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Caapi, Peabiru E Outros Caminhos
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E-book169 páginas2 horas

Caapi, Peabiru E Outros Caminhos

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IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de out. de 2022
Caapi, Peabiru E Outros Caminhos

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    Caapi, Peabiru E Outros Caminhos - Nilo Bairros De Brum

    PREFÁCIO

    Uma obra essencial para se entender o Brasil

    O leitor tem em mãos, neste momento, uma obra que, tendo por escopo estudar a formação – em si mesmo bastante complexa – da sociedade sul-rio-grandense e de seus agentes constitutivos, reúne, também, as características de um roteiro, até agora inexistente, para a compreensão do Brasil contemporâneo e dos obstáculos que o vem impedindo de ser, para todos os filhos deste solo, a prometida mãe gentil.

    Em razão de determinantes geológicas, grande parte do nosso território foi devassado a pata de boi e, até tempos insuspeitadamente recentes, dependemos dos muares, organizados ou não em tropas cargueiras, para movimentar pessoas, mercadorias e informações entre os povoados dispersos pela sua imensidade.

    A natureza nos deu extensíssima faixa litorânea, dotada de poucos ancoradouros naturais e separada do interior por encostas quase impossível de serem cortadas por estradas. Estas, uma vez rasgadas e consolidadas a partir das trilhas previamente abertas pelos habitantes originais, mostravam-se impraticáveis na estação chuvosa. Vencida a muralha natural, encontrava-se rica rede hidrográfica que corre, predominantemente, em direção à bacia do Prata, adjudicada à Espanha pelo tratado de Tordesilhas, fato que obrigou o português que para cá se transportou da metrópole e os mamelucos que aqui gerou, a valer-se, quase sempre, do transporte de superfície.

    Quando, em abril de 1500, na qualidade de comandante da maior expedição portuguesa lançada ao mar no ciclo das grandes navegações, Pedro Álvares Cabral fundeou as naus que a compunham em águas da Bahia e desceu à terra, para dela tomar posse em nome do rei Dom Manuel, a porção adjudicada ao monarca luso, pelo tratado de Tordesilhas, assinado há seis anos para concilia, supostamente em definitivo, os interesses antagônicos das duas coroas ibéricas sobre as terras, encontradas ou por encontrar, além do oceano, era muito menor que o atual território brasílico.

    O meridiano definido no acordo diplomático – 370 léguas a oeste de Cabo Verde – dera ao governo de Lisboa modesta fatia da Américo do Sul. Cortava o que é hoje o território de São Paulo pouco adiante de Porto Feliz, e deixavam sob domínio dos reis católicos, toda a nossa atual Região Sul – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, inclusive as bacias dos rios Paraná e Uruguai, formadoras do Prata, excetuada apenas estreita faixa do chão catarineta.

    Trezentos anos mais tarde, quando da proclamação da Independência, as fronteiras do país estavam muito próximas de seus contornos atuais, por conta daquilo que Taunay nomeou como a devassa da terra e Alfredo Ellis Júnior celebrou em Os bandeirantes e o recuo do meridiano. Portentoso, sob a perspectiva geográfica, histórica e geopolítica, os feitos geradores desse resultado vêm, como regra, sendo celebrados na historiografia tradicional que os creditam a um reduzido elenco de figuras heroicas.

    Considere-se, a esta altura, que o elemento determinante da invasão do continente pelos povos ibéricos complicou muito sua efetivação. Iniciado pela extração predatória do pau brasil – que terminou por dar nome ao país – o avanço português rumo às Gerais, aos sertões do extremo oeste e, máxime, às terras meridionais, não foi impulsionado pelo potencial produtivo da terra e sim pelas miragens que avassalavam a fantasia dos europeus: encontrar as minas de prata de Sabarabuçu, a serra das esmeraldas e o eldorado.

    Se tais objetivos míticos eram comuns a espanhóis e portugueses, a conquista deles os opunha ferozmente. Em consequência, no território rio-grandense, a colonização foi pontilhada por intermináveis disputas entre os dois grupos, que se somaram aos embates já existentes entre as diferentes etnias de povoadores originários, passando pela sangrenta destruição da empreitada dos jesuítas espanhóis de agrupar aquelas gentes nas reduções missioneiras.

