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Canção do Além
Canção do Além
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E-book330 páginas5 horas

Canção do Além

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Sobre este e-book

Depois que o bancário Jonathan Ward herda uma antiga mansão, coisas estranhas começam a acontecer. Durante sua primeira noite na propriedade, uma bela jovem aparece na sua porta implorando por ajuda. Segundos depois, ela desaparece.


Aparições estranhas e sons que não parecem pertencer a este mundo começam a surgir, assim como a jovem que sempre parece buscar refúgio. Desesperado, Jonathan recorre ao vasto conhecimento da bibliotecária da cidade em busca de respostas.


Conforme a história sombria da mansão é revelada lentamente, Jonathan começa a perceber a gravidade do horror que está por vir. Será tarde demais para salvar quem ele ama e... a si mesmo?

IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de set. de 2022
Canção do Além

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    Canção do Além - Mark L'Estrange

    UM

    DIAS ATUAIS

    Meryl Watkins carregava uma bandeja de bebidas até uma das muitas mesas que cercavam o palco nos fundos do pub que ela gerenciava com o seu marido Mike.

    O pub estava lotado, mais do que o normal para uma sexta à noite. Meryl atribuiu isso ao fato de que havia nevado na noite anterior, formando uma camada com vários metros de profundidade, e também por que uma vez por mês, uma banda se apresentava ao vivo no pub.

    Naquela noite, um grupo de música folk formado por quatro primos iria se apresentar. Um rapaz na bateria, outro na guitarra, uma garota na flauta e outra em uma segunda guitarra. Essa guitarrista também era a vocalista da banda.

    Essa banda ainda não tinha se apresentado no pub do casal, mas foi bem recomendada por alguns donos de pub que Meryl e Mike conheciam.

    Os primos eram ciganos e faziam shows em vários países e, apesar de nunca terem lançado um álbum, eram sempre convidados para tocar quando estavam na região.

    Meryl voltou rapidamente para o balcão onde já havia pelo menos cinco clientes esperando ser atendidos, além daqueles que seu marido e as duas garçonetes estavam servindo.

    Os músicos já estavam montando os equipamentos no pequeno palco, e as duas garotas já tinham recebido vários assobios de alguns dos homens presentes. Meryl achou que deveria dar algum aviso para eles se comportarem, mas as duas moças pareciam gostar de toda aquela atenção e retribuíram soprando beijos para a plateia.

    O show estava marcado para começar às nove e meia, e um pouco antes do ponteiro grande do relógio chegar no seis, Meryl sentiu o vento gélido entrar quando a porta do pub abriu e um dos seus clientes assíduos entrou.

    O velho vinha todas as noites na mesma hora desde que Meryl podia se lembrar.

    Ele nunca dirigia a palavra a ninguém, a não ser por favor e obrigado na hora de pagar a conta e sempre se sentava no canto mais distante dos outros clientes para saborear sua cerveja em paz.

    Meryl percebeu a expressão chocada no rosto daquele senhor ao perceber como o pub estava cheio. Por alguns segundos, o homem ficou parado na soleira da porta passando os olhos pelo lugar apinhado, e Meryl estava convencida que ele estava considerando voltar para o frio sem as suas duas costumeiras canecas de cerveja.

    Num impulso, Meryl entregou o troco a um cliente e se desculpou com o próximo da fila, enquanto contornava o balcão e segurava o velho pelo braço no momento em que ele se virava para sair.

    O homem virou o rosto em choque e confuso, até perceber quem era aquela pessoa atrevida.

    Meryl abriu um largo sorriso.

    — Hoje está meio cheio, mas tem uma mesa vazia ali nos fundos para o senhor — explicou ela.

    Com isso, conduziu o homem cuidadosamente através da multidão até chegarem à mesa.

    Depois de ele se acomodar, Meryl perguntou:

    — O de sempre, né?

    — Sim, por favor — respondeu ele com um sorriso. Meryl deu um tapinha gentil no braço do homem e voltou para o balcão.

    Depois de servir mais alguns clientes, Meryl foi até a mesa do homem segurando uma caneca de cerveja.

    Ela a colocou na mesa, e enquanto o senhor abria a carteira para pagar, ela tocou a mão dele.

    — O primeiro é por conta da casa — disse com uma piscadela.

    O velho agradeceu e Meryl se retirou para voltar ao balcão.

    A banda se apresentou e começou o seu repertório.

    Eles tocaram uma mistura eclética de músicas, mas em versões no estilo folk ou country que fora prometido. No final do primeiro set, a plateia já havia se juntando a eles, cantando todos os sucessos conhecidos.

