Escolas sensíveis ao trauma: um modelo de intervenção e prevenção na primeira infância
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Sobre este e-book
O objetivo deste livro é apresentar o resultado de uma revisão de literatura sobre um possível modelo de proteção do desenvolvimento infantil chamado educação sensível ao trauma, que pode ser descrito como espaços de educação que incluem em sua prática pedagógica o conhecimento sobre os processos de desenvolvimento infantil em ambientes que provocam constante ativação do sistema nervoso da criança, seus efeitos no organismo, no comportamento ao longo da vida e nos processos de aprendizagem e aquisição de habilidades socioemocionais. Escolas sensíveis ao trauma possuem características no ambiente e na pedagogia que possibilitam a transformação da cultura escolar no sentido de ser capaz de atender a crianças em contextos de adversidades.
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Pré-visualização do livro
Escolas sensíveis ao trauma - Bruna Musumeci
Ao Emanuel, que me ensinou o mais importante e muitas outras coisas.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha avó Marilina, que esteve do meu lado ao longo de muitos processos de aprendizagem, dos primeiros passos à Pós-Graduação, aos meus pais, Barbara e Luiz Eduardo, pelas trocas intelectuais e afetivas ao longo da vida e ao Gabriel, pelo companheirismo incondicional e pelo apoio sempre.
A biologia se parece mais com a história do que com a física. Você tem de conhecer o passado para compreender o presente. E tem de conhecê-lo em detalhes. Ainda não existe uma teoria preditiva da biologia, assim como não existe uma teoria preditiva da história." (Carl Sagan, 1980, p. 74)
PREFÁCIO
É necessária muita sensibilidade para ouvir os pedidos silenciosos de uma criança e entender o que se passa dentro do mundo dela. Algumas crianças são explícitas e conseguem de alguma forma demonstrar seus impulsos, mas outras ainda são incapazes de fazê-lo e guardam a pressão e o desconforto deste silêncio dentro de si.
Imaginem uma criança com estas dores silenciosas entrando pela primeira vez em uma sala de aula e o impacto que seria quando encontrasse um grupo alheio as suas dores, num cenário de intensidades e ritmos muito diferente, onde as intenções e propósitos de estar lá ainda são incertos para todas elas. Nestas confluências de intenções e intensidades o sentimento de insegurança da criança se manifesta de formas as vezes inadequada, traduzida em comportamentos disfuncionais, agressivos, territoriais ou distanciados, levando para uma competição da atenção e acolhimento de um adulto mais equilibrado para poder acolhê-la, regular-se, e voltar a pertencer.
Eu sempre admirei profissionais que percebiam a sensibilidade e as dores que as crianças traziam, e que com habilidade, autenticidade e presença equilibrada conseguiam criar um campo tão seguro que estes machucados e diferenças se transformavam num aprendizado vivo, chegando a ser palpável em sala de aula. Os tímidos podiam ser tímidos e ter segurança para arriscar levantar a mão para responder uma pergunta em classe, os bagunceiros podiam ser bagunceiros e permitir-se mostrar suas falhas e vulnerabilidade, geralmente escondidas na intensa agitação e buscas de atenção.
Porém as mudanças repentinas de hábitos, valores e interesses sociais tornaram este processo natural de corregulação entre adultos e crianças mais complexo. Situações como exposição das crianças à conteúdos inadequados; a dificuldade que profissionais têm em lidar com os efeitos emocionais em sala de aula; o enrijecimento de regras punitivas como mecanismo de contenção as crianças; o uso excessivo de medicamentos em crianças para equilibrar sintomas causados primariamente pela inadequação do próprio sistema, a falta de incentivo a capacitação dos profissionais, criaram uma situação de sobrecarga em todo o sistema. Porém, enquanto as soluções práticas não se apresentavam eficientes, e a conversa entre as partes responsáveis foi se esgotando, a inabilidade presente impôs as crianças a responsabilidade de se autorregular tornando-as suscetíveis aos estímulos ainda mais invasivos, estressantes, deixaram as crianças mais expostas, sem discernimento do que fazer ou como se orientar nas situações do dia a dia.
Hoje muitas instituições e escolas sabiamente se adiantaram e adotaram metodologias especializadas em sofisticar o olhar dos professores e equipar os profissionais com abordagens que olham mais de perto estas crianças sensíveis ao estresse e ao trauma facilitando a autorregulação e a integração destas crianças mais sensíveis e vulneráveis ao grupo mais resiliente.
Este livro aponta para o futuro das instituições, escolas e profissionais que trabalham com as crianças deste século 21, trazendo a essência e as diferenças das metodologias voltadas para as escolas sensíveis ao trauma mostrando que este é um caminho inevitável, porém ainda aberto com muito a ser explorado para aqueles que se preocupam com as crianças e querem construir com mais eficiência uma sociedade mais empática, criativa e construtiva.
