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Bem-vindos A Nova York
Bem-vindos A Nova York
Bem-vindos A Nova York
E-book605 páginas8 horas

Bem-vindos A Nova York

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Sobre este e-book

Harry tem um segredo. Ele tinha tudo sob controle e um futuro planejado. Até que... Algo o fez fugir de sua cidade natal na Inglaterra. Ele chega a Nova York querendo apagar o passado, ansioso por um novo começo. Uma nova vida. Todo mundo aqui já foi outra pessoa um dia. Alana tem um segredo. Ela saiu de sua cidadezinha no Meio-Oeste atrás de um sonho. Chega a Nova York determinada a ver seu nome em meio às luzes dos outdoors da Broadway. Todo mundo aqui quer mais da vida. Ela estava no caminho certo, mas então... Quando Harry e Alana se conhecem, reconhecem as cicatrizes um do outro. Eles se aproximam pelas coisas não ditas. Encontram conforto nos silêncios compartilhados. Porém, conforme aprendem a lidar com as reviravoltas da vida, vão descobrir que a cidade tem seus próprios planos pra eles. Por quanto tempo vão conseguir se esconder? Por quanto tempo vão conseguir manter todos à distância? Quanto tempo até que o passado alcance o presente? Suas vidas estão prestes a ficar irreversivelmente interligadas. Você quer saber como? Primeiro, bem-vindos a Nova York!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de out. de 2019
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    Pré-visualização do livro

    Bem-vindos A Nova York - Luana Ferraz

    Capítulo Um

    Harry para do outro lado da rua, cruzando os braços e lendo a placa que dá nome à cafeteria onde está prestes a entrar.

    Green Bean. Um emprego estável. Um emprego diurno. Não sabe se é inteligente trocar as gorjetas gordas do bar por possivelmente nenhuma gorjeta num café, mas está ansioso para trocar o cheiro de bebida e vômito pelo aroma de café moído na hora e bolinhos de baunilha. Também está animado para dormir uma noite inteira. Vai ser mais difícil, mas Harry está pronto para dar esse passo.

    Ele respira fundo, cobrindo as mãos com as mangas da camiseta branca. Apesar do clima seco de junho, acha que esconder as tatuagens com mangas compridas é a melhor abordagem. Assim que abre as portas vermelhas do estabelecimento, o calor dos bolinhos assados e bebidas quentes o envolve. O lugar está vazio, já que ainda não abriu.

    Harry caminha devagar por entre as mesas geométricas e cadeiras sem par, observando como a singularidade da mobília dá personalidade ao local. Ele para no balcão, sendo confundido com um cliente pela atendente morena e alta que está do outro lado. Ela arregala os olhos escuros e redondos quando Harry informa que está lá pelo cargo de barista, que estava vago há meses. De acordo com Guido, seu novo chefe, fazer café não é muito diferente de fazer drinks. Harry espera que seja verdade.

    – Harry! – O velho italiano sai de uma das portas nos fundos. – Que bom que está aqui. Entre! – Ele tem um sotaque carregado e a voz rouca.

    Ele leva Harry até a sala dos funcionários - um escritório quente e claustrofóbico, sem janelas, com armários de alumínio azul alinhados contra as paredes e dois bancos de madeira. Guido mostra o armário que será de Harry, dando-lhe uma chave e um avental branco novinho, que leva o logotipo do café sobre o peito. Ele também recebe uma rede para o cabelo, para que possa manter as madeixas longas e encaracoladas longe das bebidas. Talvez fosse hora de cortar o cabelo. Talvez.

    Enquanto Guido está explicando como o relógio de ponto funciona, uma garota afobada entra na sala.

    – Guido, desculpa! – ela ofega e começa a explicar porque está dez minutos atrasada, num ritmo surpreendentemente acelerado para alguém que está sem ar.

    – Tudo bem, Alana. – Guido sorri, usando um tom que indica que aquela não era uma ocorrência rara. – A propósito, esse é Harry. Ele começa hoje.

    – Oi! – Ela sorri enquanto prende o cabelo longo e avermelhado num coque. – Bem-vindo ao time!

    – Obrigado – Harry responde, percebendo o sotaque dela: não italiano, como de seu novo chefe; o dela parece sulista. Harry não é um especialista em sotaques americanos, mas se tivesse de adivinhar, diria que o dela é do Texas.

    – Ele vai ficar com o cargo de barista. – Guido levanta as sobrancelhas.

    – Sério? – Os olhos verde-escuros de Alana se arregalam, como se tivesse acabado de ouvir que Harry é um bruxo. – Bem, finalmente – ela acrescenta, amarrando o avental nas costas.

    – Sim, sim. Demorou até demais. – Guido abre um sorriso largo para Harry e volta a se dirigir a Alana. – Você pode apresentá-lo a Martha e Jaymee? Acho que o trouxe aqui antes de fazer isso.

    – Claro! – Alana concorda e Guido sai da sala. Ela coloca as mãos nos bolsos do avental e observa Harry enquanto ele termina de se aprontar. – Então...

    – Então... – ele repete, lutando para colocar a juba dentro da rede de cabelo.

    – Você tem experiência como barista? – ela pergunta, desconfiada.

    – Eu já passei por uma entrevista, não sei se você sabe – ele responde, irritado com seu novo uniforme.

    Alana cora, num tom de vermelho mais forte do que quando ela chegou sem ar.

    – Só estava perguntando! Credo! – Ela joga as mãos para cima, bate a porta do seu próprio armário e volta para a frente do café.

    Agora tem duas pessoas atrás do balcão de vidro, a mesma garota morena que recebeu Harry e uma mulher mais velha e magra, de cabelo grisalho e curto, estilizado como o de uma atriz de Hollywood dos anos 1950. Ela não está de avental, apesar de seu vestido parecer chique demais para arriscar sujar de café ou chocolate. Quando Harry se aproxima, ela ajusta os óculos pequenos e quadrados e o olha de cima a baixo.

