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Ananda Lila E As Deusas De Zymer
Ananda Lila E As Deusas De Zymer
Ananda Lila E As Deusas De Zymer
E-book710 páginas8 horas

Ananda Lila E As Deusas De Zymer

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Sobre este e-book

Se não fosse por um estranho sinal de nascença no ombro esquerdo, Ananda Lila seria mais uma garotinha de onze anos vivendo numa pequena cidade. Sua vida porém, sofre uma transformação radical a partir de um encontro inesperado. Uma criatura luminosa fugindo de bestas voadoras a arrasta a um reino perdido em outra dimensão: O Reino de Zymer. Neste primeiro livro da série, Ananda se envolve com os extraordinários seres de Zymer e seus poderes sobrenaturais. A rainha Achintia e sua magia profunda; o unicórnio Sundara com seu poder clarividente; Daya a deusa do Ar e seus mistérios; Aminto um amigo cheio de segredos; Aditya a criaturinha que a trouxe para Zymer; o general Subhata que desperta no coração da garota estranhos sentimentos; e tantos outros personagens fazem com que Ananda se renda à pergunta: “ Por que dentre tantas pessoas haviam trazido justo ela para Zymer, um reino de luz e paz”? Em suas aventuras Ananda questiona essa nova realidade, passa por inúmeros perigos, cai em armadilhas, busca a solução para diversos enigmas. Encontra amigos e inimigos poderosos. O desaparecimento do Cristal Vajra, ameaça não somente a paz de Zymer, mas de todo o Universo. Neste contexto Ananda precisará deixar de ser a garotinha oriunda da Terra para tomar importantes decisões. A Última Profecia, ainda não revelada, traria à luz fatos antigos, segredos talvez ligados à pequena menina e que selariam o destino de Zymer. Mistério, romance, aventura, guerras, profecias, traições e muita magia são ingredientes da saga da garota pelo Reino de Zymer. Uma história sobre amizade, fé, esperança. Sobre vilões que se perderam em escolhas no passado. Sobre a sina da garota que precisa descobrir sua origem e se embrenhar numa jornada perigosa da qual talvez jamais regresse.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de ago. de 2019
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    Ananda Lila E As Deusas De Zymer - J. R. Mc Cloud

    LETTERING_EBOOK

    Todos os direitos reservados

    ©2019 J.R.Mc Cloud

    Capa e diagramação digital: Denis Lenzi

    Ilustração: Gui Castro

    Revisão: Francine Porfírio

    Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais terá sido mera coincidência.

    Esta obra é protegida pela Lei de Direitos Autorais Brasileira 9.610/1998, é vedada sua reprodução e/ou distribuição em quaisquer meios, físicos ou digitais, sem a expressa autorização da autora.

    À mais bela das Deusas que me iniciou nos mistérios da magia.

    Ao mais nobre dentre os guerreiros, que desde sempre, me protege em minhas jornadas.

    Companheiros inseparáveis de todos os tempos neste caminho solitário da escrita.

    Minha mãe, meu pai.

    A vocês, meu amor mais profundo.

    Permitam-me narrar nossa história...

    Índice

    CAPÍTULO I – O PORTAL

    CAPÍTULO II – A GRANDE DEUSA

    CAPÍTULO III – O COQUEIRO TRAPALHÃO

    CAPÍTULO IV – AMINTO E A DEUSA GANDYRA

    CAPÍTULO V – CONVERSANDO COM A RAINHA ACHINTIA

    CAPÍTULO VI – O PRESENTE DE OPAHALA

    CAPÍTULO VII – SOMBRAS

    CAPÍTULO VIII – LUZES

    CAPÍTULO IX – ESCAPULIDA

    CAPÍTULO X – SALÃO DE ESPELHOS

    CAPÍTULO XI – ZYMER EM PERIGO

    CAPÍTULO XII – DAYA

    CAPÍTULO XIII – BATALHA NO PORTAL

    CAPÍTULO XIV – O JARDIM DOS HIBISCOS

    CAPÍTULO XV – ATAQUE DO MAL

    CAPÍTULO XVI – REVELAÇÕES DE VIJAYA

    CAPÍTULO XVII – A TORRE SOMBRIA

    CAPÍTULO XVIII – A VISÃO DE SUNDARA

    CAPITULO XIX - O REINO DO FOGO

    CAPITULO XX – AGNI

    CAPITULO XXI – O RAPTO

    CAPÍTULO XXII – A IDEIA SALVADORA DE AMINTO

    CAPÍTULO XXIII – SACRIFÍCIO

    CAPÍTULO XXIV – MAGIA DAS DUAS LUAS

    CAPÍTULO XXV − AGUIA PRATEADA

    CAPÍTULO XXVI – ADONAI ALIL

    CAPÍTULO XXVII – O DRAGÃO

    CAPÍTULO XXVIII – ATENTADO

    CAPÍTULO XXIX – A DESCOBERTA DE ANANDA

    CAPÍTULO XXX – A GOTA D’ÁGUA

    CAPÍTULO XXXI – O SEGREDINHO DE ADITYA

    CAPÍTULO XXXII – A PIRÂMIDE DE OURO

    CAPÍTULO XXXIII – A INICIADA

    CAPÍTULO XXXIV – EMBOSCADA NA MONTANHA KAILASHA

    CAPÍTULO XXXV – A PROFECIA

    CAPÍTULO XXXVI – ESCUDEIROS DA RAINHA

    CAPÍTULO XXXVII – FESTA NO CASTELO

    CAPÍTULO XXXVIII – CILADA DAS TREVAS

    DESENHO ARVORE DA VIDA

    CAPÍTULO I – O PORTAL

    A chuva batia incessante na janela. Com a testa colada na vidraça, Ananda contemplava seu jardim: o canteiro de rosas, os hibiscos e os dois manacás que, por um misterioso capricho da natureza, juntos, delineavam o contorno exato de um coração.

    Estava tão distraída que nem se dera conta da garoa fininha como névoa se avolumar num aguaceiro batendo com violência contra a vidraça.

    Ananda Lila era uma menina de onze anos, tímida e franzina, cabelos castanhos ondulados e olhos sonhadores. Se não fosse por um misterioso sinal de nascença no ombro esquerdo na forma de asas de borboleta, ela passaria despercebida, seria mais uma garotinha vivendo com simplicidade numa pequena cidade do interior.

    Subitamente, foi arrancada de seu enlevo por um estalido na vidraça. Buscando intrigada a fonte daquele baque, sua atenção foi desviada para uma luz, intensa e dourada, oscilando à altura de seus olhos pelo lado de fora da janela.

