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De manhã é que se começa o dia
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De manhã é que se começa o dia
E-book315 páginas4 horas

De manhã é que se começa o dia

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Sobre este e-book

Lara Lima era uma das apresentadoras mais carismáticas e influentes do país, o rosto do programa das manhãs líder de audiências. Um dia, “bateu com a porta” da estação de televisão que tão bem conhecia e decidiu ausentar-se das luzes da ribalta. 
O tão desejado regresso iria acontecer anos mais tarde, no canal com o qual sempre rivalizou! Seria eternamente a “rainha das manhãs”? Ou enfrentaria o peso da derrota?
Os êxitos e os fracassos iam além de quem aparecia no pequeno ecrã. Eram, também, fruto de quem estava nos bastidores. Rostos desconhecidos do grande público, mas essenciais à concretização de um formato televisivo. Pessoas com sonhos, receios, ambições… e com uma enorme vontade de vencer!
Nesta “guerra” televisiva, havia vitórias e perdas, despedimentos e contratações milionárias, boatos e confidências. E por entre risos e lágrimas, gritos de euforia e de raiva, surgia a pressão das audiências. Tudo o que não se via em casa e se vivia intensamente nos corredores de um canal!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de out. de 2022
ISBN9791222071855
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    De manhã é que se começa o dia - Vítor Dinis

    1

    De manhã é que se começa o dia.

    O slogan estava por toda a parte! Em outdoors visíveis mesmo nas estradas mais movimentadas, em mupis nos passeios palmilhados em horas de ponta, nas contracapas das revistas mais vendidas, no meio das páginas dos jornais diários. Até nas publicidades que entravam pelos olhos adentro sem pedir licença quando se fazia um scroll banal no telemóvel! Era impossível ainda alguém não ter reparado naquela frase. Era impossível alguém ficar alheio à grande campanha montada para promover um dos regressos mais aguardados à televisão nacional. Ela estava a chegar…

    Ela, a figura carismática que tinha o rosto estampado em tudo quanto era lugar. De sorriso forte, olhar penetrante, cabelo louro ondulado, rosto muito bem maquilhado… e algum Photoshop! A sobressair nos cartazes que gritavam o slogan que denunciava que ela viria para comandar as novas manhãs da televisão. Que vinha para fazer história.

    Ela era a apresentadora Lara Lima, que, aos 45 anos, acabara de agitar o mercado televisivo com uma das contratações mais caras de que há memória. Para isso contribuiu, agora, o seu renascer das cinzas, qual fénix, depois de cinco anos afastada das luzes da ribalta.

    Quando chegou aos 40, Lara decidiu fazer uma pausa na televisão. Era uma mulher bem-sucedida, ganhava milhões por ano e liderava as audiências do programa matinal do canal privado que a viu nascer, enquanto apresentadora, aos 25 anos. Protagonizava campanhas de marcas caras, era convidada regularmente para marcar presença em eventos sociais e tinha uma conta bancária bem recheada. Mas estava cansada, já não se sentia plenamente realizada. Em parte, porque estava há vários anos na liderança das manhãs com o Encontro Marcado, um formato vencedor, mas gasto. Apesar da contínua repetição da fórmula, as pessoas continuavam a vê-la diariamente. E Lara queria ser arrojada, mudar, fazer diferente. Ela própria estava mais madura. Só que não a deixavam! O maior entrave que sempre enfrentara era a Direção do canal para o qual trabalhava, a Televisão Nacional, popularmente conhecida como TVN. Com a liderança assegurada, o canal não queria correr riscos que o pudessem levar a uma posição nada confortável: o segundo lugar das audiências. E isso fazia com que o programa das manhãs nunca fosse remodelado, à exceção das alterações feitas ao cenário e à linha gráfica. Coisa que estava longe de ser suficiente para Lara Lima.

    Lara nunca viu o horário da manhã como sendo um horário menor. Muito pelo contrário. Ela sabia que era a companhia de muitas pessoas, umas que estavam sós, outras que passavam por momentos difíceis e outras tantas que simplesmente ligavam a televisão para ter um ruído de fundo na rotina diária. E todas essas pessoas conheciam-na bem: reconheciam-lhe o tom calmo da voz no momento certo, a gargalhada fácil e o sorriso contagiante. Lara recusava-se a aceitar que fazia televisão para os idosos, os desempregados e as donas de casa, como os colegas de profissão de horários mais nobres diziam ironicamente. Ela fazia televisão para as pessoas. Fossem elas quais fossem. E era isso que a aproximava delas. Era por isso que ela ficaria à frente de um programa da manhã para o resto da vida.