    – Jaymee e Martha, este é Harry. Ele é o novo barista – Alana os apresenta e caminha até as mesas para organizar os cardápios. Deve ser garçonete.

    – Harry, é? Prazer em conhecê-lo, querido. – Martha, a mais velha, estende uma mão para cumprimentá-lo. – Guido me falou sobre você, deve saber que sou a gerente, certo?

    – Sim, eu sei – Harry confirma.

    – Eu trabalho no caixa, e Jaymee aqui é nossa segunda garçonete. – Ela coloca uma das mãos sobre o ombro da garota.

    – Bem-vindo ao time! – Jaymee diz, um pouco animada demais.

    – Obrigado. – Harry sorri educadamente. – É só isso? Quero dizer, temos uma cozinha?

    – Olhe só você, já falando em ‘nós’! Esse é o espírito! – Martha aperta seu braço. – E sim, temos uma cozinha. Fica lá em cima, no apartamento de Guido. Os dois filhos dele assam as coisas e trazem para cá ao longo do dia.

    – Legal – Harry assente, secretamente desapontado. Estava esperando observar e aprender como as coisas são feitas e, talvez, ajudar na cozinha, que é algo que ele ama fazer.

    Martha mostra as opções de bebida e o caderno de receitas. Harry experimenta fazer cada uma das misturas e percebe que, sim, é muito parecido com fazer drinks. Só que quente.

    Alguns minutos antes de abrir, os filhos de Guido - Carlo e Mário - trazem diversas bandejas com cupcakes, muffins e cookies fresquinhos. O estômago de Harry ronca com o aroma doce, que também parece atrair os clientes.

    Para uma loja pequena, eles têm muitos clientes. A maioria deles apenas entra, compra seu café e segue com a vida. Alguns conhecem os funcionários pelo nome e Harry é apresentado a muitas senhorinhas, que, assim como Martha, dão uma boa olhada nele dos pés à cabeça. Isso não o incomoda mais. Depois de tantos anos, Harry aprendeu a aceitar que um cara britânico chama a atenção das mulheres na América. E de alguns homens também.

    Como ele suspeitava, as manhãs seriam agitadas. As duas primeiras horas passam voando, e ele pega o jeito da coisa bem rápido. Pedir café também é bem parecido com pedir bebida, mas sem que as pessoas tenham que gritar, competindo com a música alta.

    Quando o movimento cai, Martha explica como o horário de almoço funciona. Harry tem 45 minutos para sair e comer, ou pode trazer marmita e comer ali. Ela também explica que os funcionários podem tomar café ou comer os produtos de graça, algo que Harry gostaria de ter sido informado antes porque está morrendo de fome quando chega o horário do almoço.

    Com essa nova informação, decide que um café grande e alguns muffins são suficientes para a refeição. Escolhe uma das mesas mais próximas à janela e se senta. O estabelecimento não fica em uma rua movimentada, mas há um bom fluxo de pessoas, já que a estação de metrô mais próxima fica a apenas alguns quarteirões dali. A falta de prédios altos ao redor proporciona a vista perfeita do céu, e Harry está contemplando as nuvens quando alguém se junta a ele na mesa.

    – É isso que vai almoçar? – Alana franze a testa, desembrulhando um sanduíche caseiro e uma maçã. – Vai cansar disso logo. – Ela sorri, aparentemente tendo esquecido da primeira interação deles. – Está gostando daqui?

    – É legal. – Harry dá de ombros, começando seu segundo muffin de banana.

    – Já trabalhou numa cafeteria antes? – ela pergunta, tentando puxar conversa. – Você parece saber o que está fazendo.

    – Não. – Harry balança a cabeça negativamente. Alana espera uma segunda parte da resposta, mas ele não elabora.

    – Então, o que você fazia antes? – ela continua.

    – Barman. – Harry termina o terceiro muffin e se arrepende da decisão de não ter saído para comer.

    – Sei. Então, ser barista é parecido? – ela pergunta e Harry assente em um ‘mais ou menos’ silencioso. – De onde você é? Seu sotaque é engraçado.

    – Não diria que é engraçado – Harry rebate. É diferente, não engraçado.

    – Aposto que é britânico. – Ela estreita os olhos.

    – O que te faz pensar isso? – Harry pergunta sarcasticamente.

    – Palpite. – Alana revira os olhos, fazendo Harry rir.

    Ela termina o sanduíche enquanto o observa, provavelmente esperando que ele elabore. Harry não o faz.

    – Sabe, nós vamos trabalhar juntos todos os dias. Podemos conversar um com o outro – Alana suspira, fazendo uma última tentativa.

    – Não sou muito de conversar – Harry informa, como se não fosse óbvio.

    – Não me diga. – Alana arregala os olhos verdes, fazendo-o rir de novo.

    E então desiste e começa a comer sua maçã, fazendo barulho ao morder. Tira o celular do bolso e começa a mexer, ignorando a presença dele.

    Harry a observa, perguntando-se se sua atitude foi rude. Ela está certa, eles vão trabalhar juntos todos os dias. Podem conversar. Não está acostumado com isso, mas não pode ser tão difícil. E não é como se ela estivesse perguntando sobre seus segredos obscuros, né?

    – Eu sou britânico, sim – ele confirma. Alana levanta os olhos do celular, entediada. – E você, de onde é? Seu sotaque também é engraçado.

    Ela estreita os olhos e demora um pouco a responder.

    – Oklahoma.

    – Sabia que era do sul. – Harry sorri. Alana volta para o celular.

    E eles passam o resto dos 45 minutos de almoço no mais absoluto silêncio.

    ✽✽✽

    – O que você descobriu? – Jaymee cutuca as costelas de Alana.

