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Estudos de Cinema: visualizando as diferenças: vol II
Estudos de Cinema: visualizando as diferenças: vol II
Estudos de Cinema: visualizando as diferenças: vol II
E-book297 páginas4 horas

Estudos de Cinema: visualizando as diferenças: vol II

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Sobre este e-book

A presente coletânea de textos pretende identificar quais são os fatores preponderantes nas pesquisas sobre Cinema e suas intersecções com o audiovisual. Vem crescendo o número de propostas de pesquisa e de estudos que pensam a questão das diferenças, como contraponto ao conceito mais comum de diversidade. Os direitos iguais aos que são diferentes está na base do conceito de feminismo, da forma como foi pensado originalmente na França pela ensaísta e dramaturga Olympe de Gouges. E, na atualidade, a sociedade democrática neoliberal alude quase sempre ao conceito de diversidade que inclui as minorias invariavelmente para neutralizar as diferenças. De certa forma, o padrão de uma maioria convencional resiste à diversidade, em que o excluído é apenas uma representação. Se as mulheres representam mais de 50% da população brasileira, faz sentido identificá-las como minoria? A mesma reflexão se aplica às questões étnicas e raciais, em que o censo do IBGE aponta que 54% da população brasileira é negra.
O cinema brasileiro que se erige após a Retomada aponta na direção de dar visibilidade às diferenças, do ponto de vista da criação artística, mas também de legitimar essas diferenças, tanto do ponto de vista estético, cinematográfica, quanto político, e nesse quesito entra em consonância com outras produções. Os resultados das pesquisas aqui reunidas ainda estão longe da realidade, mas essa visibilidade começa a despontar. Na primeira seção, Imagens dissidentes: Feminismos e Interseccionalidades abre com uma análise fílmica de Sandra Rita de Cassia Roza sobre as princesas negras da Disney, seguida por uma retrospectiva histórica da presença das mulheres no Cinema a partir das pioneiras Lotte Reiniger e Alice Guy-Blaché, no artigo de Ally Collaço, passando pelo cinema experimental de Germaine Dulac, ressignificado por Fernanda Aguiar Carneiro Martins, e finalizando com um painel sobre a produção das cineastas brasileiras que se destacaram como realizadoras, com ênfase na Retomada.
Na segunda parte do livro, Cinema Brasileiro: Hegemonia e Pertencimento o destaque é para a produção nacional sob o ponto de vista da audiência, da realização e da circulação de obras fílmicas. As políticas públicas de fomento às produções não hegemônicas, é o objeto de Irislane Mendes Pereira. Mas o cinema que questiona o seu lugar no mundo também está nas abordagens de gênero ficcional que se engajam na realidade sem deixar de flertar com a linguagem cinematográfica, como na estética de Pedro Sotero em Aquarius, abordadas por Filipe Falcão e André Guerra, na luta antimanicomial que se erige em Bicho de Sete Cabeças, em leitura sensível e reflexiva de Patrícia Santinelli, e no cinema documental biográfico e político de Petra Costa.
O Cinema sempre foi capaz de introduzir outras formas de ver o mundo, alteridades. Esse é o tema da terceira parte, Modos de ver: outras realidades, em que o Cinema popular norte-coreano está presente, com sua ópera musical mais famosa vertida em filme, A Garota das Flores, analisada por Gabriel Garcia Pinheiro, o Cinema de animação baseado em animês de Makoto Shinkai, é o tema de Thatilla Sousa Santos e Lara Lima Satler. O cineasta colombiano Augusto Sandino mescla desastre ambiental a realismo mágico em Entre la niebla, narrativa instigante sobre o fim do mundo como parábola, sugere Adriano de Medeiros. As distintas formas de ver e de narrar implicam novos métodos, olhares mais críticos. Ao expressar essas novas formas de experenciar as narrativas fílmicas, que espelham tradições culturais solidamente enraizadas, apontam rupturas, os filmes contemporâneos tendem a representar o modo de produção capitalista e seus conflitos, e analisar essas imagens sob a perspectiva dialética é o desafio proposto por Victor Finkler Lachowski. Os organizadores
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de set. de 2023
ISBN9786585468046
Estudos de Cinema: visualizando as diferenças: vol II
Autor

