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Trajetórias do Andar a Pé: Um breve panorama histórico e cultural dos usos da caminhada no Brasil
Trajetórias do Andar a Pé: Um breve panorama histórico e cultural dos usos da caminhada no Brasil
Trajetórias do Andar a Pé: Um breve panorama histórico e cultural dos usos da caminhada no Brasil
E-book197 páginas2 horas

Trajetórias do Andar a Pé: Um breve panorama histórico e cultural dos usos da caminhada no Brasil

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Sobre este e-book

O livro busca, com sua proposta, ampliar o debate acerca das inúmeras possibilidades de investigação da corporeidade e das práticas corporais nas Ciências da Motricidade, a partir de outros olhares, cada vez mais abrangentes e não excludentes.
Neste contexto investigativo, o objeto de estudo é o andar a pé, que, numa perspectiva histórica, busca desvendar os aspectos relacionadas à prática da caminhada em seus mais variados usos culturais e sociais ao longo da história do Brasil.
O objetivo é propiciar uma reflexão sobre a manifestação dos fenômenos socioculturais que se expressam a partir do corpo humano — de seus atos, de seus gestos, de sua incidência sobre o mundo vivido — e que são expressões da corporeidade, tanto culturalmente adquiridas, quanto socialmente impostas e que estiveram presentes nos modos e estilos de vida ao longo dos séculos.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento3 de abr. de 2023
ISBN9786525445557
Trajetórias do Andar a Pé: Um breve panorama histórico e cultural dos usos da caminhada no Brasil

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    Pré-visualização do livro

    Trajetórias do Andar a Pé - Marcelo Roberto Andrade Augusti

    Prefácio

    Vanice Jeronymo1

    Entre as razões que fazem deste livro uma genial contribuição aos significados que a caminhada assumiu no cenário histórico e cultural brasileiro, destaco três que considero fundamentais para que se tenha atingido tal resultado, situado entre a profundidade do estudo, a leveza da escrita e a sensibilidade do autor.

    A primeira é a habilidade do próprio autor para caminhar entre os diferentes contextos brasileiros e nos tornar acompanhantes nesse percurso tão rico e fascinante. O modo como ele resgata as trajetórias do andar a pé, a partir dos usos, costumes e tradições da caminhada no Brasil, convida-nos a investigar, com ele, o processo histórico-cultural brasileiro, no qual a caminhada emerge soberana.

    Ao estudar o hábito do andar a pé e relacioná-lo com os diferentes contextos históricos, modos e estilos de vida que se deram ao longo dos séculos, o autor trabalha com aspectos abrangentes e nos provoca a refletir sobre o que somos enquanto sociedade e as alterações profundas que se deram sobre os viveres, os seres humanos e as questões que limitam os sentidos de suas jornadas terrenas.

    A segunda razão que aponto como fundamental à qualidade da obra é o amplo referencial teórico utilizado pelo autor para construir sua narrativa, apoiando-se na literatura que versa sobre a História Cultural e nos autores que se debruçaram nos estudos sobre as transformações morfológicas das cidades brasileiras. Apoiado na história do desenvolvimento da urbanização brasileira, que já prevê a relação entre espaço e pessoas, o autor enfoca as relações que se deram também com o movimento e o corpo.

    Ao revisitar as cidades e os contextos históricos pelo viés da caminhada e na perspectiva do caminhante, o autor resgata os vários sentidos assumidos pela prática ao longo dos séculos — investigada enquanto fenômeno sociocultural — interpreta-a e a compreende por uma ótica amplificada, ainda que sempre vinculada à sobrevivência do indivíduo ou do grupo ao qual ele pertence. Os desbravamentos e as transformações urbanas que se deram nos diferentes contextos econômicos e sociais são analisadas aqui, a partir de suas relações com o corpo humano.

    A paixão do autor pelo tema aliada à habilidade que o faz transitar entre a ciência — como pesquisador acadêmico — e a experiência — enquanto caminhante e desbravador — configuram o terceiro segredo para o sucesso da obra e a coloca no patamar daquelas que apresentam o resultado baseado no genuíno conhecimento sobre o objeto estudado.

    Seu conhecimento empírico aguça suas percepções e estas, somadas ainda à sensibilidade que lhe é inata, produziram este agradável resultado, que envolve aspectos múltiplos do caminhar. A associação entre o conhecimento teórico e o prático dá à obra o tom exato para torná-la ainda mais cativante.

    O modo hábil elaborado pelo autor — enquanto pesquisador e caminhante — para trabalhar com a sinuosidade, que é peculiar ao tema proposto, sugere e instiga à reflexão contínua a cada página virada. Nosso pensamento é suavemente conduzido por veredas, que levam aos modos de vida, às influências, às transformações da sociedade brasileira e do próprio ser humano nos diferentes contextos que tiveram em comum o sujeito caminhante.

    Caieiras, 10 de setembro de 2022.


    1. Arquiteta e Urbanista, doutora em Ciências, mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto de Arquitetura de Urbanismo da Universidade de São Paulo, IAU-USP – São Carlos/SP. Especialista em Patrimônio Arquitetônico: Preservação e Restauro.