    – Abra! Abra!

    Seu corpo foi percorrido por um tranco, e ela se virou para procurar por quem gritara. Não viu ninguém! Dançavam pelas paredes do quarto apenas algumas sombras alongadas projetadas por réstias da luz persistente de um pôr do sol encoberto, causando-lhe uma sensação de agouro.

    – Abra, por favor! – insistiu a mesma voz aflita. E a luz dourada que flutuava do outro lado da vidraça começou a mover-se agitada e a arremessar-se em sua direção, chocando-se contra o vidro.

    Foi quando, com o coração acelerado, Ananda fixou a luz com intensidade. Seus olhos arderam pelo esforço de não piscar e manter contato visual com aquele inexplicável fenômeno. Ela aproximou o rosto do vidro e, surpreendida, observou que no interior daquela luz havia um pequeno ser tentando desesperadamente entrar, batendo suas asinhas com alvoroço!

    As mãos tremendo, Ananda abriu a janela. Uma baforada gélida de ar irrompeu pelo quarto fazendo com que sua face quase queimasse pelo frio intenso e repentino. A coisa que flanava lá fora, como um meteoro, voou para dentro emitindo um zunido nos ouvidos da garota. Com os olhos pregados no serzinho, Ananda fechou as janelas cerrando as cortinas com um puxão. As pernas fracas pelo susto, ela se virou e passou a examinar a aparição que pairava à sua frente.

    A pequena criatura não se parecia com nada que a garota já vira na vida! Seu corpo delicado, lembrava o das libélulas com um par de asas em dégradé do rosa ao lilás. O rostinho era suave, os olhos verde-claros e a boquinha rosada. Os cabelos, não podia perceber direito, eram cintilantes e se confundiam com o dourado da luz que emanava, deixando todo o aposento iluminado. Sua figura lembrava as fadinhas das histórias que sua mãe costumava contar.

    Sem conseguir se conter, a fadinha, sem denominação melhor para dar, irrompeu suplicante e aflita:

    – Ananda, você precisa vir comigo! – E depois de curta pausa, tomou fôlego para gritar: – Agora!

    A garota arregalou os olhos aparentemente incapaz de articular qualquer coisa. A fadinha se agitou ainda mais e a encarou com uma expressão exasperada.

    Passado um segundo, Ananda inclinou-se para a criatura e despejou num tom esganiçado:

    – Como você sabe o meu nome? Quem é você? De onde você vem? Para onde quer que eu vá?

    – Não temos tempo! Em breve os Asuras voltarão e nos impedirão de regressar a Zymer! – sussurrou a fadinha com urgência enquanto olhava, ressabiada, para todos os lados. Sua cabecinha iluminada girava tão rapidamente que a garota se sentiu zonza tentando encará-la.

    – Asuras?! Zymer?! – repetiu confusa. Que maluquice toda era aquela?

    Com expressão horrorizada, a fadinha explodiu como se não acreditasse na indecisão da menina:

    – É sério?! Asuras são os soldados de Dosha! – E gritou batendo com a mãozinha na testa: – Deuses de Zymer! – Havia em seu rosto um quê enfezado, provavelmente por achar aquela conversa uma terrível perda de tempo.

    Entretanto, para a garota, a coisa toda desandava! A explicação da fadinha não fazia o menor sentido!

    – Soldados de quem?! Irmos para onde? Por que eu – Ananda frisou – tenho que ir a este tal lugar?!

    Tentando se acalmar, ela parou para observar a reação da fadinha. Poderia jurar que seu rostinho se tingira de púrpura, dando-lhe um ar de fervura. Aquilo parecia ser um mau sinal. Não sabia sobre a sua natureza, mas uma coisa era certa: seu íntimo a alertava que aquele tom incandescente, parecendo fumegar, indicava perigo. E dos grandes!

    Será que esta menina é surda?! Entre tantas deste mundo tinha que ser justamente uma menina tapada? – pensou a criatura. Com os olhos brilhando de determinação, ela ameaçou autoritária:

    – Vamos rápido, senão...

    A conversa, porém, foi interrompida. Várias pancadas arranharam a vidraça. Pum! Pum! Pum! A pressão do barulho e do medo foi tão grande que produziu um chiado no ouvido da garota, deixando-a paralisada. A fadinha também pareceu ter sido acometida pela mesma sensação aterrorizante, pois soltou uns gritinhos estridentes.

    – Eu não disse? Eu não disse? – repetia ofegante. – São eles! Eles não podem saber que encontrei você! E que você é... – Interrompendo sua frase, como se um raio estivesse prestes a rachar sua cabeça, a fadinha se calou. Seus olhos de esmeralda estavam arregalados esperando que Ananda tomasse uma atitude.

    Esforçando-se, Ananda acercou-se da vidraça e levantou o acortinado como se fosse feito de casquinha de ovo. Quando olhou para fora, seu coração deu um salto e parou bem no meio da garganta. Largou a ponta da cortina com um gesto frouxo e achatou-se de costas contra a parede, os olhos vidrados!

    Uma imensa nuvem negra, que parecia feita de enormes insetos escuros e de formas bizarras, debatia-se enfurecida contra a janela, forçando a entrada! Ananda sentiu-se sufocar. Suas pernas dobraram e ela escorregou. O que seria aquilo? Um sinistro pensamento rodopiou em sua mente: Por quanto tempo o vidro da janela conseguiria resistir às pancadas? Atochou com força os ouvidos com as pontas dos dedos tentando não escutar o barulho como se, assim, pudesse afugentar o perigo.

    – Tenho que me esconder, eles não podem saber que estou aqui! – gritou a pequena libélula enervada, voando em ziguezague à procura de um local para se ocultar.

    A menina começou a observar seu quarto, em desespero.

    – Mas você... é... tão brilhante! O que poderei fazer?! – indagava com a voz entrecortada. Ensaiou levantar, mas suas pernas se recusavam a obedecer a seu comando. Seu cérebro estava lento e não conseguia raciocinar direito. Um ruído sombrio de vidro riscado e ralado ecoou pelo quarto, embalado por sombras e reflexos provocados pelos movimentos agitados das asas da fadinha. Um zunido agudo e um farfalhar apressado indicaram que ela voava em direção à janela.

    – Eles ainda não conseguiram entrar! – gritou num tom urgente. – Você não pode ficar aí parada! Temos que nos proteger!

    Petrificada, a garota não podia nem se mexer. Fechou os olhos numa tentativa desesperada de se enganar que estava sonhando, aliás, tendo um pesadelo!

