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E-book249 páginas3 horas

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Sobre este e-book

O IMPACTO DO PENSAMENTO LIBERAL NA VIDA POLÍTICA E SOCIAL DO INTERIOR DE MINAS GERAIS DO SÉCULO XIX E A INFLUÊNCIA DO LIBERALISMO NO BRASIL IMPERIAL ESCRAVISTA.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de abr. de 2021
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    L'onde - J Londe

    231

    232

    J  LONDE

    LIBERALISMO

    VOL  II L’ONDE

    1ª  EDIÇÃO

    JOÃO  BATISTA  LONDE

    UBERABA

    2021

    233

    FICHA  CATALOGRÁFICA ISBN:  978-65-902287-1-0

    J  LONDE  FLOR  &  CULTURA Publicando  Para  transformar.

    2021

    1ª  Edição,  2021.

    312240046

    Copyright  ©2002  by  Londe,  João  Batista.

    234

    CAPA:  Foto  e  arte:  André  Monteiro  Londe. CONTRACAPA:  HISTÓRIAS  DE  MINAS

    Museu  de  Arte  Sacra,  instalado  na  Igreja  de  Santa Rita,  construída  em  Uberaba,  no  ano  de  1854,  e  tombada pelo  Patrimônio  Histórico  e  Artístico  Nacional  em  1939. Conta  a  história  que  Cândido  Justiniano  da  Lira  Gama, devoto  que  era  de  Santa  Rita,  e  em  cumprimento  de  uma promessa  para  se  livrar  do  vício  da  bebida,  mandou construir  em  1854  a  pequena  capelinha  em  louvor  a

    Santa.  Fonte:  Fundação  cultural  de  Uberaba  Mg.

    235

    DIDICATÓRIA

    236

    LIVRO  II L’ONDE  1

    1-  ONDE  SE  VÊ  O  SOL

    O  nome  Araxá  é  o  que  significa,  o  mais  lindo  amanhecer. Do  alto  do  morro  os  cavaleiros  contemplam  o  povoado engastado  no  baixio  das  montanhas.  Um  pequeno  vilarejo  com casarões  brancos  ao  sol  da  manhã.  Margeada  por  um  riacho,  a vila  de  São  Domingos  dos  Araxá  despertava  para  mais  um  dia seca  no  cerrado  mineiro,  que  a  rigor,  administrativamente estava  ligado  a  Goiás.  O  capitão  des  Genettes  olha  embevecido a  paisagem  montanhesa,  dourada  ao  sol  da  manhã.  Um  soldado o  desperta.

    _Vamos  entrar  no  povoado  capitão?

    1  A  onda:  Refere  -se  ao  modelo  de  progresso  a  que  a  cidade  se

    sofreu.

    237

    des  Genettes  não  responde  de  imediato.  Aponta  uma mancha  de  poeira  que  se  eleva  a  oeste  no  horizonte,  se aproximando  do  vilarejo,  parecendo  vir  de  Uberaba.

    _Aqueles  estão  com  pressa.  Vamos  evitar  a  vila, cortaremos  caminho  pelo  mato.  José!

    _Pronto  capitão!

    _Leve  consigo  o  Benedito.  Vai  espiar  quem  são  aqueles cavaleiros  apressados.  Mas  não  deixe  ninguém  ver  vocês.  Está vendo  aquele  morro  com  aquele  ipê  roxo  florido  lá?

    Aponta  no  horizonte  ao  sul  de  onde  estavam. _Sim  senhor!

    _Nos  encontraremos  lá.  A  fazenda  é  depois  daquela montanha.  Seja  rápido.  Não  podemos  nos  atrasar  mais. Esperaremos  vocês  lá.

    Os  caçadores  a  paisano  montam  ligeiros  os  seus  cavalos. Descem  o  morro  em  companhia  do  vento,  se  dirigindo  na direção  da  nuvem  de  poeira.

    Os  outros  seguem  o  caminho  da  fazenda  dos  Mendonça.

