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Empresários Brasileiros
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E-book1.034 páginas19 horas

Empresários Brasileiros

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Sobre este e-book

EMPRESARIOS BRASILEIROS
Empresários Brasileiros, de Latif Abrão Jr e Marcos Barrero, Editora L2M/SP, apresenta um perfil pessoal e empresarial de 58 líderes brasileiros em atividade de 1962 a 2022 e fixa um painel da construção do próprio capitalismo no país. Começa com o lançamento do carro Romi-Isetta, uma história de pioneirismo e um gesto de arrojo de uma empresa do interior paulista em meados do século passado, e alcança as duas décadas iniciais do novo século com empresas que desenvolvem novos negócios.  Trata-se de uma História do Brasil pelos empreendedores em quase 600 páginas. O livro proporciona uma leitura leve e agradável graças ao tom de narrativa jornalístico e literário.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de fev. de 2023
ISBN9788566699081
Empresários Brasileiros
Autor

Latif Abrão Jr.

Latif Abrão Jr., paulista de Franca, é administrador pela EAESP-FGV e bacharel em Direito pela USP, Largo de São Francisco. Vive em São Paulo. Em 2005, publicou o livro de poemas Criado-Mudo (Ed. Callis), também ilustrado por ele. Em 2013, lançou os livros O Sentimento da Pedra (poesias) e Administração & Poesia (ensaio), ambos pela editora L2M. Entre muitas atividades no terceiro setor é presidente do Conselho Consultivo e ex-presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil – ADVB. Como executivo atuou nas empresas CESP – Companhia Energética de São Paulo, Corporação Bonfiglioli, VASP – Companhia Aérea de São Paulo e no grupo Notre Dame-Intermédica, onde ocupou a presidência da empresa. Foi professor de Economia Brasileira e Teoria Geral da Administração e consultor nas áreas de Gestão e Saúde. No setor público, atuou na prefeitura municipal de Franca e no governo do Estado de São Paulo, na implantação da Região de Governo de Franca (gestão Montoro). Foi Superintendente do IAMSPE – Instituto de Assistência Médica dos Servidores Públicos Estaduais. É empresário e sócio proprietário do Hotel Terras Altas.

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    Pré-visualização do livro

    Empresários Brasileiros - Latif Abrão Jr.

    Empresários Brasileiros - Autores: Latif Abrão Jr. e Marcos Barrero. Editora L2M Comunicação

    Copyright: Latif Abrão Jr. e Marcos Barrero

    Proibida qualquer reprodução de texto e imagem, parcial ou integral, por qualquer meio, sem autorização de editora e de autor.

    Todos os direitos desta edição reservados à L2M Comunicação Ltda, São Paulo/Brasil

    Declaração de crédito das imagens

    As fotografias desta publicação foram gentilmente cedidas pelos acervos das empresas e/ou empresários ou suas famílias retratados nesse livro.

    As reproduções de capas de revistas, CDs, LPs e recortes de jornais pertencem ao acervo da L2M Comunicação e publicados aqui com as devidas autorizações.

    Demais imagens tem todos os direitos reservados.

    Editor

    Marcos Barrero

    Projeto Gráfico e Edição de arte

    Flora Rio Pardo

    Sonia Lisa Schwartz

    Bernadete Guedes

    Ilustrações

    Bruno Romero Prado

    Manoel Vitorino Junior

    Revisão

    Izabela Barrero

    Marcia Barrero

    logo-l2m

    L2M Comunicação Ltda

    Tel. (11) 99624-5708 – São Paulo – SP

    ISBN: 978-85-66699-08-1

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Empresários: Sucesso em negócios: História

    658.409

    São Paulo – 2022

    Todos os direitos reservados

    logo ADVB

    DIRETORIA

    Presidente: Aristides Salomão de La Plata Cury

    Vice-presidentes: Lívio Antonio Giosa (VP Administrativo, Treinamento e Desenvolvimento), Gilberto José Pacheco (VP Assuntos Institucionais), Elza Tsumori (VP Comunicações), José Roberto Sevieri (VP Expansão), Sérgio Junqueira Arantes (VP Financeiro)

    CONSELHO CONSULTIVO

    Presidente: Latif Abrão Junior

    Vice-presidente: Miguel Alberto Ignatios

    Secretário: Cláudio Elias Conz

    CONSELHO FISCAL

    Presidente: Paulo Roberto de Campos Castro

    Conselheiros: Antonio Sérgio Alves de Oliveira, Elcio Anibal de Lucca, Maury de Campos Dotto, Myryam Athie, Ozires Silva

    VICE-PRESIDENTES NOMEADOS

    Alfredo Duarte (VP Educacional), Beto Marques (VP Comunicação e Eventos), Arnaldo Galleguillos (VP Núcleo EAD), Teresa Cristina Calligaris (VP Núcleo ADVB Mulher), Ricardo Yoshikawa (VP Núcleo ADVB Jovem), Marcos Araújo (VP Núcleo de Turismo), Patricia Servilha (VP Núcleo de Cidades Inteligentes)

    CONSELHEIROS

    Abram Abe Szajman, Alencar Burti, Alexandre Annenberg, Antonio Carlos Rios Corral, Antonio Carlos Romanoski, Antonio Cruz, Antonio Sérgio Alves de Oliveira, Armando Ferrentini, Carlos Roberto Pinto Monteiro, Cláudio Elias Conz, Cláudio Luiz Lottenberg, Constantino de Oliveira Júnior, Dalva Christofoletti Paes da Silva, Eduardo Carlos Pereira de Magalhães, Elcio Anibal de Lucca, Erli Rodrigues, Fernando Pinto de Moura, Firmin Antonio, Flávio A. Corrêa, Flávio Pestana, Francisco Augusto Semeraro Jr., Francisco Mesquita Neto, Herberto Yamamuro, Hiran Castello Branco, Horacio Lafer Piva, Isaac Edington, Ives Gandra da Silva Martins, João Carlos Regado, João Cox, Jorge Alberto Sedrez

    Polydoro, José Augusto Viana Neto, José Carlos da S. Pinheiro Neto, Josué Christiano Gomes da Silva, Juan Perez Carrillo, Latif Abrão Junior, Lívio Antonio Giosa, Luiz de Alencar Lara, Luiz Fernando Furlan, Luiz Flávio Borges D´Urso, Luiz Gonzaga Alves Pereira, Marcos Arbaitman, Mario Ernesto Humberg, Mario Garnero, Maurício Vergani, Maury de Campos Dotto, Miguel Ignatios, Myryam Athie, Nabil Sahyoun, Natanael Santos de Sousa, Nelson de Abreu Pinto, Octavio Leite Vallejo, Orlando Marques, Oscar Mattos, Oswaldo Melantonio Filho, Ozires Silva, Paulo Roberto de Campos Castro, Paulo Roberto de Godoy Pereira, Paulo Sergio Braga Barboza, Pedro A. Eberhardt, Ricardo Yazbek, Roberto

    Rodrigues, Romano Pansera, Romeu Chap Chap, Sebastião Bonfá, Sérgio Cintra, Sylvio Goulart Rosa Jr., Thomas Peter Mathias Hahn, Valdir Magalhães, Waldemar Verdi Jr. e Walter Feldman

    CURADORIA DE PREMIAÇÕES

    Flávio Faveco Corrêa (coordenador)

    EQUIPE INTERNA

    Gerente geral: Lázaro Aparecido de Almeida Pinto

    Assistente financeira: Marta Sayuri Hamai

    Relações Públicas: Roselaine Cuesta Faria

    logo ADVB

    FBM – Fundação Brasileira de Marketing

    ADVB – Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil

    Rua Correia de Lemos, 158, 2º andar, São Paulo, CEP 04140-000, Tel. 55 11 3287-0000

    www.advb.org – advb@advb.org

    Sumário

    1. Prefácio

    A história do capitalismo brasileiro*

    Uma história do Brasil

    A História continua

    2. Os 58 empresários premiados pela ADVB entre 2022 a 1962

    58 – 2022 - Valter Patriani – Construtora Patriani

    57 – 2018 - Candido Júnior – Hapvida

    56 – 2017 - Irlau Machado – Grupo NotreDame Intermédica

    55 – 2016 - Sandro Rodrigues – Hinode

    54 – 2015 - Marcos Arbaitman – Maringá Turismo

    53 – 2014 - Chieko Aoki – Blue Tree Hotels

    52 – 2013 - João Doria Jr. – Grupo Doria

    51 – 2012 - Sônia Hess de Souza – Dudalina S.A.

