O Sol Brilhou na Currúpnia
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Sobre este e-book
Tudo muda quando eles ficam sabendo de um concurso público de peças teatrais originais. E os dois passam a viver o sonho de juntos escreverem uma peça com a qual possam vencer o tal concurso. Depois de muitas idas e vindas, na busca de uma peça original que pudesse sair-se vencedora, a tentação de fazerem sutis alterações em obras consagradas parece dominá-los. Mas como não serem descobertos, se as obras que planejam utilizar são os grandes clássicos da história do teatro?
Não esqueçamos que tudo se passa num país imaginário no qual as autoridades jamais dedicaram mais do que alguns míseros tostões à educação. Consequentemente, as escolas foram sempre de baixíssima qualidade. O resultado é previsível: numa sociedade em que predominam indivíduos sem cultura, talvez a comissão julgadora nem percebesse uma possível fraude. Afinal, um povo sem cultura torna-se presa fácil nas mãos de vigaristas, mentirosos e oportunistas.
Para aqueles que perguntam qual o custo para um país de uma boa educação, deve-se responder com outra pergunta: e o preço da ignorância, não é infinitamente maior? A sociedade paga um elevado preço pela falta de educação e de cultura de seu povo. Na verdade, se o povo é ignorante, o perfil dos membros da comissão julgadora do concurso talvez não seja diferente. Em resumo: o resultado do concurso não surpreende.
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O Sol Brilhou na Currúpnia - Gilberto Schwartsmann
(A cena se passa em um asilo, onde, para sobreviver, os velhos moradores – dois artistas famosos do passado – fazem apresentações artísticas, um para o outro, como estátuas vivas, em uma sala-museu da instituição. No centro da cena, dois praticáveis.)
Oneirópolos: (Ainda imóvel) Ficai sabendo que dividimos nosso reino em três partes. Sendo nossa firme intenção livrarmo-nos, na velhice, dos negócios e confiá-los aos mais jovens, e assim nos arrastarmos para a morte! Aproveito para declarar o dote de minhas filhas para que não tenhamos conflitos futuros. A elas passo o reino, as leis, o tesouro e passarei a coroa quando chegar o momento.
(Rei Lear)
Disoíonos: Maldição sobre Jasão! Maldição sobre todos os homens! Miséria sobre nós que somos as deserdadas do mundo! Tremo só de pensar em algo que farei depois: devo matar minhas crianças e ninguém poderá interferir. Jamais Jasão voltará a ver vivos os filhos que me fez conceber.
(Medeia)
Fantasma: "C’est dommage! C’est dommage!, já houve no mundo um teatro verdadeiro! Nesse paisinho de quinta categoria, cultura e arte são tratadas com desdém. Há décadas não contamos com apoio do governo e da iniciativa privada. As chamadas
forças vivas da sociedade estão mortas! São um bando de aproveitadores incultos… Odeiam o pensamento mais elevado… O teatro – nem se fala! Esses dois pobres e velhos atores dessa peça teatral – nomes consagrados dos palcos no passado – foram deixados como matéria descartável nesse asilo repulsivo. Ninguém nesse país quer saber dos velhos! Ainda mais artistas! Eles ficam por aí fingindo performances teatrais para plateias inexistentes…
C’est dommage! C’est dommage!"
Oneirópolos: (Desmanchando o personagem) Ai de mim! Não aguento mais repetir esta fala cada vez que tu ficas parada na minha frente. Ainda bem que por hoje acabou!
Disoíonos: (Imóvel) Tem certeza de que todos se foram?
Oneirópolos: Todos… que todos? Nós dois? Sim, por hoje acabou! Foram todos. E eu tenho uma notícia maravilhosa para te dar, vai ser a nossa redenção.
Disoíonos: (Desmanchando a imobilidade) Meu Deus, nesse lugar onde nada acontece… uma notícia? Há tanto tempo que não recebemos uma notícia por aqui… O que houve? Fecharam outra universidade? Proibiram a edição de algum livro? Algum velhinho abandonado amanheceu morto?
Oneirópolos: Ninguém morreu, muito pelo contrário… nós dois é que renasceremos! A notícia é explosiva, uma bomba! Até lembrei da fala de uma peça do Eliot: Não se vá ainda. Preciso muito conversar com alguém que não se conhece
, lembra?
Disoíonos: Que beleza de texto! Que elegância! Mas me conta a notícia, Oneirópolos! Conta!
Oneirópolos: É um novo sopro de esperança no nosso horizonte! Nós renasceremos das cinzas!
Disoíonos: Renasceremos?… Sopro de esperança?… Aqui, neste fim de mundo? Eu gostaria de saber o conteúdo dessa notícia imediatamente… pois eu estou convicta de que nós dois, tu e eu, senhor Oneirópolos, estamos mortos em vida. Mortinhos… e enterrados nesta porcaria de asilo…
Oneirópolos: Não grita desse jeito, não estás no palco! Escuta com atenção: recebi a notícia sobre um concurso de peças teatrais… exatamente o que nós dois precisávamos! A notícia chegou por uma mensagem do teu marido, ex-marido, sei lá, o Dianooúmenos! O teu Didi! E não me pergunte como, mas foi dele a mensagem, acho que de dentro daquele tubo hiperbárico em que ele é alimentado… Ele me enviou uma mensagem por essa coisa, o Iphone, o Raifone, o sei lá como se chama esse aparelho…
Disoíonos: Neiró, o Didi está tecnicamente morto, vive com a ajuda de aparelhos naquele claustrofóbico tubo hiperbárico… mas, na prática, ele já se encontra do