    Ao  sopé  do  ipê  os  cavalos  pastam  soltos,  mas  com  os arreios  ao  lombo.  Os  homens  descansam  e  se  refrescam.  Um barulho  os  põe  alertas.  A  sentinela  avisa:

    _Amigo  capitão!

    _Guarda  nacional,  capitão.  Pelo  menos  cento  e  cinquenta soldados  uniformizados.

    José  vai  dizendo  enquanto  desmonta.  Pega  uma  cabaça  e bebe  um  gole  d’agua.  Benedito  também  desmonta acrescentando:

    _Parecem  estar  prá  briga  capitão,  o  armamento  é  pesado! _Viram  se  eles  pararam  no  povoado?

    José:

    238

    _Parece  que  sim!

    _Bem  messieurs,  isso  nos  dá  um  pouco  de  tempo.  Vamos embora.

    Perto  das  dez  horas  da  manhã  os  cães  da  fazenda  ladram à  chegada  dos  companheiros  de  jornadas.  Escravos  da  casa  os recebem  afastando  os  cães  e  segurando  seus  cavalos. Desmontam.  Sobem  apressadamente  as  escadas  do  varandão. Dona  Josefa  já  os  espera.  Cumprimenta  alegre  o  doutor  des Genettes.

    _Bonjour  madame!

    _Bom  dia  doutor,  o  senhor  parece  cansado!  Algum problema?

    _Oui  madame.  Cavalgamos  a  noite  toda,  estamos  vindo de  Lagoa  Santa.

    _E  quais  as  novidades  então?  Sentem-se  senhores.

    _Tristes  novidades  madame,  muito  tristes.  Oh!  Pardon, esses  são  meus  companheiros  de  infortúnio.  Fomos  derrotados em  santa  Luzia.

    Uma  escrava  traz  uma  bacia  com  água  e  uma  bilha  de barro,  para  se  lavarem  e  refrescar.  Outra  coloca  uma  moringa de  barro  com  água  fresca  de  beber  e  alguns  copos  de  latão.

    _Como  assim,  perdemos?  O  que  foi  que  houve  doutor?

    _Fomos  batidos  pelo  batalhão  imperial,  sob  comando  do barão  de  Caxias.  A  maioria  se  dispersou,  mas  há  muitos prisioneiros.

    _Não  chegaram  a  atacar  Ouro  Preto?

    _Não,  madame.  Fomos  interceptados  a  caminho.

    _E  o  padre  Marinho?

    239

    _Não  sabemos  ao  certo,  mas  creio  que  conseguiu  fugir, Prenderam  os  líder  do  movimento,  Teófilo  Otoni.  Estão levando  os  prisioneiros  para  a  capital  da  província.

    _Então  vamos  organizar  um  exército  e  resgatá-los!

    _Esta  também  não  é  uma  notícia  boa,  vindo  para  cá avistamos  um  destacamento  da  guarda  nacional.  São  três colunas  de  cinquenta  homens  a  cavalo.  Devem  estar  na  vila nesse  momento.

    _O  senhor  acredita  que  virão  aqui  na  fazenda,  doutor?

    _Receio  que  sim,  madame.  Vim  alertá-los  e  ficar  se precisarem  de  ajuda.

    _Toda  ajuda  é  bem  vinda,  principalmente  porque  meu marido  está  na  Corte  com  alguns  de  meus  filhos.  Mas  não  creio que  terão  a  coragem  de  nos  atacar  de  frente.

    _Não  sei  madame.  É  bom  prevenirmos.  Quantos  homens estão  aqui  na  fazenda?

    _Bem,  estão  aqui  meu  filho  Eduardo  e  meu  genro Pestana.  Tem  o  Cipião  e  os  homens  do  capataz.  Creio  que  uns vinte  ao  todo.

    _São  bem  poucos.  Mas  podemos  organizar  uma  defesa estratégica.

    _O  que  o  doutor  sugere?