    50 – 2011 - José Luiz Gandini – Kia Motors do Brasil

    49 – 2010 - Roberto Cortes – MAN Latin America

    48 – 2009 - José Luiz Gandini – Kia Motors do Brasil

    47 – 2008 - João Cox – Claro S.A.

    46 – 2007 - Roger Agnelli – Vale S.A.

    45 – 2006 - Antonio Carlos Romanoski – Planner Corretora de Valores

    44 – 2005 - Edson de Godoy Bueno – Amil Assistência Médica

    43 – 2004 - Samuel Klein – Casas Bahia

    42 – 2003 - Edemar Cid Ferreira – Brasil Connects

    41 – 2002 - Ivan Fábio de Oliveira Zurita – Nestlé Brasil

    40 – 2001 - Antonino Cirrincione – Sodexo Pass do Brasil

    39 – 2000 - José Carlos Pinheiro Neto – General Motors do Brasil

    38 – 1999 - Luiz Fernando Furlan – Sadia S.A.

    37 – 1998 - Elcio Anibal de Lucca – Serasa

    36 – 1997 - Paulo Roberto de Andrade – Fazendas Reunidas Boi Gordo

    35 – 1996 - Ademar Serodio – Avon Cosméticos Ltda

    34 – 1995 - André Beer – Beer Consult & Associados

    33 – 1994 - Abram Abe Szajman – Grupo VR

    32 – 1993 - Rolim Adolfo Amaro – TAM Linhas Aéreas S.A.

    31 – 1992 - Silvano Valentino – Fiat do Brasil

    30 – 1991 - Mario Amato – Grupo Amato

    29 – 1990 - Eugênio Staub – Gradiente

    28 – 1989 - José Eduardo de Andrade Vieira – Banco Bamerindus do Brasil S.A.

    27 – 1988 - Abraham Kasinsky – Grupo Cofap

    26 – 1987 - Bernardo Goldfarb – Lojas Marisa

    25 – 1986 - Roberto Marinho – Grupo Globo

    24 – 1985 - João Carlos Paes Mendonça – Rede Bompreço

    23 – 1984 - Matias Machline – Sharp do Brasil

    22 – 1983 - Eugênio Saller – Melitta do Brasil

    21 – 1982 - Jorge Gerdau Johannpeter – Grupo Gerdau

    20 – 1981 - Hélio Smidt – Varig S.A.

    19 – 1980 - Mário Bernardo Garnero – Brasilinvest

    18 – 1979 - Roberto Paulo Richter – Eucatex

    17 – 1978 - Valentim dos Santos Diniz – Grupo Pão de Açúcar

    16 – 1977 - Laerte Setúbal Filho – Duratex

    15 – 1976 - Adolpho Bloch – Bloch Editores

    14 – 1975 - Henry Maksoud – Hidroservice/Grupo Visão

    13 – 1974 - Mauro Salles – Salles/InterAmericana

    12 – 1973 - Walter Clark – Rede Globo

    11 – 1972 - Erick de Carvalho – Varig S.A.

    10 – 1971 - Abilio dos Santos Diniz – Grupo Pão de Açúcar

    9 – 1970 - Norberto Ingo Zadrosny – Artex S.A.

    8 – 1969 - Werner Pedro Wallig - Grupo Empresarial Wallig

    7 – 1968 - Victor Pike – Chrysler do Brasil

    6 – 1967 - Paulo Machado de Carvalho Filho – Rádio e TV Record

    5 – 1966 - Francisco Pedro Garcia – Shell do Brasil

    4 – 1965 - Victor Civita – Editora Abril

    3 – 1964 - Caio de Alcântara Machado Alcântara Machado – Promoções

    2 – 1963 - William James Pepper – Johnson & Johnson

    1 – 1962 - Mário Pacheco Fernandes - Indústrias Romi

    3. Posfácio

    Ser empresário é ser herói

    4. Autores

    5. Bibliografia

    A história do capitalismo brasileiro botão de clique e abra conteúdo

    Adelto Gonçalves

    botão de clique e abra conteúdo

    Composto pelas histórias pessoais e empresariais de 58 empreendedores em atividade entre 1962 e 2022, o livro Empresários Brasileiros ajuda a compreender a construção do capitalismo no País. Escrita pelo administrador, empresário e poeta Latif Abrão Jr. e pelo jornalista e escritor Marcos Barrero, a obra, luxuosamente produzida em formato mesa (30x25cm) e com capa dura, reúne as biografias de líderes empresariais que, ao longo daquele período, conquistaram o título de Personalidade Nacional de Vendas, instituído pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB). E marca, ao mesmo tempo, não só a contribuição da ADVB para a sociedade brasileira em seus 65 anos de existência como reconstitui a história do empreendedorismo, a saga do comércio e da indústria do Brasil.

    Obviamente, o leitor arguto irá desconfiado ao encontro deste livro, imaginando que terá pela frente uma obra encomiástica. Idêntica aquelas que empresas e entidades costumam fazer para comemorar datas redondas, repletas de louvações a capitalistas antigos ou a outros ainda em ação. Desde logo, porém, adverte-se aqui para o engano. Na realidade, este é um livro surpreendente da primeira à última linha porque as histórias aqui resgatadas são apresentadas sem nenhuma complacência com seus personagens, mas atreladas apenas à verdade dos fatos.

    Mais: foram escritas ao estilo do new journalism norte-americano de Trumam Capote (1924-1984), Gay Talese (1932), Norman Mailer (1923-2007) e Tom Wolfe (1931), levando o leitor a uma viagem pelo Brasil que trabalha e constrói. Até porque um de seus autores, o jornalista Marcos Barrero, é reconhecidamente dono de um dos melhores e mais brilhantes textos de sua geração.

    De se observar é que, das personalidades escolhidas pela ADVB, poucas são mulheres, o que pode significar que o capitalismo brasileiro tem sido majoritariamente obra de homens. Daí a conclusão de que o País ainda está muito atrasado na luta pela igualdade dos sexos. Honrosas exceções no livro são a empresária Sônia Hess de Souza, sexta filha de uma costureira e de um poeta que, em 1957, criaram uma firma para coser roupas. Com tenacidade e destemor para enfrentar um mundo de homens, Sônia fez da obra dos pais, a Dudalina S.A., a maior camisaria da América Latina. Do mesmo modo, rompendo obstáculos gigantescos, a nipo-brasileira Chieko Nishimura Aoki se tornou uma das mais notáveis empresárias do País, no comando da rede Blue Tree Hotels do Brasil e Resorts S.A. Emergiu das ruínas do Japão pós-Segunda Guerra para edificar a terceira maior cadeia hoteleira do Brasil. A rigor, na segunda década do século 21, com o mundo virado de cabeça pra baixo por uma longa pandemia e a Guerra da Ucrânia, a mulher ainda detém um território muito pequeno no mercado de trabalho brasileiro. Apenas 14,7 por cento dos cargos de confiança nas empresas do País são ocupados por mulheres, segundo pesquisa da empresa Teva ÍndIces, publicada no O Estado de S. Paulo, de 19 de junho de 2021.

    Seja como for, a leitura destes perfis ajuda também a compreender a própria história do capitalismo brasileiro que nasce, a rigor, depois da morte da Velha República em 1930, com o afastamento do poder de alguns grandes proprietários de terras, especialmente cafeicultores. Mas foi a partir do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que o Brasil começou a se modernizar, com a abertura de algumas indústrias, que puderam ajudar o governo a colocar em prática a política da substituição das importações.

    A essa época, São Paulo já aparecia como o mais importante centro industrial da América Latina. Muitos empreendedores já eram filhos e netos de imigrantes italianos que assumiam e comandavam os negócios de seus ancestrais. No mundo, os Estados Unidos surgiam como os líderes do bloco capitalista, aumentando sua influência sobre os vizinhos latino-americanos. O seu modelo de vida começava a chegar aos brasileiros, através das ondas do rádio, dos jornais e revistas e pelos filmes que vinham de Hollywood.

