A Universidade como deve ser
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Sobre este e-book
António M. Feijó
António M. Feijó é professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (de que foi director) e vice -reitor da mesma universidade. O seu último livro: Uma admiração pastoril pelo diabo (2015).
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A Universidade como deve ser - António M. Feijó
António M. Feijó e Miguel Tamen A Universidade como deve ser
Que farei com este curso? Esta é a pergunta que milhares de alunos se colocam todos os anos.
E se for a pergunta errada?
Um dos passos fundamentais para a liberdade individual está, hoje, reduzido à fórmula do emprego garantido. A universidade está presa à empregabilidade. Neste círculo vicioso, olhamos para a licenciatura como meio para atingir um fim cada vez mais especializado.
O que a universidade realmente é e aquilo que deve ser, num ensaio que faz a radiografia ao coração do País: a educação universitária.
Na selecção de temas a tratar, a colecção Ensaios da Fundação obedece aos princípios estatutários da Fundação Francisco Manuel dos Santos: conhecer Portugal, pensar o país e contribuir para a identificação e para a resolução dos problemas nacionais, assim como promover o debate público. O principal desígnio desta colecção resume-se em duas palavras: pensar livremente.
FeijoTamen.tifAntónio M. Feijó É professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (de que foi director) e vice-reitor da mesma universidade. O seu último livro: Uma admiração pastoril pelo diabo (2015).
FeijoTamen.tifMiguel Tamen É professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e membro do Conselho Geral da mesma universidade. O seu último livro: Erro extremo (2017).
António M. Feijó e Miguel Tamen
A Universidade como deve ser
Ensaios da Fundação
logo.jpgLargo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 7.º piso
1099-081 Lisboa
Portugal
Correio electrónico: ffms@ffms.pt
Telefone: 210 015 800
Título: A Universidade como deve ser
Autores: António M. Feijó e Miguel Tamen
Director de publicações: António Araújo
Revisão de texto: Susana Pina
Design e paginação: Guidesign
© Fundação Francisco Manuel dos Santos, António M. Feijó e Miguel Tamen, Setembro de 2017
Os autores desta publicação não adoptaram o novo Acordo Ortográfico.
As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade dos autores e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada aos autores e ao editor.
Edição eBook: Guidesign
ISBN 978-989-8863-26-3
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Prefácio
I. Uma ideia de Universidade
Intervalo – Um exemplo
II. A Universidade como devia ser
Conclusão
Este livro é para o nosso colega José Manuel Pinto Paixão, Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e um dos responsáveis pela licenciatura em Estudos Gerais.
Prefácio
A primeira coisa que há a dizer é que este não é um livro de ciências sociais. Não é um livro que queira partir de dados para fazer recomendações sobre políticas públicas. Há naturalmente lugar para esses livros, mas este livro é de natureza diferente. É um livro que descreve como funcionam e em parte imagina como podiam funcionar as universidades portuguesas. Mas nem as descrições nem as imaginações são exaustivas, nem achámos que devessem estar excessivamente comprometidas com todos os dados que existem sobre o assunto. Em suma, este não é um livro técnico.
Quando neste livro falamos de universidades portuguesas referimo-nos quase exclusivamente às universidades públicas. Não consideramos o caso das universidades privadas (cujo número de alunos em 2016 correspondia a 16% dos alunos matriculados no ensino superior em Portugal), nem o caso particular do ensino politécnico público (onde em 2016 estudavam cerca de 30% dos alunos matriculados no ensino superior em Portugal). Apesar de este último caso ser estatisticamente significativo, não será discutido. O nosso objectivo foi o de tentar descrever a universidade o mais possível separada de considerações vocacionais, isto é, de considerações sobre o exercício de profissões definidas; ora no ensino politécnico essas considerações têm uma proeminência quase exclusiva. Interessa-nos pelo contrário a chamada universidade de investigação, um tipo de universidade onde se combina o ensino com o alargamento do conhecimento.
Este livro foi pensado para pessoas que nunca perceberam bem como funciona uma universidade em Portugal; ou para pessoas que só ouviram falar desse funcionamento através dos jornais; e também para pessoas que sabem bem como funciona uma universidade em Portugal, mas que nunca imaginaram que pudesse funcionar de outra maneira; e finalmente para pessoas que também imaginaram outros modos de funcionamento para as universidades em Portugal. O nosso livro é assim um livro para universitários e não-universitários, políticos e não-políticos e sobretudo para o leitor comum, para todos aqueles a quem o problema interessou, interessa ou pode vir a interessar.
