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História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil: Os Líderes, Debates e Resoluções da Entidade que Moldou o Movimento Pentecostal Brasileiro
História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil: Os Líderes, Debates e Resoluções da Entidade que Moldou o Movimento Pentecostal Brasileiro
História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil: Os Líderes, Debates e Resoluções da Entidade que Moldou o Movimento Pentecostal Brasileiro
E-book1.415 páginas33 horas

História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil: Os Líderes, Debates e Resoluções da Entidade que Moldou o Movimento Pentecostal Brasileiro

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Sobre este e-book

Por que a Assembleia de Deus no Brasil não usa cruz em suas fachadas? Como surgiu o perfil conservador em relação a usos e costumes, que caracteriza a identidade assembleiana? Quando e por que a Assembleia de Deus começou a usar o rádio na evangelização? E a televisão?

Através desta obra, repleta de registros e imagens históricos, convidamos você a caminhar por uma parte significativa da história da igreja evangélica brasileira, entrando e saindo daquelas históricas sessões convencionais cujas resoluções moldaram a maior denominação pentecostal do mundo.
IdiomaPortuguês
EditoraCPAD
Data de lançamento25 de mai. de 2022
ISBN9786559681136
História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil: Os Líderes, Debates e Resoluções da Entidade que Moldou o Movimento Pentecostal Brasileiro

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    História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil - CPAD

    Convenção Geral de 1930

    5 a 10 de setembro

    Os pastores nacionais assumem a direção das Assembleias de Deus nas Regiões Norte e Nordeste

    Com o crescimento e a expansão do Movimento Pentecostal no Brasil encetado pelos pioneiros suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, surgiu a necessidade de os líderes pentecostais realizarem reuniões periódicas de âmbito nacional com o propósito de manter a identidade e a unidade doutrinária da Assembleia de Deus, e resolver questões de ordem interna e externa.

    Foi com esses objetivos e essa conscientização que nasceu a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB),¹ o órgão máximo da maior denominação evangélica brasileira. A CGADB é fruto de uma percepção que pouco a pouco foi cristalizando-se no seio da liderança pentecostal em todo o país. Porém, como acontece com toda ideia, ela teve seus catalisadores.

    Os primeiros passos: os obreiros nacionais tomam a iniciativa

    O primeiro encontro reunindo os obreiros da Assembleia de Deus no Brasil ocorreu em 1921, na Vila São Luiz, localizada no município de Igarapé-Açu, no Pará. Essa reunião histórica é mencionada pelo missionário Samuel Nyström durante a Semana Bíblica de 1941, realizada em Porto Alegre. Na época, a pequena vila paraense era ponto estratégico de ligação entre a igreja-mãe, em Belém, e os demais trabalhos que foram erguidos ao redor da antiga Estrada de Ferro Belém-Bragança.

    Obreiros nacionais e missionários suecos em frente à igreja em Natal, durante a Convenção Geral de 1930. Atrás, a partir da esquerda, estão Antônio Lopes Galvão, após o irmão seguinte está Juvenal Roque de Andrade; depois dele e de mais dois irmãos está Frida Vingren, seguida de Gunnar Vingren, Nels Nelson, Nils Kastberg, Algot Svenson, Samuel Nyström (mais ao alto), Lewi Pethrus, Cícero Canuto de Lima, Daniel Berg (mais ao alto), Joel Carlson, Beda Palm e Anders Johanson; após o irmão seguinte estão Otto Nelson e Napoleão Oliveira de Lima, tendo na sequência mais dois irmãos não identificados. À frente, a partir da esquerda, o segundo irmão é José Felinto de Oliveira, seguido de Manoel Hygino de Souza, Diomedes Pereira, Josino Galvão de Lima, um irmão não identificado, depois Manoel Pessoa Leão, Francisco Gonzaga da Silva, outro irmão não identificado, Luís Gonçalves Chaves e Amaro Celestino, seguido por mais dois irmãos não identificados.

    O encontro aconteceu na casa do líder da Assembleia de Deus em Vila São Luiz, o pastor João Pereira de Queiroz, que estava ali quase que desde o início daquela igreja, nascida em 1915. Estavam reunidos nesse primeiro encontro histórico o missionário Samuel Nyström, que dirigiu a reunião, e os pastores Isidoro Filho, primeiro a ser consagrado pastor pelos missionários; Luiz Hygno de Souza Filho, Almeida Sobrinho, João Pereira Queiroz, José Felinto, Manoel Zuca, Manoel Cezar (mais conhecido como Néco Cezar) e Pedro Trajano. O principal assunto tratado parece ter sido a evangelização, o esclarecimento de pequenas dúvidas teológicas e o andamento dos trabalhos.

    Ali estava o embrião: a liderança sueca, representada no Pará por Samuel Nyström, reunida com obreiros nacionais para decidir questões relacionadas à obra no Brasil. A ideia de uma Convenção Geral, porém, só começa a ganhar forma mesmo mais de dez anos depois.

    Os primeiros passos para a realização da primeira Convenção foram dados em 1929, e a iniciativa partiu dos obreiros nacionais. Foram os pastores brasileiros das regiões Norte e Nordeste os idealizadores da primeira Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil.

    Até 1930, eram os missionários suecos que lideravam ou supervisionavam todas as Assembleias de Deus no país. Nenhum trabalho aberto pelos missionários havia recebido autonomia, mesmo sendo boa parte das igrejas do Norte e Nordeste dirigida por pastores nacionais. O líder natural dos missionários era o pastor Gunnar Vingren, que desde 1924 liderava a Assembleia de Deus no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Na sua ausência, Samuel Nyström, que estava em Belém do Pará, era quem exercia a liderança nacional.

    Antes da Convenção de 1930, só os missionários se reuniam para decidir o andamento do Movimento Pentecostal. Os pastores brasileiros eram apenas comunicados das resoluções e as implementavam.

    Em 1926, Gunnar Vingren realizou, na Assembleia de Deus do Rio de Janeiro, de 17 a 25 de julho, a primeira Conferência Pentecostal do Brasil. As conferências pentecostais foram a primeira tentativa dos missionários de reunir oficialmente, de forma programada e organizada, toda a liderança da denominação. Porém, essas reuniões, que objetivavam tratar sobre o andamento da igreja, não contavam com a participação dos obreiros brasileiros. Somente os missionários participavam. Estiverem presentes nesse primeiro encontro, além do próprio Vingren (Rio de Janeiro), os missionários Gustavo Nordlund (Rio Grande do Sul), Otto Nelson (Alagoas), Joel Carlson (Pernambuco), Nels Julius Nelson e Samuel Nyström (Pará), Gunnar Svenson (Argentina) e o pastor A. P. Franklin, da Suécia. À época, Franklin era o líder da Svenska Fria Missionen (Missão Livre Sueca), mantida pela Igreja Filadélfia em Estocolmo, liderada pelo pastor Lewi Pethrus e mantenedora dos missionários suecos no Brasil.

    A última conferência do tipo foi realizada em Recife, de 10 a 17 de outubro de 1929, na igreja dirigida pelo missionário Joel Carlson. O evento foi anunciado primeiramente para 5 a 12 de maio, por meio do jornal Boa Semente, na sua edição de março daquele ano. Na época, o Boa Semente funcionava como o jornal oficial das Assembleias de Deus no Brasil,² sendo dirigido pelo missionário Samuel Nyström. Um detalhe curioso é que, ao anunciar o evento pela primeira vez, o missionário Joel Carlson usou o nome Convenção Geral para designar o encontro. Foi a primeira vez que a referida nomenclatura foi utilizada para aludir a um conclave reunindo a liderança nacional da denominação.

    Foram convidados para Recife todos os pastores, evangelistas e missionários. Entretanto, essa convocação ampla se devia ao fato de que haveria estudos bíblicos durante o dia; e nas noites, cultos de pregação, reuniões das quais todos os obreiros poderiam e deveriam participar. Porém, as reuniões para tratar sobre os destinos da igreja no Brasil ficavam restritas só aos missionários.