    Como mostra o livro de Latif e Barrero, o principal legado do período que vai de 1945 a 1960 foi o avanço da industrialização do País. Foi a partir de 1962 que a ADVB começou a contemplar os pioneiros na produção de bens, serviços e consumo (Johnson & Johnson, Artex, Pão de Açúcar, Varig, Grupo Gerdau, Eucatex, Duratex e Wallig) e uma poderosa mídia criada para sustentar o avanço da indústria brasileira (Rede Globo, TV Record, grupo Manchete e agência Salles/Interamericana). Sem esquecer, à época da ditadura militar (1964-1984), de destacar empresas vencedoras como Banco Bamerindus, Lojas Marisa, Supermercados Bompreço, Cofap, Fiat, TAM, Sharp e Melita. Ou ainda de homenagear empresas que, mesmo enfrentando os tempos revoltos dos anos 1990/2022, conseguiram sobreviver e crescer, como GM, Nestlé, Vale, Kia Motors, Casas Bahia, Claro, Avon, Sadia, Grupo Dória, Blue Tree Hotéis, HapVida, Notre Dame-Intermédica e Construtora Patriani.

    À frente de seus negócios, nem sempre os empreendedores foram exitosos. Quer dizer, se à época da contemplação do prêmio Personalidade Nacional de Vendas viviam o auge de sua vida empresarial, muitos tiveram de conviver mais tarde com decepções e até mesmo enfrentar os caminhos da Justiça comum.

    Entre as biografias daqueles que são exemplos de empreendedorismo, estão as de Roberto Marinho (1904-2003), Samuel Klein (1923-2014), Abílio Diniz (1936), Mauro Salles (1932), Roger Agnelli (1959-2016), Eugênio Staub (1942), Rolim Adolfo Amaro (1942-2001), Luiz Fernando Furlan (1946), Abram Abe Szajman (1939) e José Luiz Gandini (1957), entre tantos outros. Mas há outros que não tiveram tanto êxito assim, como Victor Pike (1923-1995), executivo norte-americano que veio para montar a divisão da Chrysler do Brasil, mas que acabaria seus dias recolhendo frutas rejeitadas nas feiras-livres do bairro do Brooklin, em São Paulo, depois de ter sido passado para trás por colegas da própria empresa.

    Ou ainda o banqueiro Edemar Cid Ferreira (1943), fundador do Banco Santos e conhecido mecenas das artes, que acabaria punido pela Justiça, acusado de golpes no sistema financeiro, e Paulo Roberto de Andrade (1947), antigo dono da Fazendas Reunidas Boi Gordo, igualmente acusado de fraudes, protagonista do maior escândalo do agronegócio no País, como se lê no livro. Ou ainda o executivo Walter Clark (1936-1997), tido como o criador da TV Globo, que casou e teve filhos com as mais belas atrizes e socialites de sua época, mesmo sendo empregado, sem nunca ter chegado a patrão, a par de desfrutar de um dos mais altos salários do país. E que morreu quase na pobreza, a ponto de ter tido seu funeral custeado por um ex-colega da Globo, o seu sucessor José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (1935), o Boni.

    O livro, porém, começa com um vendedor de publicidade, Mário Pacheco Fernandes (1928), que, se não chegou a se tornar um gigante empresarial, passou para a história da indústria automobilística nacional como o inventor da Romi-Isetta, uma versão nacional de um exótico carrinho fabricado na Itália que chegou ao Brasil em 1959, depois de uma associação da indústria italiana Isetta com um grupo paulista. A história da Romi-Isetta se confunde com a história da construção de Brasília e com o auge do cinema nacional e do início da TV no Brasil como veículo de massas, já que das campanhas publicitárias do mini-automóvel participaram os grandes artistas da época. O painel que a obra traça, enfim, é simplesmente uma História do Capitalismo Brasileiro.

    ¹ Este artigo foi atualizado em março de 2022 para este livro. Originalmente, saiu nas seguintes publicações: Jornal Opção (Goiânia), Correio do Brasil (Rio de Janeiro), O Autarca, (da Beira, Moçambique), Das Letras (Portugal) e Pravda. (Rússia)

    ² Adelto Gonçalves, jornalista, é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003/Imprensa Oficial de São Paulo, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: O Governo Lorena na Capitania de São Paulo –1788-1797 ( Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

    Uma história do Brasil

    Latif Abrão Jr. e Marcos Barrero

    Em São Paulo, numa manhã ensolarada de fevereiro de 2013, refletíamos sobre o que representou e representa a ADVB – Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil. Qual seria sua contribuição efetiva para a sociedade ao longo de seus 57 anos de história?

    A ADVB surgiu como resultado direto do processo de modernização do Brasil. Foi entidade pioneira na mobilização da sociedade civil, elevou e dignificou a atividade de vendas, estimulou todas as iniciativas de qualificação profissional e serviu de porta de entrada para o marketing no país. No rastro da experiência, da atuação e das realizações da ADVB surgiram outras organizações, com ou sem fins lucrativos, tanto no âmbito representativo de categorias econômicas quanto nos setores de marketing, dos grandes eventos corporativos, do relacionamento (networking) e da qualificação profissional (ensino). Independente e apartidária, mas não apolítica, a ADVB não representa nenhuma categoria econômica exclusiva e não dispõe de recursos oficiais oriundos de qualquer esfera governamental. Desse modo, suas ações são destinadas a toda a sociedade e à defesa de seus princípios. Naquela reflexão matinal de 2013, concluímos com clareza que a trajetória dos profissionais e dos empreendedores eleitos Personalidade Nacional de Vendas – PNV – representava, no fundo, a própria história do empreendedorismo, da saga do comércio e da indústria brasileiros. Em resumo: uma História do Brasil. A cada ano, prêmio a prêmio, foi traçado um mosaico do Brasil contemporâneo. O conteúdo Uma história do Brasil

    Latif Abrão Jr. e Marcos Barrero produzido pela ADVB, valorizando os agentes e suas realizações, é uma síntese da história econômica do país a partir da segunda metade do século passado. É o registro, a rigor, do desenvolvimento econômico e social a partir do instante em que a população brasileira migra quase em massa do âmbito rural para o urbano, florescem a indústria, as grandes cidades e as irreversíveis maravilhas tecnológicas. O prêmio anual, instituído em 1962 e desde então conferido ininterruptamente, mobiliza todos os esforços possíveis da diretoria da ADVB. O desafio proposto e que deu origem a esse livro foi contar a história de cada empreendedor e de sua empresa, descrever o processo dinâmico de marchas e contramarchas, de avanços e retrocessos, de crises e soluções, permeando cada personagem e sua empresa com uma narrativa histórica leve e uma tessitura textual literária.

    Muito além dos inúmeros cursos de qualificação em vendas e marketing (que complementaram a formação de mais de 60 mil profissionais); a criação e manutenção de espaços democráticos de debates sobre questões econômicas, políticas e socioambientais; de mais de 500 cases de vendas e de marketing e as premiações corporativas e individuais – a trajetória da ADVB pode ser retratada pela história desses empreendedores brasileiros e suas empresas, vendedores e vencedores, que contribuíram para o desenvolvimento do Brasil moderno. Em qual cenário histórico a ADVB iniciou a premiação Personalidade Nacional de Vendas? Foi no exato momento em que se acelerou a moderniza ção do Brasil, depois do fim da Segunda Grande Guerra Mundial, quando se experimentou enorme desenvolvimento econômico e social. O país rompeu, definitivamente, com o ciclo colonial ao qual esteve atrelado. Tornou-se moderno. A partir daí, alternou fases de avanços e de estagnação, de aceleração e desaceleração do crescimento, de crises internas e internacionais, de condicionantes políticos e institucionais que se sucederam na medida da construção e do aperfeiçoamento das instituições. Importamos crises e booms da economia mundial, mas também criamos as nossas próprias no caldeirão do diabo doméstico.