    – Nada disto é real. Nada disto está acontecendo. Vamos, respire fundo e acorde – ordenou a si mesma sem muita convicção. Com as pálpebras tremendo, reabriu-as devagar. Deu de cara com uma carinha esbaforida, roxo-beterraba.

    – Ananda, acorda! – berrou a fadinha.

    A situação não podia ser pior. Era verdade. Ananda estava em seu quarto, trancafiada com uma criaturinha luminosa gritando desesperada por seu nome. E lá fora havia talvez algumas centenas de coisas enormes, escuras e voadoras a golpearem a janela de seu quarto. A situação exigia medidas drásticas!

    Respirando profundamente, a garota tentou clarear as ideias. Ergueu-se apoiando-se nas paredes e olhou em volta à procura de algo que, pelo menos, abrigasse a fadinha. Pelo visto era seu intenso brilho que atraía as feras lá fora. De repente, Ananda soltou um grito com ar confiante de quem tem a mais maravilhosa das saídas:

    – Ah! Já sei! – Ergueu-se num salto e, correndo, foi até sua cama. Ajoelhando no chão, puxou uma pequena caixinha de madeira onde guardava os seus segredos de menina. Erguendo o objeto à altura do rosto, avaliou-o como se o refúgio para aquela fadinha apavorada fosse a destinação de seus segredos ali contidos.

    – Venha, entre aqui – sussurrou Ananda indicando com a mão tremida o fundo da caixa. – Assim o quarto voltará à escuridão e, quem sabe, aqueles bichos se afastem!

    Com uma expressão desconfiada para o fundo da caixa, a fadinha enfiou-se de qualquer jeito dentro dela. A menina fechou-a, depositando-a gentilmente sob a cama.

    Tentando demonstrar tranquilidade para si mesma, ergueu-se com dificuldade. Encarou a cortina e, como se fosse o maior desafio de sua vida, correu à janela! Um silêncio de água escorregando e pingando do telhado inundou seus sentidos. Não mais vislumbrou a nuvem dos monstruosos insetos. Apenas seu respirar rápido e raso provocava uma névoa que se condensava na vidraça.

    – Ufa! – Respirou aliviada passando a mão pela testa. Esperou mais um pouco e, observou o jardim, tendo a certeza de que eles tinham se afastado! Pé ante pé, voltou até a cama e pegou a caixinha; erguendo sua tampa com todo cuidado, deixou em liberdade a linda criaturinha.

    Desamarrotando suas asas, a fadinha esboçou um sorrisinho muito sem graça e meio contrariado. Fitava seu corpinho com ar de nojo, estava toda amarfanhada!

    – Eles devem ter se afastado, por enquanto! Vamos! Temos que nos apressar! – ordenou enquanto, com seus olhinhos atentos, perscrutava os arredores.

    Mas Ananda continuava parada, encarando-a.

    – Quem é você? De onde você vem? – questionou com uma expressão tola, esquecendo-se das terríveis criaturas que rondavam lá fora. – Você é uma fada?

    – Fada?! – exclamou o serzinho sem entender.

    – Sim, fada! – persistiu Ananda. – Com magias... asinhas... e tudo mais...

    – Hã? – A criaturinha tinha uma expressão de enfado e choque no rosto. Com certeza não esperava por um tipo de conversa como essa.

    Por um momento, Ananda compreendeu que a variação nos tons vermelhos no rosto da fadinha era um indicativo de que seria mais prudente se refrear. Longe de uma explosão, entretanto, a fadinha se empertigou toda e soltou:

    – Meu nome é Aditya! Vim de Zymer para buscar você. Nosso Reino corre perigo! Só você poderá nos ajudar!

    – O que quer dizer?! Sou apenas uma menina! – Ananda estava ficando preocupada com a persistência da fadinha. Para não deixar margem a nenhuma dúvida sobre sua decisão arrematou: – E ademais, nunca ouvi falar neste tal lugar Zymer!

    Essa fadinha é maluca ou o quê? – pensou lançando um olhar tenso e desconfiado à Aditya, cruzando os braços que tremiam de nervoso.

    – Acompanhe-me e você saberá de tudo! – ordenou Aditya sem dar o mínimo de atenção ao que a garota dissera.

    – Mas não posso sair assim! – Ananda tentou argumentar. – Meus pais ficarão aflitos sem saber para onde fui!

    – Venha comigo até o jardim! – insistiu com firmeza.

    Será que esta fadinha não escuta direito? Ou é completamente doida? – avaliou. Mas fosse surda ou maluca, o fato é que Ananda, por curiosidade, assentiu e deixou-se conduzir sem resistência. Desceu a escada em frente ao seu quarto, seguida de perto por Aditya que esvoaçava próximo ao seu ouvido. A garota pisava sobre o assoalhado de madeira encerada como se estivesse andando sobre brasas. Ao término de longos segundos, chegaram à pequena sala no andar térreo onde uma larga porta envidraçada dava para o jardim visto pela menina de seu quarto.

    Sem serem notadas por sua mãe, que preparava seu chocolate na cozinha, Ananda destravou o fecho da porta de vidro fazendo-a deslizar com suavidade sobre os trilhos. O vento já cessara e a chuva também. Um sol tímido de final de tarde se cobria com nuvens cor de fogo para adormecer nos braços despertos da lua cheia.

    Ananda atravessou a porta e fechou-a como se sua vida dependesse daquele gesto. No exterior, Aditya voou a jato na direção oposta à casa.

    A garota observava a fadinha se distanciar para os fundos do jardim como se o trajeto até ali fosse seu velho conhecido e já o tivesse feito milhões de vezes. Inesperadamente, Aditya parou embaixo dos manacás agitando suas asinhas e despejou um pó, semelhante à purpurina dourada, que se esparramou no chão gramado como uma pequena cascata.

    Uma luz azulada surgiu de repente, ondulando-se como uma flâmula levada pelo vento, e foi preenchendo devagar todo o coração formado pelos caules e copas das duas árvores. A luz dera vida ao inusitado coração que agora pulsava e oscilava à frente dela, num suave vai e vem.

    Quase dando um encontrão contra o nariz da garota, Aditya convidou-a com um sorriso maroto:

    – Vamos! Não tenha medo! – E voltando-lhe as costas, voou para dentro da luz azulada desaparecendo.

    Ananda ficou ali, parada, sem saber o que fazer. Com um gesto indeciso esticou a mão para dentro daquela estranha luminosidade e, para seu horror, viu-a desaparecer como num passe de mágica enquanto todo o seu corpo permanecia visível do lado de fora da luz azul! Com um gesto brusco, Ananda puxou sua mão e constatou que estava inteirinha. Ufa!

