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Os Direitos Políticos e a Jurisdição Constitucional
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Os Direitos Políticos e a Jurisdição Constitucional
E-book223 páginas2 horas

Os Direitos Políticos e a Jurisdição Constitucional

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Sobre este e-book

O poder político suscita discussões e questionamentos, que passam pelo modo de investidura e chega aos limites de seu exercício, razão pela qual as teorias acerca da soberania se transformam ao longo do tempo. No Brasil, o desenvolvimento dos direitos políticos conta com avanços e retrocessos, que influenciou o sentimento coletivo sobre votar e ser votado. A Constituição Federal de 1988 instituiu o sufrágio universal e periódico e adotou formas de democracia semidireta como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, mas não foi capaz de resolver a crise de representatividade política existente no país. Agora, ultrapassados mais de trinta anos da promulgação da Constituição Federal brasileira, o sistema político sofre de legitimidade perante os cidadãos. Escândalos e campanhas eleitorais milionárias servem como lenha na fogueira do desgaste da política brasileira. Temas como fixação do número de parlamentares na Câmara dos Deputados, cassação automática de mandatos e financiamento de campanha eleitoral fazem parte dos assuntos de natureza política que são questionados na via judicial. Diante desse contexto, discute-se neste trabalho a necessidade de mudanças no processo eleitoral brasileiro, a tensão entre a Política e o Direito sob a ótica da jurisdição constitucional, os mecanismos de participação popular e a Separação de Poderes.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de mai. de 2022
ISBN9786525243115
Os Direitos Políticos e a Jurisdição Constitucional

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    Os Direitos Políticos e a Jurisdição Constitucional - Robson Tadeu de Castro Maciel Júnior

    CAPÍTULO 1. A COMPLEXIDADE DE SE COMPARTILHAR O PODER NO BRASIL

    A soberania popular prevista no artigo primeiro da Constituição Federal brasileira de 1988 estabelece expressamente que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. A outorga do poder ao povo denota o entendimento deste poder em duas acepções: a acepção juspolítica, onde o poder é entendido como uma fração institucionalizada da organização estatal, e a acepção sociológica, em que o poder surge difuso e inorganizado e, gradualmente, se organiza em forma de instituições³.

    O poder decorrente da soberania popular, visto sob a acepção sociológica, "apresenta múltiplas e efêmeras expressões no cadinho de relações e de valores das sociedades, para, aos poucos, ganhar sentido e coerência ao se institucionalizar⁴". Da regra constitucional que confere o poder ao povo, se extrai a previsão de instrumentos de democracia semidireta e democracia representativa na condução governamental do país, a depender da previsão da própria constituição⁵.

    Observa-se, nesse ambiente, uma energia contínua e complexa para se estabelecer uma organização capaz de conduzir as decisões públicas, destinadas a prover as necessidades coletivas. A complexidade existe em razão da necessidade de ampliar a participação das pessoas que serão submetidas a tal condução política. A continuidade existe em razão da permanente dificuldade de compartilhar o poder: a história está recheada de episódios que demonstram vicissitudes do sufrágio e da participação popular no exercício do poder político, por vezes atrelados à riqueza, a instrução, a classe social ou a raça.

    No Brasil vigora o sistema do sufrágio universal, além da Constituição Federal de 1988 conter instrumentos de democracia semidireta, como a iniciativa popular, o plebiscito e o referendo. Contudo, mesmo com a máxima potencialidade das previsões constitucionais acerca do exercício dos direitos políticos, o que se vê atualmente é uma grave crise de representatividade dos políticos eleitos e uma crescente ojeriza dos cidadãos quanto à participação política e o exercício do voto.

    Diante de um modelo desgastado e corriqueiramente associado à corrupção, além da inércia do Poder Legislativo acerca das reformas necessárias, o Poder Judiciário brasileiro passou a interferir, gradualmente, em temas até então submetidos apenas à arena política. Essa interferência se tornou possível em razão da jurisdição constitucional, surgida sobre os auspícios do estado de direito, que possibilitou fenômenos como a judicialização da política e o ativismo judicial, inaugurando, assim, uma nova dimensão da separação de poderes.