    Quando a banda fez uma pausa, uma multidão de clientes se dirigiu ao balcão para pegar mais uma bebida.

    Meryl se dividia entre ouvir e servir os clientes, mas sempre com um olho no velho que estava sentado na mesa do canto. Enquanto ele bebia o último gole de cerveja, ela prontamente começou e encher a próxima caneca.

    Conseguiu abrir caminho no meio da multidão pouco antes de o velho se levantar para tentar ir até o balcão. O rosto dele se iluminou ao perceber que Meryl se aproximava da mesa, afundou de volta em sua cadeira e começou a contar o dinheiro em antecipação à sua chegada.

    — Muito obrigado — suspirou ele. — Eu já estava com medo de enfrentar aquele pessoal todo para chegar até o balcão.

    — Eu não julgo o senhor — respondeu ela. — Ainda bem que estou do outro lado do balcão. Isso aqui está uma loucura hoje!

    O homem balançou a cabeça e entregou o dinheiro para pagar a segunda caneca de cerveja.

    — A banda é muito boa — comentou ele, apontando para o palco vazio.

    — Com certeza. É a primeira vez deles aqui, e não será a última. Que bom que o senhor está gostando do show.

    — Estou gostando muito — disse o velho com um sorriso.

    — Bom, é melhor eu voltar para o balcão antes que comecem um motim! A banda vai voltar em alguns minutinhos para encerrar o show. Espero que o senhor fique até o final.

    — Eu vou ficar, obrigado — disse o homem.

    Após um intervalo de dez minutos, a banda voltou ao palco em meio a aplausos efusivos e mais assobios.

    A vocalista agradeceu a reação do público e, antes de recomeçar o show, levou alguns minutos apresentando os outros membros da banda. A flautista era sua prima e os dois rapazes eram seus irmãos. Todos se mostraram agradecidos pelo carinho da plateia, enquanto cada um era aplaudido à medida que eram apresentados.

    A segunda parte do show foi tão boa quanto a primeira, o público se mostrou igualmente apaixonado pela banda e disposto a participar. Embora o álcool tenha convencido algumas pessoas de que eram afinadas, isso estava longe de ser verdade; mas todos estavam aproveitando muito aquela noite, para Meryl, era só isso que importava.

    No fim da segunda parte do show, a banda largou os instrumentos e tomaram o centro do palco para receber o carinho da plateia que os aplaudia de pé.

    Enquanto o público pedia bis, Meryl tocou o sino para que os clientes fizessem seus últimos pedidos.

    A vocalista olhou para a dona do pub erguendo o dedo indicador como uma forma de perguntar se havia tempo para mais uma música.

    Meryl balançou a cabeça em resposta e começou a organizar uma bandeja de bebidas para quando a banda terminasse.

    — Senhoras e senhores — começou a cantora quando os gritos e palmas silenciaram —, a gente quer tocar a última música de hoje à noite — A plateia vibrou. — Obrigada! — sorriu a garota agradecida — Esta é uma antiga canção de ninar cigana que as nossas mães cantavam pra gente quando ainda estávamos no berço. Espero que gostem.

    Meryl olhou para o velho que estava no canto.

    A caneca dele já estava vazia, então ela decidiu oferecer uma terceira por conta da casa. Muitas vezes, Meryl o observava quando ele vinha ao pub às sextas-feiras religiosamente. Era óbvio que aquele homem não conhecia nenhum dos outros clientes e sempre fazia questão de se sentar o mais longe possível deles.

    O pub tinha a sua cota de velhos solitários, mas todos sempre pareciam ansiosos para aproveitar qualquer oportunidade que aparecesse de se envolver na conversa de alguém – muitas vezes, se metendo num grupo de completos estranhos.

    Em algumas ocasiões, as pessoas deixavam claro que não gostaram daquela intromissão, e Meryl sempre sentia uma pontada de tristeza pelo pobre homem solitário que se afastava do grupo e buscava companhia em outro lugar.

    Mas em todo o seu tempo naquele pub, nunca tinha visto o velho tentando puxar conversa com ninguém, nem mesmo com os funcionários.

    Algumas vezes, Meryl tentou iniciar um diálogo enquanto enchia a caneca de cerveja, e embora sempre fosse muito educado e gentil, o velho senhor sempre conseguia frustrar todos os esforços dela respondendo apenas com monossílabos.

    Enquanto Meryl se aproximava do velho com a terceira caneca de cerveja, a cantora começou sua última música.