    Há seis décadas, a indústria ocupou o lugar do modelo agrário, que prevalecia na sociedade colonial brasileira e na Velha República, baseado na grande propriedade, no latifúndio, favorecendo sempre e exclusivamente quem tinha mais recursos. A primeira fase do regime republicano brasileiro, que durou 41 anos, alternou políticas econômicas que terminaram naufragando nos conflitos internos e nos efeitos da crise financeira mundial de 1929.

    Convém destacar, entretanto, que o mercado brasileiro surgiu ainda no período colonial. Por essas terras ainda não havia europeus, moedas e tampouco povo brasileiro. Havia, sim, uma população analfabeta, mestiça, ignorada, desprezada pelo poder público e pelos bem aquinhoados pela riqueza, como mostra o historiador Jorge Caldeira em sua excelente e fundamental obra História do Brasil com empreendedores. No tema, Caldeira foi além de autores como Caio Prado Junior (visão marxista) e de Oliveira Viana (visão conservadora), cujas obras são clássicos fundamentais para entender o Brasil. Revelou que ambas carecem de recursos de análise para se entender a formação de um mercado a partir de trocas contratuais entre proprietários e produtores livres, cujas negociações eram baseadas no fio de bigode. Tal prática, segundo Caldeira, gerou um mercado interno, caracterizado por certa sofisticação da produção mercantil. Foi um movimento que mostrou a atuação de empreendedores ao largo da metrópole e do poder central, ressaltando que para além dos esforços do poder público algo de novo ocorria na base da sociedade.

    A bem da verdade, muito da atuação dos empreendedores brasileiros ao longo de toda a história se dá ao largo do poder central, independente das idiossincrasias da política econômica adotada. O mercado interno brasileiro surgiu no período colonial por meio dos agentes e das trocas que realizaram, mesmo em um ambiente institucional desfavorável e contra a política econômica do governo – fenômeno que ressalta a importância específica dos agentes na construção da realidade.

    Recuperada dos impactos da Grande Depressão (1929) e da Segunda Grande Guerra Mundial (1945), a economia brasileira ousou se modernizar por meio das iniciativas de substituição das importações e da industrialização, graças a um mercado interno forte e amplo. De lá até o presente, o desenvolvimento social e econômico brasileiro atravessou fases distintas, cada uma delas com suas peculiaridades. Na obra Economia Brasileira Contemporânea, os autores Fábio Giambiagi et alii, subdividem a economia brasileira moderna em dez fases, compreendendo o período de 1945 a 2010. Estas subdivisões têm caráter apenas didático, servindo melhor para descrever a economia e os processos políticos e sociais. Segundo o livro, o principal legado do período 1945/1960 foi o avanço na industrialização do país, baseado na substituição das importações e na continuidade de uma política nacionalista pragmática, o nacional-estatismo. Pouco antes, se configurou a perda da importância relativa da produção agropecuária e veio o ciclo JK – o Plano ou Programa de Metas do presidente Jucelino Kubitschek. O país viveu um período de elevado crescimento econômico (take off econômico acelerado). Porém, uma acentuada concentração regional da produção agravou as disparidades regionais e o controle da inflação continuou relegado a plano secundário por toda a década.

    Nos últimos 72 anos, de 1945 a 2017, o Brasil se manteve politicamente como uma República Federativa. Em 52 anos vigorou um regime democrático e em 20 (1964 a 1984) um regime ditatorial. Nesse período, governaram 18 presidentes da República, nove deles eleitos pelo voto direto. A ADVB foi constituída em 1957 e a premiação Personalidade Nacional de Vendas surgiu em 1962. A partir de então, registrou – por meio do prêmio – o avanço industrial, a produção de bens e, de resto, o desenvolvimento do próprio país. O primeiro prêmio coube à Romi-Isetta, o carro lançado pela Romi e que simboliza o início da indústria automobilística no país – um símbolo de modernidade. Nos anos 1960, a sociedade passou então a produzir e consumir novidades extraordinárias. No mesmo ritmo, sem perder o foco e atenta às transformações, a ADVB contemplou pioneiros na produção de bens, serviços e do consumo (Johnson&Johnson, Artex, Pão de Açúcar, Varig, Grupo Gerdau, Eucatex, Duratex e Wallig) e uma poderosa mídia robustecida para dar publicidade ao salto industrial brasileiro do momento (Rede Globo, TV Record, grupo Manchete, agência Salles/Interamericana). Em resumo: a ADVB não perdeu o Boeing da História. Caminhou junto. Qualquer pessoa da década de 60 sabe: os anos 60 foram os melhores do século. A gente nunca ouve alguém dizer que é da década de 80 ou qualquer outra. Só o pessoal dos anos 60 viveu um decênio inteiro de uma vez, escreveu o executivo e consultor Max Gehringer na revista Exame de 24 de março de 1999. De uma coisa eu nunca tive dúvida: foi na década de 60 que aconteceu a transição entre o velho e o novo estilo de convivência corporativa.

    Um fato histórico, porém, desafinou no alegre coro dos chamados anos dourados. O quadro político foi bastante delicado, culminando com o golpe civil-militar de 1964 – apoiado, no início, por setores expressivos da sociedade brasileira. Seguiu-se um período de relativa estabilidade econômica. A inflação retrocedeu de 80% em 1963 para 15% em 1973. Houve certa reorganização na estrutura fiscal e financeira. Começava aí o chamado Milagre Brasileiro. No embalo dos bons tempos, surgiram ou cresceram, em vários setores, grupos fortes para dar conta das exigências de um novo consumidor. A ADVB marcou presença também nesse momento histórico e homenageou com seu prêmio a saga de muitas empresas, tais como supermercados Bompreço, Banco Bamerindus, Lojas Marisa, Cofap, Fiat, TAM, Sharp e Mellita. No fim do sonho, porém, a nação herdou a correção monetária. Os ajustes efetuados na economia até 1984 recrudesceram a inflação e a deterioração fiscal, colocando a dívida pública em escala ascendente.

    Veio a redemocratização. A partir de 1985, o Brasil buscou, prioritariamente, combater a inflação. Não deu certo, os índices explodiram e, depois de muitas tentativas, o controle só aconteceu no final da década de 90. O início foi difícil. Viveu-se a crença de que o retorno à democracia resolveria todos os problemas, o país retomaria o crescimento, acabaria com a inflação e com as desigualdades sociais, por meio da distribuição da renda. Nesse contexto foi aprovada a Constituição de 1988, consolidando vários direitos sociais, muito além do que o país poderia realizar em curto prazo. Era prioridade vencer o dragão da inflação. Para se ter uma ideia do tamanho do desafio, a inflação acumulada medida pelo IGP-DI foi de 1.302.442.989.947.180,00% (um quatrilhão, 302 trilhões, 989 milhões, 947 mil e 180 %) de julho de 1964 a julho de 1994 – data da implantação do Plano Real, conforme registra a jornalista Miriam Leitão em seu livro Saga Brasileira.

    Amargamos insucessos. Os preços descontrolados, a produção desorganizada, as reservas esgotadas, a incapacidade de importar matérias primas. Foi um período extremamente difícil para nossos empreendedores campeões de vendas. Ainda assim, muitos deles sobreviveram às águas revoltas – GM, Nestlé, Vale, Kia Motors, Casas Bahia, Claro, Avon, Sadia, Man Latin America, Dudalina e o polivalente Grupo Doria. Na década de 1979 a 2009, o país testemunhou um tempo louco. A jornalista Miriam Leitão contabilizou em seu livro alguns números reveladores do período: 16 ministros da Fazenda; 18 presidentes do Banco Central; 6 moedas; 9 zeros retirados da moeda; divisão da moeda por 2,750; 2 calotes externos; 1 calote interno; crise bancária; crise da Ásia; crise Argentina; crise financeira global. O economista João Bosco Lodi chegou a escrever um artigo de capa na revista Carta Capital de 24 de dezembro de 1997. Título: Empresário Nacional, uma espécie em extinção. Viu, no meio de um cenário caótico, a chegada da globalização e a extinção de grandes marcas brasileiras. A partir de então, o empresário brasileiro, até certo ponto perplexo, foi intimado a sobreviver num novo mundo dos negócios. Escreveu João Bosco Lodi: Quando se poderia pensar que, de uma distante Tailândia, passando por Hong Kong, em poucas horas teríamos uma queda de 15 por cento na Bovespa ou uma queima de 6 bilhões de dólares em um só dia pelo Banco Central.