O livro tem duas partes. Na primeira será dada atenção quase exclusiva àquilo a que chamamos uma ideia de universidade. Examinar-se-á a teoria, que se ouve constantemente, segundo a qual a universidade serve para proporcionar empregos: é uma teoria de que discordamos. Nesta parte do livro o tom será geral: tentaremos responder às perguntas que nos parecem mais importantes; são no entanto perguntas a que quase nunca se reconhece importância, ou pelo menos importância prática: entre elas estão perguntas sobre o que é uma universidade, o que se faz numa universidade, para que serve uma universidade, o que é que as pessoas podem, ou não devem, esperar de uma universidade. Na segunda parte do livro descrevemos modos de fazer as coisas característicos das universidades em Portugal: como as universidades recrutam os seus alunos, como os financiam, como são estabelecidos os currículos, como são governadas e, finalmente, como são recrutados e promovidos os seus professores. Para concluir, propomos alternativas a esses modos de fazer as coisas. É nossa convicção que as alternativas melhorariam a situação actual. Entre as duas partes incluímos aquilo a que chamámos um Intervalo: trata-se de uma pequena história sobre uma experiência universitária em que ambos estivemos envolvidos, a experiência da criação de uma licenciatura inédita em Portugal, a licenciatura em Estudos Gerais da Universidade de Lisboa. Cremos que a nossa experiência ajuda a perceber muitas das características da universidade portuguesa que discutimos ao longo de todo o livro.
Somos ambos professores na Universidade de Lisboa. Por várias razões contingentes acabámos ao longo do tempo por conhecer o funcionamento da nossa universidade por dentro; e também por desenvolver ideias acerca do funcionamento das universidades em Portugal, e do modo como esse funcionamento poderia ser melhorado. Tal conhecimento é também um conhecimento do modo como o Estado lida com as universidades em Portugal. A palavra ‘Estado’ refere-se neste livro a uma variedade grande de organismos públicos, que ocasionalmente será necessário considerar em algum pormenor. Entre estes destaca-se aquele a que chamamos neste livro ‘Ministério da Educação.’ Designamos assim por conveniência um ministério que mudou muitas vezes de nome nos últimos cinquenta anos. A expressão deve ser entendida sempre como referindo-se ao ministério que tutela as universidades.
Durante a redacção deste livro fomos ajudados por várias pessoas, com conversas, com ideias e com dados. Entre estas contam-se os nossos colegas João Barreiros, João R. Figueiredo, Luísa Loura, José Manuel Pinto Paixão, Eduardo Pereira, e dois leitores anónimos. Todas o fizeram generosamente e a título individual: as nossas opiniões não lhes devem ser imputadas; e naturalmente os nossos erros também não.
I. Uma ideia de Universidade
Empregabilidade
A abertura de um curso universitário público em Portugal depende da empregabilidade dos seus diplomados. O Estado permite que, num dado ano lectivo, uma instituição de ensino superior abra vagas de ingresso num determinado curso, se essa condição parecer assegurada. Fixado anualmente por despacho ministerial, o número de vagas deverá satisfazer uma fórmula de empregabilidade do curso, em que um factor determinante é o número de licenciados que estejam inscritos como desempregados no Instituto de Emprego e Formação Profissional. Deverá igualmente ponderar-se factores como o «nível de desemprego da instituição» e o «nível geral de desemprego», bem como a «necessidade da região em que [as instituições de ensino] se integram»¹. Tais factores relevam de considerações de política económica e de ordenamento do território. Potencialmente adversos no caso de cursos com pouca procura, estes factores podem, todavia, ser mitigados, se não explicitamente ignorados.
O despacho que fixou o número de vagas a abrir no ano lectivo de 2015/16, por exemplo, exortava as instituições de ensino superior a privilegiar uma afectação de vagas que conduzisse ao aumento da oferta nas áreas de estudo de ciências da vida, ciências físicas, matemática e estatística, informática, engenharia e técnicas afins². O despacho concedia ainda que, a ciclos de estudos de «especial relevância» ou que revelem «uma procura confirmada de estudantes internacionais», não se aplicavam as suas duas disposições centrais, recorrentes nos despachos de fixação de vagas: 1) a de que o número total de vagas de uma instituição de ensino não pode, num dado ano, exceder o do ano anterior; e 2) a de que o número de vagas para cada ciclo de estudos não pode ser inferior a vinte. A excepção concedida a cursos de «especial relevância» visa assegurar que licenciaturas como Estudos Clássicos possam continuar a ser oferecidas, mesmo que com um número de alunos aquém do exigido. Estudos Clássicos
é objecto de deferência pelo prestígio remoto que uma mitologia corrente ainda lhe reconhece.