Luiza Lusvarghi

Professora e pesquisadora da Pós-Graduação em Multimeios da Unicamp (Campinas, SP), é integrante do Grupo Genecine (Grupo de Estudos Sobre Gêneros Cinematográficos e Audiovisuais), ex-diretora da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), e membro dos coletivos Elviras de Críticas de Cinema, Manifesta e Mais Mulheres do Audiovisual. Graduada em Jornalismo pela PUC-SP, com Mestrado, Doutorado e Pós- Doutorado pela ECA-USP. Autora de MTV a Emetevê (Cultura, 2007), Narrativas Criminais da Ficção Audiovisual da América Latina (Appris, 2018) e coorganizadora e autora da coletânea Mulheres Atrás das Câmeras. Cronologia das Cineastas Brasileiras de 1930 a 2019 (Estação Liberdade, 2018). É coordenadora do Grupo de Pesquisa Cinema da Intercom e organizadora da Coleção Temas e Estudos de Cinema.

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    Estudos de Cinema - Luiza Lusvarghi

    ESTUDOS DE CINEMA: VISUALIZANDO AS DIFERENÇAS

    Volume II

    Luiza Lusvarghi

    Genio Nascimento

    organizadores

    coleção temas

    Editora Polytheama

    São Paulo SP

    Estudos de Cinema: visualizando as diferenças (vol. II)

    Org. Luiza Lusvarghi, Genio Nascimento

    Comitê Editorial

    Carlos Eduardo Ribeiro, Fernanda Aguiar Carneiro Martins

    Comitê Científico

    Alexandre Figueirôa (Unicap, PE, Brasil)

    Alfredo Suppia (Unicamp, SP, Brasil)

    Andrea Molfetta (Conicett, Buenos Aires, Argentina)

    Cynthia Tompkins (Arizona State University, AZ, USA)

    Edileusa Penha (UNB, DF, Brasil)

    Elianne Ivo Barroso (UFF, RJ, Brasil)

    Joe Straubhaar (University of Austin, Texas, USA)

    Lorena Antezana (Universidad Catolica, Chile)

    Mercedes Vázquez (Universidade de Hong Kong, China)

    Tunico Amancio (UFF, RJ, Brasil)

    Valquiria Kneipp (UFRN, RN, Brasil)

    Projeto gráfico e Arte da Capa

    Santinelli Projetos Editoriais

    Imagem da Capa

    Cinara Dias/Tangerina Entretenimento

    Um Céu de Estrelas (1996), de Tata Amaral

    Revisão

    Editora Polytheama

    Coleção Estudos de Cinema

    Da mesma série

    Estudos de Cinema: Retrospectiva e Perspectivas (volume I)

    Luiza Beatriz Alvim, Denise Costa Lopes e Luiza Lusvarghi (org.)

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Estudos de Cinema: visualizando as diferenças (vol II) /

    Luiza Lusvarghi, Genio Nascimento (org.). -- São Paulo, SP :

    Editora Polytheama, 2023. -- (Coleção temas ; 2)

    Vários autores.

    Bibliografia.

    ISBN 978-65-85468-04-6

    1. Artes visuais

    2. Cinema - História e crítica

    3. Cinema - Teoria

    I. Lusvarghi, Luiza.

    II. Nascimento, Genio.

    III. Série.

    23-166069 / CDD-791.43

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Cinema : Artes 791.43

    Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415

    Sumário

    Apresentação

    Prefácio

    Meninas negras podem ser princesas da Disney? Representatividade e racismo estrutural - Sandra Rita de Cássia Roza