    Foi exatamente dois meses depois dessa segunda Conferência Pentecostal que os obreiros nacionais se reuniram para amadurecer uma ideia que crescia em seus corações. Após 18 anos de Movimento Pentecostal em plagas brasileiras, sentindo a necessidade de terem maior liberdade na condução dos trabalhos já estabelecidos nas regiões Norte e Nordeste, eles se reuniram nos dias 17 e 18 de dezembro de 1929, em Natal (RN), para tratarem dessa questão. Ao final da reunião, resolveram marcar um outro encontro, também em Natal, mas desta vez reunindo tanto os obreiros nacionais como os missionários suecos. O objetivo era expor aos missionários o desejo de ganharem autonomia.

    Os obreiros presentes a essa reunião preliminar na capital potiguar foram Cícero Canuto de Lima, Francisco Gonzaga da Silva, Antônio Lopes, Ursulino Costa, José Amador, Napoleão de Oliveira Lima, José Barbosa, Francisco Cezar, Natanael Galvão de Figueiredo e Pedro Costa. Nas edições dos meses de fevereiro a julho de 1930 do jornal Boa Semente, esses dez obreiros publicaram e assinaram uma convocação para – conforme o título da nota – uma Convenção Geral em Natal a todas as Assembleias no Brasil, anunciada inicialmente para o dia 12 de julho de 1930. Dizia a convocação, chamada por eles também de manifesto:

    Missionários suecos em Natal, durante a primeira Convenção Geral. Sentados, da esquerda para a direita, Daniel Berg, Otto Nelson, Gunnar Vingren, Frida Vingren e Samuel Nyström. Em pé, a partir da esquerda, Algot Svenson, Nils Kastberg, Lewi Pethrus, Joel Carlson, Nels Julius Nelson e Anders Johanson.

    Nós, reunidos na cidade de Natal, nos dias 17 e 18 de dezembro próximo findo, tivemos, pela graça de Deus, a inspiração da necessidade urgente de uma Convenção Geral em que se congregue a mor parte dos trabalhadores brasileiros e missionários para resolverem certas questões que se prendem ao progresso e à harmonia da causa do Senhor.

    Todos nós sabemos a crise por que, como uma dura prova, passou a Assembleia de Deus neste país, e não podemos nos conformar com esse estado de coisas sem o necessário entendimento daqueles que têm responsabilidade diante de Deus. Sabemos que crises podem ocorrer, mas temos na Palavra do Senhor o exemplo a seguir.

    Todos conhecem a dificuldade por que passou a igreja em Jerusalém com a inovação dos judaizantes; porém, vemos, aliás, que se congregaram os apóstolos e anciãos para considerarem a questão (At 15.6). Não tomaram atitudes pessoais, porém se congregaram e com eles estava o Espírito Santo, que os dirigia.

    Assim queremos fazer, amados irmãos, e pedimos em nome do Senhor a vossa aprovação. Temos em vista convidar todos os obreiros por meio deste manifesto e solicitamos que nos respondam com urgência, pois a nossa Convenção se realizará em julho vindouro, na cidade de Natal. Deve começar no dia 12 do referido mês, e se não precisamos o término da mesma Convenção, é porque achamos justo deixar ao arbítrio das necessidades e circunstâncias de ocasião.

    Temos a certeza de que foi o Senhor que nos ditou a necessidade de uma Convenção Geral, pois só assim será possível remover certos obstáculos que podem embaraçar a causa de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Certos de que não haveis de desprezar o que sentimos da parte do Senhor, contamos com a vossa presença na referida Convenção, cujo fim será a exaltação do nome do Senhor e a fraternidade daqueles que desejam estender o Reino de Deus neste mundo.

    A data do conclave, porém, seria alterada depois para os dias 24 a 31 de agosto, conforme anunciado na edição de agosto de 1930 do jornal Boa Semente. O motivo, segundo a nota publicada, era esperar a chegada do pastor Lewi Pethrus, da Suécia, e a nova data fora estabelecida de acordo com os obreiros nordestinos. O aviso de que Pethrus viria foi enviado via telégrafo. Na mesma mensagem, era explicado também que o líder sueco não poderia ficar muito tempo no país por estar próxima a data de inauguração do grande templo que a igreja que ele pastoreia edificou em Estocolmo. O referido templo seria inaugurado em novembro daquele ano, com capacidade para cerca de 5 mil pessoas.

    Como Lewi Pethrus demorou mais alguns dias além do previsto para chegar em Natal, devido à sua passagem antes pelo Rio de Janeiro³ – ciceroneado por Gunnar Vingren, que o trouxe da Suécia para a Convenção em Natal –, logo o conclave acabou tendo início no dia 5 de setembro. Na edição de setembro de 1930 do jornal Boa Semente, chegou a ser anunciada uma nova mensagem telegráfica de Pethrus remarcando o evento para o dia 5, mas muitos obreiros que já estavam em viagem acabaram vindo antes, ficando aguardando a chegada de Pethrus e dos demais missionários.

    A apreensão inicial dos missionários

    Não havia nenhuma intenção dos obreiros nacionais de dividir o Movimento Pentecostal. Eles desejavam apenas mais autonomia, e instaram para que não fossem mal compreendidos e para que a obra no Brasil continuasse unida. Entretanto, tão logo os missionários foram comunicados da convocação para o encontro em Natal, ficaram temerosos de uma cisão. Em sua autobiografia, Lewi Pethrus registra a tensão dos missionários meses antes, externada a ele por Vingren durante sua estada na Suécia para convidá-lo para o encontro no Brasil:

    Culto na Igreja Filadélfia em Estocolmo no início dos anos de 1950. No detalhe, fachada do templo da Igreja Filadélfia na década de 1930. O templo foi inaugurado por seu pastor Lewi Pethrus dois meses após a Convenção Geral em Natal. Foi desta igreja que vieram a maioria dos missionários escandinavos.

    No verão de 1930, o missionário Gunnar Vingren chegou do Brasil. Sua missão era me levar à Convenção Nacional que se realizaria em setembro. Havia dificuldades entre os missionários e os pastores brasileiros, e Vingren considerou que se não houvesse um entendimento, todo o trabalho seria dividido. (...) O alvo era a Convenção em Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, no Brasil, onde o assunto sobre a missão seria tratado, motivo pelo qual viajei. Durante aqueles 20 anos, o trabalho havia crescido bastante e um grupo de pregadores brasileiros considerou que tinha pouca influência sobre as igrejas. Havia fortes rompimentos políticos no país e o nacionalismo tinha contribuído para criar uma certa aversão a estrangeiros. Esses pregadores brasileiros tinham organizado a conferência e convidado os missionários, como também um representante da missão no país natal.

    Os fortes rompimentos políticos no país e o nacionalismo aos quais se refere Pethrus são uma referência às mudanças políticas e culturais no Brasil provocadas pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, a chamada Crise de 1929, que gerou uma crise econômica em escala global que afetou rápida e fortemente todos os países com participação no mercado internacional, dentre eles o Brasil, devido às suas exportações de café. Essa crise internacional provocou dois efeitos significativos em nosso país, ressaltados por Pethrus.

    O primeiro efeito foi o fim da política do café com leite, com a oligarquia paulista rompendo a aliança com a oligarquia mineira (os fortes rompimentos políticos de que fala Pethrus), o que provocaria a Revolução de 1930, quando o vencedor das eleições presidenciais de 1 de março daquele ano, Júlio Prestes, governador de São Paulo e apoiado pela oligarquia paulista, seria impedido de assumir e exilado em um golpe de estado que colocaria no poder, ainda em 1930, o candidato oposicionista derrotado, o gaúcho Getúlio Vargas, então apoiado pela oligarquia mineira.

    Já o segundo efeito foi levar os intelectuais brasileiros a discutirem a dependência do Brasil em relação ao mercado estrangeiro, desenvolvendo, consequentemente, um forte discurso nacionalista que contaminaria toda a nação e marcaria, inclusive, os primeiros anos da Era Vargas.

