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O Rei Da Dor
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E-book288 páginas2 horas

O Rei Da Dor

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Sobre este e-book

A jornada de I continua. Agora ele é pai de família e trabalha em uma empreitera de renome nacional. No trabalho, sofre pressão para concluir uma mega-obra, mesmo que tenha que apelar para favores ilícitos. Só que o cara tem um colapso nervoso. Sua mulher o obriga a frequentar uma psicóloga. Em pouco tempo descobrimos que ele apagou da memória a adolescência inteira! Para piorar, seu filho começa a sofrer bullying na escola muito parecido com o que dizem que ele sofreu na mesma época. Sua solução para os problemas? Regressão ao passado via hipnose controlada.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de out. de 2017
O Rei Da Dor

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    O Rei Da Dor - Isaac M. Katz

    Miserabilidade. O elevador enguiçou e tive de subir a pé até o 5º andar. No 3º andar pensei em desistir da consulta. Mas isso podia ter consequências em casa.

    Arfando em ritmo compulsivo, apertei a campainha. 10 segundos, 15 segundos, 30  segundos. Nada. Aproveitei o lapso temporal para sentar na escada. Isso aqui é um erro, a Anita que me desculpe. Nem todos os problemas se resolvem com um bate-papo. Ainda que esse bate-papo seja fruto de  4 anos  de faculdade.

    A porta se abriu. Uma morena alta me olhou com curiosidade. Longos cabelos pretos lisos escorriam pelos ombros. Deve dar trabalho pentear isso todos os dias.

    — Olá, tudo bem? Já lhe atendo em um instante.

    Um instante é sempre um pleonasmo  de 10  a 15 minutos. Dessa vez não foi diferente. Na sala  de espera, as malditas revistas de celebridades da TV.  Sentei  no  sofá,  cruzei  as  pernas  e  cerrei os

    olhos. Foquei o pensamento no nada, minha especialidade.

    A porta do corredor interno se abriu. Uma gordona cheia de sorrisos apareceu trotando. A morena a acompanhou até a porta. Beijinho, beijinho,  tchau, tchau.

    escrivaninha, o sofá da doutora. E muitos travesseiros. Uns oito, pelas minhas contas. Fiquei com vontade de chutar um bem longe.

    O silêncio voltou a imperar. Constrangedor, agressivo, necessário. Franzi o cenho. A perspectiva de dormir na sessão me pareceu atraente. A doutora olhou boa parte do tempo para a janela com uma daquelas cortinas transparentes.

    Pronto. Acabou. Agradeci a paciência da minha interlocutora, lhe entreguei um cheque pré-datado e me escafedi pela mesma escada que cheguei bufando. A descida foi super-rápida e a rua barulhenta uma autêntica sinfonia do caos.

    Em casa, Anita estava muito quieta na hora do jantar. O pequeno Ahron já havia comido e se encontrava  na  cama. Estranho...

    Nada sobre os preços abusivos do supermercado, os últimos capítulos da novela, a dança dos técnicos no campeonato brasileiro. A ausência de áudio foi bem recebida pelos meus tímpanos, embora a experiência fosse indubitavelmente atípica. Depois o  telefone  tocou  e a cônjuge ficou pendurada no aparelho, conversando com uma amiga durante  um  oceano de tempo.

    Na cama, enquanto folheava o novo livro do Rubem  Fonseca,  Anita  chegou silenciosamente.

    Em frente ao espelho, puxando o fio mentolado de um lado para o outro entre os dentes.  Adoro  quando  sai  sangue  da  gengiva.  O

    cuspe vermelho na pia também me dá prazer. Voltei saltitante para a cama.

    que...

    Flashes do filme " Te pego lá fora", de Phil

    Joanou. Todos  para  o estacionamento da escola. É a briga do século. Estrelando, I e sua cara amassada.

    Às 9:30 do dia seguinte, já estava na sala da diretora, com um olho aberto e o outro levemente fechado, sentado à sua frente, à espera de  atenção.

    Uma cinquentona de olhos azuis vivíssimos ralhava com uma funcionária no telefone. Ela pediu profissionalismo à voz no outro lado da linha, apertou asperamente o botão off e me ofereceu um sorriso cansado. Caramba, ainda bem que nunca pensei em magistério como opção profissional.

    filho?

    Fiquei alguns segundos olhando a cara da diretora. O excesso de maquiagem escondia bem as rugas. Só não escondia o mal-estar que se formou entre nós.

    Saí de lá com a nítida sensação de que aquela conversa seria retomada em breve. Na próxima vez, a última palavra seria minha.  Afinal, também trabalho para isso...

    No escritório, o ritmo estava devagar, esperando o Godot do Beckett. Isabelle, a  secretária gordinha, checava os últimos posts de seus amigos no Facebook. Quando notou minha presença, seu rosto transmudou-se em um enorme pimentão. Dei um tapinha nas costas para tranquilizá-la, mas o pimentão continuou grudado em  sua face.

    Já devidamente refestelado na cadeira giratória, aguardava o sócio em minha sala.  O dito cujo chegou com a tradicional pose de modelo de grife italiana  num  terno  cinza  de microfibra.