    1.1 SOBERANIA POPULAR

    A palavra soberania atrai controvérsias teóricas de grandes proporções, visto que, sob o ponto de vista internacional, o conceito de soberania foi relativizado consideravelmente⁶. Contudo, sob o ponto de vista interno, a soberania enfrenta menos controvérsia e é razoavelmente admitida como o poder do Estado de se sobrepor aos demais poderes sociais, predominando o ordenamento estatal em um determinado território e perante uma determinada população⁷. Desvinculando-se das importantes e infindáveis discussões teóricas que negam ou afirmam a soberania interna e internacional, podemos conceber que a soberania legitima o monopólio da violência pelo Estado⁸.

    Uma importante indagação acerca da soberania diz respeito ao seu sujeito, pois, nas suas origens históricas, nenhuma distinção se fazia entre a pessoa do Estado e a pessoa dos governantes. Nesse contexto, Paulo Bonavides fornece importante distinção no plano teórico acerca da soberania, a saber: a expressão soberania do Estado significa a superioridade deste sobre os demais grupos sociais internos, como família, igreja, escola e etc.; a expressão soberania no Estado significa a autoridade conferida ao sujeito ou titular do poder supremo⁹.

    Da expressão soberania no Estado surge a necessidade de justificar e legitimar o sujeito do direito de soberania, o qual se encontra investido de poder; além da necessidade de explicar a origem do poder soberano, razão pela qual se desenvolveram, ao longo do tempo, importantes doutrinas empenhadas nessa tarefa.

    Para as doutrinas teocráticas o poder possui base divina e os governantes, por consequência, possuem atributos de divindade. "A história anda repleta de exemplos de reis que fielmente professavam essa doutrina e se reputavam divindades, como os faraós do Egito, os imperadores romanos, os príncipes orientais e até mesmo o Imperador do Japão até o fim da Segunda Guerra Mundial¹⁰. Em saudação a Luís XIV, feita pelo Parlamento, Omer Talon disse o seguinte: O assento de Vossa Majestade nos figura o trono de Deus vivo... As ordens do reino vos tributam honra e respeito como a divindade visível¹¹, configurando a doutrina da natureza divina dos governantes, tida como a mais exagerada e rigorosa das doutrinas teocráticas. O artigo 99 da Constituição Imperial brasileira de 1824 dizia que a pessoa do Imperador era inviolável e sagrada", alinhando-se a ideia da natureza divina do detentor do poder soberano¹².

    A doutrina da investidura divina, diferentemente da doutrina da natureza divina dos governantes, não considera o rei fora da condição humana, como o faz a doutrina da natureza divina, mas o considera como delegado direto e imediato de Deus, "recebendo deste a investidura para o exercício de um poder que por sua natureza se concebe como divino¹³".

    Já a doutrina da investidura providencial, que também compõe as doutrinas teocráticas, admite a origem divina do poder, distinguindo o princípio do poder, de direito divino, do modo ao qual se adquire esse poder e ele é usado, os quais são de direito humano¹⁴. Essa doutrina torna a designação dos governantes como obra dos homens e não da divindade, possibilitando, portanto, a eventual participação dos governados na escolha dos governantes e quebrando, com isso, as implicações autocráticas decorrentes das teorias monárquicas do direito divino, tornando-se possível conciliar os princípios teológicos da soberania com os postulados democráticos pertinentes à sede e ao exercício do poder político¹⁵.

    As doutrinas democráticas foram germinadas na obra de teólogos católicos medievais, na teoria contratual de Hobbes e na doutrina dos protestantes do século XVII, seguida pelos juristas da Escola de Direito Natural e das Gentes e pelos Constituintes franceses da Revolução, de onde surgiram a doutrina da soberania popular e a doutrina da soberania nacional¹⁶.

    A doutrina da soberania nacional se desenvolve através da participação limitada da vontade popular. Tal doutrina se originou na primeira fase da Revolução Francesa¹⁷, tendo a nação como autoridade soberana, que a exerce por meio de seus representantes.