    Outro susto... Ploft! De dentro da luz, surge apenas a cabecinha de Aditya. Os olhinhos muito vivos e arregalados ao gritar a plenos pulmões:

    – Venha! O portal vai se fechar!

    – O quê?!

    Todavia não houve mais tempo. Ananda não pôde fazer outras perguntas nem esboçar qualquer reação! Enquanto a cabecinha de Aditya desaparecia sem deixar nenhum vestígio, a nuvem de monstros que vira de sua janela voltara. Como um séquito negro e barulhento, a massa ganhava corpo. Um estrondo de centenas de mandíbulas batendo como matracas aumentava conforme se aproximavam. O coração da garota deu um salto. Com toda a sua atenção voltada para aqueles seres bizarros, Ananda deu um passo à frente. Deste momento em diante, algo inusitado aconteceu. Sentiu seu corpo caindo num poço sem fim! Ouvia um forte zunido e a luz azulada por onde entrara ia diminuindo acima dela, tornando-se um ponto lá longe, no alto, cada vez menor e distante à medida que mergulhava.

    DESENHO ARVORE DA VIDA

    CAPÍTULO II – A GRANDE DEUSA

    Ananda perdeu a noção do tempo. Lampejos coloridos formavam uma espécie de tubo iluminado por onde escorregava. Ela não conseguia gritar nem evitar aquela queda horrorosa, mesmo quando viu o ponto azul lá no alto desaparecer por completo! Enfim, sua velocidade foi diminuindo até parar, e ela teve a sensação de ter desabado sobre um espesso e sedoso tapete de algodão.

    Suas mãos trêmulas apalpavam aquele chão salvador. Onde estava? Que lugar era aquele? Será que as criaturas tinham caído junto com ela? Ergueu os olhos assustada e ofegante. Nada! Estava, pelo menos naquele momento, segura. Entretanto era um lugar estranho, teria que investigar. Levantou-se ainda meio tonta e, fazendo esforço para se equilibrar, virou-se olhando para todos os lados.

    De repente, uma claridade dourada envolveu-a como se todo o lugar fosse uma enorme nuvem iluminada por centenas de holofotes. Vacilante, deu mais alguns passos e a visão que teve a deixou sem fôlego.

    Estava no alto, numa espécie de plataforma. Esta dava para o interior de alguma coisa semelhante a uma imensa montanha ou, talvez, a uma caverna de gigantescas dimensões. Não conseguia decifrar que lugar era aquele. À sua volta, as paredes eram todas formadas por prismas colossais de cristais azuis. Ao centro, uma catarata de águas brancas e brilhantes caía formando dezenas de cascatas menores. Era impossível determinar a altura do lugar, pois a luminescência dos cristais parecia alcançar o céu de um azul indescritível.

    Nas encostas desta gigantesca caverna havia centenas de plataformas iguais à que estava. Sobre elas, enormes círculos de luz dourada onde seres com formas esdrúxulas transitavam apressados.

    Só agora se lembrara de Aditya e, caçando-a com o olhar, descobriu que a fadinha voava ligeira em direção ao alto da cachoeira.

    – Que bela traidora você é, hein?! Abandonar alguém assim?! – Ananda ressentiu-se com Aditya, que já era um pontinho rosa enevoado bem alto e longe no céu.

    Apesar da tranquilidade e beleza do lugar, a garota sentiu um nó no estômago. Esta sensação desconfortável, porém, foi logo interrompida porque, sem se dar conta de onde, surgiu à sua frente um ser esquisitíssimo! Com olhos arregalados, Ananda mediu a estranha figura. De onde veio esta criatura? O que vai acontecer comigo agora?

    Talvez por Ananda estar aterrorizada tenha superdimensionado a estranha entidade. O fato é que, sem sombra de dúvida, ela era muito mais alta do que as paredes de seu quarto! Fincada sobre quatro patas de corcel, esculpia-se numa mistura curiosa de cavalo-marinho esverdeado com pequenas escamas douradas, enormes asas de ouro semelhantes às dos dragões e o tronco de um belo jovem de porte atlético. A cabeça, emoldurada por cabelos lisos e castanhos caídos sobre os ombros, era envolta por uma misteriosa névoa dourada.

    Aquela figura imponente inspirava, ao mesmo tempo, temor e respeito. As pernas da garota bambearam. É agora que esta coisa vai me matar! – pensou. – Por que fui seguir aquela fadinha maluca?! Por que me meti nesta encrenca?

    Contudo não houve urros, ataques, nada! Depois de alguns segundos silenciosos, a garota resolveu encarar a figura que mais parecia um gigante. Havia brandura na expressão daquele ser, seus olhos verdes cintilavam ternos, despertando no coração da garota sentimentos conflitantes. Medo, respeito, admiração... Ela não conseguia decidir. Enfim, um pouco mais serena, ela optou por uma espécie de respeito apaixonado e, com a boca aberta, permaneceu milimetrando a bela figura colossal.

    O silêncio foi rompido pelo som de uma voz firme, ao mesmo tempo suave e compassada:

    – Bem-vinda a Zymer! – Com uma reverência, o enorme cavalo inclinou a cabeça. – Meu nome é Subhata. Venha, não tenha medo. Vou levá-la à rainha Achintia!

    Subhata era o grande general de Zymer. Dotado de grande inteligência, comandava os Bhutas do ar, guerreiros que protegiam o Reino. Ananda sequer imaginava, mas ele seria seu mais fervoroso protetor na aventura que se iniciava.

    O medo fora eclipsado pelo fulgor daquele olhar doce e cristalino. Sem dificuldade, a garota subiu em Subhata que lhe oferecia o dorso, abaixando-se à altura dela. Espero, pelo menos, ser levada por essa criatura até Aditya – pensou.

    A partir deste momento, um misto de nervosismo, excitação e alegria tomou conta de seu coração. Sentia um frio na barriga à medida que Subhata imbicava para o alto. Suas asas sobrevoaram a catarata de águas brancas, dando início a uma subida que parecia não ter mais fim. Ananda jamais poderia prever o que via agora!

    Vez ou outra lhes cruzavam a passagem enormes bolhas furta-cor, como as de sabão. Estas paravam nas plataformas e recolhiam criaturas esquisitas que aportavam saídas dos discos dourados. As bolhas subiam velozes com seus curiosos ocupantes até o cume e sumiam com velocidade espantosa no azul. Outras bolhas vindas do céu anil traziam diversas criaturas e as deixavam nas plataformas, aquelas entravam nos círculos dourados desaparecendo, logo em seguida, como num passe de mágica.