Alexandre Duarte
APRESENTAÇÃO
Quando eu fiz o mestrado em psicologia, entre 2019 e 2020, eu queria estudar alguma coisa que pudesse ser colocada em prática e fizesse algum sentido no cenário brasileiro de tantas desigualdades e violências. Por um lado, eu queria entender de que formas a infância constitui nossa saúde e influencia nosso comportamento e, por outro lado, eu queria identificar intervenções possíveis para apoiar o desenvolvimento infantil em contextos de adversidades. Eu quis identificar algumas conexões possíveis entre experiências sociais, o corpo, a mente, a doença e a cura.
Eu já trazia comigo a ideia de que as primeiras interações das crianças com seu ambiente, que inclui pessoas, espaços, palavras, alimentação e outras coisas, produzem efeitos que podem facilitar ou prejudicar o desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais. Eu conhecia alguns modelos de intervenção para a primeira infância que oferecem apoio aos pais, principalmente às mães, às vezes em unidades de saúde e às vezes fazendo visitas domiciliares. No entanto, as escolas são espaços privilegiados para o cuidado com o desenvolvimento infantil, mas também, muitas vezes, espaços onde traumas se perpetuam, fazendo com que sejam incompatíveis com as necessidades e capacidades das crianças e adolescentes de uma forma geral, por isso escolhi um tipo de intervenção que fosse no campo da educação.
Se nos debruçamos ao mesmo tempo sobre o contexto de violências e adversidades e sobre os efeitos das adversidades no desenvolvimento cognitivo e socioemocional, fica evidente que as escolas precisam estar preparadas para atender crianças que experimentam altas e frequentes taxas de estresse tóxico, a escola como um todo precisa ser um espaço de segurança e resiliência para que as crianças possam experimentar um processo de aprendizagem.
Como já deve ter dado para perceber, eu adotei uma perspectiva ecológica da Psicologia, uma vez que descrevo nosso processo de desenvolvimento acontecendo no encontro do nosso organismo com seu ambiente.
O objetivo desse livro é apresentar algumas práticas e modelos da educação sensível ao trauma, voltados para proteção das crianças contra os efeitos do estresse tóxico sobre o desenvolvimento cognitivo na educação infantil e primeiros anos do ensino fundamental, além de apresentar algumas reflexões sobre desenvolvimento cognitivo no campo da psicologia. Como a psicologia nunca anda sozinha, sempre dá as mãos para outras áreas de conhecimento, aqui também tem um pouco de neurociência e filosofia da educação. Eu desejo que esse livro seja o começo de uma conversa e gere muitas perguntas. Também desejo que as escolas no Brasil e no mundo possam ser espaços de inspiração, de cuidado, de aprendizagem, de criatividade, de cidadania, de democracia e de resiliência.
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
NO INÍCIO DA VIDA OU ALGUNS CONCEITOS INICIAIS
EXPERIÊNCIAS ADVERSAS NA INFÂNCIA
O MODELO DE BIODESENVOLVIMENTO DE SHONKOFF
FATORES FORTALECEDORES DO DESENVOLVIMENTO
ESCOLAS SENSÍVEIS AO TRAUMA
Sistemas de suporte multiníveis
Modelo ARC
Modelo Santuário para escolas culturalmente responsivas e sensíveis ao trauma
Estratégia de intervenção baseada na positividade (PBIS)
Educação positiva sensível ao trauma (EPST)
Intervenção cognitiva comportamental para trauma em escolas (CBITS)
Comunidade de suporte parental
Modelo de Perry e Daniels – Aliança de New Haven contra o trauma
Modelo de Shamblin – Consultoria de saúde mental para a primeira infância (CSMPI)
Escola de defensores da saúde comunitária (EDSC)
Harmony Elementary School (HES)
CAPDD – Um guia de intervenção
DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO
QUAIS SÃO AS EVIDÊNCIAS SOBRE A EFETIVIDADE DAS ESCOLAS SENSÍVEIS AO TRAUMA (EST)?
ANÁLISE DOS DIFERENTES MODELOS E EXPERIÊNCIAS
NOVE PRINCIPAIS ASPECTOS DE UMA EDUCAÇÃO SENSÍVEL AO TRAUMA
Sobre cognição e construção de sentido
TEORIA POLIVAGAL
ENGAJAMENTO SOCIAL E COMUNITÁRIO
ABORDAGENS ECOLÓGICAS DA PSICOLOGIA
AFFORDANCE
BEHAVIOR SETTING
APROXIMAÇÕES E AFASTAMENTOS ENTRE AFFORDANCES e BEHAVIOR SETTINGS
MODELO BIOECOLÓGICO DO DESENVOLVIMENTO
ALGUNS DADOS SOBRE O ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CRIANÇAS E A EDUCAÇÃO INFANTIL NO RIO DE JANEIRO
CONSIDERAÇÕES FINAIS