    Desgastada psicologicamente por não a deixarem fazer mais e melhor, fazer diferente, Lara decidiu tomar uma decisão radical. Afastar-se por um tempo do pequeno ecrã. Até porque, tinha a certeza, seria apenas uma pausa, voltaria quando tivesse a liberdade de fazer algo novo. Quando estivesse mais forte. E voltaria para vencer! Porque sabia que tudo o que fazia, fazia bem e era sempre um sucesso. Além de que as audiências o comprovavam, era sempre muito difícil destroná-la. Já na vida pessoal… o cenário era bem diferente!

    Protagonista de um divórcio conturbado, que mediaticamente fez correr muita tinta e encheu várias capas de revista, Lara refugiou-se, depois de deixar a televisão, na quinta de sete hectares que comprou às portas da capital. Ela, os dois filhos rapazes ainda menores e os três cães que, entretanto, adotara. Era o seu novo refúgio. O local perfeito, longe dos olhares curiosos e das objetivas das máquinas fotográficas das revistas cor-de-rosa de má fama. Foi ali que, durante os últimos cinco anos, Lara descansou, meditou, alinhou os chakras… e foi mãe a tempo inteiro. Finalmente teve tempo para acompanhar o crescimento dos filhos, estar perto deles nos momentos mais cruciais do seu desenvolvimento. Sem falhas, sem atrasos, sem desculpas. Até ao dia em que o telemóvel tocou, e, do outro lado, surgiu uma proposta que a fez despertar…

    Cinco anos foi tempo suficiente para voltar a nascer dentro de Lara a vontade de regressar a um estúdio, de ouvir a contagem decrescente para o arranque do seu programa, para, já posicionada no set, ouvir o genérico do talk show que, no fim, revela o seu rosto em todos os ecrãs. Mas, agora, iria ser diferente.

    Depois de 15 anos como o rosto das manhãs da TVN, onde se destacou pela sua personalidade, onde ganhou popularidade e notoriedade, onde vencia num canal líder, Lara estava prestes a estrear-se no canal concorrente. A outra estação privada, a TRC – Televisão, Rádio e Comunicação –, que na última década manteve a segunda posição das audiências televisivas do país, estava cada vez mais forte na corrida pela liderança. Já tinha conquistado, pouco a pouco, alguns horários com formatos que convenceram os telespetadores, mas que não se revelaram suficientes para fazer a estação saltar para o primeiro lugar. A Direção de Programas da TRC tinha consciência da importância do horário matinal e, para isso, delineou uma estratégia muito bem pensada que faria o canal chegar ao topo. E Lara fazia parte dessa estratégia.

    Não havia ninguém que não estivesse curioso com o regresso de Lara Lima à apresentação. Mesmo afastada dos ecrãs, os fãs não a abandonaram, a popularidade alcançada durante anos não caiu, e os seus perfis nas redes sociais não sofreram com o seu desaparecimento. E continuou a fazer dinheiro com as marcas a que sempre se associara, mesmo sem ser uma figura constante no pequeno ecrã. A decisão que tomara teve o efeito contrário do esquecimento esperado; ao invés disso, as pessoas interrogavam-se constantemente porque tinha decidido deixar a televisão quando estava no auge, levando a que surgissem várias teorias da conspiração. Tudo isso alimentou o desejo de a voltar a ver e a Direção de Programas da TRC sabia disso. Era mais do que certo que, assim que ela voltasse a aparecer no ecrã, todos iriam sintonizar no canal em que surgisse para vibrar com o seu regresso. Melhor seria se fosse num formato feito à sua medida, num horário que durante anos fez companhia a milhões de pessoas. Mas Lara tinha-se fartado do talk show sempre igual que fazia há vários anos. Para regressar, precisava que o programa a apresentar se revelasse uma pedrada no charco, que fosse vibrante, fresco e envolvente. Que marcasse a História da televisão do país. E foi assim que, após o telefonema daquele dia, ela aceitou voltar à antena com um formato novo e moderno, diariamente, das 10h às 13h, cinco anos depois de ter batido com a porta da TVN. As pessoas mal podiam esperar para ver…