    _Vamos  colocar  atiradores  em  pontos  estratégicos,  de modo  que  se  eles  nos  atacarem  ficarão  encurralados.

    _Bem,  descanse  com  seus  companheiros.  Mandarei chamar  Eduardo  para  organizar  as  defesas.  Fiquem  a  vontade, vamos  servir  o  almoço  aqui  na  varanda.

    _Peço  desculpas  pelos  transtorno,  madame.

    _Ao  contrário,  nós  é  que  devemos  agradecê-lo.  E  depois

    sempre  há  comida  farta  numa  casa  mineira.  Com  licença.

    240

    Mais  tarde  duas  escravas  serviram  a  mesa  com  comida deliciosa  e  quente.  As  panelas  sempre  ficavam  no  fogão  a lenha,  cujo  lume  não  se  apagava  nunca.  Eduardo  e  Pestana chegaram  dos  afazeres  para  o  almoço.  Cumprimentou  o  doutor des  Genettes  feliz  por  revê-lo,  e  apresentou-lhe  o  cunhado,  que ele  ainda  não  conhecia.  Os  homens  comeram  esfomeados  até  se fartarem.

    Dona  Josefa  não  perdeu  tempo.  Enquanto  almoçavam chamou  o  capataz  e  deu  ordens  para  posicionar  os  homens  da fazenda  segundo  ordens  do  doutor  des  Genettes.  Reuniu  os escravos  e  os  despachou  às  fazendas  vizinhas  para  avisar  os correligionários  dos  acontecimentos.  Deveriam  se  preparar  para o  caso  de  serem  atacados.  Depois  chamou  as  escravas,  mandou que  fechassem  a  casa  e  depois  as  mandou  fugirem  com  as crianças  para  o  retiro  na  beira  do  rio.  Na  casa  só  ficariam  duas escravas  por  servi-los.  Um  negrinho  esperto  foi  mandado  à estrada  para  vigiar  a  entrada  da  fazenda.

    Eduardo  se  inteirou  dos  fatos.  Terminado  o  almoço  abriu uma  pesada  porta  de  jacarandá  retirando  as  espingardas  e munições.  Repassou-as  aos  homens  da  fazenda  e  aos  recém- chegados.  Posicionou  todos  em  tocaia  e  aguardou  com  des Genettes,  a  mãe  e  o  cunhado,  na  varanda.  Sentado  nas escadarias  com  sua  espingarda  o  negro  Cipião.  Vigiava  como um  cão  de  guarda.

    Lá  pelas  três  horas  da  tarde  o  moleque  chegou  gritando esbaforido.

    _Pulícia  Sinhá!  Pulícia!

    Quatro  cavaleiros  se  aproximaram  da  fazenda.  Os  cães ladraram  como  de  costume.  Os  cavaleiros  se  aproximaram,  um

    a  paisano  e  três  soldados  da  guarda  nacional.  O  restante  do

    241

    batalhão  ficou  estacado  à  distância.  Um  oficial  que  parecia  ser um  tenente  a  interpelou:

    _Bom  dia!  Acaso  é  a  senhora  Josefa  Carneiro Mendonça?

    _Sim  senhor!  Sou  eu!  Da  parte  de  quem  o  oficial pergunta?

    _Tenho  ordens  para  levá-la,  e  também  a  seu  filho Eduardo,  à  presença  do  juiz  da  comarca  de  Araxá.

    _E  sob  qual  acusação  o  senhor  me  tem? _Sedição  senhora!

    _E  contra  quem  eu  teria  me  revoltado  oficial?  Acaso  é contra  este  senhor  que  o  acompanha?

    O  homem  a  paisano  riu  meio  sem  graça.  Josefa continuou:

    _Diga-me  senhor  Sebastião  Jacinto  de  Alcântara  e  Souza, é  esse  mesmo  o  seu  nome  não  é?

    _Sim  senhora  esse  é  o  meu  nome,  ao  seu  dispor.

