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Artérias do deserto
Artérias do deserto
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E-book309 páginas2 horas

Artérias do deserto

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Sobre este e-book

Onde começam as artérias e os desertos? Ontem e amanhã são os espaços fictícios nos quais estes poemas tentam chegar por meio de pulsações vigorosas e secas. Artérias desejantes que falham durante o caminho de irrigação de corpos frágeis apaixonados por memórias e imagens. Deserto, terreno árido e antigo; local do nascimento de uma subjetividade que não se conhece e não se habita, amedrontada pela impossibilidade de morrer e religiosamente antagonista ao reino de deus que lhe foi prometido. Nestes dois momentos, que poderiam ser um só, o tempo, o gênero, a poesia e, enfim, as palavras, vacilam, porém não cessam na busca de um contorno para os sentimentos. Perguntas e vozes intrusivas penetram a cadência dos versos questionando um eu-lírico que não se circunscreve, um "eu" que não se acredita eu, desconhecido, ausente, descomprometido e desconfiado das certezas. Os poemas não foram ordenados intencionalmente para que haja distinção clara entre as artérias e o deserto. Logo, veremos artérias estruturadas por sensações e lembranças primitivas constantemente em fluxo. Neste deserto molhado de vontades, vibram dúvidas por se assumir vivo ainda que todos o vejam morto. O projeto é apresentar as muitas artérias, veios, caminhos que foram traçados pelo vento de forma aleatória, mas não tão aleatória assim, para compor um deserto desesperado que pretende ser visto, e abandonado para sua própria autoconservação. 
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento16 de jan. de 2023
ISBN9786525437545
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    Artérias do deserto - Felipe Cravo

    Artéria

    1. Cada um dos vasos que conduz sangue o sangue do coração a todas as partes do corpo. 2. Grande via de comunicação.

    É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação, mas é grito de felicidade diabólica. (Água Viva – Clarice Lispector)

    Pai, se quereis, afasta de mim este cálice! Mas não aconteça como eu quero, mas como vós quereis (Luc 22: 42)

    Um amor de três dias: sonata

    1o movimento (allegro)

    De repente Cartola inicia seu dedilhado:

    "deixe-me ir preciso andar,

    Vou por aí a procurar… preciso me encontrar"

    É possível que neste fragmento de momento,

    nesta impossibilidade de existência: emergimos nós!

    Um bosque de árvores velhas, dos bandeirantes alvo de tolhimento.

    — Quantos corpos aqui morreram?

    — Quantos amores como o nosso morrerão?

    Um círculo de bancos cravados num bairro, cercados de altos prédios,

    os bancos-madeira.

    Madeira é prova de permanência, fidelidade ao lugar,

    firmeza em adversidades,

    madeira é célula de geração.

    — Sabia que as árvores conversam entre si?

    Um gato, uma garrafa, duas mãos:

    — Frio fora

    — Calor dentro?

    Mornidão das horas,

    muitas horas e em nós apenas segundos!

    "Quero assistir ao sol nascer

    Ver as águas dos rios correr

    Ouvir os pássaros cantar

    Eu quero nascer

    Quero viver"

    Pensamento é prova de que em algum momento

    declinamos de sentir.

    Neste único momento todo o mundo torna-se objeto,

    hoje, não pensamos, não oramos, não planejamos,

    e por isso o universo se abriu numa perpendicular

    entre passado e futuro

    neste nosso espiralado momento, não houve a dor

    desistente de existir!

    É de sangue e de momento que nos fizeram a nós!

    Permissão é abertura para existência,

    nos permitimos não-reparação.

    Avanço!

    Um dia pintaram o primeiro limite,

    caso possamos inferir a culpa, foram os portugueses,

    ou os espanhóis ou os ingleses.

    — Povo dos mares!

    Acontece que o marinheiro alerta reconheceu após os

    meses no mar que limites são inviabilidades do

    nosso corpo,

    Não há limite fora, é tudo limite dentro,

    o Mundo, este que vivemos ou daquele que viemos,

    não possui em si mesmo limites.

    A biologia, a psicologia, a vida, apresentada como

    constante fluxo,

    onde aqui é só linguagem, e lá é só paisagem.

    — O que limita meu-teu corpo? Onde nasce minha-tua possibilidade.

    A queda do paraíso, a melhor atitude das mulheres

    até hoje:

    Mandar a merda o próprio deus-criador, masturbar

    o próprio gozo, parir a própria vida!

    De então para agora somos paridores de histórias

    nossas,

    e nem deus nos pode limitar.

    É nesta direção que nos perdemos,

    com estas dúvidas que nos mostramos.

    — Ah, o primeiro marinheiro!

    — Ah, o primeiro apaixonado!

    Ai de mim em queda,

    loucura rotulado!

    O corpo faz trocas constantes, e se visto com os olhos

    da verdade

    dentro e fora são só metáforas.

    Tudo é um! Panta Rei

    Divisão é falácia.