    Sobre a Revolução de 1930, escreveu Ivar Vingren, filho do missionário Gunnar Vingren, que na época da revolta contava com 12 anos:

    Se é possível falar de uma revolução espiritual naquele ano da graça de Deus (1930), também não podemos deixar de falar da revolução e da guerra ocorridas no país no mesmo ano, a chamada Revolução de 30. Foram dias de muita tensão. Os exércitos se defrontaram em São Paulo e, na luta entre compatriotas, muitos perderam a vida.

    Após a Revolução de 1930, Gunnar Vingren escreveria: O Senhor nos guardou durante a revolução, e podemos continuar a trabalhar com a mesma liberdade de antes.

    Pelo depoimento supracitado de Pethrus, percebe-se que Vingren e ele pensavam que esse clima político, social e cultural em nosso país poderia ter influenciado, de alguma forma, essa proposta de autonomia por parte dos obreiros nacionais. Entretanto, como veremos a seguir, pelos próprios registros da época feitos pelos envolvidos, eles entenderiam depois que, na verdade, era Deus preparando os líderes nacionais e os missionários suecos para uma nova fase de expansão da mensagem pentecostal em solo brasileiro, já que o Sul e o Sudeste ainda estavam carentes da atuação missionária.

    A Convenção Geral de 1930

    A primeira Convenção Geral se deu na capital potiguar nos dias 5 a 10 de setembro e reuniu a maioria dos pastores nacionais e todos os missionários suecos com o objetivo expresso de resolverem certas questões que se prendem ao progresso e a harmonia da causa do Senhor.

    No levantamento histórico sobre a primeira Convenção feito em 1982 pela CPAD, lê-se sobre a disposição e a preparação dos obreiros que chegavam para o conclave, realizado em uma época em que Natal enfrentava sérias dificuldades sanitárias:

    Natal era uma cidade onde reinava o impaludismo. Das 35 mil pessoas que ali viviam, cerca de 40% haviam sido atingidos por doenças tropicais. A malária ameaçava tomar conta da cidade, mas obreiros e missionários das Assembleias de Deus haviam penetrado ali. Traziam nas suas maletas a Bíblia e anotações de versículos a serem mencionados na conferência que se realizaria naquele lugar.

    Na primeira edição do jornal Mensageiro da Paz (1 de dezembro de 1930), encontramos um outro registro que narra com mais detalhes a expectativa dos obreiros que chegavam a Natal nos dias que antecederam o primeiro encontro. Trata-se de um artigo do pastor Francisco Gonzaga da Silva, então líder da igreja em Natal e um dos idealizadores da primeira Convenção Geral. Foi o templo-central da Assembleia de Deus em Natal que recebeu a primeira Convenção. Na época, ele estava situado na Rua Amaro Barreto, nº 40. O líder da igreja hospedeira descreve o clima espiritual que se instalou às vésperas do conclave:

    Já há muito que as igrejas oravam constantemente para o Senhor abençoar essa Convenção. Os obreiros que chegaram a Natal com antecedência ocuparam os dias que a precederam lutando em oração diante do Senhor, a fim de que o espírito de união fosse completo, isto é, que fosse o Senhor, e não os homens, que decidissem todas as coisas. Glória a Jesus, que sempre nos ouve, quando humildemente e com sinceridade a Ele clamamos.

    Graças a Deus que os corações ali estavam preparados pelo Senhor. Pudemos ver que todos se achavam humildes como crianças, desejosos de saber a vontade do Senhor e de se deixarem ser guiados pelo Espírito Santo. Vimos a graça de Deus derramada nos corações.

    Em seguida, pastor Francisco começa a narrar o ambiente das reuniões convencionais e fala da importância que foi para a Convenção Geral contar com a presença do pastor Lewi Pethrus. Conta pastor Francisco:

    Todos os assuntos foram discutidos com inteira liberdade, tanto pelos trabalhadores brasileiros como pelos missionários, fazendo-se ouvir sempre o pastor Lewi Pethrus, da Suécia. Como sempre se dava liberdade ao Espírito Santo e em tudo se consultava a Palavra do Senhor, toda a Convenção correu maravilhosamente. Glória a Jesus! Aleluia!

    Foram resolvidos, com a aprovação de todos, os pontos mais necessários, que pelo Espírito Santo nos deverão assegurar um trabalho sadio e próspero. O Senhor falou por meio de profecia, animando seus servos. Notava-se entre os presentes grande satisfação.

    Todas as noites, falavam vários irmãos, conforme o Espírito Santo os dirigia. O pastor Lewi Pethrus falou com intérprete todas as noites. As mensagens foram simples, mas acompanhadas da graça do Espírito Santo. Durante os dias de Convenção, entregaram-se a Jesus 29 pecadores, e os crentes ficaram animados e alegres. Glória a Jesus!

    Que as bênçãos do Senhor possam correr como um rio de águas vivas, chegando aos pontos mais remotos do vasto Brasil. Esse é o nosso desejo. Assim, oremos ao Senhor para que mande trabalhadores para a Sua seara, pois o campo é grande, mas os obreiros são poucos. Que Deus abençoe o seu povo. Amém.

    Como podemos ver, o Espírito Santo esteve em todos os momentos guiando os obreiros nacionais e os missionários suecos em todas as decisões. Aliás, todas as resoluções dessa primeira Convenção refletem o espírito de unidade que a caracterizou.

    Se aquele primeiro conclave fora convocada sob um clima de apreensão, fato é que ele se desenrolou e foi concluído em um clima de congraçamento e grande alegria espiritual.

    O primeiro presidente, o primeiro temário e o número de participantes da primeira Convenção Geral

    Como líder da igreja hospedeira, o pastor Francisco Gonzaga da Silva deu abertura aos trabalhos convencionais em Natal. Em seguida, foi eleito o primeiro presidente da CGADB para dirigir os trabalhos na capital potiguar, o pastor Cícero Canuto de Lima (1893-1982), que também foi um dos idealizadores da primeira Convenção Geral. Nessa época, o pastor Cícero estava com 37 anos e liderava a Assembleia de Deus em João Pessoa (PB).

    Alternaram-se secretariando as sessões da primeira Convenção Geral os pastores Manoel Leão e Manoel Hygino de Souza,⁹ mas todas as atas feitas na ocasião foram subscritas pelos missionários Joel Carlson e Samuel Nyström,¹⁰ de maneira que o mais correto seria considerar os quatro como tendo secretariado o evento. Apenas uma parte do conteúdo das atas produzidas é conhecido, já que as atas originais se perderam. Os trechos que conhecemos são os que foram reproduzidos por Lewi Pethrus em artigo publicado no jornal sueco Evangelii Haröld e pelo pastor Ivar Vingren em O Diário do Pioneiro (CPAD);¹¹ entretanto, o teor completo das reuniões é sabido devido aos registros do próprio Ivar e dos pastores Francisco Gonzaga e Lewi Pethrus.

    Pastor Cícero Canuto de Lima, primeiro presidente da CGADB. Foto tirada durante o encontro em Natal

    A pauta da primeira Convenção abordava quatro temas:

    1) O relatório do trabalho realizado pelos missionários;

    2) A questão da autonomia dos obreiros nacionais no Norte e Nordeste;

    3) A circulação dos jornais Boa Semente e O Som Alegre;

    4) O trabalho feminino na igreja.

    De acordo com a edição de novembro de 1930 do jornal Boa Semente, estiveram presentes a esta Convenção os missionários Gunnar e Frida Vingren, Daniel Berg, Otto Nelson, Samuel Nyström, Nels Julius Nelson, Algot Svenson, Anders Johansson, Beda Palm, Joel Carlson e Nils Kastberg; o pastor Lewi Pethrus, e os pastores brasileiros Cícero Canuto de Lima, Francisco Gonzaga da Silva, Josino Galvão de Lima, Juvenal Roque de Andrade, José Felinto, José Amador, Napoleão de Oliveira Lima, Manoel Hygino de Souza, Antônio Lopes Galvão, Ursulino Costa, Manoel (Néco) César, Manoel Pessoa Leão e Diomedes Pereira.