    As cineastas brasileiras: feminismo e cinema autoral no Brasil - Luiza Lusvarghi

    Alice Guy e Lotte Reiniger - cineastas pioneiras para crianças - Ally Collaço

    Germaine Dulac – pioneira e rebelde - Fernanda Aguiar Carneiro Martins

    Nós também estivemos: o papel da mulher na guerra das Malvinas (1982) - Pablo Francisco Gullino e Melisa D’Alessandro

    Políticas públicas no fomento à produção de cinemas não hegemônicos na cidade de São Paulo - Irislane Mendes Pereira

    Medos contemporâneos: a direção de fotografia de Pedro Sotero e os temores sociais e existenciais em Aquarius - Filipe Falcão e André guerra

    Democracia em Vertigem: entre o Filme de Família e o Found Footage - Jaques Lucas de Lemos Cavalcanti

    Bicho de sete cabeças: entre o sensível de Ranciére e a Reforma Psiquiátrica no Brasil - Patrícia Santos Santinelli e Nara Lya Cabral Scabin

    A imaginação melodramática no animê Children who chase lost voices de Makoto Shinkai - Thátilla Sousa Santos e Lara Lima Satler

    Cinema e ópera revolucionária na Coreia do Norte: uma purificação pelo impuro - Gabriel da Silva Pinheiro

    As contradições do capitalismo no cinema: preâmbulos para uma investigação crítica - Victor Finkler Lachowski

    Decifrando fantasias para ver a realidade: reflexões socioambientais a partir do filme colombiano Entre la niebla - Adriano Medeiros da Rocha

    Sobre os Autores

    Sobre os organizadores

    Landmarks

    Cover

    Title Page

    Copyright Page

    Table of Contents

    Body Matter

    Apresentação

    A presente coletânea de textos pretende identificar quais são os fatores preponderantes nas pesquisas sobre Cinema e suas intersecções com o audiovisual, a partir das diferenças. O número de propostas de pesquisa e de estudos que pensam a questão das diferenças, como contraponto ao conceito mais comum de diversidade, vem crescendo. A garantia de direitos iguais para os que são diferentes está na base do conceito de feminismo, da forma como foi pensado originalmente na França pela ensaísta e dramaturga Olympe de Gouges. E, na atualidade, a sociedade democrática neoliberal alude quase sempre ao conceito de diversidade que inclui as minorias invariavelmente para neutralizar as diferenças. De certa forma, o padrão de uma maioria convencional resiste à diversidade, em que o excluído é apenas uma representação. Se as mulheres representam mais de 50% da população brasileira, faz sentido identificá-las como minoria? A mesma reflexão se aplica às questões étnicas e raciais, em que o censo do IBGE aponta que 54% da população brasileira é negra.

    O cinema brasileiro que se erige após a Retomada aponta na direção de dar visibilidade às diferenças, do ponto de vista da criação artística, mas também de legitimar essas diferenças, tanto do ponto de vista estético, cinematográfica, quanto político, e nesse quesito entra em consonância com outras produções. Os resultados das pesquisas aqui reunidas ainda estão longe da realidade, mas essa visibilidade começa a despontar. Na primeira seção, Imagens dissidentes: Feminismos e Interseccionalidades abre com uma análise fílmica de Sandra Rita de Cassia Roza sobre as princesas negras da Disney, seguida por uma retrospectiva histórica da presença das mulheres no Cinema a partir das pioneiras Lotte Reiniger e Alice Guy-Blaché, no artigo de Ally Collaço, passando pelo cinema experimental de Germaine Dulac, ressignificado por Fernanda Aguiar Carneiro Martins, e finalizando com um painel sobre a produção das cineastas brasileiras que se destacaram como realizadoras, com ênfase na Retomada.

    Na segunda parte do livro, Cinema Brasileiro: Hegemonia e Pertencimento o destaque é para a produção nacional sob o ponto de vista da audiência, da realização e da circulação de obras fílmicas. As políticas públicas de fomento às produções não hegemônicas, é o objeto de Irislane Mendes Pereira. Mas o cinema que questiona o seu lugar no mundo também está nas abordagens de gênero ficcional que se engajam na realidade sem deixar de flertar com a linguagem cinematográfica, como na estética de Pedro Sotero em Aquarius, abordadas por Filipe Falcão e André Guerra, na luta antimanicomial que se erige em Bicho de Sete Cabeças, em leitura sensível e reflexiva de Patrícia Santinelli, e no cinema documental biográfico e político de Petra Costa.

