Economia política portuguesa contemporânea: uma breve mirada brasileira
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Economia política portuguesa contemporânea - Julio Manuel Pires
INTRODUÇÃO
ECONOMIA POLÍTICA
PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA:
UMA BREVE MIRADA BRASILEIRA
No final da segunda década do século XXI, Portugal apresentava-se como modelo de recuperação econômica para o mundo todo, após os eventos traumáticos que caracterizaram a economia mundial a partir de 2008. Essa melhora significativa no desempenho da economia portuguesa se encontra atrelada não só a modificações operadas no âmbito da política econômica, mas também no que se refere à política externa e políticas setoriais, com destaque, nesse caso, para o setor de turismo. Igual importância também deve ser emprestada aos arranjos políticos construídos no período.
Dessa forma, o livro propõe-se a analisar a economia política portuguesa, com ênfase no período recente e na crise econômica profunda ocorrida no início da segunda década do século XXI e no processo de recuperação subsequente, com foco nos temas anteriormente enunciados.
Para tanto, procede-se, inicialmente, no primeiro capítulo, um exame da evolução do cenário político em Portugal, apresentando uma retrospectiva da performance dos partidos políticos entre 1910 e 1973, nos períodos considerados republicanos na história política de Portugal, quais sejam, a 1ª República (1910-1933) e o Estado Novo, também denominado de 2ª República (1934-1973) por alguns historiadores. Na sequência, procede-se uma análise da evolução da democracia representativa portuguesa no período 1975-2019, também com ênfase na dinâmica dos partidos políticos no processo de ocupação do poder de representação da sociedade portuguesa, no contexto e limites da democracia burguesa.
O capítulo seguinte detém-se na análise das finanças públicas do estado português, buscando realçar a aguda crise fiscal desencadeada a partir dos eventos relacionados à crise de 2008 e o processo de ajuste fiscal realizado nos últimos anos da segunda década do século, seus impactos sobre a economia e a importância do setor externo na recuperação econômica.
Em seguida, no capítulo três, o estudo passa a focar na política monetária de Portugal, com especial destaque para um ponto de inflexão histórico importante que foi a adoção do euro como moeda pelas economias de parte substancial do continente. A implementação do euro resultou em um período de estabilidade macroeconômica, em especial com relação ao comportamento da inflação. Entretanto, a crise financeira internacional do subprime impactou profundamente a Europa e, com mais intensidade, a economia portuguesa, exigindo uma política monetária expansionista por parte do Banco Central Europeu e a adoção de medidas de política econômica de estímulo à retomada do crescimento. Seguiu-se então um período de taxas de juros baixas com a recuperação econômica apoiada no setor de serviços, que foi interrompida com a pandemia da Covid-19, o que traz incertezas para o futuro econômico de Portugal.
Segue-se, no capítulo quatro, o exame minucioso da política econômica externa portuguesa em que se analisa essa política e seu desenvolvimento na perspectiva da adesão do país à União Europeia e seus resultados nas relações econômicas internacionais de Portugal. Salienta-se, no âmbito dessa análise, o marco jurídico de adesão de Portugal à União Europeia, bem como o desenvolvimento das relações legais e situação jurídica atual no espaço de integração europeu, finalizando com a situação da economia política internacional pré-pandemia.
Finalmente, no quinto e último capítulo, propõe-se uma discussão sobre a importância do setor de turismo para a economia de Portugal e sua recuperação ao final dos anos 2010. O turismo é uma atividade de destaque para a economia portuguesa, e foi vista por muitos como um exemplo de superação após a crise de 2008. Portugal, por sua posição geográfica, conta com características naturais que chamam atenção não apenas de turistas europeus, mas do mundo todo. Este capítulo reúne algumas das principais medidas colocadas em prática pelo país para que o setor de turismo fosse impulsionado. Por meio do Plano Estratégico Nacional do Turismo (Pent), o país identificou os pontos fortes e fracos do setor turístico, e estabeleceu metas para o crescimento e desenvolvimento do setor. São discutidos os pressupostos centrais do plano, e como ele colaborou para a gestão do turismo português nos últimos anos, trazendo o que era esperado em termos de desenvolvimento do setor.
