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Lembra-me de Esquecer
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Lembra-me de Esquecer
E-book354 páginas5 horas

Lembra-me de Esquecer

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Sobre este e-book

A família significa tudo para Pam Aulsebrook. E quando ela é arrancada das garras da sua família durante a guerra, ela faz tudo para voltar para onde pertence. Sem a família ao seu lado, a segurança não significa nada. Arriscando tudo, Pam foge e volta para casa.

Conhecer Paul Konieczny, um soldado polaco, vira o mundo de Pam de pernas para o ar. De repente, há uma nova razão para viver, amar e permanecer vivo. A pedido do marido, eles viajam juntos para uma Polónia devastada pela guerra, mas, à sua chegada, nada acontece conforme prometido. Agora, com a sua vida em risco, Pam deve tentar deixar a Polónia. Poderá Paul cumprir a sua promessa mais sagrada: levar Pam para casa e, eventualmente, juntar-se a ela em segurança?

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento1 de mar. de 2020
ISBN9781071533154
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    Lembra-me de Esquecer - laurence fisher

    Lembra-me de esquecer

    Laurence E. Fisher

    Para Pam.

    Para Paul, Peg e Lily.

    Sufocamos com o que fica por dizer e desabamos com o que fica por fazer: esta é a nossa punição.

    J. Marcinkevicius, Lituânia.

    Prólogo

    As irmãs caminhavam junto a mim, uma de cada lado; Monika alta e magra, Kasia mais baixa, mas igualmente adorável. Subimos vagarosamente a colina, a conversar, desfrutando do bom tempo. Poucas nuvens interrompiam o azul claro do céu. Um vento quente soprava no meu rosto, trazendo consigo o aroma de flores e alegres gritos de crianças. Assim que passámos a igreja, Kasia segurou-me no braço.

    — Cá está. É esta.

    Era a casa onde Paul e Pam haviam morado, depois de terem vindo de Inglaterra.

    O edifício era grande. O telhado vermelho parecia original, a chaminé central preta com pó de carvão. As janelas estavam dispostas simetricamente, e veio-me à mente que cada compartimento devia ter abrigado uma família inteira naquela época. Havia um pequeno jardim, uma cerca de madeira verde a cair aos pedaços, e minúsculas flores brancas a rebentar na fachada de betão cinzento.

    — Podemos dar uma olhadela lá atrás? — Perguntei.

    A entrada comum situava-se na parte de trás do edifício. Aqui, as janelas do lado esquerdo estavam cobertas de tijolos. O edifício parecia de repente muito mais antigo.

    Permanecemos no pátio, as irmãs agora em silêncio e a tirar fotos. Não reparei quando a idosa apareceu e fiquei surpreendido quando ela se aproximou. Era pequena, o cabelo branco de nicotina curto e desgrenhado. O seu vestido de verão já tinha visto melhores dias. Fiquei até surpreendo quando ela começou a falar comigo, mas eu não conseguia entender uma única palavra. Foi Monika quem traduziu.

    — Eu sei quem tu és. És o filho de Pameli, eu reconheço-te. Eu sempre vivi aqui e lembro-me dela. Uma mulher pequena.

    Monika disse-me para lhe mostrar a foto e eu rapidamente procurei na minha mochila. A mulher olhou para a preciosa imagem, mas não fez nenhuma tentativa para lhe pegar. Fiquei satisfeito com isso, já que não queria danificar a fotografia por nada deste mundo. Ela tinha de chegar a casa intacta.

    — Pequena. — Ela estendeu a mão e colocou-a ao nível do meu ombro. — Dava por aqui. Todos nos lembramos dela. Lamentamos muito por eles, por aquilo não ter resultado. Ela não estava bem e não tinha com quem conversar. Todos nos lembramos dessa história de amor verdadeiro.

    Fiquei espantado – tinham-se passado perto de cinquenta anos desde que a minha mãe, Pam, residira na aldeia. Agradeci à mulher e apertei-lhe a mão. Prosseguimos pela estrada em direção ao cemitério. Era hora de procurar a lápide.

