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Dança Macabra E Outros Terrores Urbanos
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Dança Macabra E Outros Terrores Urbanos
E-book127 páginas1 hora

Dança Macabra E Outros Terrores Urbanos

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Sobre este e-book

Dez contos que vão do macabro ao sinistro, contando histórias as mais diversas cujo pano de fundo (e principal personagem) é uma antiga e diminuta cidade no litoral oeste da França, chamada Videgarde. Entre jornalistas ambiciosos, geógrafos desaparecidos, matemáticos renomados, meretrizes decadentes - e muitos outros personagens o aguardam, incauto leitor, nesta jornada que percorre desde vielas escuras e mal frequentadas aos luminosos salões desta fatídica cidade!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de ago. de 2021
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    Dança Macabra E Outros Terrores Urbanos - Bruno Oliveira Tardin

    DANÇA MACABRA

    E OUTROS TERRORES URBANOS

    Escrito por Bruno Oliveira Tardin

    2020

    PRELÚDIO AOS TERRORES

    Caim, após o assassínio do irmão e do juízo impetrado por seu Deus contra tal crime, em sua maldita errância buscou refúgio em terras estranhas, e lá honrou as primícias de sua descendência com uma cidade, a ser povoada com o fruto de seu sangue – pastores, músicos, artífices, dentre outros seres de ofícios e ocupações menos ortodoxos.

    Isto digo para mostrar ao leitor que a primeira das cidades nasceu de sangue derramado, ilusões perdidas e desejos proibidos – destarte, toda cidade tem em seu cerne a mesma semente que se aninhava no fruto proibido do Jardim de Deus, que envenenou o coração da humanidade e corrompeu toda criação. As nossas cidades, labirintos modernos onde vagam aqueles que fogem de seus próprios destinos, também são um ventre fértil para tais pulsões escusas e anseios ocultos.

    Videgarde, vale dizer, não foge deste perfil.

    Por muito tempo (um tempo deveras longo e cansativo, devo confessar) me perguntei como apresentaria esta nossa cidade àqueles (felizes sejam vocês!) que a não conhecem. Como eleger, dentre as incontáveis histórias perpassadas nesta famigerada capital do prazer e do mistério, aquelas que melhor representem o zeitgeist1 desta cidade de muitos nomes – A Princesa do Norte, A chorosa, A sereia da Bretanha2...

    Cidade de brumas e delírios!

    Como cativar ao leitor com tal visão, digna das telas de algum sombrio impressionista? Como criar o louvor a algo digno apenas de seus mais tórridos vícios...?

    Escolhi, então, aquelas primeiras histórias que transpus ao papel acerca desta influência caleidoscópica e vertiginosa que Videgarde tem sobre aqueles que com ela se envolvem – estrangeiros foragidos, renomados professores, misteriosas cortesãs, noivas impúberes, incautas anciãs, desde a ébria à ingênua juventude... E agora você, leitor, é convidado a se oferecer como nova vítima desta balada sedutora e fatal que reverbera por todas as ruas desta cidade.

    1 Termo alemão que significa espírito da época ou sinal dos tempos, representando o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo numa certa época.

    2 Região administrativa na região oeste da França, com larga costa litoral entre o Canal da Mancha e o Oceano Atlântico. Sua capital é Rennes, e é uma das grandes províncias históricas da França.

    Uma sucessão inebriante de terrores urbanos – essa é a imagem que se descortina ao longo de toda esta coletânea... Coroada, ao final, com uma história que valsa entre o desejo e o delírio, a paixão e o terror, todos os entalhes e recessos contrastantes que fazem de Videgarde uma cidade verdadeiramente brumal3.

    E, contudo, segundo a boa etiqueta, é de bom tom que o cavalheiro conduza a dança, especialmente quando se trata do próprio anfitrião.

    Sendo este o caso, peço-lhe, prezado leitor – dar-me-ia a honra de guia-lo pelos compassos desta dança macabra?

    Caso não seja de seu interesse, compreendo (e até admiro) sua sinceridade e coragem. A você faço a mesma recomendação feita aos sobreviventes de Sodoma e Gomorra4 – siga o seu caminho, para longe daqui, sem jamais voltar os olhos para trás!

    Caso aceite meu convite... Seja mais que bem vindo. Recebo-o com as mesmas pretéritas e misteriosas palavras com que Videgarde recebe àqueles que se detém à sua entrada, desde tempos imemoriais:

    Venitis Nobis.

    Vinde vós a nós.

    Atenciosamente,

    O Narrador.

    3 Adjetivo referente tanto ao excesso de neblina presente na região quanto a algo que seja melancólico e sombrio.

    4 De acordo com a mitologia hebraica, seriam duas cidades destruídas por Deus com fogo e enxofre caídos do céu, cujos únicos sobreviventes teriam sido Ló e sua família – com a exceção de sua esposa, que, desobedecendo o alerta feito pelos anjos de Deus, olhou para trás durante a fuga da cidade em destruição, tendo sido então transformada em uma estátua de sal.