    O Cinema sempre foi capaz de introduzir outras formas de ver o mundo, alteridades. Esse é o tema da terceira parte, Modos de ver: outras realidades, em que o Cinema popular norte-coreano está presente, com sua ópera musical mais famosa vertida em filme, A Garota das Flores, analisada por Gabriel Garcia Pinheiro, o Cinema de animação baseado em animês de Makoto Shinkai, é o tema de Thatilla Sousa Santos e Lara Lima Satler. O cineasta colombiano Augusto Sandino mescla desastre ambiental a realismo mágico em Entre la niebla, narrativa instigante sobre o fim do mundo como parábola, sugere Adriano de Medeiros. As distintas formas de ver e de narrar implicam novos métodos, olhares mais críticos. Ao expressar essas novas formas de experenciar as narrativas fílmicas, que espelham tradições culturais solidamente enraizadas, apontam rupturas, os filmes contemporâneos tendem a representar o modo de produção capitalista e seus conflitos, e analisar essas imagens sob a perspectiva dialética é o desafio proposto por Victor Finkler Lachowski.

    Luiza Lusvarghi e Genio Nascimento

    Prefácio

    O cinema, seu tempo, suas obras. Na ordem do dia, talvez mais do que nunca, outros filmes em foco. Ao focalizar cinemas não hegemônicos, a pesquisa demonstra não apenas a urgência de reescrita da história do cinema, mas, sobretudo, a legitimidade da história do cinema, contada sob seus múltiplos vieses e agentes, a um só tempo insubordinada, sutil e plural, distinta do cânone na base da história oficial. A filmografia de mulheres cineastas do Brasil e do mundo, realizada desde as primeiras décadas da existência do cinema até os dias atuais, aponta para o ineditismo e a irreverência das imagens criadas. Acrescente-se a isso, que a representatividade feminina não podendo ser ignorada, as questões de gênero, raça e classe vêm à tona e são discutidas no cinema mainstream (da Disney, da animação japonesa), no audiovisual e no filme documentário argentinos, convocando uma reconfiguração de personagens, corpos e afetos. No âmbito dessa filmografia outra, uma importância é dada igualmente ao cinema periférico da cidade de São Paulo (e às políticas públicas), à relação entre o filme de família e o found footage como base de estudo para o filme documentário. No que se refere à animação japonesa, à direção de fotografia e à interface cinema e ópera, não há como escapar às indagações acerca da linguagem cinematográfica, sétima arte por excelência, atravessada pelo enfoque sobre os gêneros cinematográficos. Uma vez os filmes consubstanciando-se como registro de situações de injustiça e de violação de direitos humanos, examina-se a história no cinema. Eis o exemplo dado pelo estudo da representação de meninas e mulheres negras, submetidas aos estereótipos raciais, e das práticas exercidas nas instituições psiquiátricas na ficção; das imagens de arquivo no filme documentário no Brasil, e ainda do diálogo entre cinema e ópera revolucionária na Coreia do Norte. À luz de teorias e inquietações recentes, as reflexões concernentes à democracia, à partilha do sensível, à teoria crítica, aos problemas socioambientais (no cinema colombiano) reconfiguram o lugar do cinema, posicionando-o de uma vez por todas enquanto agente da história, entrando de modo ativo em processos históricos. Assim sendo, há o cinema na história, ao exercer influência no contexto.

