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A Loba Tatuada
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E-book175 páginas2 horas

A Loba Tatuada

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Sobre este e-book

Muito se espera deste A loba tatuada – primeiro romance de Luiz Ziegelmann –, porque muito o autor tem a oferecer. Já nos entregara riquezas em seu livro anterior, um estudo na área da saúde mental, com o livro A clínica (im)possível. Motivos fortes nos trazem a segurança de que temos em mãos um romance singular, inovador e provocador, em que o leitor precisa realizar seu passeio pelo texto preparado para as surpresas que acontecerão no desenvolvimento da trama, que mistura realidade e ficção, através de uma narrativa com momentos de intensidade poética, de contos, poemas e fragmentos de histórias de vida. A loba tatuada nos ensina a entendermos estes ásperos tempos de crescente desigualdade econômica e de violência social associada à produção de afetos negativos pela exclusão do pensamento da diferença. E, apesar dos fatos devastadores, Luiz Ziegelmann nos estende um tapete vermelho que convida a uma travessia afetuosa e instigante pelas páginas deste livro. Em si, o escritor e médico psiquiatra, soma palavras que vêm nos medicar a alma – semeando alentos, quando a todos a realidade desalenta. Melhor que nos falem os personagens envolvidos na loba tatuada. Rossyr Berny - Editor e escritor Da Academia Rio-Grandense de Letras
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de out. de 2022
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    A Loba Tatuada - Luiz Ziegelmann

    EPUB_CAPA-LOBA_Luiz-Ziegelmann.jpg

    A Loba Tatuada

    Luiz Ziegelmann

    © by Luiz Ziegelmann

    Direitos autorais reservados

    Editoração eletrônica: Willian Castro

    Formatação: Vitor Merreles Carvalho

    Arte da capa: Bruno de Amorim

    Foto: Cris Marques

    Revisão: Clarice Campani, João Vitor Berg

    Arquivo digitado e corrigido pelo autor, com revisão final do mesmo,

    autorizando a impressão da obra.

    Editor: Rossyr Berny

    Contato com o autor: zluiz1848@gmail.com

    Para conhecer mais autores da Alcance acesse:

    www.editoraalcance.com.br

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Z66l Ziegelmann, Luiz.

    A loba tatuada / Luiz Ziegelmann. – Porto Alegre: Alcance, 2022.

    il.

    1. Literatura Rio-Grandense. 2. Romances Rio-Grandenses.

    I.Título.

    CDD 869.9937

    Bibliotecária responsável: Daniela S. Christ CRB 10/2362

    Dedico este livro àqueles que querem a poesia e não a guerra.

    Denis

    Ao retomar a consciência, após semanas em coma, Denis tem uma vaga lembrança de ter chegado ao hospital com muita falta de ar e ter sido colocado numa maca. Era uma das muitas vítimas da covid; antes, da falta de vacinas. Na UTI, ele escuta os suspiros e gemidos, que vêm de todos os lados, e enxerga, pelas frestas da cortina, aquele cenário em que profissionais de saúde se deslocam de um lado para outro, com planilhas ou celulares na mão, macas entrando e saindo, catéteres, soros, sondas, aparelhos de pressão e lâmpadas brancas embutidas no teto, tão fortes que o efeito da luz parece o brilho do sol de verão do meio-dia. Com este clarão noturno, as noites se tornavam ainda mais longas. Conseguir relaxar e dormir era uma pretensão naquele ambiente agitado e tenso. Os profissionais se dirigiam aos pacientes para medir os sinais vitais, dar a medicação ou encaminhá-los para exames. Denis, em seu silêncio, observava tudo. Sabia que ali eram situações limites, fronteiras tênues entre a vida e a morte, mas reafirmava para si a sua impressão antiga do cuidado, desde uma internação breve no passado.

    Após dois meses, teve alta da UTI e foi para o quarto. Carregava, além da fraqueza do corpo, pesando vinte quilos a menos, a tristeza da alma. Ficou mais trinta dias internado, recuperando-se das escaras, que pareciam crateras vivas nas nádegas, lugar perfeito para bactérias oportunistas e infecções. Por sorte, não aconteceu.

    Denis é professor de filosofia, 54 anos, divorciado, pai de duas filhas de 24 e 26 anos, tem duas irmãs de 47 e 58 anos. Teve um relacionamento que durou três anos, antes da pandemia.

    Denis é um homem culto, sensível, observador crítico da realidade cultural, política, social e com uma cabeça inquieta por dar-se conta da essência inflexível do ser humano por um excesso de consciência em detrimento da sua natureza instintiva. Tinha sede de aprender e entender as coisas, por mais comuns que fossem. Era assim desde criança. Talvez a perda precoce do pai, quando tinha 16 anos, tenha despertado a sua busca persistente de algo pela lacuna que ficara. Sua mãe falecera há cerca de seis anos, com 67 anos, ainda jovem nos tempos atuais.