    Agora, ali estava ela, nos cartazes espalhados por todo o país, a fintar quem a apreciava e se deixava envolver pela campanha que anunciava o seu regresso. Com aquele slogan que estava nas bocas do mundo, acompanhado do logótipo do programa e do respetivo horário. Que promovia Lara Lima como a rainha das manhãs da TRC, com a chegada de Sintonia. E o tão ansiado dia de estreia.

    A olhar para um dos muitos cartazes espalhados pela capital, bem cedo nesse dia tão aguardado, estava Mariana. Em pé na plataforma do metro, enquanto esperava pela carruagem sempre atrasada, não reparou se era a única que o contemplava. Estava num misto de admiração, excitação e nervosismo. Não que fosse estar em casa às 10h da manhã, quando se desse a estreia de Sintonia; mas, antes, por fazer parte da equipa do programa e estar a viver com ansiedade o arranque de um projeto desta dimensão. Ela era um dos elementos da redação, uma contratação de última hora, e o nervosismo apoderava-se dela por ter medo de chegar atrasada logo no primeiro dia de trabalho. Já a admiração era sentida por estar num projeto encabeçado por Lara Lima, e a excitação era por fazer parte desta mudança televisiva logo desde o início. Como não havia de estar a tremer por dentro?!

    O som estridente dos travões das carruagens ecoou quando o metro chegou à plataforma, fazendo o olhar de Mariana voltar-se para a vida à sua volta. Trouxe-a de volta à Terra. Ela pegou no telemóvel sem notificações e viu as horas. Fez cálculos mentalmente, para perceber se chegaria a tempo, tendo em conta todo o percurso que ainda tinha pela frente até chegar aos estúdios. Acreditava que iria conseguir ser pontual e que às 8h lá estaria, à hora de entrada da maioria dos seus colegas.

    Assim que as portas do metro se abriram, Mariana entrou, sem sequer sonhar que seguia para a maior aventura da sua vida.

    2

    Lara Lima estava sentada na cadeira de maquilhagem, em frente ao espelho adornado com lâmpadas LED do seu novo camarim. Tinha chegado aos estúdios às 7h, a tempo de ler a imprensa diária e antes de chegarem a maquilhadora, a cabeleireira e o stylist. Contemplava-se, perdida nos seus pensamentos, transparecendo uma tranquilidade que escondia o natural nervosismo interior de quem está prestes a enfrentar uma estreia. Mas estava feliz. Verdadeiramente feliz. E confiante, pois acreditava no projeto que tinha decidido apresentar meses antes e para o qual se tinha preparado desde então.

    Sem que Lara desse conta, a porta do camarim abriu-se, sem que alguém se tivesse feito apresentar.

    – A melhor apresentadora do país está pronta para arrasar? – disse, entusiasticamente, Fonseca, entrando pelo camarim dentro e fechando a porta atrás de si, caminhando na direção de Lara que se encontrava no lado oposto da sala em frente ao espelho.

    Fonseca era o realizador do programa. Aquele que prometera ser o braço direito de Lara nesta nova jornada, alguém que estava tão entusiasmado quanto ela para ver o Sintonia no ar. Orgulhoso de ser solteiro, era um homem bem constituído, convencido, garanhão, que adorava dizer piadas em qualquer conversa. E, pior: ria-se das próprias piadas! Gostava de se gabar, de lançar charme às mulheres, de dar conversa. E acreditava ser o melhor realizador num formato como aquele que estava prestes a estrear. Se a televisão fosse uma selva, ele seria um leão… fora os dias em que era um pavão de cauda aberta com tanta vaidade.

    – Não podias ao menos ter batido à porta?! E se eu estivesse a trocar de roupa?! – Lara questionou retoricamente, pois sabia perfeitamente que Fonseca estava a par da sua rotina nas horas que antecedem a ida para o estúdio. Ainda era muito cedo. Só por volta das 9h30 estaria maquilhada, penteada e vestida. Exatamente por esta ordem.