    Capítulo Um

    Ela observava o exterior com olhos mortiços através da única janela da sala. Tudo tinha sido uma mentira: todas as promessas, esperanças e sonhos. Uma mentira que os levara para a Polónia através do peso da saudade que o marido sentia de casa. Pam estendeu o braço e tocou com as pontas dos dedos no frágil painel de vidro, mal registando a queimadura provocada pela gélida camada de gelo. Pressionou a palma da mão contra a superfície áspera. Do lado de fora, podia ouvir o zumbido sinistro da roda do poço abastecendo mais homens na terra negra. Os pingentes de gelo tornaram-se maiores, obliterando a faminta luz do dia, e pareciam barras de prisão.

    Ela virou-se lentamente, ansiando por uma mudança no seu entorno, mas nada estava diferente. Atravessou a sala com apenas oito passos. O fogão de antracite permanecia à espreita no canto, pouco ou nada quente, as suas três pernas de ferro encardidas pelo tempo. O único bule, amolgado e muito usado, esperava ser aquecido, mas pelo menos agora Paul recebia um magro subsídio para combustível proveniente da mina onde trabalhava. Um balde de latão estava no chão, intocado desde que ela lavara o soalho de madeira, que parecia estar de novo sujo, manchado de negrume, e ela precisaria de o esfregar novamente antes que o marido regressasse do seu turno. Pam não conseguia livrar-se do odor de pó de carvão da sala e estava a acostumar-se a isso, à sua nova casa em Ul. Rzodeczki, Pszow, na Polónia. A Inglaterra parecia um outro mundo, uma outra vida, distante.

    Tinha-lhes sido atribuído uma casa num complexo habitacional partilhado, onde residiam oito famílias em quatro andares. A lavandaria ficava no andar de cima, o estendal de cordas gasto perto do teto baixo e acima de uma única torneira e pia. Havia uma fila de sanitários na parte de trás da casa, composta por uma linha de assentos de madeira, estrategicamente posicionados sobre enormes buracos. Era óbvio que estes eram apenas esvaziados em raras ocasiões, e o odor que emanava garantia que todas as visitas fossem mantidas tão breves quanto possível. Pam havia aceitado a ausência de papel higiénico e tiras finas de jornal antigo eram ali mantidas em sua substituição.

    Ainda não conhecera os seus vizinhos, que se esforçavam ao máximo por os evitar. Pam não podia deixar de notar o modo como as pessoas a estudavam, a ela e a Paul, com um ar acusador e desconfiado, sempre imaginando que tipo de pessoa escolheria deixar a rica Inglaterra e mudar-se para ali. A intensidade da desconfiança revelada nos olhares deixara-a inquieta, e ela permaneceu grata à velha senhora do andar térreo que lhe oferecera a sua amizade.

    Tinha havido uma manhã, não muito depois da mudança, em que ela estava a ter problemas com a torneira da lavandaria. Por mais que tentasse, não saía água alguma. Roupas molhadas escorriam do estendal até ao seu rosto e cabelo, por isso ela sabia que a torneira funcionara ainda há pouco para outra pessoa.

    Tak, pani[1]? — Uma voz fez com que se sobressaltasse. Um tipo de voz inconfundivelmente gentil.

    Pam virou-se para ver uma mulher idosa que entrara silenciosamente no compartimento. Usava um longo xale preto e lenço na cabeça, que não escondia a pobreza das suas roupas. Tinha os olhos grandes, que brilhavam atentos por entre as rugas pronunciadas do seu rosto, mas foi a sua maquilhagem que mais captou a atenção de Pam. Tinha o rosto pintado de branco, à exceção das faces que ostentavam um vermelho vivo, e por baixo do lenço escapava-se uma voluptuosa peruca negra que parecia ser feita de lã.

    Tak pani? — A idosa estava a fazer uma pergunta.

    — Lamento — explicou Pam. — Não entendo muito o polaco, mas a torneira está avariada. — Ela gesticulou para a pia. — Nie wode. Não há água.

    A idosa aproximou-se a coxear e sorriu.

    Tak. — Ela apontou com um dedo artrítico para a janela, para o gelo e, de repente, Pam compreendeu.

    — Estou a perceber. Está congelada. Mas como conseguir água. Wode?

    A mulher aproximou-se devagar, segurando as mãos de Pam nas suas. Olhou fixamente para os belos olhos da estranha e, depois de uma longa pausa, acenou com a cabeça; pareceu satisfeita com essa inspeção e sorriu novamente.

