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Samuel Klein: O homem que sobreviveu ao Holocausto e revolucionou o varejo com as Casas Bahia
Samuel Klein: O homem que sobreviveu ao Holocausto e revolucionou o varejo com as Casas Bahia
Samuel Klein: O homem que sobreviveu ao Holocausto e revolucionou o varejo com as Casas Bahia
E-book301 páginas7 horas

Samuel Klein: O homem que sobreviveu ao Holocausto e revolucionou o varejo com as Casas Bahia

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Sobre este e-book

A história de Samuel Klein é uma lição de vida e empreendedorismo. O império comercial construído por ele com as Casas Bahia se confunde com a trajetória do Brasil. A forma de trabalhar, as metas e os objetivos do empresário buscaram sempre o desenvolvimento, seja em tempos de crise ou expansão.

O empresário conjugou e praticou em sua trajetória o verbo gerar em todos os tempos, gerando oportunidades, conhecimento, riqueza e a realização de sonhos para milhões de pessoas e lares brasileiros.

Samuel Klein sempre fez da sabedoria o principal segredo do sucesso alcançado em sua trajetória, deixando-se pautar pela seguinte frase: "Viver e deixar viver!"
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de set. de 2019
ISBN9788542813104
Samuel Klein: O homem que sobreviveu ao Holocausto e revolucionou o varejo com as Casas Bahia

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    Samuel Klein - Elias Awad

    PREFÁCIO

    Olá, amigos leitores! Sou Samuel Klein. Muitos me chamam de Samuka. Daqui em diante, vocês irão mergulhar fundo na minha história de vida através desta biografia. Confesso que nunca gostei de grandes promoções, citações ou mesmo homenagens dirigidas à minha pessoa. Autopromoção, então, nem pensar. A ideia de perpetuar as minhas experiências de vida nas páginas de um livro nasceu das conversas e até das pressões de amigos, que diziam: Samuel, poucos sobreviveram ao que você passou e ainda teve forças para construir um império.

    Depois do alerta, comecei a prestar atenção na forma como as pessoas reagiam quando contava minha história. Antes e depois do Brasil. Antes e depois da Casas Bahia. Elas realmente se interessavam e até passavam a me questionar ou mesmo pensar de forma diferente sobre determinados aspectos. Até mesmo alguns que eu sequer conhecia me abordavam e contavam fatos da minha vida, ouvidos em conversas com outras pessoas.

    Também comecei a perceber que me sentia bem enquanto contava os acontecimentos da minha vida. Era um sentimen­to de alívio. Com isso, as sensações de sofrimento e dor ficavam menos pesadas e as alegrias ainda mais empolgantes. Como é bom desabafar – principalmente quando tudo o que se relata é verdadeiro. Nada é inventado ou forjado. E foram essas verdades que fizeram sorrir e chorar o meu coração. Este sim! Como trabalhou nesses anos todos...

    E por falar em trabalho, muito do meu sucesso profissional se deu em função de uma relação mútua de confiança. Em 1952, o Brasil acreditou em mim e me deu condições para que eu pudesse viver aqui com a minha família. Também confiei neste jovem país, ainda desconhecido para muitos na época – principalmente na Europa. E é jus­tamente essa precocidade do Brasil que o torna extremamente pro­missor. Além disso, houve troca de confiança com os meus funcionários. Todos eles sempre acreditaram nas minhas ações. E vice-versa.

    E os problemas e desafios que o destino colocou no meu caminho? Quantos deles eu não tive de superar? Quantas vezes eu não precisei tomar atitudes que poderiam colocar em risco tudo o que havia construído até então? Em muitas dessas situações, tive que pensar não só em mim, mas na família, nos milhares de funcionários e na minha empresa. Decisões. Sempre elas: as decisões.

    Foi por tudo isso que desenvolvi a vontade de ajudar as pessoas. Fazer o possível para minimizar sofrimentos. Fazer o bem e tratar a todos como verdadeiros seres humanos.