    No início do novo século, com a inflação sob controle, o Brasil avançou na solução de algumas questões sociais, promovendo a inclusão econômica dos menos favorecidos e programas de segurança social. É muito pouco, porém, num mundo complexo, competitivo e globalizado. É preciso avançar com urgência tanto social quanto economicamente. Os cenários externo e interno ainda requerem ações mais precisas e efetivas do poder central.

    Nós, todos os brasileiros, somos reféns de um sistema político clientelista e corrupto, no qual prevalecem interesses corporativistas e uma máquina administrativa de Estado ineficiente e obsoleta. Tais desgraças impedem o Brasil de inovar e se modernizar, fixando um programa de longo prazo em acordo com a sociedade e independente do processo político eleitoral. A sociedade democrática derrotou a inflação. Houve um consenso, respeitado e valorizado pelos governantes e pela oposição. É preciso dar mais alguns passos.

    Enfim, é pela via democrática, pela valorização da liberdade de empreender, pela segurança jurídica, pela mudança no sistema tributário, pela reforma política e por mais conquistas sociais, principalmente nas áreas da educação e da saúde, que os agentes da nossa História, aqui retratados, continuarão a lutar. A história dessas personalidades notáveis e de suas empresas, vitórias e dificuldades, deve se sobrepor às questões macroeconômicas. Esses empresários brasileiros, premiados pela ADVB, são a síntese da própria história política e econômica do país desde os anos 1950.

    A história continua

    Raras vezes apenas duas décadas de um novo século foram tão agitadas e imprevisíveis como agora. Da estupidez que derrubou as torres gêmeas de Nova Iorque, em 2001, a uma pandemia avassaladora e uma guerra atípica, entre 2020 e 2022 – o que resta nas mentes e vozes das pessoas é desolação. De alto a baixo, nesse injusto edifício social erigido sob a linha do Equador, a sensação cotidiana é de fim de mundo no começo de um novo século.

    De um jeito ou de outro, quem viu o mundo passar diante dos olhos nesses últimos 22 anos padeceu uma saga que a humanidade irá recordar enquanto existir. Ninguém escapou do choque com o mal que emergiu das profundas em trajes sinistros. A imagem bíblica do cramulhão dançando no meio do redemoinho é pouca coisa. Fica para Glauber Rocha e Guimarães Rosa. Talvez – pra não arredar do livro sagrado – uma melhor definição para tempos tão ásperos seja dizer que tem sido um reiterado Apocalipse Now.

    Como um mestre de Hollywood, Osama bin Laden construiu um espetáculo midiático nas barbas da maior potência do mundo, assombrou, destruiu e matou. A pandemia de Covid-19 espalhou seus defuntos pelas ruas do mundo, derrubou de morte gregos e goianos e dividiu ainda mais o mundo em negacionistas e cientistas – embora, lá na frente, tenha sido a ciência (que correu como nunca atrás de uma vacina) a vitoriosa no alto do pódio.

    A Guerra da Ucrânia, imposta pela Rússia, foi uma atrocidade nunca vista antes, distinta de todas as batalhas anteriores da História da humanidade. Veio, pela primeira vez, na forma inédita de confronto híbrido. Além do embate militar convencional, acrescentaram-se ao campo de guerra ações digitais, ataques cibernéticos, bloqueio de recursos financeiros, suspensão de empresas e falências mundo afora. Até a vodka russa foi boicotada nos supermercados europeus.

    O Brasil foi abalado por tais acontecimentos. Sobretudo pelos dois mais recentes, a pandemia e a guerra. O governo não enfrentou a pandemia como fez grande parte do planeta. Não houve articulação adequada entre União, Estados e Municípios. Cada um se julgou dono de uma pedra de toque que eliminaria a presença do vírus. Uma onda retrógrada e negacionista retardou ao máximo a vacinação. Irrompeu uma guerra ideológica nas mídias tradicionais, nas redes sociais e por meio das nocivas fake news. Em resumo, pra usar uma metáfora bélica e antiga: o cidadão ficou perdido no tiro cruzado, no meio de um filme do Velho Oeste, sem que houvesse tempo pra buscar um abrigo. As maiores autoridades do país, como regra, emitiram sinais confusos, contraditórios e perigosos. Dados fundamentais foram escondidos, manipulados e retardados. Foi necessário instalar uma espécie de órgão paralelo (um Comitê de Imprensa, financiado por grupos jornalísticos) pra apurar os índices diários da Covid-19 e orientar médicos e cidadãos. A Ciência foi atacada, ridicularizada, negada.

    Não fosse a existência do SUS, da ANVISA, dos institutos Fiocruz e Butantan, alguns governadores e prefeitos, a solidariedade de empresas, empresários e da comunidade – sim, os resultados teriam sido piores. A economia também ficou doente. Os anos de 2020 e 2021 foram de perdas. O IBGE contou 522 mil empresas fechadas no período, a maioria médias e pequenas. O setor de serviços, maior gerador de empregos do país, sofreu um apagão. Apenas o tempo permitirá ver a dimensão do que já foi vivido, nestes anos em que o país, desgovernado, enfrentou a mais letal pandemia em um século, afirmou a jornalista Miriam Leitão no livro A democracia na armadilha: crônicas do desgoverno, coletânea de textos publicados no jornal O Globo.

    A ideia do que seja uma guerra é algo distante do imaginário brasileiro. As mais recentes foram uma externa – Paraguai (1864-1870) – e duas internas – Canudos (1896- 1897) e Araguaia (1971-1974), chamada de guerrilha, embora tenha sido uma clássica batalha. De todo o modo, a guerra da Ucrânia, travada longe, espalhou estilhaços por aqui, das bombas de gasolina ao pãozinho do café da manhã. O mundo é um só, globalizado. Nada é como antes. Se os tiros são disparados do outro lado do mapa, os robôs rondam cada um de nós – estejamos ou não no centro das operações. Fingem que são gente e aos milhões tentam acessar sites, apps, seja lá o meio que for. Sobrecarregam servidores, que ficam lentos, caem, pifam. Aí o mundo derrete de repente.

    É a primeira guerra em território europeu desde a invasão da Polônia por Adolf Hitler em 1939. E com um diferencial: a batalha da Ucrânia é ao mesmo tempo física e digital. Na Segunda Guerra, os jornais enviaram grandes jornalistas à linha de frente dos combates, como Joel Silveira e Rubem Braga, pra ver e contar aos brasileiros o dia a dia dos conflitos. Como Ernest Hemingway, foram os heroicos correspondentes de guerra. Hoje, nada escapa. Qualquer cidadão munido de um celular é a mesma coisa: correspondente de guerra. Filma e espalha nas redes. O mundo encolheu.

    O que cresceu, no entanto, foi a miséria brasileira. A desigualdade. Um exemplo frio e concreto está nos números do novo Censo da População em Situação de Rua de São Paulo, divulgado em fevereiro de 2022. Mediu, com régua e compasso, o tamanho do drama. Há 32 mil pessoas sem emprego e sem casa morando nas ruas, nas calçadas, nos parques, nos buracos cavados nos viadutos. Em termos de população, uma cidade de miseráveis. Basta considerar que 73 por cento dos municípios brasileiros têm até 20 mil habitantes. O resultado do Censo é o dobro do total verificado em 2015.

    Quem chega ao ensino básico também leva uma vida intelectualmente miserável. Somente 33 por cento das escolas municipais do país dispõem de computador. O Tribunal de Contas da União, que fez esse levantamento em 2020, apurou que laptop é raridade. Há internet em 70 por cento das escolas, mas falta banda larga em grande parte delas. Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a velocidade de download não permite o uso da rede como ferramenta pedagógica.

