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O Menino Que Pintava Histórias
O Menino Que Pintava Histórias
O Menino Que Pintava Histórias
E-book275 páginas4 horas

O Menino Que Pintava Histórias

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Sobre este e-book

Aos seis meses de idade, o pequeno Victor é abandonado numa estrada desértica pela sua mãe em dificuldades. Mariane, arrependendo-se do ato insano, retorna à estrada para recuperá-lo, mas desespera-se ao se dar conta de que chegou tarde demais, pois um casal viajante passa pelo local e o leva embora. Victor vive uma infância sofrida e repleta de acontecimentos que vão moldando o seu caráter. Logo cedo, ele descobre o gosto pela pintura e passa a pintar telas que representam a vida das pessoas ao seu redor, ajudando-as a se livrar de seus conflitos. Mariane sai com os outros três filhos numa busca incansável pelo filho perdido. Ela supera os mais diversos obstáculos, provando que o seu amor pelo pequeno Victor é incontestável. Já na adolescência, Victor se torna um famoso pintor e se vê diante de sua maior obra prima, que o fará a se confrontar com os seus próprios medos e desejos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de mar. de 2020
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    O Menino Que Pintava Histórias - Anderson Bertolucci

    O menino que pintava histórias

    Anderson Bertolucci

    Agradeço primeiramente aos meus pais Alfio Heleno e Dora Bertolucci por terem me educado com base em princípios e valores éticos e morais fundamentais para a constituição do bom homem, o que contribuiu para a formação do meu caráter e permitiu eu me tornar a pessoa que sou hoje, sem eles esta obra não seria possível.

    Agradeço aos meus filhos Dylan e Kevin por terem sido atenciosos comigo em todas as vezes em que pedi suas opiniões a respeito desta obra.

    Agradeço a todos aqueles que pacientemente leram e releram os meus rascunhos e me incentivaram a prosseguir com esta obra.

    Agradeço a Deus por ter permitido tudo isso.

    UMA CAIXA DE PAPELÃO semidestruída repousava solitária sobre o acostamento de uma estrada desértica. O brilho do sol daquela manhã insidia sem obstáculos no tapete negro que se estendia até os confins do horizonte sobre uma planície de vegetação rasteira. O céu estava azul como nunca. Do lado de fora da caixa, um rótulo colorido cintilava ao sabor do vento, pois a luminosidade do dia evidenciava ainda mais as suas cores. No entanto, isto não era o suficiente para chamar a atenção dos raros veículos que ora passavam apressadamente. Sem se darem conta do objeto, deixavam de lembrança apenas seus ferozes roncos e os odores de pneus e combustível queimado, além de alguma poeira que era lançada no interior da caixa com a boca aberta para o mundo. As paredes internas da caixa de papelão também apresentavam desenhos coloridos, mas sem a qualidade do rótulo externo que provavelmente fora estampado por uma moderna máquina: alguém havia feito aqueles desenhos à mão. Não era o que poderia se esperar de um artista, é verdade, mas foram caprichosamente pintados com as mais diversas cores, e isso é o que importava naquela situação: olhinhos atentos e maravilhados se esforçavam para focar as formas e cores. Quando identificava uma coisa ou outra, um largo sorriso aflorava de sua tenra alma, enquanto os bracinhos e perninhas se mexiam freneticamente; vez em quando um ruído mais possante o fazia estremecer e paralisar-se, estatelando os olhinhos. Mas logo que o barulho se dissipava, a atenção se voltava para as cores: a única herança que haviam lhe deixado.