    Andamos,

    andamos... sorrimos, sorrimos...

    olhamos,

    olhamos...

    — Há tanta noite!

    Um lago verde-escuridão,

    Não verde-esperança,

    verde-terror subtraído de luz e de paixão

    — Verde é cor de socialização, sabia?

    Andamos...

    andamos e sorrimos...

    sorrimos...

    sorrimos e olhamos...

    olhamos!

    Tudo é só paisagem e somos parte da miragem dos

    olhos do gato-preto.

    Ele ronronando, se esfregando, doando-se e aceitando

    os donativos de nosso carinho.

    Ele sabendo da impossibilidade dos limites,

    ele sabendo...

    e nossas mãos sentindo

    O gato gatendo-se sem a menor possibilidade de

    metaforizar

    — mano, se eu fosse um gato,

    me derreteria entre os corpos todos!

    As horas antes,

    as horas depois, não previstas, inexistiam.

    Antes: expectativa, promessa, fantasia, discurso,

    Durante: (...)

    Depois: medo, silêncio, lágrimas, desejos.

    No choro compulsivo me vi eu-célula, a primeira,

    no lago primitivo donde a vida deu-se início.

    Lá, naquele enxofre, calor-conflito, gritos e dor,

    Parimo-nos: eu primeira célula e tu primeira célula, e ele, e ela, e eles, e elas, e tudo, e todos,

    E de nosso ponto comum, juntos eu e você,

    tudo em potência de vir a ser, aqui, lá, hoje, talvez,

    nesta praça!

    Eu dividindo-me em você,

    rezando pelo dia que voltaríamos,

    o lago incandescente. Bons tempos para a vida ter

    início!

    A Terra, toda ela a girar bruscamente, quedas de

    astros, quedas de raios.

    A queda da primeira mãe, na ciência posta, eu deitado

    em seu amor

    Éramos unos no princípio. Eu e Você. Mesmos.

    Ontem consolidamos a unicidade no fluxo decorrente.

    O oceano todo, olhos teus, nós mergulhados lá,

    rastejamos terra, rastejamos ar, rastejamos os dias até

    nos encontrar.

    O oceano todo, nós e ele, nóseles, um só.

    A nota num piano de existência, quem nos toca

    a nós todos?

    — Posso te tocar?

    Ao te tocar eu toco toda a abóbada de experiências,

    bendita nota !

    O céu estrelado,

    nós de lá um dia marchamos, e andamos, andamos, andamos, e pedimos, pedimos, pedimos, e sonhamos,

    sonhamos...

    A última peça do tempo,

    os últimos minutos,

    a gravidade nos distorcendo,

    a realidade nos convocando,

    passado e presente. Realinhamento.

    Nosso espiral de perspectivas se rompendo,

    nossa luz e energia se lançando.

    O tremor das mãos, o tremor do peito, o tremor,

    temor, o amor. Amamos!

    Passado e presentes realinhados:

    cacos de mim, cacos de vida, somente os cacos.

    O caminho de volta,

    um corte no braço,

    o caminho de ida,

    um corte na alma.

    O caminho direito, o caminho direto,

    Eu sendo levado num rio desesperado.

    — Distância é sempre variação do tempo em função do espaço?

    2o movimento (Andante)

    No segundo dia tudo estava posto sobre uma mesa de mármore.

    As cartas, as partidas, os cigarros, as pingas.

    No segundo dia, o sol amanheceu invertido, e eu não estava em mim

    Birds flying high you know how I feel

    Sun in the sky you know how I feel

    Breeze driftin’ on by you know how I feel

    No segundo dia tudo tentou retornar ao ponto zero! A criação da entropia.

    Uma dádiva cartesiana impossível,

    A música no carro, o maldito calor sorocabano.

    No segundo dia eu quis a morte porque estava feliz

    It’s a new dawn

    It’s a new day

    It’s a new life

    For me

    And I’m feeling good

    Nina Simone tem uma voz que me impulsiona,

    — se ela se sentia bem, quem sou eu para não sorrir?

    ainda que as lágrimas estejam rolando,

    eu sei que elas sempre rolam vez por outra.

    Então, no segundo dia eu vi a réstia de um calei­doscópio,

    eu me vi por dentro,

    estando completamente fora!

    Não havia mais campo aberto,

    nem lago,

    nem luar,

    nem fluxo temporal.

    Segundos contados com dor, alfinetadas com os ponteiros,

    e deveria estar tudo bem, porque "I’m feeling good".

    Pessoas e olhares e perguntas e hipóteses e questões e suposições e tudo pingando.

    Pingo a pingo numa pia esquecida num dormitório esquecido numa casa esquecida.

    O segundo dia foi breve, durou quase meio segundo,

    porque numa parte dele eu não estava em meu corpo,

    cedi lugar para me habitar em outro planeta:

    — Netuno, sou netuniano!

    O espaço é dinâmico,

    senti pela primeira vez que não piso em solo estável.

