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Literatura e interartes: rearranjos possíveis: - Volume 3
Literatura e interartes: rearranjos possíveis: - Volume 3
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E-book206 páginas2 horas

Literatura e interartes: rearranjos possíveis: - Volume 3

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Sobre este e-book

É com imenso prazer que apresento o terceiro volume da coletânea Literatura e interartes: rearranjos possíveis. Mencionando as ideias de Roland Barthes, é preciso que nossas leituras e pesquisas tenham a capacidade de fruição. A arte e a literatura são entendidas, assim, como aquelas que causam perda e desconforto ao leitor, que vacila as suas bases históricas, culturais, psicológicas e a consistência dos seus gostos, valores e recordações. Fazem entrar em crise a nossa relação com a linguagem.

Com base em grandes autores da área, os materiais presentes nesta coletânea agem como novas percepções acerca das obras elegidas para análise.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de dez. de 2022
ISBN9786525266503
Literatura e interartes: rearranjos possíveis: - Volume 3

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    Literatura e interartes - Lígia Gomes do Valle

    ENTRE UMA SUBJETIVIDADE DE CONVENCIMENTO E UMA OBJETIVIDADE DE FUGA: A NARRATIVA DOCUMENTAL NO CONTEXTO POLÍTICO

    Ulisflávio Oliveira Evangelista

    Doutorando

    http://lattes.cnpq.br/8214150191185240

    ulisflavio@unemat.br

    DOI 10.48021/ 978-65-252-6649-7-C1

    RESUMO: O artigo propõe discutir o cinema documental imerso na dicotomia de mídia e poder, compreendendo de que forma a política é representada em uma narrativa documental. Por apresentar uma estrutura peculiar que Nichols (2005) conceitua por vozes, a proposta é investigar duas obras, que seguiram características estéticas opostas. De uma lado, a estética observativa, permitindo uma objetividade de fuga. E, do outro, uma estética participativa, explorando uma subjetividade de convencimento. De modo a sistematizar o recorte, propõe-se uma investigação na obra Entreatos: Lula a trinta dias do poder (2004), dirigido por João Moreira Salles e Democracia em Vertigem (2019), dirigido por Petra Costa. De modo prático, interessa neste estudo, compreender como os referidos documentários, enunciam suas vozes numa abordagem política.

    Palavras-chave: Cinema Documental; Entreatos; Democracia em Vertigem.

    INTRODUÇÃO

    De modo preliminar, se faz pertinente destacar brevemente alguns pontos centrais para o entendimento desta análise. De início, é fundamental compreender o que é cinema documental, trazendo para isso, uma oposição direta com o cinema ficcional, isto é, um conceito relacional. Depois, é basilar compreender a narrativa documental como uma estrutura narrativa plural e própria, possibilitando ao realizador, alguns caminhos na tarefa de se contar uma história. Nesta perspectiva enunciativa, dois outros conceitos surgem. O primeiro diz respeito ao entendimento da autoria no documentário; e o segundo, na própria extensão da autoria, quando o realizador se vê na escolha entre dois caminhos diametralmente opostos: o da subjetividade do convencimento ou o da objetividade de fuga.

    Vale destacar que não compete neste artigo, classificar ou rotular qual mecanismo narrativo é o melhor, ou o mais adequado, o mais coerente, o mais assertivo no compromisso da realidade no tocante a temática política. E sim, compreender que há mais de uma opção, proporcionando, portanto, liberdade autoral na construção de um documentário. Além disso, tal posicionamento implica em narrativas díspares, isto é, no modo como a história será contada, permitindo, portanto, diferentes interpretações na representação documental.

    Para dar vazão ao recorte, as obras escolhidas seguem narrativas opostas. Entreatos figura certamente na objetividade de fuga. Isto é, mantém distância (ou tenta, ao menos em sua representação) entre a participação do diretor com a obra. A estética escolhida pelo diretor, no ato de contar e/ou narrar, os bastidores da eleição presidencial de 2002 é não participativa, buscando uma não influência. Enquanto Democracia em Vertigem, opta pela subjetividade do convencimento, ou seja, pela participação marcante de seu rastro na obra. A documentarista Petra Costa se posiciona intencionalmente na produção, sendo inclusive, um personagem central na narrativa.

    CINEMA DOCUMENTAL E FICCIONAL

    Na perspectiva de compreender um cinema, diferente daquele ficcional, Teixeira (2004) afirma que os anos 1920 foram determinantes para cindir o cinema em duas modalidades: o de ficção e o de realidade, que conhecemos hoje como cinema documentário.

    Para falar de documentário, enquanto um conceito representativo, é fundamental antes, falar de suas particularidades. O que separa uma narrativa fílmica documental de uma ficcional, vai muito além do seu traço fílmico, isto é, de suas potencialidades visuais e sonoras.

    Para Guzmán (2017), por exemplo, há uma carga de emotividade em sua produção, ou como ele prefere dizer, o filme documentário é formado por átomos dramáticos.