    No bolso da frente, um lenço branco meticulosamente dobrado e com a ponta para fora. Realmente  um espetáculo.

    Seu olhar irradiava confiança, uma arma sempre útil no mundo dos negócios.

    Claudio riu. Ele adorava conversa de botequim.

    —OK, então... Afinal de contas, o que você  foi fazer no antigo colégio? — O sócio inquiriu, depois que se extinguiu o momento sério.

    Os olhos de Claudio se arregalaram. Parecia ter visto a luz divina.

    Fiz uma careta de estupefação. Claudio agitava os braços convulsivamente, como se estivesse numa discussão acalorada no boteco.

    Passei para o laptop do Claudio um anexo do novo contrato para ele imprimir e assinar em meu nome. A imitação dele era tão perfeita que o cônjuge acreditaria que aquela letra era minha.

    Voltei pra casa com a cabeça latejando. Flashes do meu filho apanhando na frente da turma martelavam minha mente.

    Anita me esperava na mesa da cozinha. O pequeno Ahron comia na sala em frente à televisão. Um desenho americano violento fazia suas pupilas dilatarem. Posso estar enganando, mas o garoto parecia estar me evitando.

    Agora era a vez de Anita agitar os braços e levantar o tom de voz. Se não a conhecesse, diria que frequentava o mesmo boteco do Claudio.

    O pequeno Ahron veio correndo. Pensou que os pais estivessem brigando; o que devia ser mais interessante do que a violência asséptica de cartoons acéfalos. Quando constatou alarme falso, voltou aos doutrinamentos da tela plana.

    Anita balançou a cabeça repetidamente, irritada com a ironia fora de hora.

    com      a      diretora-geral      em      que      você      foi ridicularizado?

    Fiquei olhando sua orelha direita. Três brinquinhos iguais, um em cima do outro. O comércio de bijuterias deve estar bombando...

    Silêncio. O coração bate forte, e a camisa empapada de suor lembra que o verão ainda não terminou.

    Dormi mal nessa noite. Espasmos de  cabeçada para trás foram uma constante. Quem Anita pensa que é, me manipulando como marionete de teatro infantil? Será que nunca ouviu falar em livre-arbítrio? Em nome desse conceito sagrado, pilar da civilização judaico- cristã, me recuso a  voltar àquele lugar.

    No dia seguinte, com a bunda devidamente colada  no sofá-cama, tentava explicar  à  doutora o

    que me convenceu a dar uma segunda chance ao tratamento.

    Pronto, começou. Ela quer saber o que eu penso sobre o que acabei de dizer. E com base nesse joguinho de palavras se justifica o absurdo que se cobra por sessão.

    quem se prepara pra dar um veredito. Ou um esporro.

    Olhei para o relógio. Achei apropriado dispensar o resto da sessão. Agradeci o interesse, lhe entreguei o cheque gordo e mirei a porta de saída. Audrei percebeu meu desconforto e pousou    a mão na maçaneta por mais tempo do que o necessário.

    tendo uma nova crise nervosa. Bem pior do que a primeira.

    Tomei controle da maçaneta. Audrei recuou, sem protestos.

    consegui chegar ao escritório. Ao me avistar, Isabelle ativou a função secretária eletrônica e despejou todos os recados em um fluxo contínuo. Nada fez sentido e fui me refugiar na sala de reuniões. Claudio já estava a postos, debruçado sobre a mesa em formato de prancha; os olhos grudados na tela do laptop.

    Ele havia tirado a  gravata  do pescoço. Mau

    sinal.

    E assim foi. O sátrapa ancião chegou com o advogado a tiracolo; um sujeito atarracado, cabelo

    ralo nas laterais e olhar de peixe  morto.  E, é  claro, a indefectível pastinha com documentos à mão para socorrer o chefinho de qualquer inconveniente.

    Todos a postos na mesa-prancha, esperando o grid de largada. O velho pigarreou e acendeu um cigarro com destreza.

    Além de tudo, é tabagista.

    Comecei a bufar ruidosamente. Na terceira bufada, Claudio me cutucou com força na altura da cintura. Silêncio.

    O velho amassou a guimba do cigarro no cinzeiro. Parecia sem presa em me responder. Usou o famoso olhar penetrante como arma de intimidação não-verbal. Confesso  que funcionou.

    Claudio segurou meu braço nessa hora. Senti o peito inchar, ardendo a amplitude da dor aguda. Afrouxei a gravata, desabotoei a parte de cima da camisa... Pronto, segurei a onda.

    O sujeitinho atarracado me entregou o cartão branco com nome, telefone e E-mail. O velho se levantou e evadiu-se do recinto, levando junto seu cão de guarda.

    Cheguei em casa; e ninguém pra me  receber. Aproveitei pra abrir o licor de cacau escondido na estante da sala de estar. Antes do primeiro gole, li com vontade o rótulo da garrafa e percebi que o produto já havia passado do prazo de validade. Oba, é com esse mesmo que eu vou!

    Ingeri um copo cheio do líquido acridoce. O telefone tocou. Imaginei um complô cuja meta fosse me impedir de curtir um pouco a vida.

    Chegando ao hospital, fui cercado por esposa

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