegam, aflitas, em busca de mais