    Bem, esses foram alguns dos motivos que me convenceram de que eu realmente tinha uma história para contar, uma vida para regis­trar, algumas mensagens para passar. Mensagens sustentadas na perseverança, na honestidade e na simplicidade. Na troca do trabalho puro e simples pela produção. Mensagens sustentadas na troca de respeito com o próximo. Foi assim que me tornei um homem rico em todos os aspectos. Tenho riquezas que superam os aspectos financeiros. São riquezas pessoais, emocionais e espirituais.

    Espero que, com o livro, a minha filosofia e o meu slogan de vida possam ser propagados, assim como o lema que o expressa: DEDICAÇÃO TOTAL A VOCÊ. Para isso, é preciso ser sempre o melhor em tudo o que se faz.

    Este livro tem o objetivo de mostrar que a árvore que tenho hoje, bonita e cheia de frutos, foi plantada e cultivada há mais de 50 anos. E isso serve como prova de que, também no aspecto pessoal, tudo é conquistado cultivando-se. É assim que se ganha o respeito da família, dos parentes e dos amigos.

    O principal objetivo de aceitar que fosse escrito um livro sobre a minha vida é realmente o de fazer com que cada um de vocês, leitores, possa tirar um aprendizado do que vivi. E que esse aprendizado possa ajudá-los na sequência de suas vidas.

    Quero ainda registrar que nada do que alcancei seria possível se não tivesse ao meu lado uma família solidificada. A você, Ana, obrigado por ter sido tão maravilhosa. Uma mulher, uma mãe, uma espo­sa. Quero também agradecer o carinho dos meus filhos. A você, Michael, obrigado por se mostrar um verdadeiro dirigente, pronto para assumir os negócios, e ainda ser um pai maravilhoso. A você, Saul, obrigado pela sua postura, inteligência e tino comercial, qualidades res­pon­sáveis pela administração de setores importantes da empresa. A você, Eva, por ser filha e mãe dedicada e atenta – sem esquecer o fato de também ser uma excelente administradora. E por fim, a você, amado Oscar, que nos deixou há mais de 30 anos. Todos sempre diziam que você era a verdadeira cópia de Samuel Klein. Saudades. Que falta você faz.

    Samuel Klein

    SAMUEL KLEIN:

    Uma biografia, uma lição de vida

    Caros leitores,

    Quando ficou definido que eu faria um livro sobre Samuel Klein, fiquei entusiasmado. Relataria a vida e os momentos de um empresário importante, conhecido como o Rei do Varejo.  Bastaram alguns minutos de conversa com o biografado para que aquele entusiasmo se transformasse em euforia.

    Uma história de riqueza em todos os aspectos. Um passado forte e repleto de depoimentos tristes, sensíveis e emocionantes. A história de um vencedor. De alguém que transformou uma vida, que mais parecia pesadelo, em conto de fadas.  Sobreviveu à guerra. Apagou da memória lembranças encontradas somente em documentários exibidos em cinemas e fitas de vídeo. Aceitou o desafio  de trocar o in­ferno por algo que nem ele mesmo conhecia. Uma tal América, em viagem realizada no ano de 1951. Após a chegada, começou a construir um caminho que transformou o pa­tri­mônio de 6 mil dólares em mais de 330 lojas. Percebi ainda um presente sempre ativo em Samuel Klein, um homem apaixonado pela vida aos 80 anos de idade. E um futuro longo, algo desejado por ele próprio e todos que o conhecem.

    Em certos dias parava para pensar na grandeza do projeto em que havia me envolvido. Da responsabilidade que tinha nas mãos. E não é que uma das frases do  senhor  Samuel vinha à mente? Quanto maior o problema, maior a oportunidade. A cada dia de conversas e entrevistas entendia cada vez mais que Samuel Klein realmente merecia um livro. Só mesmo assim para registrar tudo o que passou, fez, pensou e deixou como legado. Samuel Klein!

