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Até Que A Brisa Da Manhã Necrose Teu Sistema
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Até Que A Brisa Da Manhã Necrose Teu Sistema
E-book269 páginas2 horas

Até Que A Brisa Da Manhã Necrose Teu Sistema

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Sobre este e-book

Em uma São Paulo não tão distante, o poder estatal e iniciativa privada integram uma sofisticada Inteligência Artificial conhecida como PÁTRIA AMADA. Munícipes improdutivos desta capital-modelo ganham uma nova civilidade em um estranho Complexo Comunitário que outrora fora cidades importantes do interior do Estado. Mário, um paulistano de classe média, experiencia a vida de um peregrino que necessita sobreviver às demandas capitais, munido de um corpo transumano adequado às múltiplas exigências de uma nova vida.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de jan. de 2021
Até Que A Brisa Da Manhã Necrose Teu Sistema

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    Pré-visualização do livro

    Até Que A Brisa Da Manhã Necrose Teu Sistema - Ricardo Celestino

    Capa

    Fernando Marcatti

    Diagramação

    Gustavo S. Vilas Boas

    Preparação de textos e revisão

    Lilian Aquino

    Leitura crítica

    Luiz Brás

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Celestino, Ricardo

    Até que a brisa da manhã : necrose teu sistema /

    Ricardo Celestino. – 1. ed. – São Paulo : Ricardo Celestino, 2021

    ISBN 978-65-00-15859-5

    1. Ficção brasileira I. Título.

    21-54380

    CDD-B869.3

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Ficção : Literatura brasileira B869.3

    Aline Graziele Benitez – Bibliotecária – crb-1/3129

    "(…)

    Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.

    É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça."

    Fernando Pessoa

    C a p í t u l o I

    O B A T I S M O

    I

    (8h38)

    M4594

    O número de atendimento

    A espera

    Um longo trajeto até chegar em

    M4594

    Não há acesso preferencial

    Não há mais de um guichê

    Não há consultas para ordem de chamada

    M4594

    O tempo. A espera

    Uma vontade não preenchida

    Expectativa diária

    M4594

    Ainda não…

    Ainda não…

    mais um dia…

    outro dia…

    Quem sabe hoje?

    Hoje?

    Talvez hoje seja o dia!

    M4594

    7

    Às dez da manhã você não sente o pulso vibrar. Há momentos em que você até imagina um

    formigamento estranho

    Talvez seja o inconsciente pregando-lhe uma peça Mais uma peça

    E tem outra… não adianta sentir o pulso vibrar,

    sem o enfeite dos leds verdes

    no teu antebraço orgânico

    em brilho intervalar

    das luzes natalinas

    Não.

    a prova necessária de que

    você é (e deixará de ser)

    M4594

    são as luzes natalinas

    piscando

    na camada subcutânea

    do teu antebraço orgânico. (o braço de Natal)

    Você não gosta de torradas.

    Nem do sabor da geleia proteica.

    Isso é tudo que tem para comer.

    Talvez tudo que tenha para comer

    até o fim do dia de hoje.

    Seria bom aproveitar, não acha?

    Talvez tenha a sorte de encontrar provisões

    até o final do dia

    Sinceramente,

    eu não entendo essa tua restrição alimentar.

    A longa espera provoca na gente

    uma sensação de pertencimento lacunar:

    tudo por aqui é passageiro

    não há nada teu aqui

    8

    Dez e dois

    Nada

    Não foi teu dia de sorte

    O dia do sorteio.

    M4594

    Do teu lado, outros lamentos

    Outros tantos

    M… sei lá o quê!

    Semblantes duros

    Ninguém nota a dureza de ninguém

    Cada rocha focada em tua própria sensação

    Cansaço…

    Corpo dói…

    O passo à frente, seguido de outro…

    isso enche o saco!

    Enche o saco ficar em pé

    Enche o saco ouvir os outros

    Enche o saco este lugar

    Então, você reage ao som…

    Todo mundo de pé! Todo mundo de pé!

    (aquela voz)

    Preparar para a contagem! Ninguém sentado! Todo mundo acordado!

    Todo mundo de pé!

    (um homem com casaca militar e chapéu ianque. no corredor do ônibus, há também um drone assistente. daqueles que você estava acostumado a programar na capital. um drone-faz-tudo. integrado com câmeras de reconhecimento.

    ligado ao PÁTRIA AMADA. enquanto o milico-ianque berra, o drone agita os tentáculos-fotografia. cuida do registro de cada passageiro. o registro facial que endereça dados ao PÁTRIA AMADA.)