    As águas são profundas, mas minha alma anseia voar

    Nas asas de uma águia, não quero mais esperar

    Para a surpresa de Meryl, o homem virou a cabeça de repente em direção ao palco. Seu movimento foi tão abrupto e inesperado que derrubou a caneca vazia na mesa, mas conseguiu agarrá-la antes que tombasse pela beirada e se espatifasse no chão de pedra.

    As mãos do velho começaram a tremer de forma descontrolada, e quando Meryl chegou à mesa dele, se inclinou gentilmente colocando as mãos sobre a dele em uma tentativa de tranquilizá-lo.

    Ao fundo, a voz da cantora ecoava por todo o pub.

    O resto da banda tocava suavemente, como se não quisesse interferir a melodia da cantora.

    Meryl colocou uma nova caneca de cerveja em frente ao homem.

    Quando levantou a cabeça para olhá-la, Meryl viu que lágrimas transbordaram dos olhos dele e haviam deixado rastros idênticos nas bochechas do homem.

    De repente, a mulher sentiu uma vontade quase que irresistível de pôr os braços ao redor dele e dizer que tudo ficaria bem. Mesmo sem ter a menor ideia do que tinha feito aquele homem ficar tão triste.

    Por fim, decidiu que abraçá-lo chamaria muita atenção, e a última coisa que queria era causar mais constrangimento ao pobre coitado, então pegou alguns guardanapos de papel do bolso de seu macacão e os entregou para que o homem enxugasse as lágrimas.

    Engolindo o choro, ele lhe agradeceu por ser tão gentil.

    Meryl se sentiu compelida a ficar ali e descobrir o que havia de errado. Mike sempre a criticava por querer resolver todos os problemas do mundo, mas ela não conseguia se conter. Acreditava que algumas palavras gentis e um pouco de conforto já ajudariam a aliviar a dor do velho, e isso a deixaria mais do que feliz.

    Se sentando à mesa, virou a caneca de cerveja para que a alça ficasse voltada para ele.

    — Essa também é por conta da casa — cochichou ela para não atrapalhar as pessoas que estavam por perto ouvindo a cantora.

    O velho se virou para ela mais uma vez e agradeceu em meio às lágrimas.

    Meryl o observou por um momento.

    Havia algo nos olhos dele que irradiava uma tristeza quase palpável.

    Quando a garota terminou a música, o público a aplaudiu fazendo muito barulho.

    O resto da banda juntou-se a ela para agradecer a todos os presentes, prometendo que voltariam ao pub na próxima vez que estivessem na região.

    Essa declaração foi recebida com aplausos e vivas ainda mais animados.

    Enquanto a banda retirava seus instrumentos, Mike pegou a bandeja de bebidas que Meryl tinha preparado para os músicos. Ela chamou a atenção dele, sinalizando que daria uma pequena pausa.

    Mike entendeu imediatamente, percebendo que a esposa estava, mais uma vez, tentando aliviar os fardos do mundo, e virou os olhos de forma zombeteira.

    Meryl mostrou a língua como resposta, o que o fez rir enquanto chegava ao balcão.

    Em seguida, voltou suas atenções para o homem que estava sentado ao seu lado.

    Ele já havia enxugado as lágrimas, mas seu rosto ficara inchado e avermelhado.

    O velho pôs a mão sobre a boca e pigarreou.

    — Tome um gole — encorajou Meryl, acenando para a caneca que acabara de trazer.

    O velho agradeceu novamente e levou a caneca até os lábios, tomando vários goles.

    Quando a recolocou sobre a mesa, continuou a enxugar os olhos com o guardanapo.

    Ao observá-lo, Meryl teve a impressão de que ele cairia no choro mais uma vez.

    — Tem alguma coisa que está incomodando o senhor? — perguntou ela. — Desgraça compartilhada é desgraça diminuída.

    Por um tempo, o homem olhou fixamente para frente em direção à banda que agora estava sentada em uma mesa próxima ao palco, desfrutando de suas bebidas.

    Depois de um momento de silêncio, o homem respondeu:

    — É aquela música! — anunciou ele.

    Meryl olhou para a banda e depois se virou para seu cliente.

    Demorou um tempo até aquelas palavras fazerem sentido.

    Então, ela pensou que havia matado a charada.

    — Eu entendo. Talvez essa música o faça lembrar de momentos preciosos da sua infância? — perguntou ela, satisfeita consigo mesma por ter conseguido iniciar uma conversa com o homem.

