Os Qontos Dos Infernos

De Percy De Oliveira

Religião, folclore, terror, medos, realidade, ficção e muito mais tudo reunido nestes contos, Os qontos dos infernos . Leia e se assuste, ou não, mas se divirta com os personagens e suas histórias neste novo livro de Percy de Oliveira.

• Idioma: Português
• Editora: Clube de Autores
• Data de lançamento: 16 de mai. de 2017

Pré-visualização do livro

"Então disse o Senhor a Satanás. Donde

vens? Respondeu Satanás ao Senhor, e disse;

de rodear a terra, e passear por ela."

(Jó. Cap.2, V.2)

UM SORRISO ANGELICAL

Deu-se que um homem, ainda jovem, estava à beira da

morte, ou como se diz, passando-se desta para melhor, ou pior,

nunca se sabe. Não era dessas pessoas que provocam os

costumeiros lamentos, como por exemplo, o de que era tão bom

que não merecia tal sorte. Que deixava uma viúva tão jovem

também, além do mais, bonita e alegre. Que deixava ainda

muitos amigos, já saudosos de sua companhia barulhenta, mas

participativa...

A verdade é que, desde adolescente, enveredara pelos

maus caminhos. Começara esses caminhos, por pequenos

roubos de frutas em feiras. Aprendendo a fumar, e não tendo

renda alguma, passou a roubar maços de cigarros em bares e

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botecos, o que lhe causou muitas idas a delegacias, e até alguns

sopapos. Daí para as bebidas foi um passo. Bebendo, perdia a

noção das coisas e os maus caminhos passaram a ser muito

piores.

Apesar disso, e usando de mentiras e tapeações, "casou-

se" com uma bonita moça de um bairro distante, que se deixou

engabelar. Casado continuou com suas práticas que agora,

com despesas obrigatórias, duplicaram ou mesmo triplicaram.

As circunstâncias levaram-no então ao primeiro crime. Houve

até alguma atenuante. Pois segundo ele mesmo, ou matava ou

morria. Foi julgado e condenado a vários anos de prisão. Como

era jovem e bonito, logo estava com calos nos joelhos e nas

palmas das mãos. Cumprida a pena, voltou para as ruas,

revoltado e com uma índole muito pior. Como vingança, passou

de estuprado a estuprador.

Foi aí que se deu mal. Flagrado num desses atos, por um

militar à paisana, levou um pirombaço calibre 38, ou

equivalente, nas costas.

Conseguiu arrastar-se até sua casa, gemendo e sangrando

muito. Fez a companheira jurar que não contaria nada a

ninguém, nem chamaria um médico. Como consequência, foi

atacado por uma grave infecção, e ficou às portas da morte.

A notícia chegou logo ao departamento encarregado

desses assuntos, no inferno. Preparou-se um experiente capeta

para a missão: trazer logo a alma do infeliz para que carregasse

sua merecida, não diríamos cruz, palavra por ali maldita.

Digamos seu castigo. Convicto da facilidade dessa missão, não

teve pressa nosso capeta. Sobrou até tempo para, ao cruzar uma

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pequena mata, ouvir ruídos muito suspeitos. Risadas abafadas,

gemidos mais abafados ainda. Sua suspeita se confirmou. Um

casal, completamente nu, praticando, sem pressa alguma, o que

se convencionou chamar de amor, embora essa palavra designe

coisas mais elevadas que o que se ali se via. A mulher tinha um

corpo muito bonito, e sua figura ficou gravada na mente do

assanhado capeta. Para não sair dali sem uma maldade, marca

registrada da espécie, fez com que um urubu mal cheiroso

largasse uma bela cagada sobre os corpos entrelaçados.

Prosseguiu sua caminhada, ou vôo, e apressando-se

agora, chegou logo a casa onde morria o dito jovem. Para sua

surpresa, encontrou sentado à beira da cama, um velho padre,

chamado em segredo pela futura viúva, e já devidamente

paramentado para uma extrema unção. Percebendo-se em

desvantagem, o vivo capeta tratou de colocar em prática algum

truque para reverter a situação. Sabendo dos baixos instintos do

moribundo, forçou para dentro da sua já esquálida mente, a

imagem que tinha viva, e bem guardada na própria. A bela

mulher nua do matagal. Foi uma porretada. O quase finado

enrijou-se na cama, teve uma breve ereção, e apagou-se. O

velho padre mal teve tempo de aspergir água benta sobre o

corpo. Um sorriso maroto marcava o rosto do defunto. E

enquanto o capeta saía, carregando consigo a alma recém-

conquistada, o padre consolava a recém-viúva:

-Veja minha filha, o sorriso em seu rosto. Ele se

arrependeu dos pecados e está agora lá no céu, ao lado dos

anjos. Bendito seja Deus.

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"Nós somos corpos submetidos ao Diabo, em

um mundo onde o Diabo é o príncipe e Deus.

O pão que comemos, a bebida que bebemos,

as vestimentas que usamos, até o ar que

respiramos e todos os pertences de nossa vida

corporal, fazem parte do seu império."

(Martinho Lutero)

A PROFESSORINHA

Este fato aconteceu nos tempos em que as crianças eram

ingênuas e inocentes, os adolescentes eram mais ou menos

ingênuos e inocentes, e os adultos já não eram ingênuos nem

inocentes, mas disfarçavam bem. E devido a essas

circunstâncias, havia certa defasagem no estoque de almas do

inferno, matéria prima para aquecimento de suas fornalhas.

Então, o DCA (Departamento de Captura de Almas),

resolveu desenvolver um plano de longo prazo para suprir essa

deficiência. Consistia esse plano em preparar as alminhas para

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superar, inicialmente, a inocência. Como esse DAC era um

braço do governo, houve primeira uma renhida disputa pela

presidência, pelas secretarias e outros cargos. Depois de

inúmeras reuniões infrutíferas e uma terrível bronca do

Imperador Lúcifer, chegaram ao final dos trabalhos. Foi feita

uma lista de cidades, e dos capetas que nelas atuariam.

Para uma pequena cidade interiorana, que tinha o

estranho nome de São Jorge do Espinhel, foi designado um

experimentado capeta que tinha