    O MUNDO COMEÇOU A GIRAR, um nó em sua garganta se formou e não tentou engoli-lo, pois as náuseas eram mais fortes, um pensamento fixo tomou conta de sua mente e já a estava levando a loucura, suas pernas fraquejaram, não encontrava posição cômoda que a livrasse do mal-estar, o desespero anterior tornou-se fútil perto do que estava sentindo agora, então ela resolveu agir: pediu aos três filhos pequenos que aguardassem dentro de casa e saiu apressadamente em direção à estrada. Corria alguns metros, mas logo se cansava, porém não se permitia parar para descansar, pois isso poderia fazer toda a diferença, então meio arquejante se esforçava em persistentes passos até acumular mais um pouco de fôlego e retomar a corrida; o sol parecia querer castigá-la pelo ato que cometera, seu corpo se banhava em suor e lágrimas e, a duros golpes, a possibilidade de não mais encontrá-lo atingia sua mente e isso quase a derrubava, mas a esperança era sua energia naquele instante. Estava quase chegando e, alucinante em seus próprios desejos, já podia ouvir o choro dele, imaginou-o em seus braços sendo reconfortado e com a promessa agora de sua proteção incondicional.

    Depois de uma eternidade, a estrada surgiu, mas junto dela apenas a paisagem natural; não quis acreditar, olhou para um lado e para o outro, não tinha onde procurar, não havia nada que o pudesse ter escondido de sua visão: um arbusto, uma pedra, um monte de terra, ou qualquer outra coisa que fosse. Depois de lutar insanamente contra a realidade, suas forças se esgotaram, não tinha tanta energia assim, logo capitulou e foi derribada. Reconheceu que alguém o tinha levado e quem sabe nunca mais o veria novamente. Jogada ao chão de joelhos, a verdade a humilhou e a entregou aos calabouços do arrependimento.

    Arrastando-se por entre as moitas de capim, voltava para a pequenina casa de pau-a-pique perdida naquele oceano ocre, o sol parecia querer castigá-la com mais intensidade, ela o fitava com submissão, pensou em ficar ali mesmo e jazer naquele solo ácido até ser totalmente consumida por ele e receber o devido castigo, no entanto Mariane lembrou-se dos três filhos e isso movimentou suas pernas, com muito custo chegou à entrada da casinha de apenas um cômodo, ainda tinha que enfrentar os olhares dos filhos e apesar de serem pequenos já tinham a exata noção do que era o abandono, pois fora isso que receberam de presente do pai em meados do penúltimo natal. Ela abriu a porta e deu um passo para dentro, os filhos lançaram os olhares em sua direção, ela os recebeu como afiadas facas cravadas em seu peito, aproximou-se dos três com a alma ferida, e mais uma vez foi abatida, ajoelhada diante deles, os abraçou e suplicou o perdão:

    − Perdoem-me! A mamãe não queria fazer isto! Perdoem-me! Eu amo vocês! − aos prantos, implorava misericórdia. Os filhos, diante do estado lastimável da mãe, começaram a chorar ressentidamente, até mesmo a pequenina que não tinha a menor noção do que estava acontecendo se abateu pelo estado emocional dos outros e chorou ainda com mais sofrimento.