    _Teria  sido  contra  os  desmandos  do  seu  partido  que  me revoltei?

    Sebastião  riu  meio  sem  graça,  desconfortável  por  estar  na presença  daquela  senhora.  Queria  que  o  tenente  fizesse  seu trabalho  sozinho,  mas  fora  obrigado  a  comparecer.

    _E  o  senhor,  oficial,  não  lhe  ensinam  bons  modos  no quartel?  Não  cabe  que  se  apresente  como  se  deve?

    Peço  desculpas  pela  descortesia  senhora.  Sou  o  tenente Benedito  da  Silva  Alves,  da  guarda  nacional.

    _Então  sabe  o  senhor  que  meu  marido,  João  José Mendonça,  é  coronel  da  guarda  nacional.  Portanto  seu  superior

    em  patente!

    242

    _Sim  senhora.  Tenho  ordens  de  levá-la  a  ferros  se  for preciso,  mas  creio  que  podemos  evitar  esse  embaraço,  basta que  a  senhora  se  entregue  sob  minha  custódia.

    _Acaso  não  existem  malfeitores  do  sexo  masculino? Precisa  o  senhor  tenente  prender  mulheres?  Ou  as  más companhias  estão  lhe  tirando  a  coragem  senhor  oficial?

    _  Estou  apenas  cumprindo  ordens!

    _Então  já  que  o  senhor  é  diligente,  dar-lhe-ei  uma  ordem direta.  Enxote  esse  rato  da  minha  presença!

    _Não  posso  receber  ordens  da  senhora,  mas  de  meu oficial  em  serviço.

    _Como  meu  marido  o  coronel  se  encontra  ausente,  então farei  eu  mesmo  as  honras  da  casa.

    _Senhora,  tudo  o  que  peço  é  venha  comigo.

    _Pois  eu  lhe  peço  que  fique  como  meu  convidado.  Desde que  se  livre  desse  rato.

    _Senhora,  adoraria  ficar  para  uma  visita,  como  seu convidado,  mas  ordens  devem  ser  cumpridas,  tenho  que  levá-la comigo.

    _O  senhor  tenente  não  entendeu  direito.  Pode  ficar  aqui na  fazenda,  vivo  ou  morto,  como  quiser.  Mas  só  sairei  daqui com  meu  marido  e  ele  não  se  encontra  no  momento.

    _Não  teria  uma  maneira  de  evitarmos  esse  embaraço senhora,  não  posso  voltar  ao  posto  policial  de  mãos  vazias.

    _Pois  então  contente-se  em  levar  de  volta  esse  rato  que  o senhor  trouxe  aqui.  Nem  eu  nem  meu  filho  nos  entregaremos  à sua  justiça.  Se  preferir  volte  aqui  quando  meu  marido  estiver

    presente.

    243

    _A  senhora  terá  até  as  dezessete  horas  de  hoje  para  se entregar  livremente.  Estarei  na  entrada  da  fazenda  esperando. Caso  isso  não  aconteça  será  levada  à  força.

    _O  senhor  se  retire  de  minha  propriedade  até  as  dezessete horas  de  hoje.  Do  contrário  será  considerado  um  invasor.

    O  tenente  dá  a  ordem  de  retirada.  Viram-se  e  vão  embora sem  se  despedirem.  A  certa  distância  acampam  na  entrada  da fazenda.

    Josefa  manda  as  escravas  trazerem  mais  comida  e  em seguida  as  despacha  para  o  retiro,  onde  estão  os  demais escravos  da  casa.  Os  homens  arrastam  os  bancos  e  as  mesas  de madeira  improvisando  barricadas,  Eduardo  e  Cipião  tangem  o gado  para  o  curral  em  frente  a  casa,  para  dificultar  uma possível  invasão.

    _Se  vierem  por  ali  terão  dificuldade  de  entrarem  e  se estiverem  a  cavalo  serão  alvos  fáceis.  Também  amarrei  as porteiras.