    – Finalmente chegou o dia, Lara! – Fonseca ignorou o que ela tinha dito. Sabia que estava só a tentar ser arrogante, mas era apenas uma postura pela cumplicidade que construíram durante anos em projetos passados, nomeadamente na TVN, quando lá se tinham cruzado. Além de serem da mesma geração, tinham também a mesma forma de olhar para a televisão – Já fui ao estúdio. Hoje, parece estar ainda mais bonito do que nos dias dos ensaios. Tem mais luz, mais brilho. Vai ficar ainda melhor às 10h, quando apareceres no ecrã.

    Foram vários os ensaios para que nada pudesse falhar naquele dia de estreia. Não houve espaço para o descanso, quando estavam prestes a mostrar ao país um programa de daytime novo, diferente do que viram até então, numa nova mecânica na forma de apresentar o conteúdo. Bem, o conteúdo, esse, seria praticamente igual ao dos formatos do mesmo género que se podiam ver, à mesma hora, nos canais concorrentes. A diferença estava na abordagem. E Lara ia fazer essa diferença.

    – Assumo que estou um bocadinho nervosa… – disse a apresentadora, acentuando o inho.

    – Isso não é necessariamente mau… Se juntares ainda um bocadinho de medo – também ele acentuou o inho –, podes até tornar-te numa bomba-relógio prestes a explodir. Se contrariares a explosão, terás aquela tensão de quem está no pico da adrenalina. E isso até pode ser bom, leva-te a manter o foco e a concentração! – Fonseca tinha sempre uma teoria para tudo, quase digno de filosofia… ou de um livro de autoajuda barato.

    – Não digas disparates, Fonseca! Eu só não quero falhar. Bem, na verdade, eu estou bem preparada e duvido que falhe…

    – E como é que achas que se está a sentir a Rosário?

    – Espero que esteja borrada de medo! – a elegância e a delicadeza, por vezes, não eram o forte de Lara – Aquela sopeira só está onde está graças a mim. Está a colher os louros de ser líder das manhãs, apenas porque eu deixei aquele programa no primeiro lugar. E ela foi de arrasto!

    Rosário Vaz foi a apresentadora que sucedeu Lara Lima na condução do programa das manhãs da TVN. Depois de Lara ter deixado de apresentar o Encontro Marcado, formato líder durante anos e que atualmente ainda vencia, a estação chamou às pressas a veterana Rosário para assumir a sua condução. E para manter o público e a respetiva liderança. A verdade é que o canal pouco se ressentiu com a saída de Lara, e o formato que sempre fora um sucesso assim se manteve. Agora, tinha chegado a hora de nascer um talk show que prometia roubar essa liderança da TVN. E, com ele, trazer de volta aos ecrãs, na TRC, uma das apresentadoras mais queridas do público.

    – E eu espero que amanhã tenha uma grande derrota e que caia, ela e a sua vaidade, do pedestal onde tem estado todos estes últimos anos! – acrescentou Fonseca.

    A apresentadora e o realizador riram, num riso quase maquiavélico, que ecoou no camarim. Faltou-lhes os flûtes de champanhe para brindarem ao sucesso que ainda não chegara e à previsível derrota da concorrência.

    Bateram à porta. Tinham chegado a maquilhadora, a cabeleireira e o stylist. Estava na hora de Lara se arranjar e de se pôr esplendida para a estreia. O trio de profissionais entrou e Fonseca saiu, cumprimentando-os euforicamente à sua passagem.

    – Vão com tudo, pessoal! Quero esta rainha mais bonita do que nunca! Hoje vamos fazer história! – o realizador saiu do camarim e fechou a porta. Do lado de dentro, ficou a ouvir-se a voz dele, ao longe, a dizer palavras de apoio e entusiasmo à restante equipa que já estava a chegar à redação.

    Lara Lima olhou-se novamente ao espelho e sorriu. Pegou no telemóvel e tirou uma fotografia a um apontamento do camarim. Depois, abriu o Instagram e fez um story com uma legenda, como tanto gostava. Hoje, a minha vida vai mudar. As nossas vidas vão mudar!, escreveu. E pousou o telemóvel em cima da bancada, ao lado dos pincéis de maquilhagem já alinhados à sua frente. Estava pronta para a mudança!