    Tudo é lamaçal. Pronto para um plantio digno desta Terra,

    Minhas sementes estão todas secas,

    umedeço o vazio com minhas lágrimas

    — Tantas são as lágrimas, tantos os vazios!

    Não vi ninguém além de mim mesmo destorcido,

    — eu errado?

    (?)

    Stars when you shine you know how I feel

    Scent of the pine you know how I feel

    Oh freedom is mine

    And I know how I feel

    3o movimento dia (Vivacíssimo)

    É assim! O número três é tudo que falta para se romper

    — Somente três harmoniza!

    — Mentira.

    Terceiro dia é ressureição ou morte absoluta,

    terceiro dia, é o dia do julgamento.

    Três são as pontas do tridente de Satã!

    Uma canção dodecafônica.

    Uma melodia sombria.

    DECISÕES!

    — Sim, de cisões me constituo.

    A vida, num convocar-me constante, e eu decidido a negar qualquer convocação

    RETIRADA!

    — Quantos são os dedos que apontam o caminho maldito cheio de certezas?

    — Foda-se todas as certezas!

    Eu caminhando sobre cacos de vidro: a vida!

    Me cortando pouco a pouco os pés, para qualquer direção que eu vá,

    uma gota de meu sangue cairá. Carimbo a terra com o vermelho-eu.

    E é isso, se eu tenho que sangrar, então os cacos de vidro eu mesmo colocarei!

    Um a um, eu colocando caco a caco em cada um dos pés,

    porque é meu o pé, e minha a direção!

    Se tiver que remarcar os compromissos,

    refazer as rotas, pedir desculpas, repensar soluções, recalcular metas,

    minha agenda nunca estará fechada, e em meu pé sempre haverá um espaço em branco.

    Não há mais ontem, nem hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã,

    nem nunca houve dias,

    sequencias são mentiras.

    O que há em mim, dentro deste corpo incoerente,

    é Agora!

    Instante,

    As placas indicam atalhos,

    há pessoas que indicam felicidades.

    Em situações como esta a família indica os conselhos do progresso

    Sangrar ao abrir os olhos pela manhã: trabalhar

    Sangrar no almoço correndo, uma leitura rápida: trabalhar

    Sangrar no leito vazio, com a coberta amassada da noite mal dormida: trabalhar

    Indicar soluções é a resposta dos anfíbios, a nós nos cabe aceitar as condições

    Trabalhar.

    Um dia um passarinho pousou próximo de mim,

    Ele todo novo em penas recém-nascidas, azuis, amarelas e esverdeadas, um brasileirinho in natura.

    e eu, já de barba mofada, cor de cinzas, que é a cor da velhice humana como um todo.

    ele na janela a hora que queria. já eu debruçado na escrivaninha nas horas que eu podia.

    olhar dele, olhar meu, timidez, me ajeitava todo, e ele danadinho se aprumava todo.

    vez por outra eu lhe deixava um agrado, ele logo em seguida trazia-me agrados.

    os meus eram alpiste, os dele, uns bichinhos mortos, galhinhos, pedaços de folhas.

    o melhor que posso e o melhor que podia. são assim as relações verdadeiras.

    acontece, e não demorou muito que

    me apaixonei pelo passarinho! e ele por mim, inferência sentimental de minha parte.

    ninguém sabia é claro, amor de humano com passarinho é proibido.

    amor sem gênero, sem sexo, sem direção, não é amor, é vaidade.

    eu e passarinho, todo dia nos dávamos o melhor de nós.

    ele o canto.

    e eu os contos,.

    enquanto na janela ele cantarolava, eu paciente e sorrateiro lia minhas histórias.

    foram anos, ou foi somente um dia, porque na paixão o tempo segue outra lógica.

    — que oferta tinha o passarinho além do canto e de me ver?

    — que podia ofertar eu além de contar e de lhe ver?

    por esse pouco ofertar prenderam o passarinho numa gaiola de relacionamento-outro.

    em mim cortaram a língua para trabalhar mais rápido e dizer menos coisas.

    o pobre passarinho chora dia e noite, e todos pensam que ele canta.

    eu esfaqueio a existência e ainda pensam que trato as dores de almas mancas.

    Do terceiro dia não passará, somente três compõe e este terceiro destoará!

    As plantas assentadas nos vasos de vida por ele aspirado.

    As plantas são fincadas no meio,

    crescem em direções opostas.

    — Morrem com excesso de água!

    Vivem sempre avançando os próprios limites.

    — Tem dias que me vejo planta, e outros que me plantam.

    Nossas conversas sempre tortas, sempre querendo mais conversa, sempre em silêncio.

    Sentados no sofá, ou no chão, não nas almofadas,

    nem nas cadeiras no fundo da sala.

    Estávamos em pé.

    Eu flutuo,

    sou flutuado por seu beijo, no canto de minha boca.

    — Você sempre me deu oi com beijo no canto da boca.

    A expectativa do medo de

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