    Subiram... Subiram... Subiram... Até uma altura muito alta da cachoeira. Foi quando Subhata, com um movimento radical, esticou seu pescoço imprimindo uma manobra suficientemente rápida para que Ananda se sobressaltasse. Imperturbável, o general continuou imbicando a cabeça, só que desta vez– ele apontou direto para baixo e começou a descer. Não tão lento quanto Ananda gostaria, seu estômago pareceu engrolar e ficar lá por cima desafiando a lei da gravidade enquanto se sentia despencar.

    Os cabelos da menina esvoaçavam com um zunido de serpentina, e a pele de seu rosto enrugava com tal violência que parecia se despregar de sua face. Ela bem que tentou gritar, suplicar para ele ir mais devagar, mas uma baforada de ar entrou por sua garganta como um tijolo!

    Depois de alguns segundos intermináveis em queda livre, Subhata pousou com uma Ananda engasgada, enjoada e verde-pálida no lajeado da cachoeira. Seu corpo tremia gelado pelo voo, suas pernas se recusavam a se despregarem do dorso do homem-cavalo. O coração saltava. Exausta, ela se deixou cair com a cara enterrada no costado de Subhata.

    Havia no ar um murmúrio suave de água caindo sobre um rochedo aveludado e limoso. Com lentidão, o mundo à sua volta entrava em foco. Subhata recolheu as asas e fixou o interior da queda d’água como se aguardasse por alguma coisa ou por alguém.

    Ainda mareada e hesitante, Ananda desceu do lombo de Subhata. Seu olhar desfocado se ambientava ao lugar, sem desviar sua atenção dele.

    A água da cachoeira caía sobre seus corpos suavemente, mas, fato curioso, não molhava! Sentiam apenas um leve frescor envolvê-los. Enquanto usufruía desta agradável sensação, eis que em meio às águas começa a se espargir um fogo azulado seguido de um ruído crepitante. Uma silhueta imprecisa, como se olhasse um vulto através de uma cortina de chuva azul, surgia. Como numa miragem, a aparição se transformou...

    No imaginário de Ananda era como se todas as estrelas do céu estivessem ali, envolvendo a entidade, tamanho o fulgor de suas vestes. A pele alvíssima contrastava com seus cabelos violeta. A criatura espargia um perfume adocicado de flores envolvendo a menina numa deliciosa vertigem.

    Seus olhos amendoados davam a impressão de desvendarem até os mais íntimos pensamentos. Ananda sentiu um arrepio percorrer seu corpo e não conseguiu encarar aquele olhar doce e devastador como uma tempestade sobre o mar.

    Uma enorme ametista ovalada brilhava em seu dedo médio da mão direita. Em sua testa, uma tiara de fios de ouro em volutas ostentavam uma drusa ametista.

    Ela é uma fada! Ninguém vai acreditar em mim quando voltar para casa. Só queria ver a cara da Iara agora. Atordoada com a aparição, Ananda lembrou-se de suas melhores amigas com saudade. A Manu e a Gabi ficariam de boca aberta!

    Por trás desta mulher, erigia-se um enorme trono, que mais se parecia com uma grande concha marinha. Ao lado direito, uma serpente com cabeça de dragão enroscava-se insinuante. Sua cor era de um vermelho vivo e dourado. Na parte inferior grandes flores feitas de um tipo de cristal colorido que pareciam gelatina. Estavam cobertas por algo semelhante à seda amarelo-ouro finíssima. Ao lado esquerdo, no alto da concha, uma espécie de pássaro azul-turquesa, com enorme cauda de plumas e asas como as das borboletas, pousava tranquilo, quase indiferente à rigorosíssima observação da garota.

    Tudo ao seu redor se esmaecia, transformava-se em pálido arremedo da beleza. A entidade diante dela era, sem sombra de dúvida, a criatura mais formosa que Ananda conhecera.

    Então, um som cristalino como água bordejante soou muito ao longe envolvendo-a.

    – Bem-vinda, Ananda!

    A entidade não falava. Seus pensamentos eram transmitidos à mente da garota.

    Quem será esta criatura?! – perguntou-se, observando incrédula a entidade que continuava a sorrir misteriosa. Não conseguiu prosseguir com suas divagações, pois a mulher adivinhou-lhe os pensamentos.

    – Eu sou Achintia, rainha de Zymer. Você está no interior do castelo de Zymer, o Reino da Natureza!

    Era muito difícil se concentrar em suas palavras e na figura ao mesmo tempo, ainda mais com aquele delicioso perfume que parecia vir de toda a atmosfera à sua volta. Sentindo uma sensação esquisita de borboletas esvoaçando no interior do estômago, Ananda apenas conseguiu pensar coisas desconexas.

    – Isto que para você parece ser o âmago de uma imensa montanha é, na realidade, o castelo de Zymer.

    Ananda se surpreendeu ao ter seus pensamentos flagrados outra vez. Como ela consegue adivinhar o que penso?! Caramba! Eu devo estar sonhando! Nada disso é possível, aquele buraco onde caí não existe...

    Era a segunda vez que Ananda tentava se enganar estar imersa em um sonho. O perfume era real, e o carinho emanado por aquela criatura era quase material. Achintia continuou a dizer em sua mente:

    – O poço no qual você caiu, e culminou nestes círculos dourados, é um dos milhares de portais existentes nos mundos conectados ao nosso Reino. É por eles que os seres se comunicam através dos mundos e dos tempos.

    A garota balançou a cabeça com uma expressão conformada.

    Com um olhar complacente, a rainha sorriu.

    – Estes portais são entradas para outros mundos, além do nosso. São nossa interligação com seres que vivem distantes de nós.

    Nesse instante, Aditya, com ar insolente, flanou ligeira ao lado da rainha e cruzou os bracinhos numa atitude atrevida. Encarou a garota como se fosse a primeira vez e a julgasse não ser lá essas coisas.

    Ananda sentiu o calor da humilhação percorrer seu pescoço e rosto a uma velocidade desconcertante. Pensar alguma coisa estava fora de cogitação, porque muito provavelmente a rainha adivinharia! Mas, ainda assim, foi incapaz de refrear uns bons adjetivos com relação à fadinha.

    Depois de rodear a garota batendo as asinhas, Aditya ergueu teatralmente a cabeça e bandeou-se para o lado de Subhata.

    – Através destes portais, as criaturas imigram para Reinos distantes e tempos distintos em total segurança – acrescentou a rainha telepaticamente, fitando-a.

    Aqueles profundos olhos de ametista, intensos e translúcidos causavam certo medo à garota. Havia uma verdade e um ardor tão transparente no olhar da rainha que se tornava quase impossível encará-la.