    HOROLÓGIO5

    PRELÚDIO AOS TERRORES _____________________________________________ 4

    HOROLÓGIO ________________________________________________________ 6

    OFÍCIO DOS MORTOS ________________________________________________ 7

    EX NIHILO _________________________________________________________ 13

    A PARADROMIA DE PAZZI ____________________________________________ 19

    AS JANELAS DO CORPO ______________________________________________ 27

    ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE _______________________________________ 35

    LÁGRIMAS DE AMPULHETA __________________________________________ 43

    CONSPURCAÇÃO ___________________________________________________ 49

    A CRISÁLIDA _______________________________________________________ 54

    O CASO DOS IRMÃOS AUSBORNE ______________________________________ 61

    DANÇA MACABRA __________________________________________________ 71

    5 Forma antiga de relógio, ou ainda uma torre que abrigue um grande relógio. Aqui aparece fazendo as vezes de índice da obra, possível referência ao fato que cada conto presente na coletânea represente um momento específico do dia.

    OFÍCIO DOS MORTOS

    Toda grande literatura é uma de duas histórias: alguém parte em uma jornada, ou um estranho chega à cidade.

    Liev Tolstói

    Liesbeth Protz era uma escritora insatisfeita.

    Recém-chegada, meses atrás, naquela Babilônia da Europa Moderna – termo que usou em seu primeiro editorial de verdade, o qual foi bem recebido tanto por seus leitores quanto por seus superiores do jornal onde, desde então, trabalhava –, a musa temperamental da inspiração parecia haver finalmente abandonado-lhe de todo, e ela encontrava-se drenada de quaisquer ideias que a pudessem salvar daquele bloqueio criativo, às vésperas de seu prazo esgotar-se para a entrega do próximo editorial...

    O trabalho não pagava tão bem quanto os serviços de datilografia que contribuíam para seu (parco) sustento em Videgarde, mas não fora por uma vida estável e de conforto financeiro que ela abandonou a família numerosa nos rincões da baixa Baviera. Seduzida pela promessa de fama e glamour como jornalista livre no Courrier de la Videgarde, ela agora se encontrava no âmago de tudo o que desejava para sua vida... E em meio a uma intensa crise de consciência: passara boa parte daquele profundo e lânguido entardecer abandonada à própria sorte num dos muitos bancos de pedra espalhados pela vastidão da praça nos arredores da Grande Catedral de Nossa Senhora Pasitéia6, sob a luz mortiça do crepúsculo recém-chegado, imersa pela revoada inconstante de fiéis que se apressavam por alcançar os ofícios de fim de tarde, ignorando-a categoricamente como se ela fosse apenas mais uma das peças marmóreas de santos e ícones religiosos na paisagem da populosa praça.

    Não, aquilo era mentira, e ela o sabia bem: havia de fato uma pessoa que deu algum sinal de reparar em sua presença naquele lugar. Ele estivera sentado em um banco próximo ao seu, ocupando-se apenas em alimentar alguns dos pombos que por ali marulhavam em um voo inquieto. Portava-se como que deslocado da população flutuante daquele local, debruçado pensativamente numa das extremidades do banco, 6 Notre Dame Pasithée, do francês: catedral gótica de proporções notáveis, situada no centro histórico de Videgarde, em homenagem a uma santa local, conhecida como Marie Pasithée, ou Maria Sonhadora.

    Poucos documentos históricos existem a respeito da vida e obra desta mulher tida como santa pelos antepassados nativos desta cidade.

    atraindo alguns (poucos) olhares inquietos e desaprovadores do magote de fiéis e pedestres en passant que por ali circulavam.

    O homem tinha a pele escura, de um marrom enodoado e mortiço, cabelos crespos que cascateavam em tranças grossas de sua cabeça angulosa, e olhos profundos e serenos de tonalidade arenosa. Estava vestido de alguns poucos retalhos, e (Lisbeth o imaginava pela reação dos pedestres que passavam próximos a ele) certamente não cheirava nada bem. Mesmo as pombas evitavam aproximar-se demais...

    A frustrada jornalista deixou-se estar assim por algum tempo, entre a admiração e o incômodo daquela cena – certamente aquele senhor era um dos ciganos que, dizia-se, infestavam a cidade desde alguns anos atrás. Distraída que estava, quando Liesbeth deu por si, estava sob o escrutínio do olhar duro e silencioso daquele homem, que a fitava atenciosa e demoradamente (sabe-se lá por quanto tempo, ela pensava consigo).

    Ainda mirando-a com genuíno interesse, o homem caminhou em sua direção, as pombas ainda seguindo o breve rastro de migalhas de um banco ao outro, e sentou-se mais próximo da curiosa e irrequieta jornalista, imediatamente à sua direita.

    Foi então que ela começou a sentir – aquele formigamento nos dedos, aquele cheiro inebriante da novidade no ar, aquelas borboletas se despertando em turbulenta revoada no profundo de suas entranhas... Raramente se enganava quando diante de uma daquelas matérias redentoras, a grande história que a salvaria (ao menos até a próxima coluna a ser escrita), e não achava – ou antes, não queria acreditar – que aquele claudicante senhor não fizesse parte dela. E, Liesbeth o sabia bem, ela não poderia arriscar o desperdício de uma boa história com seu receio ou prudência...

    Ou isso, ou o miasma incômodo que o homem emanava de si começava a incomodá-la com efeito, estando ele agora mais perto de si.

    De qualquer modo, todos gostam de uma matéria social, pensava ela consigo enquanto juntava coragem e organizava palavras para travar conversa com o seu recém-chegado companheiro de banco:

    - Então gosta de alimentar os pássaros? Vai mimá-los, garanto...

    Após tão súbita assertiva, o velho mendigo voltou a fita-la com aqueles olhos penetrantes, e as rugas ao redor deles se articularam na sombra de um sorriso (mas seus

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