    Há, em cada lugar da cidade, nas ruas, nas casas, em todas as partes, em todas as horas, inumeráveis átomos dramáticos que refletem um pedaço da vida, uma cena microscópica da existência humana. Esses átomos são como letras soltas de um enorme abecedário, e com essas letras o cineasta constrói palavras; com essas palavras, constrói frases. E pouco a pouco o cineasta (poeta) vai fabricando histórias com aqueles átomos que voam pelo ar. Esse é o segredo do documentário. Não existe modo mais simples para explicar o fenômeno do documentário. Se pudéssemos fazer um livro de apenas uma página, eu daria por concluído este texto, neste exato momento, porque não há nenhuma outra coisa verdadeiramente básica a acrescentar (2017, p. 19).

    Deixando de lado a visão romântica de Guzmán (2017), o autor sinaliza uma atenção especial para a construção da narrativa, isto é, da história, do enredo, do discurso documental. Já Nichols (2005) acrescenta a importância do espectador para concretude fílmica. Cabe ao público o reconhecimento da obra, dando-lhe, portanto, um status de veracidade do que vê na tela. Em outras palavras, o público acredita, na observação documental, de que aquela experiência corresponde a uma autenticidade, uma prova. E o inverso ocorre na experiência ficcional, ou seja, o mesmo público sabe que ali, aquela experiência narrativa não é real.

    Outro autor que valoriza a importância do público, na indexação do cinema não ficcional é Noël Carroll (2005). Usando do modelo de intenção-resposta, de Paul Grice, Carroll insere a ideia de asserção pressuposta, isto é, uma relação entre o autor (realizador) e seu público (espectador). Para Carroll, quando o cineasta apresenta sua obra fílmica, o faz com a intuito de que o público acredite nela. Essa intencionalidade ele chama de intenção assertiva do autor. Por sua vez, o espectador, acreditando no conteúdo fílmico, se coloca numa postura assertiva, reconhecendo a intencionalidade do diretor.

    Por ora, mesmo sabendo da complexidade da separação entre as duas correntes fílmicas, tentaremos adicionar novos traços díspares entre elas.

    Grosso modo, a narrativa documental, em sua essência, se caracteriza por explorar em seu universo linguístico, abordagens relacionadas ao aspecto da realidade. Isto é, daquelas que se opõem ao contexto imaginativo, fantasioso, criado enquanto fábula. Vale ressaltar que essa característica, de maior entrosamento ou afinidade com a realidade, não o legitima como uma experiência do real. (RAMOS, 2008). Ainda estamos dentro de uma orbe representativa, porém, sua representatividade, frequentemente, dialoga com fatos concretos, fortalecendo assim, uma autenticidade.

    O poder dos filmes documentários advém de eles se basearem em fatos, não em ficção. Isso não quer dizer que sejam objetivos. A exemplo de qualquer forma de comunicação, seja falada, escrita, pintada ou fotografada, fazer filmes documentários envolve o comunicador em uma rede de escolhas que devem ser feitas. Por essa razão, ele é inevitavelmente subjetivo, não importa quão equilibrada ou neutra se pretenda a apresentação. (BERNARD, 2008, p. 5)

    Importante destacar essa tênue divisão que separa o cinema documental do ficcional. Morin (2014, p. 196) alerta que:

    A ficção como o nome indica, não é a realidade, ou antes, sua realidade fictícia não é outra senão a realidade imaginária. A camada imaginária pode ser muito fina, translúcida, apenas um pretexto em torno da imagem objetiva. Ela pode, inversamente, envolvê-la como uma crosta fantástica. Tantos quantos forem os tipos de ficção (ou gêneros de filme), tantos graus de irrealidade e realidade haverá. Cada tipo pode ser definido segundo a liberdade e a contaminação das projeções-identificações imaginárias em relação à realidade, segundo a resistência ou a intransigência do real em relação ao imaginário, isto é, segundo seu sistema complexo de credibilidade e de participações.

    Em outras palavras, enquanto o documentário se interessa pelo mundo concreto, com seus temas cotidianos e muitas vezes controversos, a narrativa ficcional tem total liberdade criativa para fantasiar e explorar histórias, desenvolvendo uma verdadeira experiência inventiva.

    Morin (2014) faz uma analogia do cinema ficcional com o sonho.

    As estruturas do filme são mágicas e respondem às mesmas necessidades imaginárias que as do sonho; a sessão do cinema revela características para-hipnóticas (obscuridade, envolvimento pela imagem, relaxamento confortável, passividade, impotência física). Mas relaxamento do espectador não é hipnose: a impotência de quem sonha é terrível, e a do espectador é uma impotência feliz: ele sabe que assiste a um espetáculo inofensivo. Quem sonha acredita na realidade absoluta de seu sonho, absolutamente irreal. (MORIN, 2014, p. 182-183).

    No entanto, Metz (1977) tem uma outra concepção. Para o autor, a experiência onírica, em sentido literal, não atinge diretamente o espectador. Ele destaca três situações: a) o sujeito do filme sabe que está no cinema, o do sonho não sabe que está sonhando; b) no cinema, o material perceptivo é real, ao passo que no sonho é imaginário; c) por mais fantasioso que seja um filme, ele é sempre infinitamente mais lógico do que o sonho.