    Essa interminável refrega gerou um número de fragmentos, difícil de ser sequer apreendido pela visão do apreciador iniciante. Reuni-los, de forma adequada, colocando cada peça em seu lugar, para, enfim, entender e apreciar o mosaico civilizacional, exige aprofundado exame de informações históricas, geográficas, cartográficas, etnográficas e políticas imbricadas entre si – o que reclama daquele que a tal tarefa se lança além de sapiência, muita energia e determinação, como as detidas pelo autor das páginas que se seguem.

    Em Caapi, Peabiru e outros caminhos, Nilo Bairros de Brum revisa e contesta, de forma serena mas implacável, o enfoque laudatório de tal produção historiográfica, expondo o sofrimento plurissecular dos perdedores do nosso processo civilizatório, com destaque para os povoadores originários, indígenas de variadas etnias, massacrados e preados por personagens habitualmente exaltados – bandeirantes, gaudérios – que os despojaram de todos os traços essenciais de sua cultura, da terra aos modos de vida.

    Contraponteando a louvação insensível, em que a violência da preia é mostrada como simples dano colateral, demonstra, com apoio em preciosas e precisas interpretações e indicações bibliocartográficas, a profundidade da relação dos indígenas com a terra.

    Em paralelo, documenta o papel do negro escravizado que, nas estâncias e charqueadas, processava o alimento indispensável a perpetuar a servidão africana em todos os quadrantes do país,

    Neste momento em que celebramos os duzentos anos da emancipação política brasileira, o autor lanceta e drena a purulenta chaga da exclusão social que nos apequena aos olhos do mundo e alertando para a urgência de encararmos e superarmos os muitos obstáculos à construção da Pátria com que sonhamos, corrigindo, com firmeza e coragem, a persistente e multifacetada desigualdade, impeditiva da ascensão e, pior, da própria sobrevivência dos povos originários cuja chacina, em pleno andamento, se associa à destruição de nossos principais biomas, e a dos jovens afrodescendentes, principais vítimas das ações genocidas em nossos conglomerados urbanos.

    Geraldo Bonadio

    Presidente da Academia Sorocabana de Letras

    Sumário

    PREFÁCIO

    INTRODUÇÃO

    CAAPI

    REDUÇÕES DA PRIMEIRA FASE

    PEABIRU OU PEABIRUS?

    A HISTORICIDADE DOS CAMINHOS E A VULNERABILIDADE DE SUA MEMÓRIA

    ADIANTE OS GRANDES ERVAIS NATIVOS

    A INTRODUÇÃO DO GADO

    MBORORÉ

    DA TERRA DE NINGUÉM À II FASE DAS REDUÇÕES

    LAGUNA E O CAMINHO DA PRAIA

    A OCUPAÇÃO DOS CAMPOS DE VIAMÃO.

    A FUNDAÇÃO DE RIO GRANDE

    O AUGE DOS SETE POVOS

    A GUERRA GUARANÍTICA – I FASE.

    A CHEGADA DOS CASAIS AÇORIANOS

    A GUERRA GUARANÍTICA II FASE

    O RETORNO DE DON PEDRO DE CEVALLOS.

    JOSÉ MARCELINO CONTRA RAFAEL PINTO BANDEIRA

    O TRATADO DE SANTO ILDEFONSO

    DEMARCAÇÕES DE LIMITES E TEMPOS DE PAZ

    AS CHARQUEADAS

    A CONQUISTA DAS MISSÕES.

    OS CAMINHOS DA INVASÃO PAULISTA.

    ALGUNS NÚMEROS PARA PENSAR

    E O GAUDÉRIO, PARA ONDE FOI?

    A CRIAÇÃO DA MARCA GAÚCHO.