    A distinção entre a doutrina da soberania popular e a doutrina da soberania nacional repousa no grau de participação do eleitorado na escolha dos governantes, que na soberania popular é universal, e, na soberania nacional limitado àqueles que a nação permitir¹⁸.

    A doutrina da soberania popular significa, por sua vez, a soma das distintas frações de soberania que pertencem a cada indivíduo, detentor de parcela fragmentada do poder soberano e partícipe ativo da escolha dos governantes¹⁹. A doutrina da soberania popular atribui igualdade aos cidadãos na escolha dos governantes e, nesse aspecto, a forma de exercício dessa igualdade se torna mecanismo fundamental para a materialização dessa soberania, razão pela qual o sufrágio é a espinha dorsal deste sistema.

    1.2 O DESENVOLVIMENTO DO SUFRÁGIO NO BRASIL

    O desenvolvimento da cidadania no Brasil conta com aspectos bem diferentes do que ocorrera na Inglaterra e na França. Durante o período colonial até a independência, Portugal construiu

    um enorme país dotado de unidade territorial, linguística, cultural e religiosa. Mas tinha também deixado uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista. A época da independência não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira²⁰".

    A ideia de cidadania está associada à combinação de direitos civis, direitos políticos e direitos sociais, sendo considerado cidadão o indivíduo que titularizar essas três esferas de direitos²¹.

    A escravidão negra no Brasil é considerada o fator mais negativo para o pouco desenvolvimento da cidadania, mas não o único, pois o domínio exacerbado do poder privado como alternativa portuguesa para exploração econômica do Brasil Colônia ensejou imensa desigualdade social, marcada pela concentração de riqueza e, consequentemente, pobreza e miserabilidade²².

    Associado a particulares, o governo colonial estimulou o desenvolvimento econômico brasileiro atribuindo-lhes poder, causando grande confusão entre público e privado no Brasil²³. A falta de sensação de cidadania é percebida nas descrições históricas que retratam os senhores, que eram livres, votavam e eram votados, mas não se submetiam à lei, pois absorviam as funções de Estado em uma verdadeira confusão entre público e privado, sobretudo as funções judiciárias²⁴.

    A falta de educação no Brasil colônia pode ser considerado outro importante aspecto negativo para o desenvolvimento da organização política do povo brasileiro. José Murilo de Carvalho descreve com precisão a postura do governo português a respeito da educação no Brasil na era colonial:

    Outro aspecto da administração colonial portuguesa que dificultava o desenvolvimento de uma consciência de direitos era o descaso pela educação primária. De início, ela estava nas mãos dos jesuítas. Após a expulsão desses religiosos em 1759, o governo dela se encarregou, mas de maneira completamente inadequada. Não há dados sobre alfabetização ao final do período colonial. Mas se verificarmos que em 1872, meio século após a independência, apenas 16% da população era alfabetizada, poderemos ter uma idéia da situação àquela época. É claro que não se poderia esperar dos senhores qualquer iniciativa a favor da educação de seus escravos ou de seus dependentes. Não era do interesse da administração colonial, ou dos senhores de escravos, difundir essa arma cívica. Não havia também motivação religiosa para se educar. A Igreja Católica não incentivava a leitura da Bíblia. Na Colônia, só se via mulher aprendendo a ler nas imagens de Sant’ Ana Mestra ensinando Nossa Senhora.

    A situação não era muito melhor na educação superior. Em contraste com a Espanha, Portugal nunca permitiu a criação de universidades em sua colônia. Ao final do período colonial, havia pelo menos 23 universidades na parte espanhola da América, três delas no México. Umas 150 mil pessoas tinham sido formadas nessas universidades. Só a Universidade do México formou 39.367 estudantes. Na parte portuguesa, escolas superiores só foram admitidas após a chegada da corte, em 1808. Os brasileiros que quisessem, e pudessem, seguir curso superior tinham que viajar a Portugal, sobretudo a Coimbra. Entre 1772 e 1872, passaram pela Universidade de Coimbra 1.242 estudantes brasileiros. Comparado com os 150 mil da colônia espanhola, o número é ridículo.