    Teriam sido, então, ao todo, 25 convencionais, sendo eles 11 missionários, o pastor Lewi Pehrus e 13 obreiros nacionais. Entretanto, há registros da época que falam de 27 convencionais, faltando o nome de dois obreiros brasileiros – seriam, portanto, 15, e não 13, o número de obreiros nacionais presentes. Um deles foi Amaro Celestino, que auxiliava o missionário Joel Carlson em Pernambuco e aparece na foto histórica da Convenção de 1930. O outro é Natanael Figueiredo, que também aparece na foto. Porém, a mesma foto também traz Francisco Cezar (diácono), que participou com Natanael Figueiredo da reunião preliminar em Natal em 1929, de maneira que, ao todo, teriam sido 28 convencionais, sendo 16 obreiros nacionais – um deles, diácono. Pedro Costa, que participou também da reunião preliminar em 1929, não compareceu.

    É verdade que na foto histórica da Convenção de 1930 aparecem 35 rostos, mas alguns dos que ali estão são obreiros locais que não participaram das sessões convencionais. São eles Abdias Travasso (auxiliar de trabalho), Manoel Andrade (dirigente do coral), Antônio Galvão de Figueiredo, um irmão por nome Olegário, João Elias (auxiliar de trabalho) e Jonas Figueiredo (auxiliar de trabalho).¹²

    Pastor Francisco Gonzaga da Silva, líder da Assembleia de Deus em Natal, que hospedou a primeira Convenção Geral

    Finalmente, em um levantamento histórico feito quatro décadas atrás sobre o primeiro conclave nacional assembleiano, há o registro de que foram 16 pastores nacionais¹³ que participaram das sessões convencionais, afirmação que é corroborada pelas observações que fizemos acima, com a retificação apenas de que um dos 16 convencionais brasileiros era, como dissemos, diácono naquela época, e não um pastor; e de que os outros 15 eram mais propriamente pastores e evangelistas, conforme carta conjunta de Gunnar Vingren e Samuel Nyström sobre o conclave, datada de 15 de setembro de 1930 (veremos seu conteúdo mais à frente). Há de se considerar também se o irmão Francisco Cezar não era um diácono com ação pastoral ou ação evangelística, algo muito comum nas Assembleias de Deus em seus primeiros anos, devido à escassez de obreiros no início.¹⁴

    A transferência de direção

    Após a exposição feita por Lewi Pethrus sobre o trabalho dos missionários no Brasil,¹⁵ foi discutida a questão da autonomia dos obreiros nacionais do Norte e Nordeste.

    Tão logo o presidente do encontro, pastor Cícero Canuto de Lima, introduziu o assunto, outra vez a voz de Pethrus se fez ouvir. Conforme o relato já mencionado do pastor Francisco Gonzaga, em tudo que se era discutido naquele conclave, fazia-se ouvir sempre o pastor Lewi Pethrus, da Suécia. Não por acaso, é do líder da Igreja em Estocolmo o relato mais completo do que se deu no conclave em Natal, o que ele fez por meio de dois textos: em um artigo publicado na revista pentecostal sueca Evangelii Haröld, o qual foi traduzido, em sua maior parte, dentro no capítulo 8 da obra O Diário do Pioneiro (CPAD), de Ivar Vingren; e no capítulo 39 de sua autobiografia – Lewi Pethrus (CPAD).

    De acordo com Pethrus, no que tange à questão da autonomia, os missionários suecos acabaram entendendo que esse anseio dos obreiros nacionais era a vontade de Deus, pois já havia algum tempo que o Espírito Santo estava tocando em seus corações sobre a necessidade premente de abertura de novos trabalhos no Sul e Sudeste do país. Aliás, durante a viagem de 22 dias rumo ao Brasil, Pethrus conversou longamente sobre o assunto com Gunnar Vingren,¹⁶ ocasião em que concebeu a solução para a situação, a qual acabaria sendo acatada pelos missionários durante o conclave. Relata ele em sua autobiografia (os colchetes são meus):

    No caminho para o Brasil, o missionário Vingren e eu conversamos sobre as dificuldades e como eles [os missionários] deveriam resolvê-las. Antes de chegarmos, ficou evidente para mim que o único modo de resolver a questão era recriando a união entre os missionários e os pastores brasileiros, entregando o trabalho nos oito estados do Norte e Nordeste aos pastores brasileiros, ao passo que nossos missionários se retirariam para o Sul e Sudeste, regiões onde o trabalho ainda não se iniciara.¹⁷

    Portanto, a saída que seria dada foi construída pelo próprio Lewi Pethrus no trajeto para o Brasil, em sua conversa com Gunnar Vingren (antes de falar com os demais missionários), razão pela qual Pethrus, conforme registrado no Evangelii Haröld, antecipou, em sua intervenção no primeiro dia do conclave, o caminho que acabaria sendo tomado pelos missionários na segunda sessão convencional:

    Nesta oportunidade, eu falei sobre se não havia chegado o tempo quando os pastores brasileiros tomariam a seu cargo a inteira responsabilidade pelo trabalho na Região Norte¹⁸ do Brasil.

    O pastor Cícero Canuto de Lima foi um dos mais atuantes obreiros nacionais nos primórdios das Assembleias de Deus no Brasil. Foto do pastor Cícero Canuto, sentado ao centro, com os obreiros da Assembleia de Deus em João Pessoa, igreja que liderava quando foi eleito presidente da CGADB em 1930 e a qual pastoreou até 1939. Ele ainda trabalharia nas igrejas em São Cristóvão e Santos, antes de assumir o Ministério do Belenzinho, em São Paulo.

    No relato registrado em sua autobiografia, o líder sueco ressalta outra vez sua posição apresentada naquela ocasião:

    Perguntei aos participantes se já não era tempo de as Assembleias brasileiras e os pastores assumirem a responsabilidade do trabalho nos estados do Norte e Nordeste do país. Nossos missionários poderiam partir para o Sudeste e Sul, regiões brasileiras onde o trabalho pentecostal ainda não existia ou onde ainda era fraco, precisando do apoio dos missionários.¹⁹

    As palavras do pastor Pethrus foram ouvidas atentamente por todos os presentes. No texto publicado no Evangelli Haröld, Pethrus reproduz a essência de suas palavras dirigidas aos convencionais em Natal:

    O trabalho no Norte foi fundado há 20 anos, e ali existem agora muitas e grandes igrejas com experimentados pastores e dirigentes, de modo que o trabalho pode ser entregue inteiramente a eles. Os missionários poderiam então deixar a Região Norte e seguir para os Estados do Sul, onde a obra pentecostal ainda não começou.

    Um trabalho missionário tem de ter como alvo, sempre que possível, entregar o trabalho aos obreiros nacionais. Como resultado disso, haverá uma responsabilidade maior entre esses obreiros, e maiores possibilidades de ofertas dos próprios brasileiros. E haverá também um melhor aproveitamento de pessoal. Além do mais, se a obra continuar como está, com o tempo podem surgir dificuldades entre os obreiros nacionais e os missionários, uma vez que os trabalhadores nacionais se sentiriam postos de lado, sem possibilidade de tomar a responsabilidade pela direção do trabalho. Essas dificuldades, que sempre têm prejudicado muito a obra de Deus, podem ser evitadas, se a Missão estiver disposta a tomar as medidas necessárias que o caso requer.

    Da parte da Missão, não consideramos que uma medida como essa signifique algum risco. Primeiramente, porque os missionários continuam morando e trabalhando no país e, em segundo lugar, porque existem as melhores relações possíveis entre os missionários que deixarão a responsabilidade e os pastores nacionais que se responsabilizarão pelas igrejas locais. Além disso, os missionários podem também servir para ajudar no caso de surgirem dificuldades especiais.