    – Para! – Alana sussurra entredentes. Harry voltaria do banheiro a qualquer minuto, e ela não quer que ele as escute falando sobre ele. Principalmente porque ela não quer falar sobre ele.

    – Qual é, você tá me matando! – Jaymee implora num tom dramático.

    – Descobri que ele é britânico – Alana diz sem entusiasmo.

    – E? – Jaymee pede que continue, esperando alguma grande revelação.

    – Só isso. – Alana volta a limpar a mesa.

    – Em 45 minutos isso foi tudo o que conseguiu? – Jaymee pergunta, incrédula.

    – Ele é alérgico a conversar, parece – Alana conclui.

    – Bem, temos que mudar isso – Jaymee diz, fazendo Alana rir.

    – Temos? – Ela levanta as sobrancelhas.

    – Certo, eu tenho, então – Jaymee suspira. – Você se importa em trocar seu horário de almoço comigo? Quer dizer, você não tá interessada, né?

    Não é exatamente uma pergunta, mas Alana não se importa. Não está interessada, nem em Harry, nem em homem nenhum. Já tem problemas suficientes sem eles, muito obrigada.

    – Não, não estou interessada. Ele é todo seu. – Jaymee vibra com a revelação.

    – Mas você não pode negar que ele é lindo! Não é? – Jaymee insiste, de olho na porta do banheiro para ter certeza que Harry ainda está lá.

    – Sei lá. Não é meu tipo. – Alana revira os olhos.

    Sim, ele é lindo, mas admitir isso para Jaymee significa ter de continuar falando sobre ele. E ela não quer falar sobre ele.

    – Impossível! Ele é o tipo de todo mundo! – Jaymee exclama. – Não acredito que não está interessada.

    – Não estou procurando namorado no momento. – Alana balança a cabeça. Ainda lembra do último muito bem. Tinha deixado consequências com as quais ainda tinha que lidar.

    – Ninguém disse nada sobre namorado. – Jaymee abre um sorriso malicioso e elas riem.

    Harry sai do banheiro ajeitando o cabelo em um coque. Ele acena com a cabeça quando vê as duas o encarando. Jaymee se abana com uma das mãos quando ele se vira. Alana balança a cabeça de novo. Ah, os jovens e seus corações moles.

    ✽✽✽

    Já passa das seis da tarde quando Martha vira a placa de ‘Aberto’ para ‘Fechado’. Eles limpam o lugar enquanto ela explica a Harry a rotina do final do dia. Eles limpam, organizam, e vão embora. Martha quase sempre fecha o café, sendo Guido o responsável quando ela não o faz.

    Harry dobra o avental para guardar em seu armário e suspira aliviado quando solta o cabelo. Porém, arrepende-se de tê-lo feito na frente das garotas quando vê a expressão delas. Ou, pelo menos, de uma delas. Qual o nome dela mesmo? Jesse? Jane? Ele sabe que começa com J.

    – Para qual lado você vai? – a garota do nome com ‘J’ pergunta quando eles saem do café.

    – Por aqui. – Harry aponta em direção ao metrô.

    – Eu também! – ela responde animada. Claro.

    Alana franze a testa e balança a cabeça, mas não diz nada. Jaymee não quer perder tempo. Eles andam juntos num silêncio constrangedor, que é logo interrompido pela voz de Jaymee. Ela conversa quase que sozinha, já que Harry ainda se recusa a participar de qualquer interação social. Alana se pergunta qual o problema dele. Será uma característica britânica? Não tem como saber, já que ele é a primeira pessoa de lá que ela conhece.

    – Você tem namorada? – Jaymee pergunta, tirando Alana de seus próprios pensamentos. A garota não quer perder tempo mesmo.

    – Não. – Harry franze a testa, mas Alana percebe seu sorriso disfarçado. Será que está gostando da atenção? Deve estar.

    – Sério? – Jaymee levanta as sobrancelhas perfeitas. – Eu apostaria que alguém como você não fica solteiro por muito tempo.

    Alana revira os olhos. Jaymee não a vê fazer isso, mas, infelizmente, Harry vê. Alana imediatamente fixa o olhar na calçada e amaldiçoa a pele clara quando sente as bochechas esquentarem.

    Jaymee ainda está falando sobre algo que ela não está ouvindo quando a voz rouca de Harry a interrompe.

    – Não estou procurando namorada no momento. – Ele dá de ombros, com as mãos nos bolsos da calça jeans.

    A escolha de palavras faz com que Alana volte a encará-lo. Ela e Jaymee trocam olhares desconfiados. Será que ele as ouviu? Seria possível? Alana tenta freneticamente se lembrar do que disse. Pelo menos sabe que não foi nada vergonhoso.

    – Que foi? – Harry faz uma careta diante do silêncio delas.

    – Nada. – Jaymee balança a cabeça, e então decide acrescentar. – Alana disse exatamente a mesma coisa hoje.

    Os olhos de Harry estudam Alana por um breve momento.

    – Então, você não tem namorado?

    – Não. – Alana balança a cabeça, encarando seu olhar curioso.

    – Nem eu! – Jaymee abre um sorriso largo para Harry, e ele finalmente desvia o olhar.

    Jaymee tenta fazer mais algumas perguntas, para as quais não recebe respostas diretas. A certa altura, ela olha para Alana com uma expressão questionadora, à qual ela responde com um ‘eu disse’ silencioso. Ela suspira.

    – Merda. – Jaymee para de repente no meio da calçada. Alana e Harry param a alguns passos de distância, observando enquanto ela procura algo na bolsa. – Esqueci minha carteira, droga, tenho que voltar. Vejo vocês amanhã, tchau! – Ela se vira e volta pelo mesmo caminho que veio.