    Parafraseando Frei Vicente, José Murilo de Carvalho afirma que:

    Não havia república no Brasil, isto é, não havia sociedade política; não havia ‘repúblicos’, isto é, não havia cidadãos. Os direitos civis beneficiavam a poucos, os direitos políticos a pouquíssimos, dos direitos sociais ainda não se falava, pois a assistência social estava a cargo da Igreja e de particulares²⁵.

    Como consequência do pouco desenvolvimento da cidadania no Brasil, baixa eram as reivindicações, sendo certo que a revolta mais politizada do século XVII foi a Inconfidência Mineira, inspirada nas ideias iluministas da Revolução Francesa e na independência das colônias da América do Norte²⁶. A mais popular das reivindicações foi a Revolta dos Alfaiates de 1798 na Bahia, que agregou militares de baixa patente, artesãos e escravos que reclamavam contra a escravidão e o domínio dos brancos²⁷. Em Pernambuco foi proclamada uma República independente no ano de 1817, que incluía a Paraíba e o Rio Grande do Norte, mas durou apenas dois meses²⁸.

    Com a independência do Brasil, optou-se por uma monarquia ao invés de república, pois a elite brasileira acreditou que somente "a figura de um rei seria capaz de manter a ordem social e as províncias que formavam a antiga colônia²⁹. A elite brasileira tinha medo de que ocorresse uma fragmentação do território brasileiro e receavam algo parecido com o que sucedera no Haiti, onde os escravos tinham se rebelado, proclamado a independência e expulsado a população branca³⁰".

    A experiência constitucional brasileira se inicia à luz do constitucionalismo clássico, inspirado no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, se opondo ideologicamente ao absolutismo e, com isso, instituindo a separação de poderes e a garantia de direitos individuais, alinhando-se, assim, ao regime liberal que embasava o constitucionalismo daquela época³¹. Nesse ambiente, a Constituição do Império do Brasil de 1824 estabeleceu um governo monárquico, constitucional e representativo, além de prever medidas temporalmente adequadas para a configuração político-administrativa do Império do Brasil -, sob aquela Constituição, é que surgimos, como nacionalidade (...)³².

    Raimundo Faoro destaca que "A história política se resumiria, a partir de 1836, na luta dos dois grandes partidos, o liberal e o conservador, separados e identificáveis por um ideário próprio³³. O partido liberal, segundo o autor, era comprometido com a ideia de soberania popular, enquanto o partido conservador defendia o corcundismo – a obediência ao trono por mero respeito à tradição –, para encaminharem a organização da monarquia brasileira, sob a fórmula de que o rei reina, governa e administra, dentro de uma estrutura burocrático-política, assentada na vitaliciedade do Senado e do Conselho de Estado³⁴".

    Sob a égide da Constituição Imperial de 1824 foi criado um regime político que "confirmou a nossa independência política (embora não econômica), consolidou a unidade nacional e, apesar dos seus graves vícios de fraude eleitoral e fraqueza dos partidos, tornou possível, durante a maior parte do século XIX, um ambiente de ordem e liberdade no Brasil, contrastante com a anarquia dominante no resto da América Latina³⁵". Quanto ao exercício e funcionamento do poder político, foi à criação de um Poder Moderador a grande anomalia à clássica separação de poderes arquitetada por Montesquieu, pois outorgava ao Imperador a prerrogativa de interferir nos demais poderes para manter a independência, equilíbrio e harmonia dos poderes políticos³⁶.

    A Constituição de 1824 regulou os direitos políticos determinando que os homens com mais de 25 anos, que tivessem renda mínima de cem mil reis, eram obrigados a votar, o que era considerado bastante liberal para a época³⁷. Mulheres e escravos não eram considerados cidadãos e, consequentemente, não votavam, mas os libertos eram liberados para votar nas eleições primárias. O limite de idade era reduzido para vinte e um anos para aqueles

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