    É muito importante compreender que não devemos usar indefinidamente as nossas forças nos campos onde há muito trabalhamos, pois esses campos podem muito bem dispensar tanto os missionários como também a ajuda monetária, que pode ser aproveitada em novos campos que necessitam dessa ajuda, e que estão completamente abandonados. Pertence a uma boa ordem o pôr as forças onde mais sejam necessárias.²⁰

    Em sua autobiografia, Pethrus apresenta um outro resumo de sua fala, semelhante em parte ao publicado no Evangelii Haröld. Reproduzimos abaixo uma porção dele, posto que traz mais detalhes de suas palavras aos convencionais:

    Para nossa missão, essa transferência do trabalho não envolveria maiores riscos. Em primeiro lugar, porque os nossos missionários vieram para ficar no país e, para um melhor entendimento, é aconselhável que os missionários deixassem o trabalho e os pastores assumissem o trabalho nas Assembleias. Além disso, os nossos missionários poderiam ajudar os pastores e as Assembleias se surgissem dificuldades provisórias, e assim poderiam continuar apoiando o trabalho nos estados do Norte e Nordeste, mesmo depois que se mudassem para novos campos de trabalho.

    Mesmo que os nossos missionários ainda tenham se alegrado com o agradável tratamento da parte das autoridades brasileiras, deveriam, apesar de tudo, considerar que essas relações políticas sempre passam por mudanças rapidamente. Mostrou-se durante a Primeira Guerra Mundial as grandes dificuldades que surgiram quando os missionários foram expulsos de seus campos de trabalho sem liderança. Essas dificuldades deveriam e poderiam ser evitadas – ou pelo menos suavizadas – em bom tempo, tentando ceder o trabalho aos pastores brasileiros.²¹

    O pastor Lewi Pethrus em visita ao Brasil para participar da Convenção de 1930

    Finda a primeira sessão convencional, os missionários suecos fizeram uma reunião com o pastor Lewi Pethrus, onde o problema foi analisado de todos os pontos de vista concebíveis, de maneira que, ao final, a conversa na Convenção e a discussão com os missionários deram ao assunto uma plena e clara luz.²² Assim, no início da segunda sessão, os missionários apresentaram aos obreiros nacionais sua proposta.²³ Conta o pastor Lewi Pethrus que os missionários

    Haviam chegado à conclusão de que o trabalho nos Estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, onde já havia [nestes seis estados] cerca de 14.000 membros²⁴ e 160 igrejas, deveria ser entregue inteiramente aos obreiros nacionais.

    Também foi apresentado pelos missionários que todos os templos e locais de reuniões que pertenciam à Missão deveriam ser entregues, sem nenhum custo, às respectivas igrejas locais brasileiras. Se isto não fora feito, teria de fazer-se e estar terminado até o dia 1º de julho de 1931.²⁵

    A reação à proposta foi extremamente positiva. Os obreiros nacionais aceitaram-na por unanimidade e um quebrantamento espiritual tomou conta dos presentes. Relata o pastor Pethrus (os colchetes são meus):

    Depois que o assunto foi apresentado e os irmãos brasileiros compreenderam bem a situação, todos ficaram grandemente emocionados. Disseram que não podiam compreender como os missionários iam deixá-los e entregar-lhes todas essas igrejas com o trabalho já organizado, e se retirarem para as zonas onde não havia trabalho ainda. Mas também compreenderam que os missionários faziam isso movidos pelo amor de Cristo, e ainda pelo amor que tinham aos irmãos brasileiros. Estes, pois, movidos pelos mesmos sentimentos, deveriam sacrificar-se e deixar os missionários ir. Os pastores disseram também que não tinham nada a dizer contra a proposta apresentada e que a aceitavam. Houve um comentário de um irmão brasileiro, que disse: Que grandes homens são esses missionários!

    Os pastores brasileiros também disseram que desejavam que o trabalho do Norte fosse sempre unido ao trabalho no Sul para que a obra continuasse unida em todo o país. Embora tivessem agora de tomar a direção e a responsabilidade pela obra nas regiões Norte e Nordeste, desejavam, em continuação, uma colaboração íntima com os missionários, e também a sua visita e ajuda quando assim fosse necessário. O mesmo disseram os missionários, isto é, que desejavam continuar a colaboração também agora nesta nova situação.

    Embora sentissem uma grande dor na alma, as duas partes estavam completamente certas de que essa decisão era de acordo com a vontade de Deus e, como resposta à pergunta do presidente da reunião [Cícero Canuto de Lima], concordaram todos com a proposta.

    Foi um momento muito comovedor. Muitas palavras sensíveis foram ditas e muitas lágrimas foram derramadas. Entre os brasileiros que falaram, lembro-me de um pastor, já de idade, do Pará, que disse mais ou menos assim: Ontem fez 17 anos que o irmão Vingren me batizou nas águas. Oh, como eu tenho amado os missionários! Agora chegou o tempo em que teremos de derramar muitas lágrimas, e sei que vou chorar muito!, concluiu o velho pastor. Ele chorava bem alto, quando se sentou.

    Todos estavam muito emocionados. Foi um momento solene de grande valor, primeiramente pela prova do grande sentimento de negar-se a si mesmo, do desinteresse pessoal e da perfeita união que todos os missionários mostraram nesse assunto tão importante.²⁶

    Ao lermos essas palavras e constatarmos as demais decisões da Convenção de 1930, podemos dizer que aquelas sessões tiveram como respaldo a mesma ação do Espírito Santo que se viu no Concílio de Jerusalém, registrado em Atos 15, onde podemos ver os apóstolos declarando: Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós... (At 15.28). Sem dúvida, o Espírito de Deus guiou os primeiros convencionais em tudo.

    A criação do jornal Mensageiro da Paz

    O terceiro ponto da pauta foi a unificação dos dois jornais da Assembleia de Deus existentes na época. O primeiro era publicado em Belém do Pará, o jornal Boa Semente. Ele era o mais antigo, tendo sido fundado por Gunnar Vingren em 1919, mas, desde 1924, tinha na direção os missionários Samuel Nyström e Nels Julius Nelson. O outro jornal, também fundado por Gunnar, chamava-se O Som Alegre e era publicado pela Assembleia de Deus do Rio de Janeiro, sendo dirigido por ele e sua esposa, Frida Vingren. Gunnar o criara em novembro de 1929. Ambos eram de circulação nacional.

    Os motivos da criação de O Som Alegre, segundo depoimento de Emílio Conde, que trabalhara na redação do jornal carioca assembleiano, eram o reconhecimento do valor da literatura na evangelização e a constatação de que a quantidade existente na época não atendia às necessidades locais e nem sempre era recebida no tempo oportuno.²⁷ Quando Conde fala de quantidade existente na época, ele estava se referindo ao jornal Boa Semente, o qual era antes utilizado pela igreja carioca, mas que agora não conseguia mais atender às necessidades locais e nem sempre chegava no tempo oportuno, até porque era impresso bem distante, em Belém do Pará. Entretanto, havia também outra razão para a criação de O Som Alegre, como veremos ao abordarmos a questão do ministério feminino, tratada durante a Convenção em Natal.

    Como mais uma manifestação de unidade, que tomava conta das reuniões, todos decidiram pela suspensão dos dois periódicos e pela criação de um novo jornal que fosse o Órgão Oficial das Assembleias de Deus no Brasil. A proposta aprovada foi feita pelo missionário Gunnar Vingren. Foi assim que, em 1930, foi criado o jornal Mensageiro da Paz, de circulação nacional, com a redação no Rio de Janeiro e a direção de seu idealizador e fundador, Vingren, auxiliado por Samuel Nyström. Com a criação do MP (como carinhosamente o jornal é chamado hoje), o trabalho de divulgação do Movimento Pentecostal ganhou força.

    Ao analisarmos a diagramação, os articulistas e os temas do jornal Mensageiro da Paz em suas primeiras edições e compararmos com os do jornal O Som Alegre, percebemos que o MP nada mais era do que uma continuação do jornal da igreja carioca, mudando apenas o nome e a fonte usada no nome. O jornal também era confeccionado e impresso no Rio de Janeiro, como acontecia com O Som Alegre. Ademais, Frida Vingren e Emílio Conde, redatores de O Som Alegre, continuaram seu trabalho, agora na redação do Mensageiro da Paz.

    Essas similaridades entre o Mensageiro da Paz em seus primeiros dois anos e o antigo O Som Alegre eram nitidamente fruto da influência de Gunnar Vingren. Aliás, em um texto publicado na edição 2ª quinzena de dezembro de 1931 do jornal Mensageiro da Paz, Vingren deixa claro que as diretrizes do jornal foram estabelecidas por ele em acordo com os convencionais reunidos no conclave de 1930.