    Alana não sabe se Jaymee esqueceu mesmo a carteira ou se apenas cansou da atitude de Harry. De qualquer forma, é estranho. Ela e Harry trocam olhares e recomeçam a caminhada para o metrô.

    – Ela é ótima, sabe. E linda. – Alana quebra o silêncio, fazendo Harry se perguntar se elas já haviam fofocado sobre ele.

    – Ela é – Harry concorda. É difícil não notar. – Só não estou interessado.

    Alana franze a testa e o encara. Depois balança a cabeça. É tão impossível assim de acreditar? Ou ele foi muito direto?

    – Também não sou gay – ele acrescenta, por via das dúvidas. E ela começa a rir. Muito.

    Ele tenta ficar ofendido, mas a gargalhada é barulhenta e engraçada, e ele acaba rindo também.

    – Talvez você devesse dizer que é, isso a tiraria da sua cola – Alana diz quando se recompõe.

    – Talvez eu diga – Harry assente. Será que ele vai ter problemas com ela? Estava acostumado com garotas dando em cima dele no bar, mas não eram colegas de trabalho. Qual seria o comportamento adequado nessa situação? Deveria se preocupar? Cristo, é apenas seu primeiro dia!

    – Estou brincando! – Alana levanta as sobrancelhas quando vê a expressão no rosto dele.

    – Ah. – Harry franze a testa. Deus, que estúpido.

    – Bem, eu fico por aqui – Alana anuncia quando eles chegam a sua rua.

    – Certo. Até amanhã. – Harry para, sem saber o que fazer. Não está acostumado com saudações e despedidas. Não está acostumado com conversa fiada. Não está acostumado com outras pessoas.

    – Até. – Alana acena uma mão no ar, sentindo-se boba por fazê-lo. Ela ajusta a bolsa no ombro e se afasta.

    Acelera o passo, ansiosa para chegar em casa. É a melhor parte de seu dia. Quando alcança seu prédio, dois quarteirões abaixo, olha por cima do ombro e fica surpresa ao ver Harry ainda na esquina, observando-a. Ele parece se assustar com isso e acena, correndo para atravessar a rua.

    Deus, que esquisito.

    Capítulo Dois

    O mês acaba num piscar de olhos.

    O primeiro sábado de julho traz o verão com toda a força. Harry tem que se forçar a sair da cama depois de uma noite quase sem dormir por causa do calor - seu quarto tem tanta coisa entulhada que nunca resfria. É em noites assim que ele sente falta do clima britânico. Talvez não só do clima, mas... bem, não pode ter nem o clima, nem o resto de volta.

    Ele toma um banho frio, veste-se e sai para seu lugar favorito em Nova York - o Washington Square Park. Não fica perto de seu apartamento, mas ele gosta de caminhar até lá. No caminho, ele passa no mercado para comprar chá gelado e biscoitos.

    O ar sufocante que torna tudo pegajoso alivia seu peso no parque. A sombra oferecida pelas árvores é fresca e as pessoas caminhando por ali estão alegres. Toda a vizinhança parece um lugar diferente. Como se fosse uma outra cidade dentro da cidade.

    Harry passeia pela pequena área verde por alguns minutos. É quase hora do almoço quando ele se senta na calçada para esperar por Frank, como fazia em todo primeiro sábado do mês. Já era uma tradição.

    – Harry! Você por aqui? – Frank atravessa a rua quando vê Harry.

    – Oi, Frank! Tudo bem? – Harry se levanta e aperta a mão do homem.

    – Tudo na mesma. – Frank mora no prédio que Harry está acostumado a visitar pelo menos uma vez por mês. – E você?

    – Tudo bem. – Harry dá de ombros. Ele nunca sabe como jogar conversa fora até que Frank o convide para entrar.

    – Já conseguiu um emprego? – Frank pergunta, já que da última vez em que se viram, Harry estava desempregado. Tinha oferecido ajuda, mas Harry não tinha aceitado.

    – Consegui – Harry assente.

    – Vai conseguir o dinheiro para pagar por essa pocilga? – Frank ri.

    – Não fale assim. – Harry faz uma careta. – Isso me magoa.

    – Sei. Quer entrar? – Frank pergunta. Ele sabe porque Harry continua aparecendo, mas não entende.

    – Claro. – Harry sorri.

    Seu coração sempre bate mais depressa quando ele entra no térreo úmido e mofado daquele prédio. Ele toma como um sinal de que é o lugar certo, de que o que ele quer é a coisa certa, mesmo que esteja muito fora de alcance. Pelo menos é algo que o distrai, que ocupa sua mente. Pensar sobre o futuro é bem melhor que pensar sobre o passado, mesmo que seja algo praticamente impossível.

    Harry caminha pelo lugar, evitando os tijolos soltos e placas de madeira deixadas no chão de uma reforma que nunca foi terminada. Tudo lá está inacabado, tudo está em pausa, esperando. Com sorte, por ele.

    – Ainda está disponível? – Harry pergunta.

    – Harry, esse lugar vai sempre estar disponível. Você é o único interessado em alugar. – Frank revira os olhos, coçando a barba ruiva.

    – Não por muito tempo. – Harry abre um sorriso largo, repetindo o que sempre dizia quando o via.

    Harry não sabe como convenceu Frank a alugar o lugar. Nem sabe se é legalmente possível. De qualquer forma, consegue visualizar em sua mente: as paredes coloridas; o balcão comprido; os utensílios da cozinha; as mesas parisienses; os cardápios pendurados nas paredes. Se fechar os olhos bem apertado, consegue até mesmo sentir o cheiro do chá quente e dos bolinhos. Está tudo lá.

    Antes de ir embora, Harry atravessa a rua e admira a fachada de sua futura casa de chá. Ele pode fazer isso. Ele sabe que pode. Só precisa de tempo.