    — Vem comigo. — Falou pausadamente, usando palavras simples que Pam podia entender. — Vou levar-te, para água. O meu nome é Lucia.

    — Eu sou Pam. Obrigada. — Pam sentiu-se à beira das lágrimas. Foi a primeira vez que alguém, para além da família de Paul, falou com ela.

    As duas mulheres desceram cuidadosamente os degraus irregulares de pedra que conduziam à rua, onde o frio as comprimia como um punho cerrado. Nuvens escuras corriam através de um céu pálido, e o pó da mina fazia com que Pam estivesse sempre a coçar o nariz. Lamentava o facto de se mover tão devagar, arrastando-se desajeitadamente ao lado de Lucia, tendo rapidamente descoberto que a única maneira de se aquecer em Pszow era caminhar rapidamente. Desta forma, ela podia caminhar apressadamente pela aldeia sem cor com o rosto voltado para o chão. Podia evitar os olhares acusadores dos moradores locais e era capaz de fingir que estava em outro lugar. Em qualquer outro lugar. Durante os poucos minutos da sua caminhada, gostava de imaginar que estava de volta a Folkestone, a regressar a casa, com a mãe e a irmã à espera para a receberem. O jantar estaria pronto e a irmã teria preparado um bule de chá acabado de fazer. Ela temia não voltar a vê-las, uma perspetiva que a aterrorizava.

    O gelo cinzento e sujo cobria todas as superfícies, um tecido de fuligem e as botas das mulheres esmagavam-no ruidosamente. A respiração de Pam emergia como um colar de pérolas no ar poluído pelo fumo, enquanto ela se concentrava em manter o equilíbrio. Lucia subiu a colina íngreme em direção à igreja, e Pam ficou feliz por os habitantes verem que nem todos a ignoravam. Continuava a sentir uma imensa gratidão pela gentileza da idosa e ofereceu-lhe a sua mão como ajuda.

    Nie. Nie. — respondeu Lucia a rir. — Eu sou forte!

    Foi Pam quem quase caiu, pois os dedos dos pés rapidamente ficaram dormentes com o frio. Contornaram a igreja, virando à esquerda depois da casa da irmã de Paul, Anna. O fumo subia vagarosamente pela chaminé e Pam ergueu os olhos para a janela, mas não havia ninguém à vista. Lucia levou-a ao longo da estrada até um poço, localizado ao lado do cemitério.

    — Lugar muito importante, pani — explicou ela à inglesa. — Muito importante.

    Ela ajudou Pam a tirar a água do poço para o balde, tomando cuidado para não a derramar e desperdiçar. No momento em que voltavam para Ul. Rzodeczki, a água havia solidificado e o balde estava mais pesado. A idosa parou de andar e Pam ficou satisfeita por poder descansar. Poisou o balde no chão quando Lucia apontou para os sanitários atrás do edifício.

    Pani, olha! —ordenou. Depois explicou, usando palavras e gestos, que, durante a guerra, se os soldados russos não conseguissem impor-se às raparigas polacas, empurravam-nas de cabeça naqueles buracos.

    — Não eram os alemães, Lucia? — Perguntou Pam.

    Nie. Nie Os russos! Duas vezes, fui eu — resmungou ela. — Animais! Mas devias ter-me visto naquela época, pani. Eu era linda, assim como tu.

    Regressando ao seu quarto, Pam tirou as botas e caiu pesadamente na cama. Pelo menos tinham conseguido trazê-la de Inglaterra, pensou, e o guarda-roupa, que eram presentes de casamento da sua mãe. Depois da chegada deles, a irmã de Paul informara-os de que tinha sido um erro trazer móveis para o país, onde eles eram baratos devido ao facto de haver muitas florestas. Se tivessem enchido as suas malas com café e pimenta, dissera, então eles seriam ricos. Paul reclamou que ela podia ter-lhes dito aquilo antes de terem saído de Inglaterra, mas Pam sentia-se satisfeita por ter podido manter alguma coisa da sua vida anterior e mais feliz. A mobília tinha chegado intacta e tinha sido entregue no quarto antes de se mudarem.