    – Estes portais, pequena criança, contêm energia transmutadora. Isso possibilita o deslocamento através dos mundos e dos tempos. São interdimensionais e intertemporais. Através deles, tempo e espaço não são barreiras à comunicação entre os seres vivos.

    A garota mordeu os lábios. Não queria parecer uma completa idiota na frente da rainha e de Subhata. Por que decidiram buscar justamente alguém como ela?

    No entanto, em meio àquela confusão, percebeu uma sombra sobre eles. Voando tangenciando as cabeças de todos, surgia um enorme unicórnio.

    Seu pelo reluzia azul-claro, o tamanho era pelo menos o dobro dos cavalos que costumava ver troteando em liberdade pelos campos no sítio de sua tia. No centro de sua fronte havia um chifre de ouro. Suas asas douradas eram maiores que as de Subhata, comparou Ananda corando. Temia que o general também lesse seus pensamentos, não queria ofendê-lo.

    Os olhos azuis do unicórnio pareciam safiras piscando para ela. Ele pousou à sua frente e deitou-se aos pés da rainha Achintia, que acariciou sua crina azul. Voltando-se para Ananda, a rainha apresentou:

    – Este é Sundara, meu leal amigo e companheiro!

    Sundara era uma figura extraordinária. Dotado de grande sabedoria, tinha um dom especial: a clarividência. Conseguia enxergar e sentir coisas que se passavam em lugares longínquos e tempos remotos, como também coisas que ainda aconteceriam em tempos futuros e distantes. Ninguém poderia esconder nada dele, porque seu poder clarividente rastrearia o mais fugaz pensamento. Participava com Subhata e todos os Deuses do Reino, do Grande Conselho que governava Zymer e que seguia as leis deixadas pelos seus criadores: os Anciões Ancestrais. Sundara também conseguia se comunicar por telepatia com a rainha de onde quer que se encontrasse, porém o mais extraordinario entre suas características era o seu poder da cura, que se manifestava por meio de seu chifre de ouro.

    – Bem-vinda, Ananda! – cumprimentou Sundara com ar majestoso.

    – Uhn! Hã, muito obrigada – respondeu a menina baixando a cabeça.

    Achintia aproximou-se com aquele seu estranho caminhar, como se deslizasse sobre um piso encerado.Observando-a com intensidade, emitiu seu pensamento:

    – Agora pedirei que Subhata a conduza para um lugar tranquilo no qual você poderá repousar.

    Desconfiada e mais encasquetada do que antes, Ananda sentia esvair-se como água entre seus dedos a expectativa de ver esclarecidas suas questões mais urgentes.

    – Você precisa descansar. E assim, depois de refeita dessa sua viagem, conversaremos. Você conhecerá um pouco mais de nosso Reino e logo entenderá o motivo de sua vinda para cá.

    Por que escolheram logo a mim, uma simples garotinha do interior?! Eles me deixarão voltar para casa?! – Sua curiosidade atiçava-se como um vulcão prestes a entrar em erupção. – Como todos sabem meu nome? Toda essa intimidade é assustadora!

    Não teve coragem de enfrentar o riso sedutor da rainha nem crivá-la com suas perguntas.

    Com o rigor de quem recebe uma ordem, Subhata se aprumou. Envergou suas asas num largo arco como um convite. Aditya, com seu risinho de sinos, ajeitou-se próximo a ele e fez sinal com a cabeça para que a garota subisse no dorso do general.

    A rainha aguardou que ela se acomodasse antes de acenar para o grupo em despedida.

    – Até breve! – O fogo azul envolveu-a junto a Sundara e ambos desapareceram no interior da cachoeira.

    Se acaso Ananda possuísse os poderes clarividentes de Sundara e flagrasse a conversa da rainha com ele não alimentaria nenhuma esperança em regressar para seu lar na Terra o mais rápido possível como era seu desejo.

    DIVISÃO ARABESCO

    O semblante da rainha era uma esfingie quando os pensamentos de Sundara reverberaram.

    – Sabíamos que não seria fácil.

    Diante do silêncio da soberana o unicórnio continuou.

    – A paz de Zymer encontra-se ameaçada! Urge mantermos Zymer e os Reinos de todo o universo a salvo das forças do mal.

    Havia na rainha uma expressão piedosa quando ela expressou: – As sombras crescem. Sua força devastadora contagia hordas de criaturas ignorantes. O medo as escraviza, torna-as joguetes do poder.

    – Um mau presságio se aproxima. – disse Sundara. – O passado continua vivo, jamais foi esquecido por ele. A presença da menina em Zymer aumentará seu desejo de vingança contra todos nós.

    Achintia observou o céu de Zymer. Havia perdão e pesar em seu coração. – Tenhamos fé nas Sastras. As Escrituras Sagradas vaticinadas pelos Anciões Ancestrais nortearão todos nós para a luz. Quem sabe até mesmo aquele que se intitula Deus das Trevas.

    – As Profecias devem ser cumpridas! Sabemos porém, que a Última Profecia, a mais letal, que decidirá o destino de Zymer há muito se perdeu sem ter sido revelada. – considerou Sundara com um sorriso amargo. – Precisaremos da união e lealdade de todos os súditos para, talvez, enfrentar uma terrível e inevitável guerra.

    Achintia sorriu. Havia esperança em seu sorriso triste. – Não temo o futuro incerto.

    Em seu imaginário surgia a imagem da pequena menina oriunda do planeta Terra. Ananda Lila, tímida e de olhinhos sonhadores, nem de longe suspeitava de sua sina. Esta forjada num passado remoto e envolvida por um grande segredo.

    Acontecimentos antigos e inconfessáveis, se revelados, trariam muita desgraça e desencadeariam a guerra, que já se ameaçava inevitável na fúria vingativa do poderoso Deus do Reino das Trevas! E seria aquele mesmo segredo, ligado à pequena menina, que decidiria o destino de Zymer.

    Uma nova era se aproximava... Uma nova ordem deveria surgir! Seria esta cheia de esperança, na qual somente a paz e a sabedoria governariam? A tempestade anunciando a escuridão levaria para sempre o riso, a luz e a alegria? Jamais haveria de brilhar o calor do amanhecer, apenas o crepúsculo carregado de sombras, frio e agonia?

    A roda do destino corria célere e colocaria frente a frente à Última Profecia, preconizada e envolvida pela magia antiga e profunda dos Anciões Ancestrais, o grande e perverso Deus do Mal.

    Ananda de nada suspeitava, mas ainda precisaria percorrer um longo e perigoso caminho do qual talvez jamais regressasse.