    ✽✽✽

    Alana já está acomodada em sua nova rotina. Acordar, ir para o trabalho, voltar para casa, fazer as tarefas, dormir e começar tudo de novo. Ela odeia rotina. Porém, ter consistência era o melhor. Para elas duas.

    Também está aliviada por ter outra pessoa roubando toda a atenção na cafeteria. Enquanto Martha e Jaymee passam todo o tempo falando com Harry ou sobre Harry, ela passa os dias como um fantasma. Ninguém lhe faz perguntas. Ninguém se interessa por sua vida. Não é mais a atração principal. E também está se divertindo demais enquanto assiste Harry lidando com as colegas. Coitado.

    Jaymee vai embora com eles quase todos os dias depois do expediente. Ela os acompanha até que Harry possa escapar para a estação de metrô e depois volta todo o caminho, já que mora na direção oposta. Ela é persistente, Alana tem que admitir, embora não tenha arrancado mais muita coisa dele.

    Elas descobriram que Harry está em Nova York há alguns anos - sem detalhes - e que já trabalhou como barman em alguns bares e pubs - de novo, sem detalhes. Descobriram sobre seus braços tatuados porque um dia, descuidado, ele arregaçou as mangas da camiseta. Disse que as escondeu porque não tinha certeza de como Guido reagiria, mas Alana acha que é porque ele não gosta delas. Obviamente Harry não ofereceu nenhum contexto, mas a maioria dos desenhos são bobos, com algumas letras soltas e linhas que não vão a lugar nenhum. Quando Alana perguntou se ele estava bêbado quando as fez, ele deus de ombros. ‘Algumas’, disse. Mas Alana tem certeza de que foram todas.

    Hoje, Harry ganhou uma folga dos interrogatórios, já que Jaymee precisa ir embora mais cedo por causa de um compromisso com alguma coisa. Alana não prestou atenção. Mas pode jurar que Harry pareceu aliviado quando ficou sabendo.

    Ao final do expediente, eles limpam as mesas em silêncio. Alana se demora a guardar as coisas, para que dê tempo de ele ir embora, mas fica surpresa ao encontrar Harry esperando por ela na calçada. Ele abre um sorriso desajeitado e eles começam o caminho para casa.

    – Então... – os dois dizem ao mesmo tempo quando não conseguem mais aturar o silêncio. Eles riem.

    – Você primeiro – Harry diz.

    – Só ia perguntar se ainda está gostando daqui. – Parece que é a única pergunta que consegue pensar em fazer a ele.

    – É legal. – Harry dá de ombros, de um jeito que está se tornando familiar. – Estou gostando, pra falar a verdade.

    – Mais que os bares?

    – Muito mais. – Harry arregala os olhos verdes. – Eu ganhava mais no bar, mas era muita loucura.

    – Não gosta de loucura, então? – Alana franze a testa. Não é a imagem que ele passa. Com seu cabelo comprido, tatuagens escuras, jeans apertado e camisetas largas, Harry parecia exatamente o tipo de pessoa que curte loucura.

    – Não. – Harry sorri e não elabora.

    – Não parece – Alana suspira, ainda não acostumada com suas respostas monossilábicas.

    – Tenho uma pergunta – Harry declara repentinamente.

    – Você? Que novidade! – Alana brinca, já que nunca é ele que começa as conversas.

    – Pois é, não se acostume. – Harry ri.

    – Manda – Alana encoraja, curiosa.

    – Eu te insultei? – ele pergunta e Alana arregala os olhos.

    – O que?

    – Eu disse algo que te ofendeu? Porque, se disse, peço desculpas. – Ele coloca uma mão sobre o peito, fazendo a situação parecer mais grave ainda.

    Alana tenta engolir o riso com a cena. Ele está falando sério? Ou está zombando dela? Não dá pra dizer.

    – Do que você está falando?

    – Bem... – ele hesita, aparentemente envergonhado com o que está prestes a dizer. – Você não almoçou mais comigo.

    Alana percebe seu rosto ficar um pouco mais rosado. Ele fica fofo quando fica sem graça. Ela sorri.

    – Está com saudades! – ela brinca, fazendo-o relaxar.

    Você não tem ideia, Harry pensa sozinho. Está com saudades do silêncio enquanto come. Está com saudades de não ser interrogado. Está com saudades de não receber cantadas.

    – Jaymee está sendo difícil? – Alana pergunta, embora Harry tenha certeza que ela sabe a resposta. Ele sabe que sua colega de trabalho passa um relatório detalhado de cada palavra que ele diz, mesmo que não sejam muitas.

    – Bem... – Harry sorri. Não tem como responder sem ser rude.

    – Sei. Bem, você pode dizer que não está interessado – Alana sugere.

    – Eu já disse. No primeiro dia. Você estava lá, você ouviu – Harry lembra.

    – Você disse que não estava interessado em namorar. Talvez não seja isso que ela quer – Alana sugere. Harry a observa, confuso, então ela continua. – Talvez ela só queira se divertir.

    Harry arregala os olhos, entendendo. Certo. Diversão. Como se alguém tão investido quanto Jaymee fosse deixá-lo em paz depois disso. Além disso, diversão com uma colega de trabalho nunca é uma boa ideia, ele sabe disso.

    – Bem, não estou interessado nisso também – ele responde.

    – Tem algum interesse por seres humanos? – Alana debocha e ele ri.

    Eles chegam à esquina de Alana e param. Harry a observa com as mãos nos bolsos, implorando silenciosamente para que ela faça alguma coisa sobre o assunto. Por mais que não queira se envolver, Alana acaba prometendo que vai conversar com a colega. Jaymee precisa se afastar se não quiser enfrentar acusações de assédio sexual.