    Quanto mais conversava com aquele homem mais entendia que estar com ele, diária ou semanalmente, era extremamente gratificante. Um privilégio de poucos. Entrevistá-lo causava emoção, entretenimento, surpresa, superação e muito... muito aprendizado. Um verdadeiro self-made man, que é a forma como os norte-americanos chamam aqueles homens que vencem por esforço próprio.

    Uma história forte e profunda, que deve ser valorizada. Há de se tirar dela lições, aprendizados e uma forma diferente de enxergar a vida.  Todos que dela participam, seja o escritor, os leitores ou os personagens, devem usá-la como instrumento de reflexão e motivação.

    Samuel Klein! Uma lenda viva. Um ser em extinção. Que ainda acredita no próximo. Que distribui o que ganha. Que vive e que deixa viver. Um vencedor. Que conquistou espaço cativo nos corações daqueles que o conheceram. Escrever a história de Samuel Klein fez com que me aproximasse de pessoas incríveis. Que conhecesse os caminhos, passo a passo, de alguém que desafiou a morte e o preconceito. Que alcançou o sucesso.

    Defeitos? Erros? Todos nós temos e cometemos. Mas o que os torna imperceptíveis são as nossas virtudes e acertos. Quanto maiores e destacadas as virtudes e os acertos, mais diluídos ficam os defeitos. Foi exatamente isso que constatei na vida de Samuel Klein pelas andanças e entrevistas que realizei durante o período em que estive mergulhado nessa história.

    Difícil será encontrar aquele que, depois de ler a história de Samuel Klein, ainda encontre argumentos para reclamar da vida. Das dificuldades financeiras, pessoais, familiares, das portas que se fecharam...

    A história de Samuel Klein deve ser utilizada por nós como mudança de postura e comportamento de vida. Ao invés de poten­cia­lizarmos os problemas, vamos minimizá-los. Ao invés de nos culparmos ou mesmo encontrarmos culpados, busquemos a solução. Ao invés de reclamarmos que o dia de hoje foi ruim, péssimo, procuremos ansiar pelo dia seguinte, sempre acreditando que o amanhã será mais produtivo e melhor. Ao invés de enxergarmos todo o azar que nos cerca, esfreguemos os olhos e vejamos como somos pessoas de sorte.  Foi por pensar sempre assim que Schmiliale transformou-se no respeitável Samuel Klein. Afinal, se você quer, você pode!

    Elias Awad

    I

    UM SONHO, UMA REALIDADE

    Vinte e sete de dezembro de 1951. Aquele rapaz de nome Samuel, estatura mediana, bem vestido – terno liso, escuro e encoberto por um grosso casaco para se aquecer do frio, chapéu de aba –, forte, de aparência simpática e com cabelos lisos penteados para trás, acabava de chegar ao porto de Gênova, na Itália, depois de uma viagem de dez horas de trem vindo da Alemanha, onde morava. Assim que chegou, dirigiu-se ao guichê de venda de passagens. Acompanhado da mulher Ana e do filho Michael, tirou a carteira do bolso e puxou algumas notas. Mas os movimentos eram lentos, e deixavam transparecer certa indecisão. Ainda olhou para Ana na espera de algum tipo de sinal. Ela balançou a cabeça de forma afirmativa. Claro, a partir daquele momento iria se aventurar na América. Aceitara o convite de amigos para instalar-se com a família na Bolívia. Mais precisamente, em La Paz, capital do país. Muitos patrícios já tinham se dado bem na América, mas uma mudança sempre gera indecisões.