    E como estão sendo preparados os professores desses jovens? Pois é: três em cada quatro futuros professores, que ingressaram na universidade em 2020, não serão formados de modo presencial, pois foram matriculados na modalidade a distância (EaD). Em vários países – Brasil inclusive – uma parcela significativa dos especialistas defende que o ciclo Somente 33 por cento das escolas municipais do país dispõem de computador. Laptop é raridade. Há internet, mas falta banda larga. de formação dos futuros professores seja mais robusto, com maior tempo para integração entre teoria e prática, tal como acontece com futuros profissionais da medicina que ingressam em residências médicas, alerta o jornalista, especializado em educação, Antônio Gois, em artigo em O Globo, de 28 de fevereiro de 2022. A expansão da EaD, principalmente se feita sem controle da qualidade, pode agravar ainda mais esse problema. Que, ao fim, vai prejudicar os estudantes da educação básica.

    Em 2022, o Brasil comemora dois séculos de independência. Em 1822, o país deixou de ser colônia de Portugal e assumiu o destino de nação independente. O mercado brasileiro surgiu no período colonial. Comerciantes e empreendedores atuaram e edificaram os negócios à margem do poder central e a despeito de um ambiente institucional desfavorável. Depois de 200 anos de libertação, a independência empresarial ainda está por ser feita. Houve, claro, avanços significativos, mas prevalecem um sistema político clientelista e corrupto, interesses corporativistas, ávidos pelos saborosos subsídios e benesses estatais. O Estado é ineficiente, obsoleto e péssimo gestor da coisa pública. Não se faz presente, com eficácia, em setores essenciais, como educação, saúde, infraestrutura, segurança e distribuição da riqueza, mas atua com desenvoltura em setores nos quais não é necessário.

    Difícil é encontrar uma receita sob medida para um novo milagre brasileiro – dessa vez, de verdade. Talvez dois caminhos sejam oportunos: sacudir o sistema tributário e adotar boas políticas sociais. Eliminar a distorção que obriga os pobres a pagarem mais imposto do que os ricos, excrecência produzida pelo sistema que taxa muito o consumo e pouco a propriedade e a renda.

    Romper velhos grilhões é fundamental para que as empresas e os empreendedores possam prosperar num ambiente de segurança institucional, com liberdade e democracia, impondo ao Estado – isso, sim – os afazeres institucionais, das contas públicas, simplificando a vida de empresas e cidadãos. Seria absurdo pensar que a democracia teria que se reinventar?, indaga o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, no artigo O futuro da democracia e os desafios do Brasil, publicado na Folha de S. Paulo, em 25 de abril de 2021. E responde, apontando sinais de transformação: As pressões por mudança vêm de várias frentes: a crescente desigualdade, a falta de mobilidade social, a incerteza quanto ao emprego, ameaçado pela tecnologia, as dinâmicas das redes sociais, as questões existenciais da mudança climática e da biodiversidade, as tensões do nacionalismo e os riscos do populismo. Há pressa.

    Sim, muita pressa. A empresa que tiver interesse em reservar uma poltrona, se possível na janelinha, do Boeing do Brasil 5.0 não pode perder de vista uma onda que se levanta, num esforço nacional, e passa pelas boas práticas, a preservação do meio ambiente, o baixo carbono, a inclusão e a valorização do trabalho feminino, de negros, índios, LGBTQI+. Pela cartilha ESG – sigla em inglês para ambiental, social e de governança. Assim, quem sabe, Aquarela do Brasil, o clássico samba-exaltação de Ary Barroso, possa deixar, por fim, de ser utopia – uma miragem a cada dia e cada noite que cai sobre esse país tropical. Uma questão, acima de tudo, se impõe nesse momento: são todos ou nada.

    Um bilhão construído tijolo a tijolo

    Em 2021, a empresa paulista Patriani superou barreiras, conseguiu aplicar um novo modelo na construção civil e chegou a um recorde inédito

    Eis uma história que pode ser contada tijolo a tijolo. Ao longo de 2021, sob uma pandemia devastadora e um clima de baixíssimo astral, a Construtora Patriani – instalada em Santo André, no ABCD paulista – colocou em pé cinco apartamentos por dia e chegou a 31 de dezembro com um bilhão de reais em caixa – um recorde inédito, festejado na empresa, em publicidade de rádio de grande audiência e na imprensa escrita. Lançamos 1 bilhão de reais em imóveis e vendemos mais de 1 bilhão. Merecemos música no Fantástico por isso, comemora o fundador e sócio da incorporadora, Valter Patriani.

    Não existe receita pronta para uma empresa chegar ao primeiro bilhão de reais em faturamento. No caso da Patriani, um relato objetivo, duro e concreto começaria pelo volume de material utilizado nas obras. Afinal, a construtora despejou em suas construções, por exemplo, algo como 977 mil quilos de cimento e 9 milhões de quilos de argamassa.

    Outro jeito de contar essa história é recorrer a um velho jargão: a alma do negócio. Quer dizer, gente na veia. Adicionar um personagem improvável, que deu uma volta no destino, encarou os trancos, derrubou barrancos – e chegou lá.

    Enfim, de modo concreto ou do fundo da alma, o nome sob medida é um só: Valter Patriani (6 de janeiro de 1958), paulista de Novo Horizonte – um ex-lavrador e ex-agente de turismo que desenhou, por conta e risco, uma extraordinária trajetória de mais de meio século.

    O grande salto: o pai, Valter Patriani, começou vendendo passagens numa então pequena agência de viagens, a CVC, progrediu, acumulou dinheiro e convocou o filho Bruno para fundarem a construtora em 2012. Em dez anos, chegaram ao primeiro bilhão. Um dos segredos: um olho nas obras, outro em projetos no escritório.

    Patriani percorreu uma espécie de caminho de Santiago. Nasceu e viveu na zona rural. O pai era dono de um sítio de café que a geada devastou. O velho perdeu tudo. Não apenas a safra do ano, mas também a propriedade. A desgraça empurrou a grande família para a periferia de Novo Horizonte, a 86 quilômetros de São Jose do Rio Preto. Eram sete: pai, mãe, cinco irmãos. Nada tinham a fazer, a ganhar, a sonhar na cidade. Foi então que o caçula Valter, sete anos, viu o irmão mais velho atravessar o portão de casa e cair no mundo.

    Era 1965. Flávio foi parar em São Caetano, no então atraente ABC paulista, uma região em progresso, cintilante e ruidosa. O novíssimo ABC, com orgulho, buzinava para o país a condição de capital da recém-nascida indústria automobilística, sob os auspícios de JK – símbolo de uma era que se encerrava. Flávio arrumou emprego na pioneira Willys-Overland do Brasil – fundada em 1952 e notabilizada na história por dois modelos: o jipe Rural Willys e o luxuoso sedan Itamaraty. O irmão veio e foi trazendo os seus. Meu irmão foi puxando a família, um a um, recorda Valter. Por uma razão muito simples: O imigrante vai para onde tem oportunidade.

    Valter ainda não sabia que nada seria como antes. Menor de idade, mal podia se virar no mercado de trabalho. Aceitou um convite pra trabalhar numa banca de jornal, em regime de meio período. Entregava jornais, vendia bilhetes de loteria, fazia coisas miúdas. Logo, vislumbrou alguma vantagem e saltou para uma distribuidora de jornais. O horário ingrato lhe traiu. Levantava às 4 horas da manhã pra atender os jornaleiros. Era uma criança, estudava. Ficou pouco.

    No passo seguinte, em horário mais decente, empunhou uma pastinha de office-boy numa fábrica de caminhões. Subia e descia de ônibus, palmilhou as ruas das cidades da Grande São Paulo. Era cobrador. Lá ia a pastinha repleta de duplicatas e carimbos. Andava muito e descobria endereços, lugares, pessoas. Descortinava um mundo diferente do pacato sertão paulista de seus verdes anos. Surgia uma terra promissora a ser explorada. O menino, porém, vivia um desassossego íntimo. Pairava o medo acima de tudo. Eu tinha pavor de perder o emprego, confessa.

    O que ontem se passou aos olhos e mente do menino Valter, o hoje bem-sucedido empresário nem sempre explica. A memória viva resgata emoções antigas. Ora consegue pronunciar algumas palavras, ora abaixa a cabeça, chora e se desculpa – como se alguma culpa houvesse.