    Harry agradece e a observa se afastar. Alana mora a dois quarteirões de distância e sua rua é estreita e escura. Ele não se sente confortável em ir embora antes de vê-la entrar no prédio. Sabe que Alana já o pegou fazendo isso algumas vezes, mas é mais forte que ele.

    Quando ela desaparece da rua, ele segue para o metrô. Ainda tem meia hora até estar seguro dentro de seu quarto.

    ✽✽✽

    – Jaymee, estou dizendo. Um cara que age como se não estivesse interessado só pode significar uma coisa. – Alana a observa com uma expressão séria.

    – O que? – Jaymee franze a testa.

    – Ele não está interessado – Alana continua enquanto amarra o avental.

    Não tinha mencionado a conversa com Harry na noite anterior. Jaymee não precisa dos detalhes.

    – Talvez você esteja certa – ela suspira. – Talvez seja hora de mudar a estratégia.

    Alana revira os olhos. Que tal deixar o garoto em paz? Credo. Até parece que não existem outros caras bonitinhos na cidade. Jaymee certamente não teria problema para encontrar alguém para se divertir com ela. Ela é alta, tem curvas, sobrancelhas perfeitas e um sorriso lindo. O que Harry tem de especial?

    – Alana? – Jaymee estala os dedos na frente de seu rosto. Ela tinha parado de escutar. – O que você acha?

    – Sobre o que? – Alana franze a testa.

    – Meu Deus, às vezes você é pior que ele – Jaymee reclama e fecha o armário.

    – Eu acho que você deveria relaxar um pouco. Dar um tempo. – Alana ignora seu olhar irritado e continua. – Lembre-se de que ele trabalha aqui. Vai ser duas vezes mais difícil de lidar com o quer que aconteça.

    Jaymee parece ponderar isso por um momento. Ela suspira.

    – O que você sugere?

    Alana sorri. Harry vai ficar lhe devendo.

    ✽✽✽

    – Obrigado – Harry sussurra quando é Alana quem senta com ele no horário do almoço.

    – Você me deve uma – ela brinca. Ao desembrulhar seu sanduíche, é surpreendida por um cheiro maravilhoso. Que vem da comida de Harry. – Onde comprou isso?

    – Eu fiz – Harry diz com orgulho.

    – Você fez? – Alana levanta as sobrancelhas.

    – Por que é uma surpresa?

    – Não sei. – Alana balança a cabeça. Por que ela acha tudo sobre ele surpreendente? Será ela tão crítica assim? – Tem um cheiro delicioso.

    – Quer provar? – Harry oferece ao ver que Alana não tira os olhos de sua marmita.

    – Não, não. – Alana balança a cabeça.

    Ele levanta as sobrancelhas. Deve saber que ela quer. Alana é terrível na cozinha, e o cheiro da comida quente faz seu estômago roncar. Ela faz uma careta. Harry sorri e empurra o prato para ela. Ela experimenta uma garfada e... morre.

    – Meu Deus! – ela exclama de boca cheia. Está delicioso. Alana nem se lembra da última vez que experimentou uma comida tão saborosa. – Está ótimo!

    – Obrigado – Harry ri. – Quer trocar?

    – Não! Não, por favor. – Alana balança a cabeça. Sim, ela quer trocar, mas não pode oferecer um sanduíche de queijo em troca de uma refeição tão elaborada.  – O que é isso?

    – Ensopado de carne com batatas. – Harry parece se divertir com sua reação. Deve achar que ela nunca comeu na vida.

    – Incrível – Alana assente.

    – Tem certeza de que não quer mais? – Harry a observa desconfiado.

    – Absoluta – Alana mente. Seu sanduíche tem gosto de meia suja depois daquilo.

    – Tá fazendo dieta? – Harry pergunta.

    – Não – ela ri, embora estivesse precisando de uma. – Só não tenho talento para cozinhar.

    Também não tem tempo. Com tudo o que anda acontecendo em sua vida, não tem tempo para quase nada.

    – Bem, podemos dividir, se quiser. – Harry dá de ombros.

    – Não precisa. Mas obrigada. – Alana sorri. Ele certamente sabe como ser gentil quando quer.

    Capítulo Três

    Depois da conversa sobre Harry, e mais algumas tentativas mal sucedidas de sua parte, Jaymee parece aceitar o conselho de Alana e se afasta.

    Para alívio de Harry, ele volta a ter seu espaço pessoal enquanto trabalha. Para o desespero de Alana, ela volta a receber atenção dos colegas.

    Jaymee é amigável e doce, e não cansa de convidá-la para sair com ela. Em outra vida, Alana tem certeza de que seriam melhores amigas. Nesta, no entanto, tem de inventar inúmeras desculpas para recusar. Alana sabe que Jaymee vai começar a desconfiar de algo em algum momento. Sabe que precisa contar a alguém em algum momento. Mas ainda não está pronta.

    A única hora do dia em que não precisa se preocupar em inventar desculpas é a hora do almoço com Harry. É sempre um momento calmo e agradável. Não silencioso, como nas primeiras semanas, eles conversam agora. No entanto, com ele, Alana nunca tem de inventar desculpas. Sempre que eles chegam a um tópico que ela não quer discutir, ele sente e muda de assunto. Em troca, ela faz o mesmo. Aparentemente, eles têm mais em comum do que Alana pensava.

    Num desses dias em que há mais conversa do que silêncio, ela decide quebrar um pouco o padrão.

    – Então, qual é sua história? – ela pergunta.

    – Minha história? – Harry franze a testa.

    – É. O que um garoto inglês está fazendo em uma cafeteria em Nova York? – Ela apoia a cabeça em uma das mãos, os olhos brilhando de curiosidade.

    – Bem... – Harry suspira, pensando numa maneira de responder sem dar uma resposta de verdade. – Estou aqui para fingir que o passado nunca aconteceu – ele decide pela verdade. E, com sorte, seria o bastante para fazê-la mudar de assunto.