    3

    Mariana chegou a horas. Foi pontual. Às 8h estava a entrar na redação, nas instalações da TRC, e deparou-se logo com uma grande azáfama. Quando cruzou a porta e rompeu pelo espaço amplo, quase esbarrou com Miguel, o diretor de produção do programa. Ele limitou-se a atirar-lhe um bom dia de soslaio ao passar por ela, em passada larga, cheio de pressa e nervosismo a caminho do estúdio que se encontrava a poucos metros dali. Mariana lembrava-se dele da única vez que o vira, aquando a sua entrevista de emprego, e, se hoje ela ali estava, em parte a ele se devia. Miguel não só aprovava quem era contratado, como geria o orçamento do programa e coordenava a equipa de produção do Sintonia, para que tudo estivesse no lugar certo, à hora marcada.

    Mariana parou a poucos metros da porta, dentro da redação. Ficou a olhar à sua volta, a tentar encontrar algum rosto que lhe fosse familiar. Na verdade, só ali tinha entrado uma vez, quando se deu a entrevista de emprego, e apenas falara com duas pessoas: com Miguel e com a coordenadora de conteúdos do programa. Agora, estes eram os dois únicos rostos de que, à partida, se lembraria. E tendo em conta que um deles já ali não estava, restava-lhe apenas encontrar a outra profissional!

    Sem sair do lugar, moveu a cabeça em várias direções, numa procura que seria mais fácil se todas as pessoas ali presentes estivessem sentadas. Dias antes, aquele lugar estava muito mais calmo, com menos profissionais. Hoje, todos estavam ao serviço, e a energia era outra: percebia-se que ninguém queria estar parado, que as sinergias estavam alinhadas para que tudo se encaminhasse no trilho certo. E para que nada falhasse.

    A redação era um espaço amplo, com várias filas de mesas corridas e bem alinhadas, em que os profissionais trabalhavam de frente para uns e de costas para outros, cada um atrás do seu computador. Uma disposição digna de call center, não fosse a partir de ali que nascia um programa de televisão! No lado oposto à porta da entrada, havia uma sala de reuniões, o camarim da apresentadora e uma copa, onde todos se cruzavam para beber café, guardar a marmita do almoço nos frigoríficos disponíveis ou lutar por uma fatia de bolo que algum convidado levava, por gentileza, para o programa. Só naquele lugar trabalhavam cerca de 25 profissionais, divididos entre os jornalistas que faziam pesquisa, os repórteres, os assistentes de produção, os aderecistas e os designers. Mas a equipa de um talk show matinal como o Sintonia ia além da redação: havia ainda a equipa de estúdio, de régie e de edição. Sem esquecer os repórteres de imagem sempre no terreno ou as cabeleireiras e maquilhadoras que estavam encarregadas de cuidar do visual de qualquer convidado que ia ao programa. Ao todo, e diariamente, eram precisos cerca de 80 profissionais para criar um formato que entretinha os telespetadores durante as três horas da manhã.

    A custo, Mariana lá viu, na outra ponta da redação, a Verónica, a outra pessoa da entrevista de emprego. Era ela a coordenadora de conteúdos do programa, a responsável por delinear a linha condutora do talk show. Era sobre ela que recaía a decisão do que passava pelo formato, quem era entrevistado e como as histórias eram dadas a conhecer aos telespetadores. Coordenava a equipa de conteúdos, composta pelos pesquisas – que é como quem diz, os jornalistas –, aqueles que, se for preciso, encontravam uma agulha no palheiro; e coordenava, também, a equipa de reportagem, composta pelos repórteres que vão para o terreno para dar vida em sons e imagens às histórias que são contadas em direto. Verónica era uma mulher de ferro que impunha respeito. Que se impunha, acima de tudo! Gostava de manter a equipa com rédea curta, exigindo-lhes resultados a tempo e horas. Sabia que era importante haver foco e disciplina para levar o Sintonia a um patamar de elevada qualidade e ela estava disposta a que todos obedecessem para chegar a esse nível. Ia fazer de tudo para que o programa fosse líder. Quer gostassem dela… ou não!