    Grosso modo, a narrativa ficcional, apresenta infinitas possibilidades exploratórias no desenvolvimento de suas histórias. Inclusive, aquelas distantes daquilo que Ramos (2008) chama de mundo histórico. Isso, portanto, assegura ao cinema de ficção um paralelo com a fábula, isto é, não apresenta amarras narrativas. Daí a proximidade com o mundo dos sonhos, atestada por Morin (2014).

    O campo ficcional clássico no cinema se define a partir da estrutura narrativa (chamada de narrativa clássica) construída em 1910, centrada em uma ação ficcional teleológica encarnada por entes com personalidade que denominamos personagens. Tipicamente, a ação ficcional estrutura-se em trama que se articula através de reviravoltas e reconhecimentos. (RAMOS, 2008, p. 25).

    Ramos (2008) destaca o papel imprescindível que a narrativa cinematográfica faz uso, isto é, os chamados pontos de virada, que se traduzem como reviravoltas típicas na história, com o objetivo claro de fidelizar e prender a atenção da recepção junto a narrativa. Sabemos que essa característica não é restrita ao cinema ficcional. O documentário também se apropria de técnicas semelhantes em sua narrativa. Justamente por isso, vale citar que o documentário não apresenta limites. Sua linguagem, normalmente, se mantém articulada com fatos, provas, documentos, personagens, depoimentos e claro, múltiplas abordagens. O amálgama resultante, sinaliza para uma narrativa bastante peculiar. É justamente essa característica que interessa este trabalho.

    O fato de o documentário possuir diferentes abordagens no tratamento criativo do tema, aliado a visão única do documentarista, resulta sempre em produtos desiguais. Mesmo quando empregamos personagens habituais, em um cotidiano semelhante, o resultado fílmico será destoante.

    Essa capacidade subjetiva do realizador ou documentarista está em sua disposição de enxergar o mundo, o seu entorno social. A peculiar visão de mundo, portanto, assegura o resultado único. Tal elemento reforça seu lado artístico, evocando, portanto, o traço autoral.

    AUTORIA NO CINEMA DOCUMENTAL

    Na perspectiva autoral, Nichols (2005) argumenta que os documentários apresentam diferentes vozes, isto é, atributos que configuram a relação entre autor, estética e obra. O conceito trazido pelo autor, enquanto uma voz fílmica, assegura ao documentarista mais uma importante ferramenta estética/discursiva na concretude de sua obra. Grosso modo, o conceito ratifica ao realizador, seu status de autonomia e subjetividade.

    Ainda de acordo com o autor, existem seis vozes distintas, isto é, seis diferentes abordagens. Além disso, é comum um mesmo documentário se apossar de mais de uma voz em sua estrutura narrativa. Porém, duas vozes são opostas e nos concentraremos especificamente nelas. Trata-se dos modos observativo e o participativo. O primeiro se apresenta com a maior neutralidade possível (se é que isso seja possível); já o segundo, de modo inverso, assegura uma maior ou total participação do realizador na obra.

    Evidente que a discussão acerca da neutralidade ou isenção do documentarista na obra documental, se configura aqui neste trabalho, de modo coerente. É sabido da participação do realizador mesmo nas não escolhas. Ou seja, o simples fato da eleição de um tema, de um personagem, de uma locação, de um plano qualquer, já configura uma seleção, uma preferência, logo, uma participação. Vencida essa barreira e explicitada tal particularidade, nos interessa no trabalho compreender de que forma a narrativa se apresenta levando em consideração ou influência, tais vozes.

    OBJETIVIDADE DE FUGA E SUBJETIVIDADE DO CONVENCIMENTO

    Trata-se de dois modelos clássicos: cinema direto (americano) e cinema verdade (francês). O primeiro, traz uma visão em consonância com o universo jornalístico, com o famoso preceito da objetividade. Ficou muito popular nos EUA. O outro, apresenta uma estética mais libertadora, rompendo-se, portanto, de uma visão ingênua de uma não influência do documentarista na representação fílmica, tal qual, defendia os entusiastas do modelo direto estadunidense.

    Entendido a visão autoral do documentarista, vale sinalizar que esses dois caminhos metodológicos, numa narrativa documental, possibilita ao realizador modelos díspares em contar uma história. A objetividade de fuga, por exemplo, dialoga com um não posicionamento do documentarista, pelo menos não de modo explícito. Tal estética foi muito popularizada com Dziga Vertov, na expressão cinema-olho. O diretor considerava o registro filmado como extensão do olho, ou seja, uma realidade pura, livre de obstáculos. O intuito principal era uma não influência, que o material filmado fosse puro e alforriado de qualquer traço de envolvimento ou influência do seu realizador. Um material, portanto, sem mediação por parte do cineasta. Isso nos faz pensar, inclusive, numa negação de autoria: quem é o autor deste documentário?. Evidentemente, trata-se de uma ideia extremamente primária, uma visão até de certa forma romântica e distante de uma concretude lógica.

    Guzmán (2017, pág. 21), considera fundamental o ponto de vista do documentarista na obra. "É preciso que se tenha um ponto de vista para se encontrar um

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