    DESENHO ARVORE DA VIDA

    CAPÍTULO III – O COQUEIRO TRAPALHÃO

    Após a breve conversa com a rainha Achintia, Ananda recordou-se dos episódios que a conduziram até ali: o ataque das criaturas bizarras, a queda no portal, o enigma deixado no ar pela fadinha ao dizer que viera especialmente para levá-la a Zymer... Por que Aditya se calara quando mencionou que aqueles estranhos insetos não poderiam saber que a tinha encontrado? Nesse momento, a imagem de sua família preocupada com ela invadiu sua mente e uma pontada aguda de angústia acelerou seu coração.

    A voz macia e cadenciada de Subhata ecoou como se viesse de um lugar muito distante, arrancando-a de seu devaneio:

    – Vamos, Ananda?

    Sob o olhar vigilante e desconfiado de Aditya, cruzaram o interior do castelo.

    Do alto, Ananda ainda procurou encontrar algum vestígio da fumaça azulada. Vasculhou cada queda d’água, em vão. A aparição e o unicórnio haviam desaparecido.

    Um enorme tranco e Subhata aumentava a velocidade num mergulho vertical. Os cabelos da garota vergastavam seu rosto como chicotes. Seu vestido enfunava com o ruído encorpado de velame em alto mar. Uma curva abrupta e o corpo do general planou suavemente. Suas asas se nivelaram ao chão, e a garota conseguiu recuperar o fôlego.

    Passou a se deliciar com a suave sensação do planar e observava a paisagem do interior do castelo de Zymer. Intermináveis quedas d’água, planos verdejantes de musgos, samambaias, flores e as plataformas avarandadas.

    Com um novo repelão, Subhata imprimiu maior velocidade enquanto um disco de luz dourada ganhava tamanho e solidez à frente!

    Ananda sentiu seus ossos esticarem e seus músculos, não acompanhando aquela mudança repentina, se retesarem. Cerrando as pálpebras com força, ela se inclinou e preparou-se para o que seria uma dura pancada! Ouvia um zunido agudíssimo quando um calor recaiu sobre ela como uma nuvem repentina. Desassossegada, reabriu os olhos.

    Haviam passado através do círculo dourado como se fosse uma janela. Uma brisa suave roçou seu rosto. Saíam do castelo de Zymer voando. Aditya lançou-se para o alto, acompanhando-os apressada.

    Ao atingirem o exterior, Ananda via campos se estenderem num grande mosaico de diversos matizes: verdes, azuis, lilases, castanho-avermelhados e âmbares. Todos em cores vivas com alguns pontos azuis reluzentes.

    Após algum tempo, Subhata começou a descer. Sentindo um friozinho na barriga, Ananda agarrou-se mais forte ao pescoço dele.

    – Estamos quase lá! – Aditya avisou com euforia e voou ligeira, tomando a dianteira deles.

    Chegando a um campo, Subhata pousou com suavidade e recolheu suas asas. Ananda, apertando o ventre que parecia oco e pesado, precisou de ajuda para descer.

    À frente avistaram um imenso cristal azul-claro que deveria ter, mais ou menos, o tamanho de sua casa na Terra. A estrutura reluzia como uma estrela no poente.

    – Bem-vinda à Casa de Cristal – falou Aditya abrindo os bracinhos, num gesto largo de orgulho.

    – Ananda, este é seu lar em Zymer – expressou Subhata liderando o caminho.

    Uma das faces do enorme cristal acendeu-se ao se aproximarem, ondulando como uma serpente feita de água. Sem qualquer aviso, um orifício surgiu na superfície vidrada, alargando-se ondulante até ficar do tamanho de uma porta suficientemente grande para que Subhata atravessasse.

    O interior da Casa de Cristal era algo indescritível! A iluminação vinha da superfície de suas faces, suave e reconfortante. Suas paredes transparentes, permeavam todo o exterior. A garota sentiu-se dentro de uma redoma de vidro em meio a uma floresta difusa e enevoada.

    Muitas flores exóticas enfeitavam a entrada, um grande átrio redondo que dava para diversas salas menores. Na primeira, viu uma mesa circular de um metal tão polido e prateado que mais parecia um espelho! Os bancos eram semelhantes a cogumelos brancos. Do teto, pendiam guirlandas de flores incandescentes.

    Aditya, prestativa, voou indicando o caminho a todas as áreas da Casa de Cristal.

    Noutra sala de enormes proporções havia uma infinidade de livros sobre prateleiras, do mesmo material da mesa que vira na primeira sala. Suspensas no ar, pairavam como folhas de papel sustentadas por mãos invisíveis! No centro deste salão existia uma grande fonte de formato semelhante à sépala das flores que, esculpida por granito alabastrino, jorrava água branca e brilhante. Subhata explicou que, através daquela fonte, Ananda se comunicaria com a rainha Achintia.

    Ananda nada questionou. Exausta, deixou-se conduzir por Aditya até outra sala onde um grande cogumelo alvo estendia-se ao centro como uma larga cama redonda e aconchegante. Ali, vencida mais pelas fortes emoções do que pelo cansaço, ela se deixou cair e adormeceu.

    Subhata observou por alguns instantes o corpo adormecido da garota. Aditya acompanhava cada expressão do general com visível interesse. Demonstrando relutar em deixá-las, ele encaminhou-se para a saída da Casa de Cristal.

    – Assim que Ananda acordar, avise a rainha Achintia. Até breve, Aditya.

    – Ficarei ao lado dela até que desperte – tranquilizou-o a fadinha.

    Aditya se ajeitou dentro de uma flor ao lado da cama. Por alguns segundos, analisou a figura de Ananda. Revirando-se, puxou a borda de algumas pétalas e cobriu o corpinho. Seus olhinhos se tornaram opacos, suas pálpebras pesaram e a danadinha, em pouco tempo, também adormecia.

    DIVISÃO ARABESCO

    Caía a noite em Zymer. O céu passando do azul celeste ao violeta, pontilhado de estrelas prateadas, era um quadro deslumbrante que Ananda não percebera.

    Quando novamente a luz do sol se fez, trocando seu posto no horizonte com as luas, Ananda espreguiçou-se e rolou na cama. O olhar desfocado não precisava as formas que a envolviam.

    De repente, cenas estranhas reverberavam em sua mente. Por um instante, incrédula, pensou ter sido um sonho. Apertou as pálpebras com força e, quando as reabriu, deu de cara com dois olhos faiscantes bem no meio de seu nariz. A menina quase gritou de susto e deu um tranco para trás!

    Era Aditya, que também se assustara sendo arremessada de costas com o impacto da reação da menina. Zum! A fadinha ficou por alguns segundos parada, mirando a garota sem saber o que dizer.