    DEPOIS DE TER PASSADO por inúmeras experiências em sua vida, nos mais diversos tipos de trabalho, algumas tão perigosas que até mesmo colocaram certas vezes sua vida em risco, Pedro decidiu ter melhor controle sobre seus caminhos e, embora não tivesse se livrado totalmente dos riscos, pelo menos, agora, sua vida praticamente dependia de suas próprias habilidades. Atrás de um volante, ele conduzia com maestria sua enorme carreta de nove eixos Brasil afora, percorrendo os lugares mais espetaculares que se possa imaginar: cada dia, uma paisagem diferente, cada noite, uma configuração nova de estrelas, cada lugar uma brisa específica que muitas vezes o remetia a lembranças de um evento ou outro que havia passado naquele lugar. Este estilo de vida proporcionava-lhe muito prazer e poderia dizer que finalmente conquistara a paz que tanto procurava. Era um trabalho um tanto cansativo, mas nada que um bom período de sono profundo não resolvesse, pois sua mente estava sempre tranquila. Pedro tinha quarenta e dois anos, de cor parda e estatura mediana, seu corpo massudo garantia a resistência que precisava para permanecer firme ao volante nas longas viagens; mantinha sempre o cabelo bem curto com uma maquininha elétrica que portava na cabine, Assim não preciso pentear dizia ele. Não queria perder tempo com vaidades infrutíferas, quando já havia conquistado o seu verdadeiro amor. Ana, sua fiel companheira, era uma jovem senhora que ao contrário de Pedro, que já fora casado, nunca havia tido um relacionamento sério com alguém, pois precisou superar alguns traumas que sofreu no passado, antes de se relacionar mais intimamente com um homem. Ela era uma pessoa em transformação, estava redescobrindo o mundo e as suas possibilidades, principalmente o prazer que poderia tirar da vida ao conhecer pessoas alegres e simpáticas que encontrava ao longo das viagens ao lado de um companheiro maduro e bem humorado que sempre a elogiava e a incentivava nas coisas que fazia, apesar dela não ter qualidades físicas e intelectuais mais apreciáveis do que em outras mulheres. Contudo Ana ainda tinha uma frustração a ser resolvida: ela adorava crianças, mas era infértil. Ana era alta e magra, sua pele, ligeiramente clara, tinha a cor da mistura dos povos europeus que migraram para o Brasil, e apesar da infertilidade, gozava de excelente saúde. Isso por que cultivava hábitos saudáveis: fazia questão de preparar as refeições no próprio veículo, estacionado à beira de algum vilarejo cortado pela estrada, tratando sempre que possível de utilizar alimentos naturais.  Após as refeições, costumava passear com Pedro ao redor de onde haviam parado a fim de se exercitarem, ao mesmo tempo em que podiam apreciar as curiosidades do local e ter a oportunidade de conhecer alguém interessante. E desta forma, Pedro e Ana traçavam seus caminhos pelas planícies, montes, cidades e vilarejos, constituindo um imenso mosaico de capítulos emocionantes na história de suas vidas. Mas o que realmente nos interessará será um capítulo à parte na vida deles:

    Apesar dos dias serem quentes, as noites eram frias nesta época do ano, era primavera, e Pedro nestas ocasiões costumava dormir agasalhado, apesar dos cobertores, pois, quando acordava, gostava de se espreguiçar do lado de fora da cabine, geralmente observando as condições do tempo e a posição do sol no horizonte, isso de certa forma o fazia se lembrar da liberdade que conquistara e o imenso prazer que tal condição lhe trazia, era como se fosse um ritual de agradecimento a Deus por estar vivo e aproveitando bem a sua existência na terra. Neste dia, acordou bem cedo, observou que Ana ainda dormia profundamente e não a incomodou, saiu da cabine como de costume e contemplou o nascer do sol, o céu estava tremendamente azul, uma felicidade imensa tomou conta de seu espírito, mas lhe veio um pensamento: Quando for a  minha hora de partir deste mundo, quero estar olhando para este céu azul, assim partirei feliz. Depois disso, Pedro decidiu aproveitar o frescor da manhã para ganhar alguns quilômetros, antes de tomar café com Ana que permanecia num agradável sono. Checou as condições dos pneus, entrou na boleia da carreta e partiu mansamente, tentando não a acordar. A carreta logo ganhou velocidade, pois a estrada era boa, reta e plana. À medida que avançavam vigorosamente pelo interior da planície, o sol com mais vigor ainda lançava seus raios caloríficos sobre o para-brisa e a lataria do veículo, de modo que o interior da cabine estava se aquecendo. Pedro começou a sentir calor, então resolveu tirar a camisa de manga comprida que o envolvia. Como a estrada era uma reta, decidiu que tiraria a peça de roupa ali mesmo com o veículo em movimento: soltou as mãos do volante e rapidamente segurou na bainha da camisa e a puxou para cima, se livrou de uma das mangas com certa dificuldade, pois a camisa estava bem justa em seu corpo, e voltou a segurar o volante com uma das mãos, mas ao tentar transpassá-la pela cabeça e tirá-la por completo, a camisa se agarrou aos músculos proeminentes de suas costas e ombros numa posição que não lhe permitia enxergar a estrada. A aflição tomou conta de seu tranquilo espírito: tomado pelo desespero de não estar enxergando a estrada e com a carreta àquela velocidade tentava se desvencilhar da camisa grudada ao seu corpo numa violenta luta. À medida que não obtinha sucesso, sua agonia se potencializava. Lembrou-se do pensamento que tivera de manhã cedo sobre partir daquele mundo num dia de céu azul e na mesma hora se arrependeu. Então deixou a emoção de lado e raciocinou: Estamos numa reta. O que tenho que fazer é manter a mão firme no volante e reduzir gradativamente a velocidade até parar. E foi isso que fez: pisando no freio com cuidado e baseando-se na percepção de sua posição na estrada pelo balanço do veículo, imaginava a correção que deveria fazer no volante para se manter na pista. Deu certo: a imensa carreta estava domada e não oferecia mais perigo. Pedro, mais calmo agora, se livrou pacientemente da camisa, que já estava ensopada com seu suor. Espantou-se ao ver que a carreta repousara caprichosamente no acostamento e deu um grande suspiro de alívio; neste momento ele deduziu: Só pode ter sido Deus. Olhou para o céu azul e agradeceu: Obrigado Senhor. Virou-se então para Ana, que despertava, e seu carinho por ela se intensificou naquele instante. Ela abriu os olhos e lhe deu bom dia:

    − Bom dia Amor! Que horas são? − como sempre, com espírito sereno e feliz dirigiu-se a Pedro, inocente do que havia ocorrido.

    − Bom dia Amor! São oito e quinze. − respondeu ele, com uma sensação de culpa, por ter colocado a vida dela em risco, mas preferiu não dizer nada para não a preocupar, e prometeu a si mesmo que nunca mais faria algo desse tipo.

    − Você parou para tomarmos café? − deduziu ela, por causa da hora e do lugar.

    − Sim... − resolveu responder afirmativamente, pois isto resolvia tudo. Ela então trocou de roupa e eles foram preparar o café da manhã. Pedro desceu da boleia e circundou a carreta observando ainda com ar de mistério ela estacionada no acostamento rigorosamente posta entre o alinhamento da estrada e os limites da vegetação campestre. O lugar era paradisíaco. Estendendo-se a visão ao longo dos campos tinha-se uma imagem quase surreal: as rajadas de vento intermitentes e em direções diferentes penteavam o capim desordenadamente, as flores brancas que salpicavam a camada superior da manta verde liberavam suas delicadas plumas para dançarem ao sabor do vento até que uma corrente mais forte as levassem definitivamente para a imensidão azul. A fragrância exalada na atmosfera completava a experiência ao penetrar agradavelmente os lugares mais secretos do espírito de quem estivesse presente.  Naquele momento, Pedro desejou que a vida fosse eterna e nunca mais pensaria na morte. Ele chegou até Ana, que já havia retirado os mantimentos da pequena despensa sob a carroceria e se sentou junto dela. Lancharam em paz, mas logo que o fluxo de veículos começou a aumentar, a contragosto, resolveram partir dali, pois não era seguro ficar parado no acostamento naquela condição. Guardaram os mantimentos apressadamente e entraram na boleia. Pedro deu a partida no motor e engatou a primeira marcha, sinalizou para sair e começou a acelerar, movimentando a carreta com celeridade em direção à pista, porém o reflexo do sol numa tampa de alumínio esquecida no acostamento atingiu a visão de Ana pelo retrovisor lateral, ao que ela se pronunciou imediatamente:

    − Espere! − gritou em tom alto e vigoroso. Pedro de sobressalto pisou forte no freio e parou bruscamente o veículo:

    − O que foi?! − indagou com preocupação.