    Todo mundo de pé! Eu não vou falar de novo!

    a torrada e a geleia proteica pressionam tua barriga…

    você vai vomitar…

    você com certeza vai vomitar…

    9

    ( o drone continua registrando os passageiros no PÁTRIA AMADA. é um grande ônibus. duas cabines. sanfonado. não se vê veículos como aquele circulando na capital. não todos os dias. pelo menos não onde você costumava morar. você está ali, em pé. obediente. respeitando o milico-ianque. do teu lado direito, um preguiçoso. um maldito preguiçoso. não escolhe hora do dia menos inapropriada para os minutinhos de resistência. não precisa ser poeta para perceber o desejo imediato do milico-ianque. aqui não é a capital. aqui não é lugar para resistência e teimosia.)

    Todo mundo de pé! Filho da puta não entendeu ainda?! Não entendeu, não?!

    TODO

    MUNDO

    DE

    PÉ!

    (a voz do milico-ianque)

    A voz do milico-ianque…

    filha da puta! Ela jurou!

    No teu último encontro casual, ela disse que havia resolvido aquele problema

    Resultado:

    a única refeição do teu dia

    está jogada na calçada da rua

    em dejeto biliar

    Você sente tudo novamente

    como em rede de alta imersão

    (olá. eu sou a dor. estou dentro de ti e acompanho, em tuas entranhas, as lembranças sinestésicas da corrente elétrica percorrendo teus órgãos via devices sintéticos. eu te fodo todas as manhãs. tenho impedido, nos últimos dois dias, que você absorva os nutrientes necessários de tua alimentação diária. a minha presença só é possível devido à resistência daquele filho da puta teimoso e preguiçoso que você nunca mais viu.)

    10

    no horizonte da apertada via pública você é o único M com aqueles sintomas

    Ms passam por você

    Sobre você

    sem te pisotear

    (protegido pelo acaso)

    (não pela elegância)

    (os tentáculos-fotografia tornam-se tentáculos-taser-de-choque-super-potente. cada um dispara uma onda de corrente elétrica em todos os devices internos e externos de cada passageiro. a corrente elétrica bagunça muitos chips integrados a órgãos vitais de muita gente por ali. parece estourar os tímpanos de um senhor na tua frente. pegou de jeito o organismo de uma jovem há dois assentos de distância.

    tudo por conta de um filho da puta preguiçoso. um filho da puta que gosta de dormir mais do que pode. um filho da puta que não consegue entender enunciados simples do tipo: todo mundo de pé.)

    Todo mundo de pé!

    Já não era hora desta crise acabar?

    Parece que não

    Parece que você foi

    feito de bobo.

    Parece que você precisa visitar tua hacker novamente.

    Parece que você está sob o efeito

    de um pacote placebo

    incapaz de agir contra

    memórias traumáticas

    de devices infectados

    11

    II

    (10h37)

    O Irmão das Almas

    não é um bar

    não é um hotel

    não é uma clínica clandestina de biogenética

    não é uma confraria de hackers

    não é um ponto de drogas para anestesiar danos traumáticos permanentes.

    Todos chegam no Irmão das Almas.

    Todos precisam de registro de entrada

    garante sigilo identitário

    garante estadia

    das dez e meia da manhã de hoje

    às oito e meia da manhã do outro dia

    não garante estadia dos clientes

    no intervalo entre as oito e trinta e um

    e as dez e vinte e nove

    Acaso um cliente sofra danos permanentes

    o Irmão das Almas

    tem gente o suficiente para

    recolher o que sobrou

    não é uma casa de caridade

    Quando você entra na recepção, M0327 sorri

    (parte da configuração orgânica de M0327 é um conjunto de peles

    e músculos mal cicatrizados)

    Eu procuro M4433.

    Não podemos identificar nossos clientes a outros clientes.

    M0327 e você conhecem o protocolo. Você tenta. Faz parte. Vai que cola. Um dia. Talvez. Hoje não deu.

    12

    Você retira de uma bolsa a tiracolo um punhado de fontes proteicas de segunda.

    (dedos. os carniceiros dão pouco valor aos dedos) Quarto 410. Quarto andar.

    Obrigado.

    Passa pelo balcão

    amaldiçoa o elevador em manutenção

    amaldiçoa a quantidade de pessoas nas escadas

    (detesta multidões)

    Dificilmente você não esbarra em alguém no trajeto até o quarto 410

    Dificilmente esse alguém não te olha com vontade de te violentar pelo encontrão acidental.

    Ms vêm e vão em todas as direções

    Uma encruzilhada de Ms com rumos diversos

    Ms ciscando no mesmo miolo

    Ms em miolos distintos

    No Irmão das Almas

    você deve olhar um horizonte e seguir

    Você sabe como é

    Você não se acostumou muito bem com isso

    Você escuta vozes

    Você enxerga personas etéreas

    Familiares

    Amigos

    Lembranças registradas em seus devices internos

    Você ativa um antiviral

    que não te deixa mais tão exposto assim

    Sobe o terceiro lance de escadas

    escuta um M gritar

    as pessoas ignoram

    você tenta ignorar

    até o barulho se materializar

    13

    um M deitado sem um braço orgânico

    muito sangue no carpete

    sangue fresco no carpete

    O que houve, Irmão?