    Sem falar uma palavra em italiano, Samuel sinalizou com os dedos que queria três passagens e disse: "Tickets. América, Argentina. A bilheteira entregou as passagens reservadas ao setor de terceira classe. Afinal, era dentro do que o bolso podia proporcionar. Ele esticou o braço e segurou os bilhetes com força. Algo dizia que realmente deveria partir. A passos lentos, Samuel andou uns dez metros até onde estavam Ana e Michael. A mulher perguntou quanto tempo tinham até que o navio partisse. Samuel disse que ainda levaria umas quatro horas. Andou mais alguns passos, parou perto de uma grade. De onde estava, conseguia ver o navio. Ana, Michael, olhem ali o navio. Vejam só. O nome dele está escrito na parte da frente. É Provence. E carrega uma bandeira da França!, disse Samuel, que se manteve em pé, com o braço apontado na direção do navio por alguns instantes. Uma agradável brisa invadia o rosto de Samuel, e trazia extremo conforto para aquele momento. A paz que sentia mais parecia um sinal de que o passo a ser dado era o certo. Depois de franzir a testa e apertar os lábios, resolveu dar meia-volta e retornar para o banco onde estava a família. Ana insistia para que Samuel descansasse. Meu querido, ainda temos muito tempo até o embarque. Sei que você não teve uma boa noite de sono. De tão ansioso, acordou várias vezes durante a madrugada. Por que não descansa? Durma um pouco. Samuel seguiu o conselho. Dobrou três vezes o sobretudo, para tentar fazer uma espécie de travesseiro e, assim, aliviar a dureza do banco. Antes de se recostar, passou a mão pelo rosto do filho e lhe deu, assim como em Ana, um beijo na testa. Virou o corpo e colocou o sobretudo no canto do banco, onde procurou se encaixar. Ainda chegou a ouvir a voz de um homem que parecia falar algo com relação à Segunda Guerra Mundial. Pobre homem. Mal sabia ele das dificuldades que os judeus enfrentavam na Europa. Foi a última lembrança que teve. Não demorou a dormir. O sono pesado o fez sonhar. Tudo começou com o barulho de um serrote e uma voz ao fundo: Schmiliale, Schmiliale, onde está você?". Era a voz do pai e o sinal de que ele estava por perto. O sonho prometia passar um filme da própria vida pela mente de Samuel...

    NA ALDEIA DE ZAKLIKOV

    Estamos na Polônia. Ainda início do século XX. No dia 15 de novembro de 1923, em meio a uma Europa já em estado de ebulição, nascia Samuel Klein. O local, uma aldeia chamada Zaklikov, com cerca de 3 mil habitantes, ficava a 80 quilômetros da cidade de Lublin. Schmiliale – forma carinhosa de pronunciar o nome SCHMILE, que é a tradução do nome Samuel em iídiche, idioma da comunidade judaica europeia – era o terceiro filho de Sucher e Szeva Klein. O primeiro se chamava Sloma (que significa Salomão) e tinha nascido em 1919. Depois, veio Césia em 1921. A família Klein compunha os 30% de judeus que habitavam Zaklikov. O restante da população era católica. Aliás, o catolicismo imperava em toda a Polônia. O país era extremamente atrasado econômica e culturalmente. Embora vivesse sob forte influência alemã, era um dos menos desenvolvidos da Europa. Os poucos que possuíam terras para o plantio eram considerados a classe privilegiada polonesa. Eram os grandes fazendeiros. No mais, imperava a pobreza.

    O continente se via sob constantes ameaças de golpes de estado fascistas, nazistas e comunistas. A tensão ocasionada pela incerteza econômica e social do pós-Primeira Guerra facilitava o surgimento de movimentos que variavam do nazismo alemão ao anarquismo espanhol. Nesse período, por exemplo, houve o golpe de estado de Primo Rivera, na Espanha, instalando-se um regime nos moldes do fascismo italiano. Diante de uma Alemanha humilhada, devastada por uma inflação avassaladora (quando o valor do dinheiro era avaliado pelo peso das notas do marco alemão), o líder do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (apelidado de nazi), Adolph Hitler, tenta um golpe de estado em Munique. Em meio a essas conturbações, a medicina pesquisa e descobre a vacina contra a tuberculose (BCG), doença responsável por um grande número de mortes na época.