    Para seu espanto, o velho pulou da cadeira quase derrubando a caneca cheia de cerveja.

    — Eu tenho que ir! — disse ele, sua voz começando a falhar como se aquilo exigisse um enorme esforço da sua parte.

    Meryl também se levantou.

    Ela pôde perceber que ele estava passando por alguma angústia e não conseguia deixar de pensar que de alguma forma, aquilo era sua culpa, embora não pudesse apontar uma causa.Meryl observou enquanto o velho remexia os bolsos para garantir que estava com todos os seus pertences antes de sair.

    Embora estivesse de costas para ela, Meryl podia ver que o homem ainda estava enxugando os olhos, então suspeitou que uma nova onda de lágrimas estava se formando.

    Por ela estar bloqueando a sua passagem em um dos lados, o velho tentou passar entre a mesa e a parede, mas o espaço era apertado demais e ele acabou batendo com a perna na borda da mesa.

    A sua tentativa de fuga fracassada só o deixou ainda mais agitado, e quando se virou para sair, deu de cara com Meryl ainda bloqueando o seu caminho. A sua frustração fez com que mais lágrimas escorressem pelo rosto.

    Apesar de Meryl ouvir a voz de Mike dentro da cabeça pedindo para que ela não se metesse, decidiu que não poderia permitir que o homem saísse naquele estado. E mais do que isso, não queria se sentir responsável por fazê-lo sair correndo do pub, escorregar no gelo a caminho de casa e acabar sofrendo um acidente.

    Se preparando psicologicamente, Meryl pôs a mão no ombro do velho e abriu um sorriso tranquilizador.

    — Pode me dizer o seu nome?

    Aquela pergunta o pegou de surpresa e, por um momento, ele pareceu acalmar-se.

    — É Jonathan. — respondeu ele, gaguejando um pouco como se estivesse tentando forçar as palavras a saírem — Jonathan Ward.

    — Meu nome é Meryl Watkins, e aquele homem atrás do balcão é o meu marido Mike. — Estendendo a mão, ela continuou — Receba as nossas boas-vindas oficiais, e me desculpe por não termos nos apresentado antes.

    Jonathan Ward segurou a mão de Meryl, quase que por instinto, e a apertou delicadamente.

    Embora há poucos segundos estivesse com a intenção de sair daquele pub o mais rápido possível, não podia ser mal-educado e recusar o aperto de mão da dona do estabelecimento.

    Os dois apertaram as mãos e o velho pareceu relaxar durante o esse gesto.

    Convencida de que alcançara o efeito pretendido, Meryl indicou que Jonathan voltasse a se sentar.

    O pub estava começando a esvaziar, a maioria dos clientes já tinha terminado suas bebidas e saía para enfrentar o ar frio noturno.

    Com alguma hesitação, Jonathan acabou cedendo à sugestão de Meryl.

    Uma vez que ambos estavam acomodados, Meryl falou:

    — Eu lamento muito se o aborreci, Jonathan. Não foi minha intenção.

    O homem balançou a cabeça.

    — Por favor, não se culpe. Não tinha como você saber — tranquilizou ele.

    Olhando por sobre os ombros dela, Jonathan observava a banda de ciganos que ainda estava saboreando suas merecidas bebidas.

    Ele voltou sua atenção a Meryl.

    — É aquela música, sabe? Faz cinquenta anos que eu não a ouvia, e esperava nunca mais ouvi-la novamente!

    Ela ficou confusa com aquelas palavras, e sua expressão demonstrou esse fato.

    Meryl estava morrendo de vontade de pedir ao velho que explicasse, mas se controlou, ciente de que já o havia incomodado o bastante naquela noite e não queria repetir a experiência.

    Por fim, decidiu por não o fazer.

    O homem podia ver a perplexidade gravada no rosto dela. Somada a isso, a bondade que aquela mulher mostrara lhe deu forças para enfrentar algo que o perseguira durante a maior parte da sua vida adulta.

    Naquele momento, Jonathan decidiu que tinha chegado a hora de pôr um fim aos seus demônios.

    De uma vez por todas!

    DOIS

    Assim que Jonathan informou Meryl que decidira confiar nela para contar sua história, a dona do pub pediu licença para se servir de uma bebida, se despedir dos seus funcionários e agradecer aos músicos por fazerem um show tão maravilhoso.

    Nervoso, ele deu um gole na cerveja e observou enquanto Mike conduzia os funcionários para fora do pub e trancava a porta atrás dele.