Trata-se, portanto, de uma tentativa de pesquisadores brasileiros de contribuir para o debate a respeito do desempenho da economia e política portuguesa recente, fornecendo subsídios para o público brasileiro poder entender de forma mais atilada à evolução recente desse país, cujos laços com nosso país vão além da herança histórica comum.
CAPÍTULO 1
Os Partidos Políticos
e a Política Portuguesa
Antonio Carlos de Moraes
1. Introdução
Nosso planeta, ainda mantendo a forma esférica, a despeito dos nazi-negacionistas, com raras exceções de países que reúnem atributos que justifiquem o emprego do termo socialista para designar o sistema político e econômico praticado,¹ caminha sob o invólucro da democracia representativa, como a forma de governo predominante. Algumas variantes dessa forma são encontradas como o presidencialismo, o semipresidencialismo e o parlamentarismo, mas suportam uma categoria fundamental, que lhes permite qualificá-las como democracias liberais, ou democracias burguesas.
São formas de Estado compatíveis com o Estado capitalista, em que também cabem as formas de Estado autoritárias, pois o capitalismo não tem nenhum compromisso com a democracia, como já nos ensinava Marx em O dezoito brumário de Louis Bonaparte (1984). É imprescindível deixar claro, que sob qualquer das formas que assume, o Estado capitalista é um Estado de classe, e mais objetivamente, o Estado de uma classe, a classe dominante, a burguesia.
Quando esse Estado assume qualquer uma das formas representativas que permita reconhecer a prevalência de uma democracia liberal, por meio do escrutínio, abrem-se espaços para que representantes de outras classes e segmentos da sociedade que não estão contidos nas classes dominantes, possam ocupar um espaço no que podemos chamar de instância política
. É nela que os representantes ungidos para defender os interesses segmentados de uma sociedade com aspirações heterogêneas, confrontam-se em um embate para institucionalizar, tornar legal
os desejos dos representados. Sobre a eficácia e limitações de um governo representativo, sem o objetivo de explorar esse tema nesta oportunidade, mas vale lembrar que John Stuart Mill em sua obra Considerações sobre o governo representativo (1981), dedicada a defender esse modelo de democracia como a melhor solução no contexto de uma economia capitalista, faz uma ressalva importante para o sucesso desse modelo: os homens que ocupam cargos no governo devem atender duas exigências básicas, terem espírito público e não serem corruptos. Pensemos nos nossos dias.
É no Estado que está a superestrutura legalizadora
que oficializa os vícios e as virtudes da sociedade, por meio do aparato jurídico que compreende um conjunto de instituições, cortes e instrumentos jurídicos que vão desde a Constituição até Decretos e Medidas Provisórias que determinam o regramento exigido para a manutenção da ordem civil desejável para uma formação social baseada na propriedade privada e na divisão de classes, que são as categorias fundamentais de um modo de produção capitalista.
Apesar da ligação visceral da economia com a instância política, é conveniente registrar o esforço explícito na ideologia dominante, portanto, a que defende o status quo de uma sociedade capitalista, calcada na divisão de classes e na propriedade privada, de trabalhar contínua e intensamente em consagrar a separação entre economia e política. Essa separação não se fazia presente no modo de produção asiático, tampouco no feudalismo, mas passa a ter um caráter estratégico no modo de produção capitalista, favorecida pela autonomia e dinâmica do processo de acumulação de capital como valor que se valoriza por meio da exploração da força de trabalho na produção de mercadorias que invadem os mercados portando valores de troca.² A economia aparece como um mundo à parte, com vida própria e independente da ação de forças estranhas à lógica do mercado, como sonham os