    Na aldeia de Zaklikov, tudo era muito modesto. De clima seco, sol abundante no verão e ar puro em função do bosque de pinheiros que cercava o vilarejo, o lugar atraía muitos turistas. As belas paisagens contrastavam com a simplicidade da vida que ali se levava. Parecia um cartão-postal. Mas, durante o inverno, as temperaturas atingiam níveis baixíssimos, o que dificultava a vida dos moradores da região. Os Klein residiam próximo ao centro da cidade e tinham na vizinhança outros judeus. Sucher era um homem de altura mediana, aproximadamente 1,70m, e tinha cabelos escuros. Já a mulher era um pouco mais baixa, com cabelos loiros e olhos bem azuis. Os filhos foram crescendo e havia um deles que se incomodava com tudo aquilo: era o pequeno Samuel. O incômodo maior se dava por causa daquele povo que morava perto. Para ele, era uma gente muito estranha. Eles usavam roupas escuras e quentes, independentemente do clima, nas cores preta, marrom e cinza. Quase todos tinham uma boina na cabeça, que, nos dias de frio, ganhava uma extensão até as orelhas. Os mais religiosos cobriam permanentemente a cabeça com o quipá, pequeno barrete ou gorro arredondado. Era colocado na parte mais alta da cabeça, e usado também nas atividades religiosas por toda a comunidade. O objetivo era o de funcionar como um divisor entre os seres humanos e Deus. O que confortava e dava uma certa explicação para Samuel do motivo que os levava a se apresentarem assim era ver o pai seguindo os mesmos passos. Quanto à mãe, estava sempre com um lenço na cabeça, o que para ele não deixava de ser estranho também.

    A barba comprida era outra característica da comunidade judaica de Zaklikov. Identificava o sujeito como sendo de extrema fé, aquele que tinha o hábito de rezar muito na aldeia. Os judeus passavam horas e horas na sinagoga. Havia duas na região, bem próximas uma da outra. Como o pai de Samuel, Sucher, era mais liberal do que religioso, usava a barba mais curta. Mas essa postura era minoritária entre os judeus. A maioria era ortodoxa, ou seja, totalmente dedicada à religião.

    A profissão do pai, carpinteiro, fazia-o acordar sempre muito cedo: antes mesmo de o sol nascer. O cantar dos galos servia de sinal para despertar. E pular da cama era com ele mesmo. A vida de Sucher cumpria-se dentro de uma rígida rotina. Depois de acordar, costumava se lavar e ir para a sinagoga. O carpinteiro jamais admitia começar o dia sem uma reza. Ali, ficava aproximadamente uma hora. Pedia bênção e proteção para suportar mais um dia de trabalho, que quase sempre invadia a noite. Isso explicava alguns calos e uma certa aspereza nas palmas das mãos do homem. O pequeno Samuel procurava seguir os passos do pai. Assim como ele, acordava, banhava-se e já fazia a primeira reza do dia. Aí, tinha o dedo da mãe, que além de ensiná-lo a rezar sempre o lembrava das obrigações: Samuelzinho, não se esqueça de rezar todos os dias. Pela manhã, agradeça por ter acordado e poder viver um novo dia. À noite, reze em agradecimento ao dia que se encerra. Depois da sinagoga, Sucher voltava para casa, onde encontrava a mesa do café da manhã pronta. Os filhos e a mulher ficavam à espera dele para a refeição matinal. Antes de iniciar o café da manhã, todos rezavam, guiados pelas palavras do chefe da família. A última frase diariamente repetida por Sucher costumava ser: Que tenhamos sempre força e saúde para seguirmos nossas vidas. Hora, então, de comer. A bebida era invariavelmente leite com cevada, acompanhada de pão de alho ou cebola, acrescido de uma pitada de sal; isso era ideia da criançada. Às vezes, o cardápio incluia ovos mexidos e leite, já que o ovo era um alimento caro e, por isso, não podia ser consumido todos os dias. Depois da refeição, Sucher se enfiava naquela marcenaria e se dedicava ao trabalho, que normalmente ia até tarde. Quando tinha um tempo de folga, gostava de ficar admirando, a distância, as brincadeiras dos filhos, que se divertiam com jogos de bola – improvisada com pano – ou brincadeiras como queimada, pega-pega, cabra-cega, entre outras.