    – Certo. – Alana estreita os olhos.

    – Qual é sua história? – Harry devolve a pergunta.

    – Minha história... – Alana suspira. – Sou a típica garota caipira que veio pra cidade grande atrás de um sonho.

    Harry assente. É o mesmo tipo de resposta que ele deu.

    – E como está indo até agora?

    – Nada mal – Alana diz.

    – Sério? Trabalhar aqui faz parte do plano? – Harry brinca.

    – Obviamente! – Ela ri, fazendo-o rir também.

    Harry não sabe se deve insistir no assunto. Eles nunca fazem isso, e ele entende o porquê, pelo menos acha que sim. Mas foi ela que começou a conversa, não foi? E ele quer saber mais.

    – Qual sonho? – ele acaba perguntando.

    Alana estuda o rosto dele, tentando adivinhar se o interesse era verdadeiro. E então descobre que quer saber a opinião dele sobre o assunto. Será que ele zombaria dela? Ou a levaria a sério? Será que isso sequer importa?

    – Broadway. – Alana observa os olhos dele se arregalarem em câmera lenta.

    – Sério? – ele pergunta.

    – Sério. – Ela imita o tom dele. É estranho falar sobre isso de novo, depois de tanto tempo.

    Harry franze a testa, encarando-a como se seu rosto tivesse se transformado em algo diferente com a informação nova.

    – O que? – Ela fica desconfortável e inquieta na cadeira.

    – Estou tentando te imaginar em um palco – ele admite.

    Era algo muito ambicioso para uma pessoa tão pequena. Ela não parece do tipo artístico. Talvez ela não tenha talento, talvez por isso seja garçonete e não atriz. Harry não consegue imaginar uma garota que cora tão facilmente se apresentando para centenas de pessoas de uma vez. Agora está curioso para ver.

    – Tem algo em vista? – continua.

    – No momento, não – Alana suspira.

    – Espero que logo, então – Harry diz e Alana hesita.

    – Acho que não. – Ela franze o nariz comprido. – Estou meio que dando um tempo agora.

    – Por que? – Harry franze a testa de novo. Será que está certo sobre ela, afinal?

    – Bem... – ela faz uma pausa que já lhe é bastante familiar: indica algo sobre o qual ela não quer falar. – A vida é cheia de reviravoltas.

    – Com certeza – ele concorda. Ninguém conhece as reviravoltas da vida como ele. – Qual o plano agora? – ele pergunta, mudando o foco. Se não podem falar sobre o passado, talvez possam falar sobre o futuro. Não que ele esteja pronto para compartilhar seus planos em voz alta.

    – Essa é uma boa pergunta! – Alana ri. – Me faço essa pergunta todos os dias. Me diz você, qual o plano agora?

    – Bem, se soubéssemos, não estaríamos sentados aqui, não é? – Harry brinca.

    Alana ri e ele nota a maneira como seu sorriso alcança seus grandes olhos verdes. É um acontecimento raro.

    – Pois é, acho que não – ela repete e sente-se estranha. Não está acostumada a ter nada em comum com ninguém.

    Harry sorri. Está ficando mais fácil conversar. Talvez conversar com outras pessoas não seja tão ruim. Talvez tenha mais em comum com os outros do que imaginava. Ou, talvez, seja só Alana.

    – Então, vamos ouvir – Harry diz abruptamente.

    – Ouvir o que? – Alana se assusta.

    – Sua voz. – Harry sorri.

    – Hum... como é? – Ela parece confusa.

    – Quero te ouvir cantar – Harry insiste, como se fosse algo normal de se pedir para alguém.

    – Haha, tá! – Alana ri e toma um gole do seu café.

    – É sério. – Harry faz uma expressão grave.

    – Não vou cantar para você – Alana diz decidida.

    – Por que não? – Harry se finge de ofendido.

    – Por que eu deveria?

    – Porque estou pedindo?

    – Não te ouvi pedindo. – Alana levanta uma sobrancelha.

    – Você pode cantar para mim? – Harry abre um sorriso forçadamente gentil. – Por favor?

    – Não. – Alana morde o lábio inferior, mas Harry consegue ver seu sorriso.

    – Meu Deus, você é difícil – ele suspira.

    – Não me diga. – Alana revira os olhos.

    – Eu até pedi por favor. Nunca faço isso – Harry aponta.

    – Percebi – Alana ri.

    Harry continua a encarando, pensando numa maneira de convencê-la.

    – Está tentando ler minha mente? – ela brinca.

    – Eu escuto você cantarolando o dia inteiro quando está distraída – Harry comenta, meio envergonhado de ter notado isso.

    – Observador – Alana assente.

    – E você diz que seu sonho é trabalhar na Broadway – Harry continua.

    – E? – Alana inclina a cabeça para o lado.

    – E estou curioso. Quero ouvir – Harry insiste.

    – De jeito nenhum. – Alana balança a cabeça.

    – Qual é. Os dias têm sido tão monótonos, você cantar aqui e agora vai ser uma bênção para todos nós. – Harry se apoia na mesa, batendo o indicador no tampo para enfatizar suas palavras.

    – Não consigo decidir se isso é uma piada ou um elogio. – Alana estreita os olhos.

    – Definitivamente um elogio. – Harry entrelaça os dedos longos, descansando as mãos sobre a mesa. – Mas se você for péssima, pode mudar.

    Alana sorri com esse novo lado intrometido dele. Está se acostumando com suas brincadeiras e senso de humor, mas isso é diferente. O jeito que ele a observa é diferente. Odeia nunca saber se ele está realmente interessado ou só zombando dela. E odeia aquela vozinha dentro dela que se importa com o que ele pensa.

    – Ah, tudo bem! – Ela decide que quer descobrir. – Prepare-se – ela o avisa. O sorriso de Harry se alarga e ele cruza os braços, encostando-se na cadeira.