    Fernanda Aguiar Carneiro Martins

    PARTE I

    IMAGENS DISSIDENTES: FEMINISMOS E INTERSECCIONALIDADE

    Meninas negras podem ser princesas da Disney? Representatividade e racismo estrutural

    Sandra Rita de Cássia Roza

    Era uma vez, uma menina negra pobre chamada Tiana. Seu maior sonho era crescer e abrir um restaurante. Na sua juventude, Tiana buscou trabalhar em dois empregos para juntar dinheiro e conseguir realizar o seu sonho. Porém, no meio do caminho, ela encontrou com um príncipe sapo, o Naveen, enfeitiçado por um feiticeiro. Desesperado, o sapo fez um acordo com a jovem. Caso ela o beijasse, ele a pagaria. Não concordando com a oferta, Tiana se lembrou que poderia usar o dinheiro para comprar um prédio antigo e abrir o restaurante.

    Então, com muito nojo, ela decidiu beijar o sapo. Mas, de repente, ela se transformou em uma sapa, o que causou um estranhamento no príncipe: mas você não era princesa?. Ela disse: Nunca disse isso. Na verdade, a confusão começou, porque Tiana estava usando um vestido azul e uma coroa, como a da Cinderela, durante o baile de máscaras da sua amiga, Charlotte La Bouff. A roupa e o acessório eram dela, que havia emprestado para a Tiana, após ela cair em cima de uma barraca de tostadas. Na ocasião, Tiana trabalhava no baile fazendo os doces.

    Ambos transformados em sapos e com muitas divergências, Tiana e Naveen iniciam suas jornadas em busca de encontrarem um jeito de quebrarem o feitiço. Porém, no meio de muitas aventuras e diversões, os dois se apaixonam. Se casam, se beijam e se tornam humanos novamente. Nesse momento, Tiana se torna, de fato, uma princesa, porém após se casar com um príncipe e no final do filme. Uma trajetória diferente da maioria das princesas Disney, que já nascem ricas e princesas.

    Esse é um breve resumo do filme A Princesa e o Sapo (2009). Lançado pelos Walt Disney, o longa-metragem foi divulgado com foco na diversidade racial e na representatividade negra nas telas. Com o trailer, a apresentação de uma primeira princesa negra repercutiu no mundo todo. Entretanto, como sinalizado acima, a personagem não nasce princesa, mas se torna uma. Além disso, ela passa 69% da narrativa transformada em sapa, segundo Baliscei (2015)¹.

    Uma princesa negra? Raça, gênero e interseccionalidade

    Nova Orleans, Estados Unidos, 1920, século XX. Esse é o contexto da narrativa do filme. No mesmo período, a segregação racial era lei no país e impedia que pessoas negras e brancas frequentassem os mesmos espaços e, se estivessem juntas no mesmo local, havia sinalizações, como placas, demarcando os espaços de pessoas negras e brancas, como assentos em ônibus, bebedouros, entre outros.

    Entretanto, em A Princesa e o Sapo, esse passado, o racismo e as desigualdades raciais não são abordados, de forma explícita. Em contrapartida, a história de Tiana é envolvida na magia dos contos de fadas Disney, em uma trama de pobreza, meritocracia, superação e trabalho duro para realizar o sonho de abrir um restaurante, por meio do empreendedorismo para alcançar a ascensão social.

    De forma geral, a trama do longa-metragem mostra diferenças entre os outros filmes da Linhas Princesas Disney, o que leva a questionamentos sobre o porquê de Tiana não ser uma princesa e ter uma história de pobreza, já que ela foi apresentada e vendida, pelas divulgações do estúdio, como a primeira princesa negra de animação.

    Nesse ponto, é interessante resgatar que, em 2009, se iniciava o mandato do Barack Obama, primeiro presidente negro dos Estados Unidos, acompanhado da primeira-dama, Michelle Obama e das filhas, Natasha Obama e Malia Ann Obama. Uma família negra na casa branca repercutiu o mundo e trouxe representatividade para pessoas negras globalmente, levando também a debates sociais sobre a baixa representatividade de pessoas negras, principalmente mulheres negras, em espaços de poder, como na política.