    Arrancaram um braço meu, Irmão!

    Vingança, Irmão? Dívida do destino, Irmão?

    Vingança, Irmão! Esses filhos da puta queriam minhas fontes proteicas, Irmão!

    Você precisa que eu te leve para algum quarto, Irmão? Não quer um lugar para tratar disso aí, Irmão?

    Eu quero… Irmão. Perdi muito sangue, Irmão! Eu quero tomar alguma coisa.

    Eu preciso de alguém que cauterize essa porra, Irmão! Eu preciso de um braço novo! Eu preciso… senão eu…

    Irmão… eu não quero ser rude, Irmão… só que esse braço que você perdeu… esse braço… vendo agora… é o braço de Natal… você perdeu teu braço de Natal…

    Irmão! Não! Irmão! Não faz isso com teu Irmão! Levaram meu braço de Natal?

    Levaram teu braço de Natal!

    Coitado daquele M

    Aquele M foi embora com o braço que lhe tiraram

    Coitado daquele M

    Arrancaram-lhe o braço inviolável

    Desculpa, Irmão. Desculpa. Eu tenho que ir…

    Você segue o destino. Você escuta

    Filho da puta! Irmão é o caralho! Filho da puta!

    Até a voz ser abafada

    pelos barulhos secos

    dos golpes repetidos

    das machadinhas dos carniceiros

    Carniceiros

    demoram, mas chegam

    O quarto andar. O quarto 410

    Aquele Irmão

    14

    agora fonte proteica comercializada

    clandestinamente nos andares do

    Irmão das Almas

    não te ocupa mais a cabeça.

    Você fecha a mão

    Bate três vezes na porta

    Nada

    Mais três vezes

    Nada

    Mais três

    Nada

    Desgraçada! Tem dívidas com todas as aberrações possíveis Nada

    Aquela filha da puta te deu mais um nó?

    O terceiro em menos de dois dias?

    Quantas vezes você vai abaixar a cabeça e permitir que esses hackers de merda te passem a

    perna desse jeito?

    A cabeça, nessas horas, começa a ferver

    Não é dor

    É ódio

    Você toma distância

    Você emenda duas soladas certeiras

    um pouco abaixo da frágil fechadura

    que tranca a porta

    Não há nenhuma política de segurança clara

    no Irmão das Almas

    Se o dano for permanente,

    mas pouco significativo,

    ninguém liga

    A fechadura se desfaz

    e a porta abre

    Não pelo impacto da bicuda

    (franzino. fraco. mal alimentado)

    15

    A porta revela a qualidade de uma madeira

    constantemente violada

    O quarto 410

    Pequeno

    Como todos os quartos do Irmão das Almas

    Um corpo

    Convulsionando

    A desgraçada

    ingeriu mais drogas do que deveria

    você precisa salvá-la

    III

    Você nunca teve vocação para carniceiro

    Você caminha pelo corredor do quarto andar

    (corpo coberto de sangue não é agredido por ninguém) O braço decepado carregado pela tua mão orgânica chama a atenção das pessoas.

    (o braço de Natal, que não é seu, pisca-pisca verde) Dois Irmãos te seguem

    (você sabe disso)

    ninguém naquele lugar esconde nada de ninguém

    buscam presas

    lutam por ela

    talvez saiam vivos

    talvez saiam mortos

    Aê Irmão! Aê Irmão! Ô arrombado!

    O desjejum que você vomitou faz falta.

    está sem forças para uma luta

    está em desvantagem

    ninguém ali quer saber do problema de ninguém

    você não optou em estabelecer laços

    você é um M solitário

    16

    (quando a desgraçada convulsionou, o braço de Natal dela começou a piscar.

    o paradoxo da liberdade: ela ganhou dois bilhetes premiados. a capacidade de selar destinos, em duas vias simultâneas.)

    Segura esse filho da puta aê! Segura ele! A gente não pode perder ele!

    (a língua engrossou ou enrolou dentro da boca. você tentou salvar a desgraçada.

    ela te deu uma mordida. por reflexo, talvez. um corte fundo no dedo indicador fez a porra toda sangrar.)

    Você precisa se livrar desses dois imbecis

    Onde ele tá? Cadê aquele cuzão?

    Na capital

    você se acostumou correr doze quilômetros por dia em uma esteira na sala de estar

    no apartamento da última empresa

    que te contratou

    uma exigência

    política interna da empresa

    acaso não cumprisse com as metas

    e exercícios diários

    estaria na rua

    O cara sumiu! Maluco desapareceu! Puta que pariu!

    Aquele antebraço

    continua piscando

    até o tecido esfriar

    até o sangue coagular?

    até os circuitos eletrônicos entenderem que aquele pedaço de corpo morreu?

    A desgraçada não está

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