    − Eu me esqueci de recolher a tampa da chaleira. − respondeu naturalmente, já abrindo a porta para apanhá-la. Ela então desceu rapidamente e se dirigiu para a tampa que estava caída ao lado de uma das rodas, e quando se abaixou para pegá-la notou uma caixa de papelão quase enfiada em meio as enormes rodas pressionadas contra o chão. Pensou ela Essa caixa pode ser útil e logo outro pensamento veio Acho que não, além do mais já temos pouco espaço na despensa. Desistiu de pegar a caixa, guardou a tampa na despensa e se virou para retornar à cabine, mas, quando deu dois passos, um arrulho chegou aos seus ouvidos. Ela parou e por um instante pensou ser o barulho da carreta se movimentando, mas viu que a carreta permanecia inerte, então outro arrulho, e seus ouvidos se inclinaram para a caixa, daí veio outro arrulho e mais um outro ainda. Aquele som invadiu sua alma, desenterrou todos os sentimentos de frustrações trancafiados na sua mente e os despejou bem na frente de seus olhos, não havia como ela confundir aquela pequenina voz. A ansiedade tomou-lhe conta, então a ficha caiu: ela correu gritando desesperadamente em direção à cabine:

    − Desligue o motor! Desligue o motor! − sabia que Pedro não movimentaria a carreta, mas não confiava nas máquinas, e só de imaginar aquelas imensas rodas se movimentando naquela situação, estava lhe causando náuseas. Pedro olhou pelo retrovisor e vendo seu desespero, pedindo-lhe para desligar o motor, obedeceu mesmo sem entender o que estava ocorrendo. Ao perceber o motor desligado, ela se acalmou, subiu no degrau da cabine um tanto ofegante e sem abrir a porta solicitou Pedro através da janela:

    − Venha ver o que eu encontrei! − disse, com convicção, mesmo sem ter olhado dentro da caixa. Ela voltou apressadamente para próximo das rodas, e com a empolgação de um arqueólogo que encontra o que mais procura, agachou-se e estendeu um dos braços, alcançando uma das arestas da caixa, então segurou firme e a puxou. Pedro havia chegado próximo dela neste momento e presenciou o que se passou a seguir: um par de olhinhos claros estatelados se revelou para eles. Eles ficaram perplexos diante daquela descoberta:

    − Oh meu Deus! Eu não acredito! − disse Ana, já levando as mãos à criaturinha indefesa.

    − Quem teria tido esta coragem! − pronunciou-se Pedro, com indignação.

    − Como ele é lindo! − afirmou carinhosamente, encantada com o bebê já em seu colo.

    − Veja! Tem um bilhete no fundo da caixa. − observou Pedro, abaixando-se para pegar o pedaço de papel: − Por favor, cuidem bem dele. Seu nome é Victor e ele tem seis meses. − leu em voz alta.

    − Vamos voltar para a cabine. É perigoso ficar aqui. − ordenou Pedro, enquanto raciocinava sobre o que deveriam fazer diante daquela situação.

    Eles entraram na cabine, Pedro deu a partida e ganhou a estrada, enquanto Ana se doava totalmente para o bebê em seu colo. Eles permaneceram em silêncio por dezenas de minutos, cada um concentrado em seus próprios medos e desejos; apenas se ouvia os arrulhos do bebê. Pedro sabia da frustração de Ana, mas também sabia da grande responsabilidade que assumiriam dependendo da decisão que tomassem. Volta e meia, ele a fitava e ela não ousava lhe dirigir o olhar, e ele sabia qual era seu receio; suas atenções estavam totalmente voltadas para o bebê. Então ele respirou fundo e se convencera, já tinha certeza da opção dela. Ele pensou por mais alguns minutos e finalmente se decidiu, não aguentava mais aquele silêncio. Encostou a carreta num posto de serviço e permaneceu na posição do volante por alguns minutos ainda, queria ter certeza de sua decisão. Virou-se para ela e chamou pelo seu nome:

    − Ana. − pronunciou o nome com motivação, ao que Ana estremeceu por um instante e não se virou, com grande receio do que pudesse ouvir. Ele insistiu, agora com um tom mais ameno:

    −Ana, por favor. − disse, ao mesmo tempo em que levou a mão em seu ombro. Ana se rendeu e se virou para ele com a respiração presa e o coração batendo acelerado. Ele então, com boa fisionomia, indagou: − Vamos chamá-lo de Victor mesmo? − perguntou com empolgação. Ao ouvir aquilo, Ana desmoronou, seus músculos se relaxaram e ela expirou o ar preso, lágrimas escorreram de seus olhos e mesmo sem saber o que enfrentariam dali em diante, ela era a mulher mais feliz do mundo naquele momento e as consequências daquele ato eram o que menos importava.

    − Obrigada! Muito obrigada! − dizia ela com grande emoção e alegria, ora olhando para Pedro, ora olhando para o bebê

    − Eu gostei do nome que deram a ele... Victor! − disse com empolgação. O que você acha? − perguntou a Pedro.

    − Pra mim, está ótimo! É nome de campeão! − respondeu com alegria.

    − Precisamos também dar um sobrenome a ele. − disse Ana, com olhar pensativo.

    − Bom! Se ele vai ser nosso filho, tem que ter nosso sobrenome. − afirmou Pedro.

    − E se nos questionarem sobre seu nascimento, a data, o local em que nasceu e tudo mais? O que faremos? − Ana expôs com grande receio questões que envolviam as origens do bebê.

    − Afirmaremos que ele nasceu aqui mesmo na boléia do caminhão, de parto normal, afinal estamos na estrada já faz quanto tempo? Uns dois anos ou mais. Ninguém vai desconfiar. Mesmo por que nos desligamos totalmente de nossos familiares há muito tempo. Não devemos satisfações a ninguém nesse mundo a não ser um ao outro.  − disse Pedro, conforme já havia planejado tudo, antes de ter decidido que ficariam com o bebê. Ana não disse nada, apenas assentiu com a cabeça com ar de preocupação, e embora soubesse que era errado o que estavam fazendo, não deixou que isso interferisse no amor que tinha para dar ao bebê, afinal sua verdadeira mãe o havia abandonado na beira de uma estrada e isso era o suficiente para convencê-la de que o destino quis que ele fosse seu filho.

    MARIANE COLOCOU OS FILHOS para dormir, mas ela não conseguiu pegar no sono, passou a noite inteira velando pelo bem estar de Victor, rogando que estivesse a salvo, onde quer que fosse, no entanto, volta e meia, alguns pensamentos pessimistas lhe afloravam: ... e se ele estiver com frio e com fome, ... e se ele estiver molhado..., se estiver sendo judiado por alguém perverso que o tenha encontrado. Pensamentos punitivos lhe tomavam conta, torturando sua alma, contorcia-se na cama entre um calafrio e outro, quando a imagem de Victor na caixa de papelão vinha a sua mente.

    No raiar do dia seguinte, Mariane decidiu ir à polícia, mesmo correndo o risco de ser denunciada pelo crime de abandono. Avisou os filhos e tomou o caminho de uma picada que dava na Feirinha, um vilarejo que distava a mais ou menos uns quarenta minutos de caminhada. Chegou ao posto policial e relatou o seu caso. O homem que a recebeu, comovido pelo seu estado, resolveu não a denunciar, mas a dissuadiu de registrar a ocorrência, dizendo que ela correria o risco de perder a guarda dos outros filhos. Motivou-a a procurar Victor pelos próprios meios.

    No caminho de volta para a cabana, mesmo desolada, esforçava-se

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