    Os dois diretores do novo jornal, Gunnar Vingren e Samuel Nyström, residiam no Sudeste, uma vez que, poucos meses antes do conclave em Natal, Nyström saiu do Pará para pastorear a Assembleia de Deus em São Paulo, vindo posteriormente a ajudar Vingren na igreja em São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

    Na última edição dos dois jornais (O Som Alegre, outubro de 1930; Boa Semente, novembro de 1930), saiu uma carta assinada em conjunto pelos diretores dos dois órgãos, respectivamente Gunnar Vingren e Samuel Nyström, explicando aos seus leitores a decisão de fundir os dois periódicos. A busca pela unidade foi apresentada como o principal motivo. A carta também falava sobre os abençoados cultos noturnos da primeira Convenção e da importância da presença de Lewi Pethrus no evento em Natal:

    A Convenção em Natal

    Muitas orações, quer dos nossos irmãos no Brasil, quer dos nossos irmãos no estrangeiro, os quais muito se interessam pelo trabalho do Senhor aqui, foram oferecidas em favor dessa Convenção. Para glória do Senhor, podemos agora dizer que elas foram ouvidas. Deus a todos abençoou grandemente. Sim, podemos mais uma vez afirmar que a Palavra de Deus é certa, quando diz que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus.

    O Senhor uniu os seus servos, havendo em tudo perfeita harmonia. A direção do Espírito Santo, conforme a Palavra de Deus, predominou, e cada um teve a oportunidade de acertar o seu relógio espiritual, ou melhor, examinar se a sua fé estava de acordo com a sã doutrina. Como prova de união e cooperação, foi resolvido que os dois jornais, a Boa Semente do Pará e O Som Alegre do Rio de Janeiro, se unirão num só jornal que será então o Órgão das Assembleias de Deus no Brasil. Será o mesmo redigido no Rio de Janeiro, sob a diretoria dos abaixo assinados, e sairá quinzenalmente.

    O novo jornal, que terá tanto assinaturas como venda avulsa, começará a sair no mês de dezembro do corrente ano.

    Tomaram parte na Convenção vários missionários, bem como o pastor Lewi Pethrus, da Suécia, e muitos pastores e evangelistas nacionais dos Estados nordestinos. Os cultos públicos realizados foram bem concorridos e durante os mesmos muitas pessoas se entregaram a Jesus. A visita do amado irmão pastor Lewi Pethrus foi de grande proveito para o trabalho em geral e, por isso, estamos gratos ao Senhor pela sua direção em tudo. Também agradecemos à igreja de Natal e ao seu pastor Francisco Gonzaga pelo bom acolhimento que nos dispensaram.

    A Convenção manda, com o Salmo 133, uma saudação especial a todas as Assembleias de Deus no Brasil.

    Recife, 15 de setembro de 1930.

    Samuel Nyström

    Gunnar Vingren

    Dois detalhes: a missiva foi assinada não em Natal, mas em Recife, dez dias depois do fim do conclave; e apesar de a carta ter sido assinada com o nome de Nyström antes do de Vingren, foi este quem assumiu a direção do Mensageiro da Paz nos dois primeiros anos, tendo Nyström como codiretor. Provavelmente Nyström assina primeiro por ser o Boa Semente o jornal mais antigo. A primeira edição do Mensageiro da Paz (dezembro de 1930) teve a tiragem de 2,2 mil exemplares. Em 1931, chegou a 2,6 mil, subindo rapidamente, ainda nos anos 30, para 4,6 mil.²⁸

    A questão do ministério feminino

    Outra resolução da primeira Convenção Geral foi relacionada ao trabalho feminino na Assembleia de Deus no Brasil. Há fatos curiosos sobre esse tema.

    A primeira curiosidade diz respeito à participação das missionárias Frida Vingren e Beda Palm nas sessões convencionais da Convenção Geral de 1930. Nos conclaves que se sucederam logo após este, já não vemos essa participação feminina. Ao contrário, as discussões convencionais propriamente ditas passam a ser reservadas somente aos obreiros homens. Por outro lado, as missionárias e mesmo as esposas de alguns obreiros nacionais participam normalmente da audiência dos estudos bíblicos dos primeiros conclaves, os quais são sempre ministrados pelos seus maridos. Com o passar do tempo, porém, as mulheres passaram a tomar parte apenas dos cultos públicos à noite das convenções, até que, nos anos 90, seria criada a União de Esposas de Ministros das Assembleias de Deus (Unemad), que se reúne paralelamente às convenções gerais.

    Na Convenção de 1930, a participação de Frida parece ser ainda mais ativa do que a de Beda, posto que, na foto oficial de Lewi Pethrus com todos os missionários presentes ao conclave em Natal, ela é a única mulher que aparece. Beda, porém, aparece com Frida na foto geral, reunindo os missionários e os obreiros brasileiros.

    Em um primeiro momento, a presença de irmã Frida na reunião convencional de 1930 estaria ligada principalmente ao destino dos jornais Boa Semente e O Som Alegre. Com o apoio do marido, era ela quem, na prática, dirigia O Som Alegre, portanto uma interessada direta na decisão.

    A lavra da irmã Frida foi uma das mais profícuas da história das Assembleias de Deus. Ela é autora e tradutora-versionista de hinos belíssimos da Harpa Cristã, e foi a única mulher a escrever comentários da revista de Escola Dominical Lições Bíblicas. Foi também uma colaboradora ativa dos jornais Boa Semente, O Som Alegre e Mensageiro da Paz, com artigos e poesias edificantes. Mesmo aqueles que criticavam sua forte presença nesses jornais (seu marido a incentivava, não por nepotismo, mas por Frida ser notoriamente talentosa) eram unânimes em reconhecer que ela era vocacionada para aquele trabalho e uma das mais bem preparadas missionárias evangélicas que já pisaram em solo brasileiro.

    Sobre as críticas quanto à participação de Frida nos jornais, elas se deviam, na verdade, a artigos nos quais ela trazia orientações ministeriais para os obreiros, algo que alguns obreiros e missionários acharam na época impróprio da parte dela; ou à defesa – como aconteceria mais adiante – do ministério feminino, com o qual a grande maioria não concordava.

    Mas, não era apenas na publicação de artigos e na tradução/criação de hinos que irmã Frida Vingren se destacava. Ela era extremamente atuante em várias outras áreas. Quando Gunnar não podia dirigir os cultos na igreja de São Cristóvão devido às suas muitas enfermidades, quem os dirigia era sua esposa. Os cultos ao ar livre no Rio de Janeiro, promovidos no Largo da Lapa, na Praça da Bandeira, na Praça Onze e na Estação Central, eram todos dirigidos pela irmã Frida. Era costume também ela ministrar estudos bíblicos.

    Primeira edição do jornal Boa Semente, da Assembleia de Deus em Belém do Pará, fundado pelo missionário Gunnar Vingren. Com a ida de Vingren ao Rio de Janeiro em 1924, os missionários Samuel Nyström e Nels Nelson passaram a dirigir o jornal.

    Primeira edição do jornal O Som Alegre, da Assembleia de Deus no Rio de Janeiro, também fundado por Gunnar Vingren. O missionário e sua esposa dirigiam o jornal, tendo também Emílio Conde e Sylvio Brito como redatores.

    Capa da primeira edição do jornal Mensageiro da Paz, que substituiu O Som Alegre, do Rio de Janeiro, e o Boa Semente, de Belém do Pará

    Além disso, Gunnar Vingren era fervoroso defensor do ministério da mulher na Igreja, chegando a consagrar uma diaconisa e uma evangelista na Assembleia de Deus no Rio de Janeiro, o que na época criou polêmica entre os líderes assembleianos. A primeira diaconisa das Assembleias de Deus no Brasil foi a irmã Emília Costa, consagrada por Vingren no Rio de Janeiro em 6 de fevereiro de 1928; e a primeira evangelista foi Deolinda Ramos, consagrada por Vingren junto com o marido, João Evangelista, durante a 1ª Escola Bíblica da AD em São Cristóvão, realizada de 5 a 11 de agosto de 1929.²⁹

    Logo, a presença de irmã Frida naquela Convenção estava ligada também ao tema do ministério feminino, e não apenas à questão dos jornais. Fato é que ela e Gunnar Vingren defenderam o ministério feminino na Convenção de 1930, enquanto Samuel Nyström, por sua vez, liderou o grupo que se opôs à proposta.