    Aposto que teriam confiscado qualquer outra coisa, pensou ela, lembrando-se das muitas inspeções efetuadas às bagagens. Esticou-se na cama, enterrando o rosto na almofada, enquanto lembranças espontâneas e incontroláveis se transformavam em bolas de neve. Pam pensou na casa de campo nos arredores de Gillingham, que havia sido o primeiro lar deles. Eles viviam numa cidade sem família, com poucos visitantes, e funcionava como um casulo do mundo exterior. Aqui, eles estavam seguros e protegidos, capazes de amar sem serem incomodados e não queriam mais nada. Seis anos haviam passado, até que Paul finalmente recebera notícias de Anna.

    Pam sentiu-se feliz por poder dormir na sua própria cama. Era confortável e muito melhor do que quando tinham precisado de ficar na casa da irmã de Paul. Ela recordou-se das muitas horas que passara deitada ao lado do marido, feliz, antes de terem saído de Inglaterra. Pam fechou os olhos com força e começou a rezar. Pediu força, pediu um fim para a sua solidão agonizante, um fim para as lágrimas polacas que caíam como chuva.

    Os pingentes de gelo continuavam a engrossar, fazendo com que a sala mergulhasse numa obscuridade cada vez mais intensa. Paul avisou-a para ter cuidado quando o degelo da primavera chegasse, para se manter afastada dos edifícios no exterior. Todos os anos, havia mortes causadas pelos sincelos afiados que tombavam das alturas.

    Agora, ela mal conseguia recordar a alegria no rosto do marido quando haviam chegado a Pszow. Ao saírem do autocarro proveniente de Cracóvia, e ao escutar a porta a fechar-se, ela sentiu como se portões gelados estivessem a fechar-se atrás dela, dos quais não poderia haver escapatória. Paul estava demasiado entusiasmado para reparar no estado de espírito dela, batendo com as luvas uma na outra com uma alegria indisfarçada.

    — Estamos em casa! Estamos finalmente em casa, Pam! — Ele rira, cingindo a esposa firmemente contra ele. Não havia outros passageiros, e ela conseguira conjurar um sorriso. — Eu vou buscar ajuda. Anna mora aqui perto. Espera-me aqui com as malas, não demoro!

    Ele afastou-se a correr, sem olhar uma única vez para trás. O autocarro começou a afastar-se ruidosamente, como um idoso que se esforçava por respirar, e Pam ficou numa obscuridade súbita. Estrelas azuis frias brilhavam num céu desconhecido. Ela podia distinguir formas e sombras vagas em seu redor, nada definido, e isso agia para aumentar o seu desconforto. Um ruído fê-la dar um pulo e ela girou sobre si mesma, quase perdendo o equilíbrio, mas não havia ninguém à vista. O ar gélido causava-lhe dores ao respirar e ela pensou que podia sentir o cheiro de algo queimado, causando-lhe um aperto no peito. Pam sentiu uma desolação e um vazio fluindo profundamente dentro dela. Nunca se sentira tão terrivelmente sozinha.

    — O que é que eu fui fazer? O que é que eu fui fazer? — Repetia as palavras sem emitir um som, somente os seus lábios se moviam para dar vida a este pensamento. Uma luz cintilou brevemente no edifício em frente, o vislumbre de um rosto apareceu na janela, apenas olhos e dentes, mas rapidamente desapareceu. Pam estremeceu e bateu com os pés no chão. Sentou-se na mala maior. Outra luz piscou, e depois nada. Obscuridade.

    Pensou ter ouvido vozes, mas nenhuma alma se materializou na noite. Nenhum som perturbou o terrível silêncio e ela levantou-se, começando a caminhar em círculos por entre as malas na tentativa de se manter quente. Nunca sentira tanto frio em toda a sua vida. O inverno na Inglaterra nunca fora tão rigoroso quanto aquele.

    Pam bateu com firmeza os pés na crosta de gelo que cobria o chão. O que estaria a sua mãe e a sua irmã, Peg, a fazer aquele momento, interrogou-se. Estariam seguras e bem? Estariam a pensar nela? Elas haviam tentado impedi-la de partir, e ela agora temia que as suas preocupações pudessem ser bem fundamentadas. Mas, afinal, Paul era o seu marido. Oito anos juntos tinham de contar para alguma coisa, e eles continuavam muito apaixonados.