    Os pensamentos de Alana se aceleram. Ela fecha os olhos para se afastar do mundo. Só então percebe que fazia um bom tempo que não cantava. Uma longa lista de músicas aparece em sua mente, e ela tem dificuldades para escolher uma.

    Ela sente Harry ficando impaciente, mas ele permanece calado. Ela o agradece mentalmente por isso e começa a relaxar.

    Alana se lembra de uma das músicas que costumava cantar quando chegou na cidade e percebeu que as coisas não seriam tão fáceis como tinha pensado. A letra conta a história de alguém que sabe onde quer chegar, mas não sabe como. Ela suspira com a constatação de que isso era tão verdade agora quanto no dia em que desceu daquele trem.

    Ela começa, a voz não mais que um sussurro. É mais difícil do que pensou que seria, como se a música estivesse enterrada tão fundo que ela não conseguisse alcançar. Mas ela insiste.

    Harry se inquieta na cadeira quando o primeiro verso de Roots Before Branches sai da boca de Alana. O fato de ela escolher uma música com uma letra tão significativa o deixa nervoso. Se não conhecesse a música, diria que está cantando sobre ele e não para ele.

    Conforme a voz dela se fortalece, Harry nota que todos no lugar ficaram em silêncio. Ele olha em volta e, como todos ali, percebe que está testemunhando algo especial. Dá pra ver que a música também significa muito para ela. Dá pra ver que ela não está mais na cafeteria com ele. Ele sente uma conexão, algo que há muito tempo não sentia por outra pessoa.

    Os segundos que se passam entre Alana terminar a música e todos começarem a aplaudir são infinitos. Aquela música nunca foi mais especial para ela do que agora. Ela nunca cantou com tanta paixão. E como ela sentia falta de cantar!

    Harry não consegue tirar os olhos dela. Está maravilhado com a maneira como aquela garota frágil e baixinha tinha se transformado em sua frente. Lentamente, mas sem dúvida, percebe que algo tinha mudado, naquele momento.

    Todos no café, incluindo Jaymee, Martha e até Guido, que tinha saído do escritório, estão de pé aplaudindo Alana. Eram menos de dez pessoas, mas todos ficaram positivamente surpresos com a apresentação gratuita. Alana finalmente abre os olhos e olha em volta, corando enquanto agradece a gentileza de todos.

    – Você sabia que ela cantava? – Guido pergunta à Martha antes de voltar ao escritório.

    – Meu Deus! Que voz! – Jaymee se aproxima com os olhos arregalados.

    Ela bombardeia Alana com perguntas e elogios e só se afasta quando um dos clientes chama. Alana então se volta para Harry, que está paralisado no lugar, um olhar surpreso no rosto.

    – Então? Mudou de ideia? – ela pergunta com um sorriso tímido.

    – O que? – Harry ainda não conseguia processar as coisas direito.

    – Sobre o elogio? – Alana o lembra do início da conversa, que parece ter acontecido há um milhão de anos.

    – Ah, certo, não, claro que não! – Harry volta ao presente, gaguejando. – Continua sendo um elogio.

    – Ótimo – ela sorri, tomando outro gole de café.

    – Na verdade... – Harry continua, sentindo que precisa dizer algo mais, precisa contar que significou algo para ele. – Estava certo quando disse que seria uma bênção para todos nós. Foi mesmo.

    – Ah, por favor... – Alana balança a cabeça.

    – É... é sério – Harry insiste, apoiando-se na mesa de novo, esperando que suas palavras fossem suficientes para fazê-la entender o que tinha acabado de fazer.

    – Obrigada – Alana responde, desviando o olhar.

    – Você tem chance nisso. Você tem uma chance real nisso – Harry comenta.

    – Em que? – Alana franze a testa.

    – Em que? – Harry pergunta atônito. – Eu diria em qualquer coisa que você quiser, mas estava me referindo ao negócio do seu sonho.

    – O negócio do meu sonho? – Alana ri.

    – É! Você deveria voltar a tentar.

    – É mais complicado que isso.

    – Eu sei. Sempre é. Você deveria voltar a tentar do mesmo jeito. – Harry nota o sorriso apagado dela e se pergunta o que pode ter dado tão errado para fazê-la desistir.

    – Obrigada – Alana diz. Ela abre a boca novamente, mas seja o que for que ela ia dizer, não diz. Interrompe o contato visual, balançando a cabeça, e quando olha para ele novamente, está sorrindo. – Obrigada, de verdade. – Ela alcança as mãos dele na mesa e aperta seu pulso magrelo duas vezes antes de se levantar e voltar para o balcão.

    – Não, eu que agradeço – Harry sussurra sozinho.

    Ele observa Alana por um tempo antes de voltar ao trabalho e percebe que está curioso. Eles se conhecem há apenas alguns meses, mas ele já sabe dizer quando ela está perdida em pensamentos, ou preocupada, ou só cansada. Sabe que ela gosta do seu senso de humor, principalmente quando se finge de presunçoso. E que ela também está curiosa. Sabe que eles têm limites, mas... quer saber mais. Quer conhecê-la.

    No entanto, tem consciência de que é uma via de mão dupla, e não tem certeza se está pronto para se abrir ainda. Na verdade, há alguns dias, estava certo de que não iria, nunca mais. Porém, ser humano é uma coisa estranha e, como um ser humano muito interessante já lhe disse uma vez, a vida é cheia de reviravoltas.

    Capítulo Quatro

    A sexta-feira começa agitada no Green Bean.

    A queda na temperatura e o dia nublado parecem trazer os clientes de volta. Todo mundo quer café quente e bolinhos de novo. Carlo e Mário têm de abastecer a loja com seus produtos deliciosos duas vezes antes do almoço. Todas as mesas

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