    A banda terminou suas bebidas e foi até o balcão depositar os copos vazios.

    Enquanto Meryl os acompanhava até a porta, Jonathan chamou a vocalista.

    — Moça! — falou ele, levantando-se — Posso dar uma palavrinha com a senhorita antes de ir embora?

    A garota sorriu e foi até a mesa do velho, seguida pelo resto da banda.

    — Claro. O que eu posso fazer pelo senhor? — disse ela, animada.

    Meryl suspeitou que Jonathan estava prestes a perguntar à jovem cantora sobre a última música, então voltou e se pôs ao lado do velho.

    Era visível que Jonathan estava tremendo e tentava parecer firme ao se segurar no encosto da sua cadeira, mas Meryl pegou no braço dele e insistiu que o homem se sentasse antes de começar a falar, então ele concordou e retornou ao seu assento.

    — Eu estava pensando sobre aquela música que cantou no final do show. A senhorita mencionou que sua mãe cantava para você quando era um bebê.

    — Isso mesmo. Ela é bem comum entre os ciganos, geralmente é a primeira música que aprendemos na vida. Por que a pergunta? O senhor já a ouviu antes?

    Jonathan esfregou as mãos como se tentasse afastar o frio noturno, apesar de o pub estar bastante quente naquele momento. A lareira que Mike passou a noite inteira reabastecendo com lenha ainda estava acesa.

    Quando abriu a boca para responder, as palavras ficaram presas na garganta. Jonathan desviou o rosto e levou a mão a boca para pigarrear mais uma vez.

    Ao se virar de novo, Meryl estava segurando a sua caneca de cerveja como se o estivesse encorajando a tomar um gole antes de continuar. O velho agradeceu e bebeu por alguns segundos antes de recolocar a caneca na mesa.

    A jovem cantora se inclinou sobre a mesa e pousou a mão na manga de Jonathan.

    — Sinto muito — disse ela com suavidade — Eu não queria deixá-lo chateado.

    Ele fez um gesto com a mão sinalizando para que a moça não se preocupasse.

    — De jeito nenhum, minha jovem — respondeu ele — Eu não fiquei chateado. É que... — Jonathan parou de falar de repente como se estivesse buscando as palavras certas.

    Ele se virou para Meryl como se estivesse em busca de apoio.

    Ao perceber o desconforto do homem, ela decidiu intervir.

    Meryl pediu ao marido para buscar uma rodada de bebidas para todos e convidou os músicos a se sentarem.

    — Fiquem à vontade — sugeriu ela — Vamos ficar aqui por um tempo e ter uma conversa informal entre novos amigos e adiar o nosso encontro com o frio lá fora.

    Enquanto Mike pegava as bebidas e os músicos se acomodavam, Meryl aproveitou a oportunidade para sussurrar no ouvido de Jonathan, apenas para ter certeza de que estava confortável em contar a história para todos.

    Ela começou a sentir uma pontada de culpa por tê-lo colocado naquela situação, ainda que tenha sido o próprio Jonathan que convidara os membros da banda a se juntarem a eles.

    Apesar das provocações do seu marido, Meryl não era de se intrometer nos assuntos das outras pessoas. Porém, tivera a nítida impressão de que aquele homem carregava um grande fardo e que precisava desesperadamente desabafar.

    Assim que Mike trouxe as bebidas e todos se sentaram, Meryl pegou seu copo.

    — Saúde, pessoal! — e o ergueu para os outros se juntarem ao seu brinde. Feito isso, todos tomaram um gole.

    Jonathan sabia que aquele grupo queria ouvir sua resposta para a pergunta da jovem cantora, então decidiu que era melhor falar de uma vez, sem pensar demais. Caso contrário, poderia acabar desistindo, e uma parte dele já havia decidido que chegara a hora de contar a sua história.

    Respirando fundo, ele começou a falar.

    — Minha jovem, a senhorita me perguntou se eu já tinha ouvido aquela música antes...

    — Meu nome é Melissa — informou a moça, e se virou para o resto da banda — e estes são Julie, Fred e Barry.

    Todos eles acenaram com a cabeça e Jonathan retribuiu.

    Com a voz muito baixa, como se temesse que alguém do lado de fora pudesse ouvi-lo, o velho continuou:

    — A questão é que a muitos anos atrás, muito antes de qualquer um de vocês nascer, passei por uma experiência terrível que vai me assombrar pelo resto dos meus dias.

    O grupo trocou olhares após aquela revelação.

    As expressões nos rostos mostravam um misto de choque e expectativa.