    A primeira vez em que frequentou uma escola, Samuel tinha cerca de 5 anos. Não era uma escola comum, daquelas onde se ensinam matemática, geografia ou história. Nela, os ensinamentos não eram passados por um professor e sim por um rabino¹. Como temas das aulas, eram ensinados os mistérios da criação, as histórias dos antigos hebreus e a sabedoria do homem. O pequeno Samuel chegou à escola com os ensinamentos que adquiriu do pai, um homem calmo, paciente e, ao mesmo tempo, enérgico. Não era chegado em conversa fiada. Era determinado, gostava de ter as ordens obedecidas. Quando isso não acontecia, costumeiramente Sucher aplicava castigos na criançada. Curio­samente, os irmãos eram tão unidos que se um estava de castigo os outros também ficavam em solidariedade.

    Mas Samuel convivia, apesar da pouca idade, com algo que o perturbava. Se ele tinha um nome, por que ninguém o chamava assim? Isso o incomodava, mas preferia manter o segredo a perguntar algo sobre o assunto aos pais. Para os patrícios judeus, ele era o filho do carpinteiro; para os outros integrantes da aldeia, era o judeu ou judeuzinho. É claro que era muito difícil cobrar de uma criança que entendesse haver discriminação naquilo tudo; que os camponeses poloneses, sempre cristãos, não chamavam a qualquer outro judeu pelo nome por não considerarem que merecessem esse privilégio. Para eles, os judeus não eram poloneses. A convicção era tamanha que muitos judeus passavam a acreditar nisso e não assumiam a própria descendência. Muitos, na verdade, também não a revelavam por medo de represálias.

    A feira-livre era outro exemplo da divisão entre judeus e cristãos. Casais e mulheres que circulavam mal se olhavam ou dirigiam a palavra uns aos outros. Compravam e saíam sem deixar nenhum tipo de rastro. Samuel não entendia o motivo daquilo tudo. Apenas observava e aceitava como sendo da forma que deveria ser. E ponto final.

    Assim se passavam os dias de Samuel em Zaklikov. Sempre divididos entre tristezas, pela dureza da vida que levavam e pelo tratamento recebido, e as alegrias, originadas pela vida familiar e naquilo que Samuel considerava trabalho: ajudar o pai na marcenaria. Entre os momentos felizes que deixavam saudades estavam as comemorações sagradas do Pessach, celebração da libertação do povo judeu do Egito por Moisés. O Pessach também é a Páscoa judaica. Nessas datas, eram organizadas festas grandiosas que pareciam disfarçar as dificuldades vividas no dia a dia da família. Nessas ocasiões, até a rotina mudava: Sucher se trancava em casa com a mulher e os filhos. Todos ficavam trabalhando duro na reforma da casa para receber amigos e fazer da data algo inesquecível. As sinagogas ficavam cheias de pessoas da comunidade. A confraternização era total. Rezavam, cumprimentavam-se e abraçavam-se. O pequeno Samuel curtia como se nada daquilo tivesse fim. Mas é claro que tinha. E, quando o Pessach estava para terminar, batia uma angústia no coraçãozinho do menino Samuel. Sempre se sentava naquele mesmo degrau, que ficava na entrada da casa, onde gostava de refletir sobre determinados assuntos, e pensava: "E agora, como será nossa vida até o próximo Pessach?". Era mais uma pergunta, das tantas que ele tinha, que ficaria sem resposta.

    Em 1930, Samuel estava com 7 para 8 anos. Schmiliale, Schmiliale, cuidado com esse serrote! Era a voz do pai e carpinteiro Sucher. A família tinha aumentado bastante. Ao todo, sete filhos. O garoto ainda não era alto e forte o suficiente para lidar com o serrote na mesa de carpinteiro do pai, a quem começou a ajudar cedo. O menino gostava de estar sempre em atividade. Nos dias escuros de inverno na aldeia, vestia-se com roupa pesada e quente, e animava-se em seguir a pé por alguns quilômetros. Andava sobre a neve para chegar a um lugar onde havia um enorme bosque de pinheiros. Era como se dali pudesse ser tirada a melhor

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