    Disse  Eduardo,  subindo  as  escadas  da  varanda.  Todos aguardam  apreensivos  o  cair  da  tarde.

    A  noite  baixou  seu  véu  de  estrelas,  embalada  pelos cantos  dos  grilos.  A  lua  cheia  iluminava  a  fazenda  como  se velasse  por  ela.  Ninguém  dizia  palavra.  Olhavam  na  direção  do horizonte  aguardando  o  ataque  iminente.  Cansados,  des Genettes  e  seus  comandados,  cansados  pela  viagem  anterior, foram  dormir  um  pouco.  Retiraram  as  botas  e  dormiram  de roupa,  prontos  para  um  despertar  rápido  se  fosse  preciso. Apenas  algumas  sentinelas  foram  mantidas.  Mesmo  assim dormir  não  seria  fácil,  não  havia  como  relaxar.

    des  Genettes  deitou-se  tentando  dormir  um  pouco.

    Rememorou  os  acontecimentos  dos  últimos  dias.  Dias  agitados,

    244

    dias  de  glória.  Poderiam  ter  vencido  facilmente  se  os milicianos  não  fossem  tão  ingênuos.

    Os  ramos  de  lavanda  florida  se  agitavam  ao  vento,  que  se enchia  de  perfume.  Todo  o  campo  se  tingia  de  lilás  e  verde. Henry  corria  solto  pela  planície,  rindo  com  a  moça  que  lhe sorria.  Caíram  na  relva  se  abraçando.  Rolavam  rindo  e  se Beijando  como  dois  jovens  apaixonados.  A  jovem  se  ergueu. Seus  cabelos  loiros  balançavam  ao  vento,  brilhando  ao  sol daquela  manhã.  Despiu  o  vestido  pesado,  desnudando  o  corpo jovem  de  curvas  suaves.  Henry  contemplava  o  corpo  da  moça como  se  fosse  de  uma  deusa  mitológica.  Beijou-lhe  o  pescoço  e os  lábios  com  paixão.  Sua  pele  macia  e  seu  cheiro  suave misturado  com  lavanda  o  inebriavam.  Encheu-se  de  coragem, erguendo-se  para  também  despir-se.  Viu  ao  longe  uma  mancha amarela  que  se  avolumava.  Uma  onda  de  areia  do  deserto cobriu  o  campo  de  lavandas.  Cavaleiros  árabes  com  seus turbantes  atacavam  de  espada  em  riste.  Tentou  correr defendendo-se,  caindo  e  rolando  na  areia  quente  do  deserto. Sufocou-se,  tossiu.  Viu  os  beduínos  passarem  com  seus  cavalos por  cima  de  si.  Tentou  alvejá-los,  não  encontrando  sua  arma. Agora  o  navio  balançava  nas  aguas  agitadas  do  oceano. Levantou-se  da  rede,  saindo  da  cabine,  pegando  sua  pistola.  O tombadilho  estava  banhado  em  sangue.  Homens  rudes  ainda lutavam  tentando  defender  a  embarcação  de  piratas  negros  com olhos  vermelhos.  Atitou  a  esmo.  O  barulho  do  tiro  o  despertou. Ergueu-se  na  cama  tentando  livrar-se  do  pesadelo.  Outros  tiros se  faziam  ouvir.  Calçou  as  botas  às  pressas  e  pulou  para  a varanda.  Na  aurora  do  dia  divisou  o  batalhão  da  guarda

    nacional  que  atacava  a  fazenda.

    245

    Apanhou  uma  espingarda  que  estava  recostada  à  amurada da  varanda.  A  pontaria  foi  certeira  derrubando  o  cavaleiro  à distância.  O  gado  se  agitava  no  curral,  assustado.  Soldados atiravam  sem  acertar  ninguém.  Tentavam  cercar  a  casa. Ninguém  sabia  quem  havia  dado  o  primeiro  tiro,  mas  a  coisa estava  feita.  Os  soldados  tentavam  invadir  a  fazenda. Chegavam  a  cavalo  até  próximos  do  curral  de  lascas  de  aroeira, e  eram  alvejados  da  varanda.