    Assim, a fim de ampliar as discussões sobre a Princesa Tiana, é válido apresentar a Teoria da Interseccionalidade que, segundo Kimberlé Crenshaw (2002):

    é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. (CRENSHAW, 2002, p. 177)

    Na prática, a Teoria da Interseccionalidade mostra como as diferenças entre as pessoas impactam em suas experiências, em diferentes esferas sociais. Para isso, Crenshaw (2016)² explica que, uma pessoa estaria em um ponto onde várias ruas (ou eixos) se encontram e se interseccionam: uma rua de raça e outra de gênero, por exemplo, e essa pessoa sofreria o impacto simultâneo dessas ruas (ROZA, 2018, p. 48).

    Crenshaw (2004, p.11), ainda aborda que há um tráfego, onde (...) os carros que trafegam na interseção, representam a discriminação ativa, as políticas contemporâneas que excluem indivíduos em função de sua raça e de seu gênero. Por exemplo, Tiana é arrevessada pela rua de raça, gênero e classe, de forma diferente da Branca de Neve.

    Ambas podem ser vítimas da discriminação de gênero, por serem mulheres. Entretanto, Tiana será vítima também do racismo e das desigualdades de classe socioeconômica, uma vez que esta nasce pobre e não é uma princesa, o contrário de Branca de Neve, que nasce rica, da realeza e princesa.

    Agora, se compararmos também a temporalidade entre Tiana e Branca de Neve (1937), primeira princesa da Disney, temos 72 anos de diferença, ou seja, o estúdio demorou 72 anos para ter a primeira princesa negra de animação. 7 décadas e dois anos é um longo período e, durante esse tempo, foram laçadas mais 4 princesas brancas: Cinderela (1950), Aurora (A Bela adormecida - 1959), Ariel (A pequena sereia - 1989), A bela e a fera (1991). E três não-brancas, em sequência, antes de Tiana: Jasmine (Aladdin -1992), Pocahontas (1995) e Mulan (1998).

    A partir desse exemplo, é perceptível a relevância da Interseccionalidade para as análises sociais e das animações, a fim de não realizar pesquisas que possam apagar as diferenças entre as princesas e as desigualdades entre elas. Nesse ponto, chamo também a atenção para os inúmeros debates virtuais, acadêmicos, sociais, sobre o patriarcalismo nos contos de fadas que abrangem, raramente, as intersecções de raça, gênero, classe, sexualidade, território, entre outros, na Linha Princesas Disney.

    E, sim, o imaginário de princesas, na maioria das vezes, é composto por narrativas submissas e machistas sobre mulheres. Porém, é importante que nessas discussões entrem também a ausência de princesas de outras raças, evidenciando a ausência delas em posições de poder, e os estereótipos raciais nas narrativas quando essas personagens são representadas.

    Por fim, resgato que a Interseccionalidade nasce com o Feminismo Negro e, que desde o século XIX, mulheres negras já faziam análises interseccionais, principalmente para mostrar as diferenças entre ser uma mulher negra e ser uma mulher branca na sociedade.

    Entretanto, apenas em 1989, a Teoria da Interseccionalidade foi nomeada por esse nome pela feminista negra e jurista Kimberlé Crenshaw, em sua tese de doutorado: Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory, and Antiracist Politics. (RIBEIRO, 2016, p. 101)

    Afinal, o que é o racismo estrutural?

    Luiz Augusto Campos (2017) apresenta três abordagens sociológicas para a explicação do racismo: ideológica, que entende o racismo como um fenômeno enraizado em ideologias, doutrinas ou conjuntos de ideias que atribuem uma inferioridade natural a determinados grupos com origens ou marcas adstritas específicas. (p.1); a prática que concede uma precedência causal e semântica às ações, atitudes, práticas ou comportamentos preconceituosos e/ou discriminatórios na reprodução do racismo. (p.1). E a estrutural, que crê que o racismo teria assumido características mais sistêmicas, institucionais ou estruturais nos dias atuais. (p.1)

    Já Silvio Almeida (2019) aborda três concepções sobre o racismo: a individual (corresponde à prática, apresentada acima), a institucional (racismo nas instituições) e a estrutural (racismo nas estruturas sociais). Almeida (2019) argumenta que o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo normal com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. (p.33)

    Segundo o autor, comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. (p.33). Para facilitar melhor a compreensão, Almeida (2019, p.41) traz um exemplo importante a respeito dos imaginários sociais criados e reforçados pela mídia e o sistema educacional: após anos vendo telenovelas brasileiras, um indivíduo vai acabar se convencendo de que mulheres negras têm uma vocação natural para o trabalho doméstico (...).