    A saga prosseguiu. O menino já sabia fazer alguma coisa. Quis melhorar a vidinha. Assinou carteira de trabalho numa agência da Varig, em São Caetano. No papel, era office-boy, encarregado de entregar passagens em domicílio; na prática, fazia de tudo ou pouco. Pediam pra fazer isso e aquilo, é assim mesmo, no boy todo mundo manda, lembra Valter. A experiência proporcionou algo de bom. Foi aí que aprendeu a copiar dados, emitir passagens e conversar com clientes. Não imaginava que dali daria o grande salto.

    Ouviu, certa vez, que havia uma agência atrás de um funcionário com seu perfil. Oferecia salário mais alto. Não era uma grande empresa. Trabalhavam ali o marido, Guilherme, e a mulher, Luiza. As viagens estavam restritas a ônibus, no estilo excursões de fim de semana. O próprio dono preparava os lanches para os viajantes. Foi assim que Patriani cruzou, pela primeira vez, com o administrador de empresas Guilherme de Jesus Paulus (1949). Um parceiro de quem viria a ser o braço direito e ajudaria a construir a CVC – maior operadora de viagens da América Latina e maior rede de varejo de turismo do Brasil.

    No dia a dia, Valter ficou encantado com as viagens de ônibus. Fazia sentido. Trazia dinheiro mais fácil. Na região em que a agência atuava, grande parte da população era operária e de origem nordestina. Mão de obra metalúrgica. Não tinha o bolso recheado pra subir escada de avião. Surgiram daí os ônibus alugados para as chamadas domingueiras ao pé da areia das praias do litoral paulista. Um bate e volta bem-sucedido. Com o tempo, tais excursionistas receberam o rótulo preconceituoso e politicamente incorreto de farofeiros. Explica-se: com poucos recursos, levavam o lanche de casa e comiam na praia. Do litoral paulista, as excursões começaram a variar, indo para outros lugares a 250 km do ABC, como Campos do Jordão e Caverna do Diabo, em Eldorado/SP. Valter se equilibrava ali de domingo a domingo, assistindo o número ônibus aumentar e o negócio de viagens rápidas crescer a cada fim de semana. Essa era a minha vida. Eu ainda nem sabia que existiam Moema e Jardins, bairros nobres da capital, contou.

    Com um busão atrás do outro rasgando estradas, a agência decidiu aumentar a quilometragem rodada. Foi além dos 500 km. O Rio de Janeiro continuava lindo, e então se transformou na opção preferencial de verdadeiras levas de turistas de fim de semana. Havia fila pra comprar passagem e fila de espera pra viajar. Valter coordenava tudo e esfregava as mãos: Começou a vender como se fosse pão quente, relembra o empresário.

    No instante em que o Rio de Janeiro, a praia e o Cristo Redentor viraram atrações de rotina, a agência acabou dando uma tacada de mestre. Passou a vender o Rio de Janeiro com Roberto Carlos de brinde. Ou vice-versa. Outro sucesso. O pacote incluía as tradicionais saídas às sextas-feiras, visitas a pontos turísticos e show de Roberto Carlos no Canecão no sábado. Domingo cedo, a volta.

    O Canecão foi construído no bairro de Botafogo pra abrigar uma grande cervejaria. Transformou-se, porém, numa das mais famosas casas de espetáculos do Rio de Janeiro, entre 1969 e 2008. O nome ficou. Valter chegou a fechar um pacote de ouro com a associação dos funcionários do Unibanco. Botou na estrada 200 ônibus lotados de bancários para aplaudir o Rei.

    Roberto Carlos no Canecão não era uma operação fácil. Foram muitas emoções. Valter penou até montar um modus operandi. Viajava uma semana antes pra comprar ingressos. O Canecão comportava 400 pessoas e os bilhetes eram limitados. Segunda-feira de madrugada já havia fila de interessados, formada por fãs, turistas, cambistas e afins. Dava de tudo. Eu pegava um avião domingo, descia no Rio e já ia pra fila direto, às 7 horas da manhã de segunda, lembra Valter. E os ingressos eram para o domingo seguinte.

    Outro desafio era garantir lugar na fila e não ser roubado. Patriani recorreu a uma cadeira e uma cordinha, que amarrava na grade que comprimia a fila e estendia até suas pernas. Sentava amarrado e se dava ao luxo de um cochilo. Se alguém mexesse na corda, acordaria com um puxão na canela. Acabei fazendo amizade com os cambistas, era chamado de Paulista e nunca tive problemas graves na porta do Canecão, conta.

    A frequência com que dava as caras, no entanto, chamou a atenção do paulista Mário Priolli (1936-2018), fundador e dono do Canecão, que o convocou para uma conversa. O encontro rendeu e Patriani saiu com uma promessa tranquilizadora. A partir de então, a mando de Prioli, teria seus ingressos reservados e uma escolta policial – pra evitar assalto –, do Canecão ao aeroporto Santos Dumont, onde embarcava para São Paulo. Com o dinheiro das comissões, comprei meu primeiro carro Zero Km, um Fiat 147 amarelo, 1978, revela Valter. Ainda vou encontrar Roberto Carlos e agradecer o carro, diz, sorrindo.

    A certa altura, Valter disse na CVC que era hora de voar mais alto. Tiveram início, então, as grandes excursões aéreas, a bom preço – outra investida de sucesso. "A Bahia, terra da felicidade, como cantou Caymmi na música Na Baixa do Sapateiro, ficou na moda e embarcamos nessa, rememora o empresário. A segunda invasão do Nordeste foi via Fortaleza, evocada no marketing de promoção com a imagem de uma jangada e como a terra de Iracema, a virgem dos lábios de mel do romance de José de Alencar. Em seguida, o comboio aéreo da CVC dobrou em direção ao Norte do país e levou centenas de passageiros a Zona Franca, e risonha. Voltavam carregados de aparelhos de fax e videocassetes – uma façanha e tanto num país, à época, com as fronteiras fechadas para a importação. Era comum a pessoa comprar dois aparelhos. Ficava com um e vendia o outro. Pagava a passagem com o dinheiro da venda. Empatava, explica Patriani. Outro endereço do turismo de compra desbravado por Valter foi Foz do Iguaçu. Era fortíssimo nos anos 1970 e 1980", recorda.

    A rigor, a CVC abriu frentes turísticas em lugares então pouco conhecidos. Praticamente desbastou endereços como Porto Seguro, na Bahia, e Gramado, no Rio Grande do Sul. Fomos descobridores desses lugares para o turismo. Não existia nada nesse sentido por lá, diz Valter. Em 1989, a agência chegou a comprar 100 mil passagens apenas da Vasp – correspondente a 50 por cento do movimento da companhia em um mês. Num acordo com a TAM, fez outro um bom negócio. Passou a alugar os aviões usados durante a semana, principalmente por executivos, mas ociosos entre sextas e domingos. O preço era bom e chegamos a fazer 180 voos num fim de semana, relembra Patriani.

    A CVC ficou gigante. E Valter cresceu junto com a agência. Já era então seu principal executivo. A ideia de singrar mares nunca antes navegados veio em seguida. Surgiu o frenesi dos transatlânticos. As excursões iniciais de navio iam de Ilhabela, no litoral paulista, ao Rio de Janeiro. Foi fretado o transatlântico Costa Cruzeiro. Disposta a seduzir novos passageiros, a CVC oferecia um pacote completo – com passagens, hotéis e refeições. O chamado tudo incluído. Havia um perfil de viajante com pavor de abrir uma geladeira de hotel e depois encarar uma conta absurda na saída. A agência acabou com a desconfiança. Colocamos tudo no pacote, comida, bebida e até o drinque do meio dia, conta Patriani. Liberamos geral pra dar mais conforto e sossego ao passageiro.

    Valter Patriani permaneceu 35 anos na CVC, de 1978 a 2009. Saiu no instante em que chegou um sócio para a agência – a Capital Partners, uma empresa britânica de consultoria e investimentos. Cumpri um período de transição, ganhei um bom prêmio e fui pra casa, lembra Valter. Bom prêmio, na tradução para moeda corrente, era muito dinheiro, suficiente para uma aposentadoria tranquila e o sossego dos descendentes. Em pouco tempo, porém, o recolhimento doméstico começou a incomodar um homem que tinha apenas 53 anos. Mais do que isso: um homem cujo ofício é vender.