    Ela recordou-se do dia do casamento deles, pois havia sido numa manhã fria de dezembro. Parecia positivamente uma manhã tropical em comparação com o frio gelado que agora experimentava. Ele estava tão bonito, vestido com um fato, os seus cabelos escuros bem penteados. Os olhos verdes de Paul brilhavam com orgulho e a promessa do amor; ela sentira-se tão feliz. Pam usava um fato azul, uma tiara de rosas a embelezar-lhe os cabelos. Recordava-se de ter ficado com os pés juntos para a fotografia, conforme as instruções da sua mãe, e sentiu-se agradada por ter podido enlaçar o seu braço no dele. Permaneceram enlaçados para todo o sempre; A alegria de Pam estivera perto de explodir do seu corpo, de banhar a sala em confetes de felicidade.

    Paul não conseguira tirar o sorriso do rosto durante todo o dia e ela sorriu com a lembrança disso. Uma mão agarrou-lhe no ombro e ela gritou em choque repentino.

    — Não! Não!

    — Está tudo bem, Pam. Somos nós. Estamos de volta.

    Ela virou-se para ser saudada com o mesmo sorriso que iluminava as feições do marido. Ao lado dele encontrava-se um homem pequeno e de aparência sólida, com uma expressão indecifrável no rosto.

    — Este é Pawel — disse Paul —, marido de Anna. Ele veio ajudar-nos com as malas.

    Pawel assentiu brevemente, e logo se inclinou, juntando as alças de duas malas nas suas mãos grossas semelhantes a uma pá. As suas feições pareciam largas e grosseiras, a pele pálida, mas Pawel estava a desaparecer rapidamente antes que ela pudesse estudá-lo melhor.

    — Anda, não é longe! — Eles pegaram numa mala restante cada um. — Estamos de volta! Vais conhecer toda a gente agora. Estou tão feliz. Acabei de ver Anna e ela não mudou nem um pouco.

    Foi difícil acompanhar o ritmo de Pawel, que avançava decididamente em frente. As botas de Pam não paravam de escorregar na superfície dura e congelada, mas o polaco não parecia ter tais problemas.

    — Como é que ele caminha tão depressa, Paul? — Perguntou ela ao marido.

    — Tem umas boas botas. Muito melhores dos que as nossas botas inglesas.

    Do pouco que Pam podia distinguir, a estrada era acidentada e estreita. Prédios residenciais de três e quatro andares erguiam-se como linhas retas na obscuridade, as fachadas de betão cinzento sem rosto em nítido contraste com as que ela notara na elaborada Cracóvia. Passaram por uma igreja à direita, que era surpreendentemente grande. Todas as janelas estavam encobertas e escuras. A estrada começou a subir acentuadamente, fazendo com que Pam deslizasse e ficasse bastante mais atrás dos homens.

    Forçou-se a caminhar mais depressa e viu Pawel desaparecer atrás de uma das casas. Paul seguiu-o e ela tentou correr, não querendo ser causadora de nenhum atraso, mas isso era impossível. Imediatamente, perdeu o equilíbrio, escorregou e estatelou-se no chão. Levantou-se e caminhou lentamente para a parte de trás do prédio, onde os dois homens a aguardavam. Junto a uma larga umbreira de pedra, eles bateram com os pés no chão para sacudir o gelo das botas. Pawel afastou-se para permitir a entrada de Pam. Ele murmurou alguma coisa para Paul antes de começar a subir a escada.

    — Cá estamos, Pam. Chegámos. O apartamento fica no último andar — traduziu o marido. Ele virou-se abruptamente e correu para alcançar Pawel.

    Pam fez uma pausa e respirou fundo. Finalmente, a viagem terminou, e ela tentou invocar o pouco que restava das suas forças. Desde a sua chegada a Gdynia, tinham sido necessários sete dias de viagem pela Polónia para chegarem ali. Haviam sofrido longos e repetidos questionamentos, juntamente com viagens de comboio lentas e desconfortáveis. Houve muitas esperas em plataformas de estações dolorosamente gélidas, e ela sentiu que jamais conseguiria voltar a aquecer-se. Ela esperava ainda ter um aspeto apresentável, que conseguisse causar uma boa impressão junto da família de Paul.

    Lenta e deliberadamente, começou a subir as escadas. Os homens iam muito à frente dela, e Pam conseguia distinguir os seus passos abafados. Os degraus de madeira estavam desgastados por longos anos de uso e, mais uma vez, ela debateu-se para permanecer em pé. Agarrando-se ao corrimão de ferro em busca de apoio, o frio do metal perfurou-lhe os dedos enluvados. Ela tropeçava com frequência, ofegando para respirar o ar húmido e cediço. Não havia luz para lhe guiar o caminho.