    Até a internação, tivera uma vida em que procurava ir além daqueles lugares e pensamentos sem luz, sem autonomia e sem profundidade. Não se envolvia em polêmicas ou papos que não levavam a aprendizado algum, considerava perda de energia e tempo. Buscava sempre o pensamento crítico dos alunos e de todos aqueles amigos que puxava para uma conversa, a fim de instigá-los a uma compreensão profunda da realidade. Era um desafio diário manter-se lúcido diante da falta de sensibilidade social dos donos do poder e daqueles que têm na violência a sua forma de comunicar-se com o mundo.

    Há cerca de vinte dias, pela primeira vez, aconteceu um desencontro consigo e com sua história de vida. Algum sentido ou ilusão se perdera. Aquele homem de ação, que desafiava o senso comum, começava a ruir. Uma dobra acontecera no corpo. Ter sobrevivido tornou-se condição contrária à de tentar ser feliz novamente. Eram eventos traumáticos estruturados de modo tão negativo em seu ser. Denis colocara-se como passageiro para a morte, e um estrangeiro da vida refugiado em seu silêncio. Entrara numa condição de desespero humano, termo que usava em suas aulas para falar da existência humana, conceito que aprendeu de um de seus filósofos favoritos, Kierkegaard. Agora, experimentava em si essa condição. Era um momento de desistência dos sonhos, das utopias e dos devires.

    Três semanas depois de ter tido alta do hospital e retornado para casa, sua irmã mais velha, Isadora, a quem chamava carinhosamente de Isa, fora chamada às pressas. Encontrou Denis desacordado e ao lado de uma caixa de tranquilizantes vazia. Após dois dias na emergência, recuperou-se com as lavagens gástricas. Foi um aviso. O alerta vermelho estava ligado. Mesmo tendo sobrevivido à covid-19, passado o período físico de sofrimento maior, Denis havia desistido de viver.

    Preocupada e surpresa com a tentativa do irmão de pôr fim à sua vida, Isa pediu ajuda de Paula, uma amiga. Não era diplomada como profissional da saúde, portanto não era afeita a sintomas, diagnósticos e remédios. Tinha na literatura sua ferramenta de trabalho, principalmente os contos e pequenas histórias de vida que escrevia a partir de encontros reais ou imaginários. A partir de alguns fragmentos, criava sua prosa poética. Além de instrumento laboral, sua distração e fonte de inspiração. Organizava um livro em que pretendia publicar contos e histórias de vida.

    O quarto

    As paredes brancas mereciam uma pintura nova, mas esta foi adiada por outras prioridades de Denis. A faculdade tomava muito tempo. No chão do quarto, tinham livros espalhados por todos os cantos possíveis, dentre os quais os do filósofo Nietzsche não passavam despercebidos. Os livros sinalizavam uma existência intensa e solitária diante do mundo, que pouco lê e pensa. Um mundo silencioso perante aqueles que teimam em ter voz e oferecer luz diante da sua escuridão. Os livros, agora, pareciam contrastar com aquele homem antes determinado e acostumado às adversidades da vida. Sobrava um corpo fragilizado por tudo que se submetera ao longo de três meses no hospital, afora a fisioterapia intensiva que não fora suficiente para colocá-lo sentado ou de pé.

    O cotidiano de Denis resumia-se às visitas de Paula e outras visitas menores, típicas de tempos de pandemia. Não tinha força nos braços para segurar um livro ou usar o notebook. Encontrava algum sentido àquela existência turva na companhia de Lin e na vista que tinha da janela do seu quarto. Ficava por horas olhando uma árvore cujos galhos e folhas verde-musgo, ao vento, batiam suavemente no vidro. Escutá-las era a certeza de que estava vivo. Batiam e afastavam-se docemente, como a natureza pedia. O encontro entre os galhos, ou braços da natureza, e suas folhas com o vidro comunicava algo, dava sentido um ao outro. Quando não ventava, deviam ficar tristes pela distância que impedia o namoro. Esse ir e vir da natureza trazia à sua lembrança encontros amorosos ao longo da vida, assim distraía-se daquela amargura de ser prisioneiro do próprio corpo. Quando chovia e o vento era forte, os galhos eram empurrados com força contra o vidro, fazendo com que as folhas se soltassem e rodopiassem ao vento, suavemente, em um vai e vem dançante, como se fossem pêndulos dançarinos. Era uma cena poética e uma faísca de liberdade.

