Hiperactividade e défice de atenção, ausência e procura de si
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Sobre este e-book
Pedro Strecht
Pedro Strecht, é Médico de Psiquiatria da Infância e Adolescência. Vive e trabalha em Lisboa. Casado, pais de três filhos. Licenciou-se na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Realizou o internato geral no Hospital de são Francisco Xavier e o internato da especialidade no Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital de Dona Estefânia. Actualmente trabalha em consulta privada e realiza também trabalho clínico no GPS- Lar de Infância e Juventude Especializado e na ART- Associação de Respostas Terapêuticas, em Castro Verde.
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Hiperactividade e défice de atenção, ausência e procura de si - Pedro Strecht
1. Introdução: Diagnóstico, Erro e Certeza
Abordar o tema da Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA) em crianças e adolescentes deve incluir uma visão mais vasta em relação à forma como a questão tem sido sucessivamente debatida nos últimos anos.
O exagero de (falsos) diagnósticos e a resposta (quase) exclusivamente farmacológica precisam claramente de ser revistos e pedem, nos tempos actuais, uma profunda mudança de paradigma individual, familiar e social de que todos podem ser agentes activos.
Descrita como uma problemática extremamente comum neste novo século, destaca-se pela grande incidência e prevalência nas sociedades mais desenvolvidas: quando num mesmo país se olha para a distribuição geográfica dos casos descritos, de igual modo se percebe com facilidade a mancha que cobre densamente as zonas mais populosas, industriais e os seus grandes subúrbios.
Contudo, até um olhar superficial concluirá rapidamente que o número destas situações parece atingir uma realidade absurda de jovens em todo o mundo. Mas até que ponto esse facto é verdadeiro, correspondendo a diagnósticos seguros, ou é sobrevalorizado, dado ser apenas descritivo de alterações de comportamento que, na realidade, podem estar presentes em múltiplas situações emocionais de significado diverso?
Falar de hiperactividade e défice de atenção tornou-se um facto banal que entrou na linguagem comum de pais, educadores, professores, psicólogos, médicos e que, infelizmente, se utiliza para rotular de forma simplista, abusiva e, em algumas situações, até lesiva, uma geração de jovens de agora, adultos das sociedades futuras.
As consequências são ainda difíceis de prever, inclusivamente as causadas em rapazes e raparigas que, desde idades precoces e por tempo indeterminado, tomam diariamente psicofármacos para conter estes sintomas. E ainda porque parece ser difícil ignorar a perspectiva psicossocial das mais profundas raízes e desenvolvimentos da PHDA, fulcral em qualquer atitude preventiva e terapêutica.
De facto, esta perturbação parece espelhar os avanços e recuos da própria humanidade, sendo que a rapidez e a facilidade com que a maioria destes jovens se move, age, desorganiza e desintegra, pede ao mesmo tempo o movimento oposto de tranquilidade, contenção, coesão e continuidade. Como consegui-lo?
Um ponto prévio apela à necessidade de compreensão de uma nova dinâmica social e pessoal entre continente (a realidade que envolve, o que está fora) e conteúdo (o interior, o que cada qual pensa e sente), que ajude a devolver ao crescimento emocional dos mais jovens um sentido de profundidade, sentido e inscrição. Pedem-se relações intra e interpessoais mais sólidas, duradouras e representativas, em que para além do eu
(dentro) se mantenha viva a noção do outro
(fora). O que olha, mas também é olhado; o que pede, conseguindo dar; o que deseja, tolerando a espera; o que pretende a luz e o sucesso, mas integra a falha e a perda.
Retomando a citação de Séneca, dir-se-ia que, perante a busca de um ideal de felicidade para a vida, muitas vezes se tacteia em busca de um rumo certo, da procura remanescente da luz. Mas esta não pode existir sem a integração da sua própria alteridade: a sombra, o silêncio. Vida e morte. Agitação e movimento. Continuidade e quebra. Presença e ausência.
A tarefa parece ser de complexidade elevada numa sociedade cada vez mais descrita como narcísica e hedonista, isto é, predominantemente centrada sobre si própria, em activação e ligação permanente, em que cada vez mais o outro é usado como mero objecto funcional: um meio para atingir certo fim, despojando-o de conteúdo e subjectividade.
Talvez a incidência actual de casos de PHDA evoque a eminente necessidade de tomar mais o todo do que a parte. O ser, sobre o ter ou o parecer. Ou a construção de uma arte da vida muito mais ampla que um modelo atomicista, fragmentado, pautado pela sua fluidez, inconsistência, vacuidade; visão a que, aliás, não parece escapar (como em outros campos) a definição e o modelo de intervenção vigentes sobre a maioria dos casos de