    Mariana ia reportar diretamente a Verónica. Tinha sido contratada para reforçar a equipa de pesquisa e ser caçadora de histórias de vida, de avaliar os potenciais entrevistados do programa. Aos 24 anos, tinha pouca experiência, fruto de um estágio curricular de meio ano e de um trabalho, a recibos verdes, num projeto de três meses levado a cabo por uma produtora para a televisão do Estado. Agora, ali estava ela, grata pela oportunidade que lhe tinham dado, pronta para dar o máximo enquanto profissional. Para crescer e amadurecer, aprendendo com um projeto que se previa difícil. Foi o brilho no olhar, a voz doce e o discurso de quem toda a vida sonhou por estar ali que convenceu o Miguel e a Verónica a darem-lhe o lugar que faltava preencher na equipa, apesar da inexperiência. Ela era um diamante em bruto, pronto a ser lapidado!

    Caminhando por um dos corredores da redação, entre duas fileiras de mesas onde os seus novos colegas já trabalhavam, Mariana atravessou a sala e dirigiu-se para Verónica.

    – Bom dia, Verónica – cumprimentou, docemente, Mariana.

    – Querida, agora não tenho tempo para ti! – Verónica foi bruta, pois não era propriamente a pessoa mais afável – Tenho de ir para a reunião de alinhamento, já são 8h!

    Nas mãos, a coordenadora de conteúdos tinha um molho de 20 páginas agrafadas, o alinhamento do programa, o documento que permitia a toda a equipa saber o que se ia passar naquele dia. Nele continha a ordem de entrada dos convidados, os horários, os sets onde decorria a ação no cenário e toda a informação que a apresentadora teria de saber.

    A reunião de alinhamento iria acontecer todos os dias, às 8h, no estúdio. Era Fonseca a pessoa encarregada por ler o alinhamento de uma ponta à outra, quem daria ordens aos profissionais que liderava. O realizador estava encarregado de, assim que o programa começar, nada falhar. E todos teriam de o ouvir atentamente, desde a equipa de estúdio à equipa de régie. Quem também iria estar sempre presente para dar todos os inputs era Verónica, de modo a que o que fora idealizado ganhasse forma corretamente e não houvesse qualquer falha de comunicação. E, em dia de estreia, a coordenadora de conteúdos queria estar a tempo e horas naquela que seria, oficialmente, a primeira reunião de alinhamento daquela equipa!

    – Não te preocupes, Verónica. Eu posso esperar aqui… – Mariana era uma rapariga correta e nada amargurada, fruto dos poucos anos de vida e da quase inexistente experiência profissional que ainda não a tinham calejado.

    – Sim, mas não precisas de ficar aí em pé, não é?! Olha, o teu lugar é aquele! – Verónica esticou o braço e o dedo indicador na direção de um lugar vazio, com um computador e um telefone fixo sobre a mesa, ao lado de um rapaz – Oh, Fred! – gritou por cima do barulho causado pela azáfama matinal da redação, esperando que o rapaz olhasse para ela. – Ajuda aqui a tua nova colega a instalar-se!

    Verónica virou costas a Mariana e seguiu caminho, saindo pela porta da redação, rumo ao estúdio onde iria assistir à reunião de alinhamento do programa daquele dia. Para trás, ficou a jovem, que se dirigiu para o lugar de trabalho que lhe fora destinado. Com o que não contava era a receção que se avizinhava…

    4

    – Olá, sou a Mariana! – apresentou-se a jovem, sorridentemente, ao arredar a cadeira encostada à mesa, para se sentar no lugar que lhe fora destinado na redação. Ao seu lado direto, a mexer no computador, estava aquele que vira ao longe, antes de se dirigir para a sua secretária por indicação de Verónica.

    – Eu sou o Frederico. Mas podes tratar-me por Fred, já que é assim que todos me tratam, não é?! – Fred não esperava que ela concordasse.

    Frederico – ou melhor, Fred – também fazia parte da equipa de pesquisa do programa. Era pouco mais velho do que Mariana, tinha 26 anos, e toda a vida trabalhou na TRC. Fez um estágio curricular, após sair da Faculdade, no anterior programa da manhã do canal privado e ficou a trabalhar na equipa de conteúdos desse talk show quando deixou

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