    O pastor Lewi Pethrus conta, conforme registro de Ivar Vingren, que, em razão de haver diferentes opiniões sobre o trabalho da mulher na Igreja, a Conferência [Convenção de 1930] também tratou desse assunto.³⁰ Havia divergência de opiniões entre os convencionais, e os principais líderes da igreja no Brasil – Gunnar Vingren e Samuel Nyström – tinham opiniões diferentes sobre o assunto já havia muito tempo. Inclusive, a própria criação do jornal O Som Alegre em novembro de 1929, concorrendo com o jornal Boa Semente, tinha a ver com esse assunto.

    Até a criação de O Som Alegre, Gunnar, Frida e outros irmãos a eles ligados contribuíam constantemente com artigos para o Boa Semente. Porém, tudo mudaria quando, depois de já ter consagrado a irmã Emília Costa ao diaconato em fevereiro de 1928, Vingren consagraria a irmã Deolinda Ramos a evangelista em agosto de 1929. Em reação, o jornal Boa Semente, sob a direção de Samuel Nyström, trouxe, em sua edição de outubro de 1929, um artigo intitulado O Serviço das Irmãs na Igreja, que era uma tradução de um trecho da obra Linhas de Direção do Despertamento Pentecostal, uma publicação oficial da Convenção Pentecostal em Berlim, onde se combatia o igualitarismo no ministério – isto é, se combatia o pastorado feminino. Segue um trecho:

    De um lado, tem-se limitado demais o serviço da mulher dentro da igreja, como estivesse a sua tarefa só dentro da família; e, do outro lado, como uma extremidade chama a outra, não têm faltado esforços para simplesmente igualar o serviço dos irmãos e das irmãs na igreja.

    Ambas as atitudes são contra a natureza e a Escritura. Permita-nos o Espírito Santo, portanto, encontrar as linhas finais de direção que foram determinadas para as especialidades do gênero feminino, e, ao mesmo tempo, deixar o seu múltiplo preparo para o serviço do Evangelho, o trabalho do Senhor, ficar inteiramente para o bem do Corpo de Cristo.

    O texto incluía uma série de versículos que serviriam para delinear as áreas onde as mulheres poderiam trabalhar no Corpo de Cristo e aquelas áreas nas quais não lhes convinha trabalhar. Ao final do texto traduzido, é acrescido pelo jornal uma Nota do Redator, onde é dito:

    Temos neste artigo um bom resumo de passagens da Escritura que mostram o campo das atividades das irmãs. Tudo o que está dentro da Palavra e conforme a mesma é bom e com isto concordamos.

    A partir dessa edição do Boa Semente, Gunnar, Frida e irmãos a eles ligados deixaram de contribuir com artigos para o jornal e, em novembro daquele ano, sai a primeira edição de O Som Alegre.

    Outro detalhe é que, pouco antes da decisão de criar O Som Alegre, Gunnar Vingren registra em sua agenda pessoal, na data de 27 de setembro de 1929, que recebera uma carta dura de Samuel Nyström contrária à sua posição favorável ao ministério da mulher. Em reação, Vingren conta que, no mesmo dia, no culto à noite na Assembleia de Deus no Rio de Janeiro, ele resolveu enfatizar sua posição, ensinando concernente aos dons espirituais e ao direito de a mulher falar na igreja. O pioneiro também responderia à carta de Nyström posteriormente, sustentando sua posição.

    Uma vez lançada a primeira edição de O Som Alegre, Nyström decidiu ir ao Rio de Janeiro conversar pessoalmente com o líder da igreja no Brasil. No dia 4 de novembro de 1929, escreveu Vingren sobre esse encontro:

    Samuel Nyström chegou do Pará. Não se humilhou. Sustenta que a mulher não pode pregar nem ensinar, só testificar. Disse mais que, provavelmente, vai embora do Brasil.

    No dia seguinte, Samuel viajou para São Paulo, para se encontrar com Daniel Berg, e de lá para Santos, para ter com Simon Lundgren. Ao que parece, sua ideia era conquistar a adesão de Berg e Lundgren para pressionar Vingren a mudar de ideia. Assim, em 13 de novembro de 1929, Nyström visitou o líder dos missionários no Brasil para mais uma conversa, dessa vez acompanhado de Lundgren e Berg. Depois desse segundo encontro, a divergência chegou ao clímax. Escreveu Vingren em sua agenda:

    Chegaram Samuel, Simon e Daniel. Samuel não se humilhou. Separamo-nos em paz, mas para não trabalhar mais juntos, nem com jornal ou nas escolas bíblicas, até o Senhor nos unir. Simon disse que ficava de fora, e Daniel tinha convidado Samuel a trabalhar em São Paulo. Assim, disse para ele: Estamos separados.

    Apesar dessa decisão, como já vimos, Vingren e Samuel posteriormente trabalhariam juntos de novo à frente do jornal Mensageiro da Paz. Mas, isso foi depois de eles se acertarem na Convenção de 1930. Antes disso, eles haviam usado os jornais que dirigiam – O Som Alegre e o Boa Semente – para reverberar suas posições, o que tornava esses dois veículos de comunicação, que deveriam somar forças, em competidores, em plataformas que vocalizavam as posições distintas dos dois grupos nessa questão.

    Se, no Boa Semente de outubro de 1929, Samuel Nyström havia traduzido, publicado e acrescido de uma nota um texto contrário ao pastorado feminino, Frida, após esse encontro tenso de 13 de novembro, traduziria e publicaria, na edição de janeiro de 1930 do jornal O Som Alegre, um longo excerto do célebre artigo Filhas Profetizando, de autoria do pastor sueco renovacionista Fredrik Franson (1852-1908), discípulo de Dwight Lyman Moody, promotor de missões mundiais e fundador da Missão Aliança Evangélica em Chicago, Illinois (EUA). Nesse artigo, Franson defende – também citando textos bíblicos – a aprovação do pastorado feminino com vistas a suprir a demanda missionária de seus dias. Ao final do texto de Franson, assim como Nyström fizera no Boa Semente, Frida Vingren publicou (acredita-se que foi ela, mas pode ter sido Gunnar) uma nota de sua lavra defendendo o ministério feminino, inclusive frisando que outras igrejas pentecostais pelo mundo já o haviam adotado.³¹

    A impressão em gráfica da edição de janeiro de 1930 de O Som Alegre deve ter se dado no início de dezembro de 1929 – ou seja, pouco mais de duas semanas após o encontro em que houve o rompimento de Gunnar Vingren com Samuel Nyström (Separamo-nos em paz) e Daniel Berg (Estamos separados). Uma vez que O Som Alegre, assim como o Boa Semente, tinha circulação nacional, o conteúdo do artigo traduzido por Frida chegou rapidamente ao conhecimento dos irmãos no Norte do país. Em reação, sob a liderança de Samuel Nyström, foi realizada uma Convenção Regional e uma Escola Bíblica na Assembleia de Deus em Belém do Pará, ocasião em que foi feita uma consulta aos membros da igreja paraense com referência às inovações das outras igrejas, no Sul do país, que querem enxertar na Palavra e Lei de Deus argumento [para] que vimos nas Escrituras proibições, conforme fala o apóstolo S. Paulo, na sua 1ª Epístola aos Coríntios, cap. XIV:34-35. Em seguida, Nyström formalizou, com o assentimento da totalidade da membresia, não aceitar essas inovações das mulheres pastorearem e doutrinarem nas igrejas.³²

    A posição aprovada pela igreja paraense é que às irmãs cabiam somente o direito de orarem, darem testemunho, manifestarem seus dons espirituais, testificarem em suas casas ou em casas particulares, e auxiliarem na Palavra do Senhor; em alguns lugares onde não houver pastores ou irmãos competentes para ministrarem a Palavra, então poderão as irmãs dirigir o serviço do Senhor provisoriamente até o comparecimento do pastor ou irmãos enviados por outras igrejas, para tomarem conta do serviço do evangelho nesse lugar. Esta é a fé inabalável desta igreja de Deus.³³

    Pouco tempo depois dessa Convenção Regional no Pará, Nyström deixou o pastorado da igreja em Belém, colocando em seu lugar Nels Nelson, e veio para São Paulo, como havia acertado com Daniel Berg; mas, no caminho, passou no Rio de Janeiro para, mais uma vez, tentar convencer Vingren a mudar de posição. Eles se encontram em 26 de março de 1930 e, outra vez, ambos se mantiveram irredutíveis. Escreve Gunnar em sua agenda:

    Samuel Nyström chegou do Pará. Está indo para São Paulo. Ele não tem mudado a opinião concernente à mulher. Disse que não é bíblico a mulher pregar, ensinar e doutrinar.