    O TOTEM E O TABU

    AS CONTAS ESTÃO CHEGANDO

    SOB O CAMINHO DA ANTA BUSCAREMOS A TERRA SEM MAL

    BIBLIOGRAFIA

    Notas

    INTRODUÇÃO

    Quando me propus escrever sobre este tema, tinha em mente apenas a ideia de resgatar o velho caminho missioneiro conhecido por Caapi, já que os escritos acerca do tropeirismo pouco falam dele ou até mesmo o ignoram. Sou obrigado a confessar, no entanto, que fui engolfado por um tema maior que acabou me conduzindo por caminhos que não pretendia pisar. Posso dizer que o tema me escreveu e não o contrário. E o que era para ser um artigo conciso, virou um texto multifacetado. Primeiro esbarrei no problema semântico da ambiguidade de certos termos e tive de aventurar-me em um terreno que mal conheço, propondo uma nova leitura dos termos caapi e peabiru. Depois, o tema obrigou-me a dirigir um olhar mais profundo para a história das Missões, principalmente da primeira fase quando se abriram os primeiros caminhos missioneiros.

    Como uma coisa puxa a outra, tive que falar sobre as invasões dos bandeirantes e suas consequências. Em seguimento, vieram as histórias da origem do gaúcho, da povoação do Rio Grande do Sul, da segunda fase das Missões, da Guerra Guaranítica, das guerras de fronteira com os castelhanos, da conquista das Missões para os portugueses, do tropeirismo e seus caminhos, das criações dos mitos gaúcho e bandeirante e por fim, influenciado por leituras mais recentes que incluem o resgate da mal contada história da escravidão do negro no Sul e da sonegada herança da cultura guarani, deixei o pensamento correr solto sobre acontecimentos atuais e sobre nossa imensa dívida social, como beneficiários das barbaridades cometidas por nossos ancestrais de sangue europeu, os quais só conquistaram o interior do continente graças à colaboração forçada do índio, com quem reaprenderam a comer e a orientar-se dentro de sertões que desconheciam. Penso que a leitura atenta do texto nos ajudará a descobrir quem somos, de onde viemos e porque somos socialmente tão diferentes.

    CAAPI

    Foi em 1985, pela boca do saudoso Edson Otto, folclorista e cantor carazinhense, que ouvi pela primeira vez essa palavra guarani. Desde então ela me tem intrigado, não só pela extensão de seu significado, mas até mesmo pela grafia, como adiante tentarei esclarecer. Na época, Edson me convidava para participar da 5ª Seara da Canção Gaúcha que se realizaria em sua cidade natal. Além do convite, sugeriu-me o tema. Como havia um prêmio especial para o tema do tropeirismo, falou-me que Carazinho fora fundada na beira de um velho caminho índio por onde eram conduzidas as tropas. A cidade crescera e a antiga Rua das Tropas mudara o nome para Avenida Pátria que atravessa o centro da bela cidade, cujos habitantes, segundo ele, haviam perdido a referência de sua identidade tropeira. Pesquisando sobre o tema, além de descobrir que o caminho era muito extenso, aprendi que ele fora utilizado não só pelos índios missioneiros, mas também por tropeiros castelhanos e paulistas. Nascido e criado no Rio Grande do Sul, porém em ambiente urbano, era eu completamente ignorante sobre a importância do ciclo do muar. Para mim, o tropeiro era então aquele campeiro que conduzia tropas de gado vacum de uma estância para outra ou destas para os frigoríficos. E foi assim que começou meu interesse na pesquisa da saga dos tropeiros de mula e da história da ocupação do território do sul do Brasil.

    A música cuja letra se encontra adiante foi apresentada por Miguel Marques e Fátima Gimenez, acompanhados pelo grupo Tempero, levantando duas premiações: primeiro lugar na Linha Tropeirismo e Melhor Poesia:

    CAMINHO DO CAAPI

    Caminito missioneiro/ do vaqueano guarani/

    Caminho que foi das tropas/caminho do caapi/

    No ventre do Mato Grande/ aberto a fio de machado/Foi rastro da Estrela-guia/

    por onde passava o gado/

    Caapi por ti/tanto guarani

    Repontando boi/ passou por aqui/

    Caapi que viu/ o biriva vir/

    Prá plantar aqui/ o Carámirim/

    Caminho que viu o índio/ sumir na poeira da História

    Seu grito xucro de aboio/ inda guardas na memória/

    Na trilha das vacarias/ outro rastro se propaga/

    Agora tropas de mula/ no rumo de Sorocaba

    E o biriva se plantou/ bem na beira

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