    Por fim, Melissa falou:

    — E o que o senhor passou tem a ver com a música que tocamos no final do show? — perguntou ela com curiosidade.

    Jonathan fez que sim com a cabeça.

    — Eu sei que deve soar ridículo que uma música tão bonita me cause tanto sofrimento, mas se me permitir explicar as circunstâncias, então talvez entenda por que as lembranças que ela me traz são tão perturbadoras.

    — É claro — respondeu Melissa tranquila. — O senhor nos deixou bem curiosos.

    Todos os presentes pareceram concordar com a afirmação da garota.

    Naquele momento, o velho sabia que não podia mais voltar atrás, embora esse pensamento lhe causasse um arrepio na espinha, se sentiu na obrigação de contar sua história.

    Jonathan pensou por um tempo, imaginando qual seria a reação de todos, dadas as circunstâncias, se contasse seu relato sobre o que havia acontecido a tantos anos trás.

    De qualquer maneira, ele já estava no fim da vida mesmo...

    A morte era só uma questão de tempo, e tem sido dessa forma por tantos anos que ele mal conseguia se lembrar.

    O homem esfregou os olhos com o polegar e o indicador, como se quisesse espantar qualquer dúvida que o estivesse impedindo de falar.

    Ele estava pronto!

    — Eu não sei nem como começar — disse ele, quase que de forma retórica sem olhar para ninguém em particular. — Não quero aborrecê-los com a história da minha vida, vocês sabem como alguns idosos adoram ficar divagando sobre os velhos tempos e o que fizeram ou deixaram de fazer na vida.

    Levantou o rosto e se sentiu encorajado pelo fato de que todos pareceram achar graça da sua declaração.

    — Eu conheci a minha esposa Jenifer no fim dos anos 1960 em um festival de música, se é que dá para acreditar. Era verão e aconteceu em um campo bem grande, todos tiveram que trazer suas barracas e sacos de dormir, a menos que não se importassem em dormir no chão sob as estrelas.

    Era a época do Poder das Flores e do amor livre, muitas pessoas estavam experimentando maconha e outros tipos de drogas recreativas.

    Ele parou por um momento e olhou para frente.

    — Eu não fiz isso, era muito chato e certinho para esse tipo de coisa.

    Todos riram em resposta.

    — Na época — continuou ele —, eu trabalhava em um banco na rua principal da cidade, então não podia me deixar levar demais. Antigamente, você podia ser demitido do emprego por qualquer bobagem, se fosse considerado um comportamento impróprio pelos seus patrões. Principalmente se trabalhasse em uma organização tão conservadora quanto a minha.

    "Eu me lembro do segundo dia de festival. O tempo estava muito quente e, como muitos que estavam lá, me vi completamente envolvido pela atmosfera romântica daquele espetáculo.

    "Algumas bandas varavam a noite tocando, e se você tirasse um cochilo, acordava com o som das músicas.

    "Havia caravanas e barracas vendendo peixe com batatas fritas, cachorro quente, rosquinhas, algodão-doce e todo tipo de guloseimas. O ar naquele campo estava sempre perfumado com o cheiro de comidas deliciosas, o que deixava todos com água na boca mesmo que não estivessem com fome.

    "Nunca vou me esquecer da primeira vez que vi minha esposa. Era fim de tarde no segundo dia de festival e, de repente, o mundo inteiro pareceu parar quando avistei aquela mulher linda passando. A beleza dela era cativante. Ela tinha o rosto de um anjo e a sua pele parecia porcelana, mechas louras brilhantes desciam em cascata sobre os ombros. Por um momento, não conseguia mais ouvir a música, os gritos e as pessoas cantando ao meu redor, parecia que o ar havia sido sugado do meu corpo.

    "Eu me virei para vê-la passar e, naquele instante, me senti compelido a segui-la aonde quer que ela fosse. Tenham em mente que eu não tinha ideia do que faria quando aquela mulher chegasse ao seu destino. Nunca fui o tipo de pessoa que se sentia à vontade em chegar em uma garota e puxar conversa, principalmente se fosse tão bonita quanto ela. Mas algo me fez seguir em frente. Alguma coisa me disse para persistir e deixar que o destino tomasse seu curso. E assim foi.

    "A maneira como ela atravessava aquela multidão com tanta graça e elegância era completamente oposta à minha tentativa desajeitada de segui-la sem parecer tão óbvio. Perdi as contas de quantas vezes tropecei e quase caí por cima das pessoas que estavam namorando no chão. Ainda bem

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