    Chegando ao topo do patamar, os dois homens ficaram novamente à espera do lado de fora de uma porta de madeira escura. Pawel olhou na sua direção e assentiu brevemente, antes de se mover para destrancar a porta. Manteve-a aberta para que ela entrasse, ainda segurando uma das malas, e Pam entrou num fulgor súbito para, num instante, deixar a frieza para trás.

    Uma mulher grande e roliça, enrugada como uma ameixa, soltou um brado de alegria do lado oposto da sala. Usava um vestido simples de riscas castanhas e pretas, cuidadosamente abotoado à frente. Todo o seu rosto se enrugou enquanto batia palmas de excitação, profundas linhas de riso a formarem-se nos cantos dos seus olhos.

    — Pameli, Pameli. — Ela correu para a inglesa, abraçando-a com força. Os seus cabelos negros, amarrados sensivelmente num coque, foram empurrados contra o rosto de Pam, cheirando a pétalas de rosa. — Pameli, Pameli. — Ela afrouxou um pouco o abraço, antes de apertar as mãos de Pam, estudando o seu rosto intensamente, enquanto continuava a tagarelar em polaco. Pam notou a sombra escura visível acima do seu lábio superior, e havia algo familiar nos seus olhos claros e inteligentes que só podiam pertencer à irmã de Paul.

    Czesc[2], Anna. Olá. — Pam tentou falar a língua deles, fazendo com que Anna rugisse de prazer.

    Czesc, Pameli. Czesc. — Ela acenou com a cabeça, em aprovação, e continuou a falar alegremente. Falou tão rapidamente que Pam não conseguiu entendê-la.

    — Oh, céus, Paul. — Ela virou-se para o marido. — Eu não consigo falar com ela, apenas sorrir.

    Paul traduziu aquilo para a irmã, que acenou com a cabeça vigorosamente, as palavras continuando a sair da sua boca.

    — Ela disse que está tudo bem, Pam. Sorrir é importante. Ela gosta de ti. Ela acha que és adorável e muito bonita, exatamente o que ela esperava para o irmão. — Ele beijou a esposa na face enquanto Anna agora gesticulava para que Pam se sentasse. — Ela gostaria de te fazer um chá. Ela acha que deves estar cansada e com muito frio.

    Pam sentou-se a observar, enquanto o irmão e a irmã se abraçavam alegremente, relutantes em se separarem. Ela era a razão pela qual ele havia regressado, e Pam interrogou-se mais uma vez se algum dia voltaria a reunir-se com a sua própria família. Pawel aproximou-se para se juntar a eles, envolvendo os ombros de Paul com o seu braço musculoso, e ela notou a sua pele pálida e desgastada. O seu rosto havia perdido toda a cor, como uma camisa lavada muitas vezes. O cabelo e bigode eram da cor da cinza. Pam calculava que ele devia estar nos seus quarenta anos, mas parecia consideravelmente mais velho.

    Fluxos de conversas percorreram a sala. As palavras soaram estranhas e doridas, tão desconfortáveis quanto sapatos novos, e Pam sentiu-se tremendamente deslocada apesar dos muitos sorrisos que reluziam na sua direção. Entendeu que a irmã de Paul era agora a chefe da família, após a morte da mãe deles, e que qualquer um com um problema voltava-se para ela em busca de ajuda e apoio. Pam teria de aprender a língua o mais rápido possível. Segurou com firmeza a caneca de herbata, o chá preto forte, e olhou para o seu ambiente recém-descoberto.

    O compartimento era bastante pequeno e parecia funcionar tanto como cozinha como sala de jantar. A um canto encontrava-se um velho fogão de azulejos, vaporizando a água no ar, e dois baldes de lata eram mantidos ao lado. Havia um relógio de pêndulo que não funcionava e, por cima da porta, um ícone de madeira de Cristo contemplava serenamente os procedimentos. Pam sentou-se numa das seis cadeiras que estavam posicionadas em volta de uma mesa antiga: todos os móveis eram feitos de madeira escura e pesada. Uma fotografia emoldurada pendia na parede oposta, representando um jovem casal que ela supôs ser o pai e a mãe de Paul.