    Neste ponto, trago a Princesa Tiana, que trabalha como garçonete no filme e tem uma história meritocrática de vencer na vida (ter ascensão social) através do trabalho duro, em dois empregos. Para muitas pessoas, esse fato pode passar despercebido, conforme abordado acima, e ser usado como uma forma de motivação para outras pessoas, principalmente negras, o que esconde os impactos da escravização até os dias atuais, por exemplo, a população negra possui a maior taxa de vulnerabilidade socioeconômica do Brasil. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em novembro de 2022, a taxa de pobreza de pessoas negras era de 72,9 %, enquanto a de pessoas brancas era de 18,6%.

    Um ponto de destaque é que o anúncio da Disney (Walt Disney Company), sobre a primeira princesa negra de animação, causou grandes repercussões pelo mundo, principalmente pela questão da representatividade negra na franquia Princesas Disney (Disney Princess). Porém, é interessante ressaltar que a personagem não nasce princesa, mas se torna uma após se casar com um príncipe. E isso só ocorre nos minutos finais do filme³.

    Se compararmos Tiana com as demais princesas da Linha, a maioria delas nasce princesa, rica e não precisa trabalhar para realizar seus sonhos. E por que a primeira negra é pobre e não nasce princesa? É relevante entender também que a representatividade é sempre institucional e não estrutural, de tal sorte que quando exercida por pessoas negras, por exemplo, não significa que os negros estejam no poder (ALMEIDA, 2019, p. 69).

    Ao apresentar uma princesa negra, que não é princesa, mas se torna uma, a Disney reforça e mantém o racismo estrutural mostrando que mulheres e meninas negras não ocupam aquele espaço de poder, porém podem ocupar se trabalharem duro e se casarem com um príncipe. Novamente, o discurso meritocrático é colocado como norma para se tornar alguém da realeza, de classe socioeconômica alta.

    De maneira generalizada, e por acesso à pouca ou nenhuma informação a respeito de realezas negras pelo mundo, grande parte do público pode acreditar que a Disney está retratando a realidade, contudo na verdade, o que nos é apresentado não é a realidade, mas uma representação do imaginário social acerca de pessoas negras (ALMEIDA, 2019, p. 42). Nesse ponto, é relevante compreender que a mídia trabalha com enquadramentos nos seus processos de comunicação e ter apenas representações sociais sobre pessoas negras, de forma estereotipada, pode, muitas vezes, ser naturalizado e justificado com dados sociais, desfocando a gravidade dos problemas derivados do colonialismo na atualidade.

    Quem são as meninas e mulheres que vieram antes de tiana? 

    A história do cinema de animação apresenta também personagens negras, meninas e mulheres, antes de 2009, ano do lançamento da A Princesa e Sapo, algumas delas desconhecidas, outras personagens temporárias ou figurantes (2018, ROZA). É válido reconhecer que há três estereótipos que aparecem com mais frequência: Mammy, Jezebel e Pickaninny.

    De acordo com Richard M. Breaux (2010, p. 407), de 1916 a 1941, representações de mulheres negras em filmes de animação foram limitadas a sempre-presente e quase sinônimo de mamãe, empregada, tia, lavadeira, pickaninny ou selvagem.

    Para este estudo, irei abordar, brevemente, cada um dos três estereótipos acima: o primeiro é o da Mammy Two Shoes (Mamãe de dois sapatos, em tradução livre para o português), personagem que foi "uma das primeiras

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