    A cada toque no vidro, Denis tinha a sensação de ter também seu corpo tocado, seu coração acelerava, como prova desse equilíbrio entre o homem e a natureza. Ao escurecer, a tristeza aumentava pela falta daquele cenário bucólico das folhas cortejando a janela. Perdia-se a doçura de cada roçar dos galhos e das folhas no vidro. Denis ainda escutava atentamente o som produzido deste encontro e tentava encaixá-lo em alguma melodia conhecida para deixar o tempo passar e desviar da angústia.

    A janela se tornara uma abertura para a vida e uma forma de se comunicar com o mundo, trazendo luz à sua alma triste. Algum movimento de vida acontecia através dos galhos, das folhas e de Lin. Uma espécie de encontro transdisciplinar da natureza, como uma banda de jazz, onde cada músico tem sua autonomia musical até o momento em que a composição demanda a retomada da harmonia e todos tocam no mesmo ritmo.

    Lin era sua parceira inseparável no quarto. Uma gata de três anos, que poderia muito bem ser uma pequena tigresa, pela cor branca no abdômen, com pequenos tons de amarelo claro, mas, principalmente, pelas manchas de cor marrom no dorso, patas e rosto. O silêncio do quarto era rompido quando Lin pulava até sua cama, onde ficava por horas. Ela costumava passar a noite entre as suas pernas ou deitada sobre elas. Era um aconchego para ambos. Denis curtia os saltos sempre certeiros de Lin, independentemente do local e da altura. Uma vez decidida a explorar o lugar, ela não errava, como se naquele pequeno corpo instintivo tivesse um arquiteta ou engenheira da natureza. Lin quebrava aquele ambiente de monotonia do quarto e trazia poesia e alegria, com movimentos cheios de delicadeza, ou correndo e pulando, sempre desviando das torres de livros espalhados no chão, algo que pareceria impossível se não fosse um pequeno felino com grande habilidade instintiva. Não precisava de régua ou fita métrica, apenas a medição pelo olhar e a observação fina do lugar escolhido. Tinha uma inteligência inata da natureza de gato. Ela sempre o instigava, pois o comportamento dos felinos sugere alguma coisa misteriosa e mística. Eles têm uma sabedoria que surpreende. E Lin parecia guardar consigo um segredo, como se soubesse tudo o que Denis sentia. Quando ele estava triste, Lin parecia intuir algo, como se enxergasse alguma verdade escondida, e aproximava-se, lentamente, até encostar sua cabecinha no rosto de Denis ou passar suavemente sua patinha no seu corpo, sua forma de demonstrar carinho e cuidado. Quando queria uma carícia, ela dava sinais, deitando e virando seu pescocinho para o lado, até Denis acariciá-la.

    O afeto de Lin era outra válvula de escape para a amargura que sentia. Ao contemplar sua autonomia e seu desapego por aquilo que não lhe interessava, Denis animava-se para voltar o quanto antes à vida ativa.

    Visitas

    No terceiro dia, um sábado, após a tentativa de suicídio, Isadora vai visitá-lo com o desejo de uma conversa mais íntima. Denis ainda não conseguia desenvolver um fluxo contínuo com as palavras, pelo estado de debilidade física, mas não perdera a lucidez.

    – Oi, mano, como estás?

    – Estou melhor. A memória... ainda fraca, mas aos poucos... vou recuperando, pelo que o médico falou.

    – Trouxe uma pizza grande de quatro queijos com champignon e outra de cebola caramelada. As nossas preferidas, lembra? E dois vinhos.

    – Sim, lembro, elas... são maravilhosas. Mas exageraste nas pizzas e... nos vinhos. A noite... será longa?

    – Logo chegarão a Júlia e a Vânia. Elas, e a Tereza, jantam com a gente. Mas, antes, vamos conversar um pouco. Não estou bem, preciso desabafar. Mas, primeiro, atende à chamada das tuas filhas para falarem vocês três. Diz que mandei um beijo pra elas. Vou arrumando as coisas na cozinha e a Tereza me ajuda.

    Falaste com as gurias?

    – Sim, elas estão... bem. Tu pareces tensa... o que houve, Isa?

    – Sabes o que houve! Não desconfias do que seja?

    – Sei... queres saber por... que tentei me matar?

    – Sim, e não quero viver com medo que isso possa se repetir. Não quero te perder. Por que tentaste tirar a tua vida, por quê?

    – Imagino teu sofrimento... mas me perdoa, não queria...

    te ver aflita.

    – Denis, não desconsidero tudo que passaste de ruim nestes longos meses no hospital. Embora sigas com a fisioterapia, ainda não tens força para sentar sozinho, recuperar a

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