    As paredes da sala eram nuas e amareladas, mas o soalho de madeira estava meticulosamente encerado. Tudo parecia impecavelmente limpo, embora quando comparada com a casa de campo, em Gillingham, onde havia residido com o marido, esta fosse uma casa com muito pouco conforto. Pam temia que o apartamento deles, prometido pela embaixada polaca em Londres, fosse semelhante àquela casa.

    Anna insistiu que os homens se sentassem e se juntassem a Pam em volta da mesa. Agora, estavam todos a beber herbata e a sala estava reduzida a um silêncio amistoso. A mão de Paul pousou suavemente sobre o joelho de Pam, sob a superfície manchada e arranhada da mesa.

    — Eles têm dois quartos, Pam. Um grande e um pequeno. O meu pai mora no andar de baixo e teremos de visitá-lo amanhã. Ele vai para a cama cedo, e já deve estar a dormir por esta altura. Anna diz que provavelmente vamos ouvi-lo ressonar! — Ele sorriu para a irmã. — Ela é adorável, não te parece? Será uma boa amiga para ti. Outra irmã, como Peg.

    Paul e Anna conversaram durante várias horas, enquanto Pam só podia permanecer sentada a assistir. A exaustão cobria-a como uma doença permanente, mas tentou permanecer alerta. A conversa foi ficando cada vez mais esparsa, e ela percebeu que Anna enxugava repetidamente o rosto com um lenço branco. Primeiro, o lábio superior, depois as duas faces e, finalmente, a testa. A ordem era sempre a mesma. Observou com espanto quando Anna se dirigiu silenciosamente à porta da rua, com um dedo pressionado sobre os lábios.

    — Ela diz que há muitos informantes atualmente — sussurrou Paul. — Nunca sabemos em quem se pode confiar, o diabo está em todas as pessoas. Temos de ter muito cuidado.

    Anna abriu a porta com um floreio, para verificar se estava alguém à escuta do lado de fora. Tudo estava tranquilo. Ela regressou lentamente para o seu lugar à mesa, franzindo a testa e falando em voz baixa. Paul traduzia as suas palavras esporadicamente.

    — As autoridades locais sabem da nossa chegada, Pam. Têm estado à nossa espera, e Anna foi forçada a alojar um oficial da Milícia.

    Pam olhou para a polaca, que acenou com a cabeça em concordância, um som de desaprovação a escapar dos seus lábios. Anna falou novamente, dessa vez concentrando o olhar diretamente em Pam.

    — Ele dorme no quarto pequeno. Um russo, com um revólver debaixo do travesseiro. Está sempre a beber vodka. Já não devemos voltar a vê-lo hoje. Ele é um homem mau, disse Anna, e tu deves tentar ignorá-lo.

    A irmã de Paul levantou-se e arrastou-se silenciosamente em direção à porta. Abriu-a de novo, mas continuava a não haver ninguém do outro lado. Pam observou o entusiasmo anterior do marido começar a enrugar-se e a amarrotar-se como papel. As preocupações da viagem não tinham mudado, e este não era, desde já, o regresso que ele havia antecipado.

    Anna voltou para a mesa. Pawel permaneceu em silêncio ao lado do fogão, aquecendo as mãos, perdido em pensamentos só seus. A mão de Paul apertou com mais força a perna de Pam enquanto começava a questionar a irmã.

    — Eu perguntei porque é que ela não nos avisou acerca disso, e só nos falou das coisas boas. Ela respondeu que não podia, porque as cartas são todas censuradas e ela teria problemas. Ela nunca acreditou que nós realmente viéssemos para cá!

    Ele parecia desanimado, o rosto pálido como a neve. O último resquício de qualquer entusiasmo que ele tivesse experimentado ardia e derretia-se através dos dedos, caindo extinto no chão.

    — O que é que eu fui fazer, Pam? — prosseguiu. — Lamento ter-te trazido para cá.

    A mão dela alcançou a dele, gentil e reconfortante. Anna recomeçou o seu sussurro e, lentamente, de forma quase impercetível, os dedos de Paul começaram a tremer. Pam comprimiu a sua perna firmemente contra a dele.

    — Eles têm um rádio — traduziu ele — e podes ouvir a BBC, mas deve sempre trancar a porta e manter

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