    Ao longo dos anos, Patriani havia vivido experiências desagradáveis num ramo paralelo ao seu ganha-pão no turismo. Aplicara suas economias em imóveis: terrenos, apartamentos, casas. Ia tendo dissabores: ora um defeito no ar condicionado, ora uma rede hidráulica obsoleta. Às vezes, janelas pequenas e emperradas, em outras ocasiões um apagão na rede elétrica. Fez um cursinho intensivo sem querer, mas querendo arrumar literalmente a casa. Foi assim – numa solução natural – que se sentiu apto a ingressar no ramo da construção civil. Com cálculo e frieza, evocou a Nelson Rodrigues: a vida como ela é. Imaginei que não podia iniciar sozinho um negócio aos 53 anos. Chamei meus filhos, Bruno e Gabriel, e quis saber se estavam interessados em entrar juntos no novo negócio, conta. Disse que eles tinham mais futuro do que passado, ao contrário do pai. E eles toparam.

    O primeiro edifício de Patriani não foi um prédio. Foi a construção de um novo conceito de moradia. O empresário aproveitou o corpo a corpo com milhares de turistas ao longo de 35 anos numa agência de viagens. Eu não entendia de engenharia, mas entendia de gente, observa. Em suas reflexões, a pergunta inicial que se fez foi qual é o sonho de um comprador de imóvel?. E não veio resposta sobre modelo, lugar, disposição de cômodos e afins. Antes de tudo, precisava caber no bolso do comprador, concluiu.

    Patriani foi levantando seus prédios pelas bordas do campo. Ou seja: no ABCD paulista, região em que fica a sede da empresa. A metáfora da borda, porém, serve ainda pra dizer que Valter ia comendo pelas bordas, testemunhando os erros das outras construtoras e anotando os detalhes com os quais não se preocupavam. A partir disso, aos poucos edificou um novo conceito de construção e venda de imóvel na Grande São Paulo.

    Os prédios surgem um atrás do outro. Patriani criou um novo conceito de moradia. Qual a base da fórmula? Eu não entendia de engenharia, mas entendia de gente, revela o empresário.

    A construtora tem sede em Santo André e forte atuação no ABCD e em algumas cidades do interior paulista, a um raio de 100 quilômetros da capital. Tais como: Atibaia, Mogi das Cruzes, Suzano, São José dos Campos, Sorocaba e Campinas. Em 2022, iniciou o lançamento de dois empreendimentos na Baixada Paulista, em busca de um perfil definido de comprador. A maior parte dos interessados quer imóveis pra servir de segunda residência, com migração do uso, três anos depois, para primeira residência, ensina. Planejou, também, um empreendimento na capital paulista em 2022, no bairro do Ipiranga, com unidades de 70 m2 a 90 m2.

    O empresário logo concluiu que o acalentado sonho da casa própria nada tinha a ver com desenho arquitetônico, a fachada, a cor. Nada disso. Acima de tudo, fosse onde fosse, o prédio devia ser moderníssimo, enxuto e útil. Prédio sem projeto moderno envelhece e morre, eis uma de suas máximas. Não dá pra fazer retrofit a vida inteira.

    Sob o conceito inovador traçado pelo patriarca e executado pelos filhos Bruno (31 anos em 2022) – atual CEO da empresa – e Gabriel (25 anos em 2022), um projeto não pode demorar muito. A empresa não tem sequer estoque de terreno. Compra e logo inicia a obra, lançando as vendas em até um ano depois da aquisição. Cerca de 90 por cento dos terrenos são adquiridos com recursos próprios. O restante é reservado a aportes de investidores. A Patriani está fora do programa oficial Casa Verde e Amarela – seus imóveis buscam um comprador de padrão econômico mais elevado.

    A dupla do bilhão, o filho e CEO Bruno e o pai e fundador Valter: opção preferencial por edifícios num raio de 100 quilômetros de São Paulo.

    Os imóveis da Patriani são classificados no padrão médio-alto. A construtora visa um perfil definido de comprador, na faixa dos 50 anos de idade. O dinheiro no país está nas mãos dessa faixa etária, assegura Valter, com o lastro lhe deu o dia a dia com turistas. Para seduzi-lo, oferece apartamentos de porte médio, inteligentes e de condomínio barato. Olha lá na frente. Aos 60 anos, as pessoas tem mais tempo. Mas começam a perder renda e massa muscular, depois precisam optar entre o IPTU e o lazer. O condomínio alto vira um inferno.

    O empresário desenvolveu um conceito a que chamou de qualidade percebida. Ou seja: o bom acabamento e o conforto ao alcance dos olhos do proprietário no dia a dia. O que a pessoa enxerga, o que está visível na rotina. Por exemplo: o mecanismo moderno da porta da varanda; as janelas automatizadas, que podem ser acionadas da cama, por uma espécie de controle remoto. Por que não janelas maiores, com mais ventilação e mais luz? Por que não se esmerar no nível das mobílias, das esquadrias ou do mármore na cozinha? Por que não adotar um sistema de ar condicionado de última geração e bem adaptado à parede, diminuindo o consumo de energia? A rigor, prevalece o alto padrão tecnológico aliado a um acabamento definitivo. O comprador não quer muita obra depois do apartamento concluído. Entregamos os imóveis com piso pronto, box e gás encanado. Os apartamentos também são entregues com armários. Nada de semiacabados, no contrapiso, como vendem por aí, apregoa Patriani. O empresário demonstra aversão por obras mal acabadas. Cansei de ver ar condicionado enterrado no granito.

    Ponto alto mesmo do negócio é o projeto inteligente e oportuno de duas vagas na garagem. A primeira, menor, é destinada a um carro pequeno, com o qual alguém da família sai para o trabalho durante a semana. Nesse caso, o charme é a tomada para veículo elétrico. A segunda, maior, serve para o carro da família, em geral usado no lazer e nas viagens de fim de semana. É aquele carrão em que cabem, além de pais e filhos, a sogra, o cão e até o cooler, brinca Patriani.

    Verdade é que Patriani avançou ainda mais. Em certo momento, percebeu que só havia um jeito de andar mais depressa com as obras. Precisava produzir, por conta própria, alguns itens raros no mercado e que estavam estrangulando cronogramas na prancheta de seus executivos. Faltava isso, faltava aquilo. Em meados de 2021, separou 40 milhões de reais pra se livrar da dependência de terceiros e prosseguir crescendo nos próximos anos. Adquiriu uma fábrica em Mauá, no ABCD. Passou a produzir janelas, portas, cerâmicas, vidros e peças de mármore. Na segunda etapa do projeto, incluiu a fabricação de móveis para cozinha e banheiro. Alcançar a autossuficiência significa redução dos custos em até 25 por cento, menos dependência de fornecedores e aumento da margem de lucro, explica Patriani.

    Valter dedica um zelo especial ao capítulo piscina. Não pode ter escada de marinheiro. Assim, como uma grávida pode descer sem o risco de bater a barriga?. No banheiro, perfura nichos para sabonete, shampoo e outros produtos de higiene. É terrível ter que quebrar a parede depois de tudo pronto, diz.

    Tudo isso eleva o preço de cada unidade a ser vendida? Sim. O valor costuma ser 10 por cento maior do que pede a concorrência. O consumidor não olha o preço, fica mais preocupado com a relação entre custo e benefício, esclarece Patriani. E alerta: Um prédio nasce chique ou nunca mais será chique. Depois que a casa cai, não tem como voltar.

    Enfim, Patriani é um empresário que aposta ganhar o jogo nos detalhes. Um exemplo são as estratégias nos plantões de vendas. Não se limita aos convencionais apartamentos decorados, com piscina, quadra de tênis e afins. Vai além. Instala ali uma garagem individual e expõe um carro Amarok, com as portas abertas, dimensionando o tamanho da vaga.

    O empresário Valter Patriani, o homem do bilhão, costuma colecionar máximas. Uma das mais usadas: Ofereço lares e não paredes.

    Sem perceber, o homem que já passou mais de meio século vendendo, agora completa um ciclo que é desejo e sonho de consumo de qualquer pessoa. Todo o mundo quer casa, carro e viagem. "Vendo apartamento do mesmo modo que vendia viagem porque o sonho das férias e o sonho

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