    Outros  tentavam  dar  a  volta  pelos  flancos  e  eram recebidos  pelos  jagunços  postados  nas  coberturas  dos chiqueiros,  do  monjolo,  e  do  engenho.  Eram  bem  poucos homens  a  defender  a  fazenda,  mas  bem  distribuídos  e protegidos.  Isso  fazia  daquele  lugar  uma  verdadeira  fortaleza. Tomá-la  não  seria  fácil.  Mas  os  soldados  da  guarnição  eram muitos,  e  com  muita  coragem.  Atacavam  maciçamente  e  em vários  pontos.  A  senhora  Josefa  municiava  as  espingardas,  os homens  as  pegavam  e  atiravam.

    O  tenente  Alves  designou  um  grupo  para  abrir  as porteiras  soltando  o  gado.  Tentaram  se  aproximar  sendo alvejados  do  alto  da  varanda.  Outros  soldados  atiravam  de longe  tentando  despistar  os  atiradores,  enquanto  abriam  as cercas  do  curral.  O  gado  saiu  assustado.  Soldados  chegaram  a cavalo  entrando  no  curral  de  lascas.  Foram  cercados  numa armadilha.  Soldados  caiam  dos  cavalos  alvejados  por  balas  de várias  direções.  Recuaram.  Os  feridos  se  levantavam  tentando fugir.  Não  eram  alvejados  novamente.  Seria  fácil  abatê-los, mas  deixaram  que  fugissem  desencorajados.  Fracassaram  na primeira  tentativa.

    Mas  o  curral  estava  agora  livre  das  vacas,  e  os  soldados

    sabiam  das  posições  dos  atiradores.  O  tenente  Alves  era

    246

    estrategista.  Enviou  um  destacamento  para  atacar  por  trás  da casa,  neutralizando  as  baterias  do  monjolo  e  do  engenho  de cana.  Eduardo  entrou  na  casa  com  alguns  homens,  abrindo  as janelas  do  outro  lado  e  atitando  das  gelosias.  Outro  grupo  de soldados  atacava  agora  pela  frente  da  casa,  entrando  no  curral  à cavalo.  Eram  também  alvejados,  e  caiam  tentando  se protegerem  na  sebe.  Esgueiravam-se  buscando  uma  posição  de melhor  ataque,  tentando  ganhar  posições.

    As  balas  cravejavam  nas  paredes  do  casarão,  arrancavam lascas  das  portas  e  janelas.  Um  tiro  acertou  um  dos companheiros  na  varanda  tirando-o  de  combate.  Divididos,  os amigos  tinham  que  lutar  em  duas  frentes.  A  cada  vez  que municiavam  as  espingardas  os  soldados  avançavam  mais. Jagunços  já  caiam  mortos,  reduzindo  assim  o  número  de combatentes.  A  um  canto  da  varanda  Cipião  atirava  com  sua espingarda,  alvejando  certeiro  cada  soldado  em  que  mirava. Protegido  pela  amurada  defendia  a  casa.

    Por  fim  ficaram  sozinhos.  Os  jagunços  que  não  foram abatidos  se  renderam.  Continuaram  atacando  dispostos  a  não  se entregarem.  O  tenente  Alves  coordenou  outro  ataque,  agora com  toda  a  guarnição.  Um  grupo  de  soldados  se  posicionou  nas laterais  do  prédio,  enquanto  que  a  cavalaria  atacava  pela  frente. Nova  saraivada  de  tiros,  a  defesa  da  fortaleza  estava  ficando desesperada.  A  munição  se  escasseava.  Cipião  atira  nos soldados,  mas  vê  que  são  muitos.  Um  deles  aponta  a  pistola  na direção  de  Eduardo.  Com  a  arma  descarregada,  Cipião  não  tem tempo  de  recarrega-la.  O  negro

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