    Em uma carta posterior de Vingren a Nyström, registrada em O Diário do Pioneiro e datada de 1º de abril de 1930, portanto cinco meses antes da primeira Convenção Geral, ele tenta convencer Nyström de que a necessidade premente de mais obreiros para a obra no Brasil deveria levá-los a aproveitar melhor as mulheres, dando-lhes maiores responsabilidades e liberdade de atuação:

    Deus é testemunha de que o meu único desejo é que o Espírito Santo possa ter o seu caminho, o seu próprio caminho neste país, e que esta gloriosa obra divina possa continuar da mesma forma que começou. Não posso deixar de apresentar a minha convicção de que o Senhor chamou e ainda está chamando homens e mulheres para o serviço do Evangelho, para ganhar almas e testificar do seu amor. Sei que todos nós, juntos no Céu, nos alegraremos um dia pelas almas que ganhamos para Jesus durante a nossa vida.

    Eu mesmo fui salvo por uma irmã evangelista que veio visitar e realizar cultos na povoação de Björka, Smaland, Suécia, há quase trinta anos. Depois veio uma irmã dos Estados Unidos e me instruiu sobre o batismo no Espírito Santo. Também quem orou por mim para que eu recebesse a promessa foram irmãs. Eu creio que Deus quer fazer uma obra maravilhosa neste país. Porém, com o nosso modo de agir, podemos impedi-la. Para não impedi-la, devemos dar plena liberdade ao Espírito Santo para operar como Ele quiser.³⁴

    À medida que a data da Convenção Geral em Natal se aproximava, a tensão crescia, como pode ser visto no artigo de capa da edição de junho de 1930 do jornal O Som Alegre, assinado por Frida Vingren e intitulado Irmãos Amados, e que falava sobre a ida de Gunnar Vingren à Suécia. Uma foto de Gunnar Vingren ilustrava o artigo. Segue trecho (os colchetes são meus):

    Esperamos também que, ao regressarem [chegarem ao Brasil] esses irmãos [Vingren e Pethrus], se realize uma convenção em Natal, Rio Grande do Norte, já há muito templo planejada pelos irmãos dali [Norte e Nordeste]. Oremos, então, para que o Senhor nos dê uma convenção gloriosa, onde sopre o verdadeiro vento pentecostal. O vento sul e o vento norte se encontrarão, e dificuldades e perturbações hão de desaparecer. Maravilhoso é o Senhor! Nele confiamos. O nosso zelo pela obra de Deus pode ser muito grande, mas o do Senhor é maior. Sim, o seu amor é grande, e de forma alguma Ele dará a sua herança como presa ao inimigo. [...] Também peço eu, humilde serva do Senhor, oração em meu favor, para que posa continuamente fazer a Sua vontade. Quero somente ser fiel ao meu amado e bendito Salvador. Assim, continuarei o trabalho com o auxílio do irmão Carlos Brito, e O Som Alegre não há de ser abafado, mas sairá como de costume.

    Uma curiosidade é que, em todas as edições do jornal Boa Semente de fevereiro a setembro de 1930, era divulgado o conclave em Natal, enquanto O Som Alegre mal mencionou o evento em suas páginas nesse mesmo período. Ademais, a ida de Gunnar à Suécia e sua persistência ali para convencer Lewi Pethrus a vir ao Brasil ressalta ainda mais a dupla seriedade da situação: não apenas a questão de maior autonomia de trabalho para os obreiros nacionais ameaçava provocar uma cisão no Movimento Pentecostal brasileiro, mas também a própria divergência teológica entre os missionários quanto à questão do ministério feminino.

    Então, quando o assunto foi finalmente levantado no conclave na capital potiguar, mais uma vez a voz de Lewi Pethrus se fez ouvir na resolução dos problemas.

    Pethrus discorreu longamente, à luz da Bíblia, sobre a questão, defendendo um posicionamento que contrariava Vingren e se coadunava mais com o posicionamento de Nyström, que era apoiado pela maioria esmagadora dos missionários e pelos obreiros nacionais.³⁵ O resumo dessa ministração de Pethrus foi publicado posteriormente no jornal sueco Evangelli Haröld.³⁶ Ao final da sua intervenção, a Convenção em Natal elaborou e homologou a seguinte declaração sobre o ministério da mulher, registrada parcialmente em O Diário do Pioneiro e na íntegra, no jornal Evangelli Haröld. A seguir, segue, de forma inédita em português, o texto integral da decisão traduzido diretamente do sueco:

    Foram feitas sugestões de que uma declaração deveria ser feita a respeito do trabalho que as mulheres têm permissão para fazer na Igreja de Deus. Os participantes concordaram que as irmãs devem ter o direito de participar do trabalho evangelístico prestando testemunho de Jesus e de Sua salvação, e também de prestar testemunho que inclui ensino, bem como liderar reuniões quando necessário.

    Por outro lado, considera-se que a tarefa da mulher não é exercer a função de ensinadora da igreja ou de pastor, porém foi enfatizado que exceções podem ser feitas com bastante naturalidade, como outras regras da Bíblia dão exemplo (Mateus 12.3-8). Isso é especialmente verdadeiro quando se trata de lugares onde não há irmãos capacitados a serem líderes ou ensinadores.³⁷

    Tal decisão – que significava um meio termo que pode ser entendido mais como uma vitória do posicionamento de Nyström do que da posição esposada por Vingren originalmente – foi seguida à risca durante a história das Assembleias de Deus brasileiras, como podemos ver no levantamento feito no livro 100 Mulheres que Fizeram a História das Assembleias de Deus no Brasil (CPAD), do pastor e historiador assembleiano Isael de Araújo.

    Entre as mulheres que exerceram excepcional e temporariamente ação pastoral no passado nas ADs brasileiras, temos Marieta Alves, conhecida como Irmã Santa, que nos anos de 1930 liderou a AD em Fazenda do Carmo, em Guapiaçu (RJ); Matilde Brusaca, que fundou e dirigiu por 10 anos – de 1934 a 1944 – a AD em Tucuruí (PA) até a chegada do primeiro pastor da igreja; Delfina Tedeschi Santos, que fundou várias igrejas no interior do Rio de Janeiro nos anos de 1940 e 1950; Florência Silva Pereira, que fundou e dirigiu por sete anos (1943-1950) a AD em Alagoinhas (SE); e irmã Dozinha Dias, a primeira missionária solteira da AD brasileira, enviada nos anos de 1970 ao Paraguai. Todas essas mulheres exerceram temporariamente ação pastoral por necessidade da obra, por não haver obreiros para atender à demanda da obra do Senhor nos lugares onde elas serviam a Deus.³⁸

    Outro ponto importante é que o próprio Gunnar Vingren, antes mesmo de seu retorno ao Brasil para a Convenção Geral em Natal, quando ainda estava na Suécia, começou a se mostrar aberto a uma decisão que desse liberdade para as mulheres pregarem e ensinarem, mas que, por outro lado, mantivesse a

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