A menina e sua colcha de retalhos
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A menina e sua colcha de retalhos - Liliam Carmela
O colo da avó e o cheiro de cebola!!
A avó da menina vivia boa parte das manhãs a preparar quitutes no fogão elétrico . A menina adorava o colo da avó!!! Ôhhhhhh, colo gostoso, quentinho, macio!!! Mas não era cheiroso, cheirava à cebola !!!
A menina falava:
— Vó, me dá colo? — e a avó saía da cozinha, parava tudo o que estava fazendo e corria para o sofá com a netinha à espera do colo.
— Conta uma história, vó? — a menina falava. E a avó contava uma história bem bonitinha que vinha com cheiro de cebola e de amor de vó
…
A menina cresceu e virou vó
!! Que susto a menina levou!!! O tempo voou, voou…
O netinho da menina que virou vó
entra correndo toda hora e todo dia na casa da vovó e do vovô !!!
Corre abraçar o vovô e a vovó e fala:
— Vovozinha, você tá cheirando à cebola !!!
A menina que agora é avó olha para o netinho que cada hora é um super-herói e diz:
— Tô fritando pastel de queijo para você!!!
O netinho adora o pastel de queijo da vovó! E a avó do netinho vê nele a menina que ela foi…
A menina borda esse retalho com muito amor, porque tem nele muitas cebolas , muitos amores , muitos bolos com cobertura de limão , muitos pastéis de queijo , muitas lembranças, muitas histórias…
Enquanto isso, o netinho vai crescendo, crescendo, recheando o coração do vovô e da vovó de encantos, cantos, mais histórias, mais lembranças…
A menina pensa hoje que se tornar avó é mesmo um milagre, que faz até resgatar a garota que um dia ela foi…
Varais de roupas!!
Os varais de roupas sempre encantaram a menina !
A avó pendurava roupas no varal e a menina, ali sentada no chão, bordava um retalho . A avó olhou para a menina e disse:
— Netinha querida, o que está bordando? É o varal da vovó?
A menina respondeu:
— É, vovó!!! Não tá ficando bonito?
A menina gostava de ver as roupas secando ao vento. Para ela, os lençóis eram lindos, eles dançavam, às vezes, uma valsa… A menina achava lindas as roupas que tinham vida e iam secando as lágrimas
e, iluminadas pelo sol
, iam ficando alegres
de novo!
Quando a menina ia com a vovó fazer visitas nas tardes ensolaradas , gostava de conhecer os varais das casas. Ficava horas olhando as roupas secarem, dançando, dançando…
O mundo mudou e a menina conheceu a secadora… Que triste para a menina… Ela ficou desencantada, era muito fria, gelada… A menina ficava olhando pela janela da máquina e não sabia mais quem era quem… Mas a menina está crescendo e ainda pendura, com capricho, os lençóis no varal e pensa no encanto que tem estender os lençóis, todos arrumadinhos, dançando bem juntinhos! A menina, quando viaja, gosta de ver pelas janelas dos trens os varais das vovós que ela não vê, mas se lembra da vovó e do retalho bordado com linhas de saudades …
O colégio das freiras!!
A menina aprendeu a bordar no colégio, ainda muito pequenina. Não gostava de bordar, e a mãe da menina bordava um pouco e a menina outro pouco, até acabar… Quando a menina entrava e o grande portão se fechava, ela estremecia . Só via muros altos, grades, janelas, vidraças… chão de cimento, de terra, de ladrilho, de assoalho… Fuja, menina Fuja!!!
Sinos batendo, campainhas tocando, frei-ras voando e crianças gritando !
Carteiras de madeiras, enfileiradas, lousas apagadas… Era escada que subia, escada que descia, porta que fechava, porta que abria… A menina estava em uma prisão, feito animais em cativeiros . A menina amava os animais e tinha muita pena deles nas jaulas… Ela conhecia essa dor… esse medo… essa solidão… esse desespero …
A menina bordava esse retalho quando dava… bordava triste uma jaula com os bichos, todos presos, e ela, no meio deles… Sapatos engra-xados, joelhos ralados , uniforme engomado e cabelos despenteados… O avô da menina engraxava os sapatinhos dela. A menina ficava boba
quando os sapatos viravam novos
nas mãos do avô. O avô contou para a menina que, quando era bem pequeno, era engraxate… Ela, triste , abraçou o avô …
A menina corria muito pelo colégio, procurava uma saída. Não aguentava mais ter que ouvir, ficar quieta, obedecer, fazer conta, cantar, ler, escrever, chorar, brincar, aprender e… não conseguir perguntar…
Cheiro de lanche, de criança suada, de pão com manteiga, de guardanapo de pano, de garrafinha de plástico cheia de café com leite… Eram muitos cheiros para a menina aguentar… Muitos gritos… muita gente brava, triste , assustadora, assustada… A menina não aguentava mais aquela vida de todo dia naquele colégio que era um inferno … Mas a menina descobriu um esconderijo bem gostoso, bem quentinho . E quando a menina entrava por aquela porta, tudo mudava … E ela só escutava o barulho dos passos dela, pisando de mansinho no chão encerado, tão cheiroso e limpinho… Era a capela , tão grande, que tanto a menina gostava, onde ela rezava, pedia…
A capela era silenciosa e quente como colo da mãe, do avô, do pai, da avó… A menina , coitadinha, andava devagarinho, escondidinha… e quando chegava à soleira de mármore de meia-lua, ela já estava no céu… Sentadinha na meia-lua , olhava a Mãezinha com seu Filhinho no colo, tão pequenininho como a menina se sentia… A menina achava lindo aquele manto azul, como as águas do mar que cobria os cabelos da Mãezinha do céu com o seu Filhinho no colo… A menina pensava, olhando para os olhos da Mãezinha , que lá ela estava protegida… E nem sonhava que naquela capela um dia ela se casaria … E nem que aquele colégio não seria sempre assim… Ele não seria sempre o colégio das freiras… Ele seria o colégio da menina e de suas amiguinhas
também …
Se essa rua fosse minha!!
A menina cresceu nessa rua… Se essa rua, se essa rua fosse da menina… E era!!! A rua de tantas crianças e de muitas famílias …
A menina lembra que a avó e o avô dela sentavam nas cadeiras na porta da casa para ver o movimento e conversar com os vizinhos, que eram todos amigos!!!
Crianças gritando, correndo, pulando corda, jogando bolinhas de gude, futebol , pega-pega, amarelinha, esconde-esconde… Que algazarra gostosa sem pressa, sem medo da felicidade que não tinha fim… Os mais velhos sempre de olhos
na criançada que só brincava!!! A menina lembra da rua cheia de vida, cheia de vozes… das campainhas tocando…
— Tem uma xícara