Lei da Ficha Limpa e Probidade Administrativa
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Lei da Ficha Limpa e Probidade Administrativa - Rodrigo López Zilio
Introdução
A obra reflete sobre o direito político de participação nas competições eleitorais, especificamente examinando cláusulas de inelegibilidade que guardem vinculação direta com a proteção da probidade administrativa.
Nesse contexto, aborda-se inicialmente a natureza e o limite dos direitos políticos e a adequação da Lei das Inelegibilidades (LC 64/90) com as diretrizes fixadas no §9º do art. 14 da Constituição da República e com os tratados internacionais de direitos humanos – especificamente a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Na sequência, passa-se a analisar a inelegibilidade decorrente de rejeição de contas e da inelegibilidade decorrente de condenação por ato de improbidade administrativa, tendo em vista a convergência de vínculo com a proteção da probidade administrativa para o exercício dos mandatos políticos inscrita no texto constitucional.
O estudo dessas hipóteses de restrição ao direito de participação nas competições eleitorais é realizado por uma perspectiva normativa e jurisprudencial. O exame sob o aspecto normativo é amparado em uma análise da evolução histórica e centrado em um exame analítico de sua hipótese de subsunção; o exame jurisprudencial também aponta o caminho desenvolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral, indicando a atual linha adotada para uniformizar a interpretação dessa norma federal.
Por fim, com base no atual arranjo normativo, sobremodo a Lei da Ficha Limpa, são apontados desafios da jurisprudência para apresentar resposta que equacione com coerência e integridade a adequação de candidatos ao estatuto jurídico eleitoral nas hipóteses de rejeição de contas e condenação por ato de improbidade administrativa.
CAPÍTULO 1
Direitos políticos e formas de restrição
Ainda que as primeiras balizas sobre a participação dos cidadãos na vida política remontem um passado bastante remoto, os direitos políticos, em uma concepção próxima da sua atual conformação, representam uma significativa conquista do Iluminismo, alcançando universalidade a partir da Revolução Francesa. É notório, ainda, reconhecer a vinculação entre os direitos políticos – porque direitos fundamentais – e a própria dignidade da pessoa humana. Nesse cenário, Jorge Reis Novaes (2019, p. 50-51) anota que uma das violações da dignidade como integridade ocorre justamente
quando se nega à pessoa a possibilidade de participar da vida pública e na tomada de decisões que a afectam, designadamente o impedimento ou a exclusão desqualificantes e inferiorizantes no exercício efectivo das liberdades públicas, da escolha dos governantes e da avaliação das respectivas políticas.
Porque se inserem em um contexto de direitos de primeira dimensão ou geração, os direitos políticos se traduzem como atributos do indivíduo e ostentam uma subjetividade, permitindo reconhecer neles uma espécie de direito de resistência ou oposição contra a força do Estado (BONAVIDES, 2004, p. 563-564). É lugar comum observar uma divisão dos direitos políticos nos seguintes termos: direito político ativo, é o direito de votar; direito político passivo, é o direito de ser votado. Decerto, todavia, que há uma maior extensão conceitual dos direitos políticos, de modo a abranger não apenas o direito de votar e ser votado, mas igualmente o direito de participação na formação da vontade política do Estado mediante, por exemplo, a criação de partidos políticos, filiação partidária, subscrição de projeto de iniciativa popular e acesso a cargos públicos (art. 5º, II, da Lei nº 8.112/1990).
Exatamente por força dessa amplitude conceitual e relevância na própria conformação da dignidade da pessoa humana, a tendência consolidada das Cortes Eleitorais é conferir uma proteção ampla aos direitos políticos dos cidadãos, rechazando posiciones reduccionistas acerca de los derechos fundamentales y, em su lugar, favoreciendo interpretaciones de las normas que potencien el alcance y disfrute de tales derechos
(OROZCO HENRÍQUEZ, 2006, p. 76). Ainda que não exista convergência, é possível destacar que a doutrina majoritária classifica os direitos políticos como direitos a prestação ou direitos de defesa – nada obstante certo espaço para uma classificação autônoma como direitos de participação .
CAPÍTULO 2
Inelegibilidade
A inelegibilidade consiste em uma restrição parcial do gozo dos direitos políticos que obsta o exercício da capacidade eleitoral passiva. Porque é exceção ao exercício de um direito fundamental de participação, a inelegibilidade deve vigorar por um lapso temporal determinado, vedando-se restrições de caráter permanente. O atual arranjo normativo prevê que apenas a Constituição ou lei complementar podem criar causas materiais de inelegibilidade, por força do enunciado do art. 14, §9º, da Constituição da República. A Lei Complementar nº 64/1990 estabelece casos de inelegibilidade em nível infraconstitucional, sendo o único diploma normativo a tratar dessa temática.
As inelegibilidades podem ser classificadas de formas diversas, conforme a perspectiva que se imprima a essa forma de restrição do gozo dos direitos políticos. Assim, a inelegibilidade absoluta restringe acesso a todos os mandatos eletivos, tendo exemplo mais representativo nas hipóteses do art. 1º, I, da LC nº 64/1990 quando empregada a locução são inelegíveis para qualquer cargo
. A inelegibilidade relativa é forma de limitação para determinados mandatos eletivos por força de situações específicas, como são as hipóteses previstas no art. 1º, incisos II e VII, da LC nº 64/1990.
CAPÍTULO 3
Distinção de outras formas de restrição dos direitos políticos
Embora em caráter excepcional, o legislador prevê formas de limitação ao gozo dos direitos políticos. O art. 15 da Constituição da República estabelece as hipóteses de perda e de suspensão dos direitos políticos, vetando, todavia, a sua cassação. Tanto a perda como a suspensão dos direitos políticos significam uma limitação ampla do gozo desses direitos, obstando o direito de votar e participar da formação da atividade governamental e também o direito de ser votado. Existe, no entanto, uma clara distinção entre a perda e a suspensão dos direitos políticos: esta, tem um caráter de temporariedade e cessa automaticamente com o transcurso do período estabelecido de suspensão dos direitos políticos; aquela, tem caráter definitivo e não cessa de modo automático, exigindo um requerimento do interessado para restabelecer o gozo de seus direitos políticos. Enquanto a inelegibilidade é forma de limitação exclusivamente do direito político passivo (de se apresentar como candidato ou ser votado), a perda e a suspensão dos direitos políticos restringem as duas faces do gozo dos direitos políticos (ativo e passivo).
A inabilitação é outra forma de restrição ao gozo dos direitos políticos, podendo ser tanto uma consequência de condenação criminal (art. 1º, §2º, do Decreto-Lei nº 201/1967) como decorrer igualmente de condenação política no processo de impeachment (art. 52, parágrafo único, da Constituição da República). Conceitualmente, a inabilitação é compreendida como uma sanção englobante, de modo a restringir, por determinado lapso temporal, o acesso ao exercício de cargo, emprego ou função pública e também de mandato eletivo. Daí que é forma de restrição dos direitos políticos mais ampla que