    Ananda sentiu-se melancólica. A saudade de sua família a assaltou com força. Seu rosto pendeu infeliz para a frente.

    – Não fique triste! – confortou-a Aditya compadecida, voando para perto dela e dando-lhe uns tapinhas no ombro. – Venha se alimentar e, em seguida, você conhecerá os arredores.

    – Por quanto tempo ficarei aqui? – lamentou-se Ananda sem se animar com o convite.

    – Não se preocupe. Será por pouco tempo. Venha! Vamos comer alguma coisa – a fadinha toda simpática desviou o assunto.

    De má vontade, Ananda foi à sala de refeições. Era um grande salão envidraçado aberto para uma varanda que dava para o jardim. À sua frente havia uma enorme mesa suspensa no ar como por magia. Diversos arranjos florais permeavam bandejas cheias de frutas e doces. Jarras de cristal com sucos coloridos enchiam seus olhos, despejando aromas adocicados pelo ar.

    Em pouquíssimos segundos, ela enfiava docinhos em forma de flor boca adentro enquanto agarrava um longo copo de cristal para tomar um bocado de suco. Na sequência, atacava uma bandeja cheia de pãezinhos! Mastigava tudo com um apetite indecoroso.

    Ao longe, Aditya a observava apoiando o queixo nos dedinhos enquanto sorria e esperava. Parece que esta garota não come há séculos!

    Satisfeita, Ananda lançou um olhar para Aditya enquanto massageava feliz a barriga empanturrada. Acompanhada de perto pelo voar da fadinha, Ananda saiu para o exterior em direção ao jardim. Nova surpresa a aguardava! Flores de todas as cores e em tons que nunca vira pulverizavam a grama verde meio azulada! No centro do jardim havia uma fonte que, borbulhando suas águas brancas, circundava um imenso coqueiro. Ananda ficou ali, parada, admirando e sentindo o perfume das flores no ar, ouvindo os sons daquela natureza exuberante.

    De repente teve a nítida impressão de haver dois olhos vermelhos no tronco do coqueiro! Enrugando a testa, fixou-o mais atenção. Constatou que, realmente, em seu tronco um par de olhos de um vermelho vivo se movimentava arregalado e curioso.

    Ananda não conseguiu esboçar qualquer reação, pois naquele exatíssimo momento começava a se desprender de todo o coqueiro uma cópia, semelhante ao original, porém menos densa, quase transparente. O coqueiro clonado parecia feito de névoa e, embora enraizado ao solo, movimentava-se tremeluzente em sua direção.

    Aditya voou em seu auxílio, tentando acalmá-la com seu risinho fininho.

    – Não tema, Ananda, é o Bhuta do coqueiro que quer lhe dar as boas-vindas!

    Rindo, a fadinha explicou:

    – O Bhuta é o princípio da vida que anima todos os seres em Zymer. – Percebendo que Ananda ficara na mesma, lançou um olhar felino ao soletrar cada sílaba: – Para que você entenda melhor, ele é o ES-PÍ-RI-TO do coqueiro.

    Para Ananda, falando em português claro, aquilo era mais uma assombração!

    – O princípio da vida, que anima todos os seres de Zymer, é o mesmo que transmigra pelos reinos mineral, vegetal e animal carregando em si a inteligente herança da Criação Divina – resmungou a fadinha em tom controlado.

    Aditya cruzou os bracinhos e pousou seus olhos na menina como a dizer: Entendeu agora?! Para a garota, a coisa toda tinha ficado bem pior depois que a fadinha tentara explicar como era a vida no Reino de Zymer.

    – Quero dizer que todos viemos de uma mesma origem – frisou. Sua vozinha, porém, começava a soar chacoalhada. – Vamos nos encaixando na natureza através de seus diferentes Reinos, nos entrelaçando em diferentes mundos, adquirindo conhecimento e sabedoria... Até que um dia, por fim, alcançaremos a pureza divina! – concluiu orgulhosa. Lançou um olhar maroto e piscou para o fantasma de Vijaia, que a encarava com admiração fervorosa. Estava claro que Aditya era uma espécie de ídolo para o coqueiro.

    – Você quer dizer que todos nós... – a voz da garota vacilou. – Vocês... já foram uma... árvore?! – Ananda admirou-se com as próprias palavras. Aditya soltou um risinho nervoso, erguendo a face para o céu com certeza buscando resignação.

    – Todos nós caminhamos, lentamente, em nosso processo evolutivo – continuou a fadinha condescendente. – Mas, calma, tudo a seu tempo! Você entenderá como é a vida em nosso mundo aos poucos.

    Desviando seu olhar da garota, pensou: É o cúmulo que esta menina não saiba assuntos tão elementares. Qualquer Bhuta, por mais simples que seja, sabe! Voltou a encarar a garota como se suspeitasse da sanidade das Deusas de Zymer em trazê-la para o Reino. Seu olhar avaliador duvidava do julgamento da rainha. Desta vez, era ela quem se perguntava: Por que justamente esta garota tão burrinha?

    Tentando desviar sua atenção de Aditya, que começava a lhe dar nos nervos, Ananda voltou-se para o fantasma do coqueiro que deslizara pelo jardim até se aproximar dela.

    – Bom dia, Ananda – cumprimentou o espírito do coqueiro.

    Ananda, ainda um pouco ressabiada, retribuiu quase inaudível:

    – Bom... dia...

    – Não tenha medo de mim! Sei que não tenho uma aparência lá muito agradável – desculpou-se o Bhuta embaraçado –, mas serei seu companheiro enquanto estiver por aqui. Se você quiser, é claro!

    Ao vê-lo inclinando-se com timidez à sua frente, quase sentiu pena do coqueiro.

    – Você pode vir até onde estou? – perguntou ela com sincera curiosidade.

    Os olhos do coqueiro se acenderam como brasas sopradas pelo vento, e ele apressou-se em responder mais animado:

    – Infelizmente não posso me distanciar em demasia de meu tronco enraizado à terra, porque, se me separar em definitivo... morro! Veja! – virando-se para trás, indicou uma luz brumosa e amarronzada que o ligava ao tronco no meio do jardim.

    Um sussurro rente aos ouvidos da garota desviou sua atenção do coqueiro:

    – Ele é meio medroso, sabe? Se acaso tivesse um grãozinho de coragem, bem que poderia ir um pouquinho mais longe.

    Fingindo não ouvir aquela consideração desaforada de Aditya, Ananda se concentrou no coqueiro.

    – Você é o espírito do coqueiro? – questionou interessada.

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