    Introdução

    O cotidiano é uma construção social em que o elemento de maior relevância é o corpo humano em movimento. Este, faz-se e se refaz conforme os ditames culturais de cada complexo social em que o mesmo se insere. Pensar o andar a pé, portanto, é destacar uma das condições primordiais da existência humana, ou seja, o corpo em movimento. O corpo em movimento, para além dos aspectos anatomofisiológicos, que permitem sua mobilidade, apresenta-se como vetor de diversas manifestações culturais e práticas sociais. Andar a pé, logo, constitui-se de uma das inúmeras formas de linguagem corporal que revelam o acervo histórico e cultural, derivado daquilo que se denomina de corporeidade humana².

    O conteúdo desta obra³ visa retratar um panorama histórico e cultural sobre os sentidos e significados da caminhada, a partir de uma perspectiva que considerasse suas mais variadas maneiras de apropriação cultural e tipos de manifestações sociais, destacando elementos do cotidiano que estiveram presentes ao longo da história do Brasil. Para tanto, o olhar do pesquisador foi direcionado aos aspectos relacionados aos modos e estilos de vida inseridos nos diversos contextos históricos, que se sobrepuseram ou se sucederam ao longo das etapas políticas, econômicas, sociais e culturais constitutivas da formação da realidade brasileira. Tal panorama acerca da incidência da caminhada na realidade social e cultural do Brasil traz, como referências, principalmente, recortes de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife e também um pouco mais de sua abrangência no território nacional.

    Trata-se, portanto, do olhar que perscruta o Homem que caminha⁴, isto é, o ser humano como sujeito histórico, que faz e refaz a trajetória da própria vida, que lhe dá sentido e que se lança aos desafios da existência terrena. Um elemento comum a todo ser humano, mas que, todavia, distingue-se em suas apropriações, compreensões e práticas entre os diversos tipos sociais⁵, em seus afazeres cotidianos, nas atividades de lazer ou como instrumento que revela a busca por algo melhor. Em todas as suas dimensões, evidencia-se o quanto o andar a pé ou a caminhada se impõe aos indivíduos, ainda que de modo distinto, se comparado àqueles que venceram na vida, com aqueles que ainda labutam arduamente para ganharem-na.

    O referencial teórico, que serve de fundamento para a abordagem do tema proposto, portanto, destina-se à exposição dos usos da caminhada no Brasil, fazendo uma síntese de suas apropriações, desde os primórdios da colonização até os dias atuais, numa tentativa de traçar uma trajetória do andar a pé, a partir dos modos de vida da sociedade brasileira. Tal abordagem apoia-se, principalmente, nos referenciais da História Cultural, buscando verificar, pelo andar a pé, a realidade do cotidiano, em que a caminhada emerge no cenário social, seja por força de circunstâncias, costumes ou tradições, seja como uma necessidade da vida comum ou expressão reveladora de tendências culturais ou até insatisfações sociais.

    O estudo da caminhada, numa perspectiva histórica e cultural, evoca, antes de tudo, o exercício da memória. Em suas trajetórias, desde os primórdios da existência humana, quando o andar a pé era um recurso corporal necessário à sobrevivência da espécie humana e, passando por todos os seus modelos de apropriações, até alcançar o formato contemporâneo de uma racionalização técnico-instrumental, traduzido em exercício físico, a caminhada revelou, por meio de seus mais distintos usos sociais e culturais, o desenvolvimento histórico do próprio ser humano, enquanto indivíduo e coletividade.

    Nessa perspectiva, a caminhada permite, por meio de uma retrospectiva, identificar a construção histórica de um conjunto de hábitos, costumes e comportamentos coletivos e individuais, que expressaram uma realidade cotidiana, em que se manifestaram modos de viver peculiares a uma determinada época e em que a caminhada esteve, efetivamente, atrelada às tarefas cotidianas ou práticas extraordinárias.

    A caminhada, pois, investigada como fenômeno sociocultural, cujo caráter polissêmico se desvenda em suas múltiplas maneiras de manifestações históricas, expressa as mais variadas tendências culturais e necessidades sociais do ser humano.

    No contexto histórico e cultural, a caminhada pode apresentar-se tanto como atividade humana genérica, isto é, um elemento social inerente ao próprio processo do viver coletivamente as tarefas do cotidiano, quanto uma representação das maneiras pelas quais os diversos grupos que convivem na sociedade concorrem entre si pelo poder econômico e predomínio de suas concepções de mundo e seus valores⁶.

    Conforme Roger Chartier (1988), as representações que expressam o social e o cultural proporcionam, ao tomarem forma concreta, sentido à vida cotidiana por meio das práticas delas decorrentes. Portanto, investigar uma dada organização social e as práticas culturais que a constituem, na dinâmica do cotidiano é um modo de pensar a realidade como produto e produtora de história e cultura por meio das particularidades que a constitui. Assim, ao identificar as representações que marcaram diferentes lugares em uma determinada época, é possível refletir sobre como a realidade social foi pensada e construída.

    A caminhada, portanto, permite-se ser investigada como uma maneira do ser humano comunicar-se com o mundo, pois comunicar é produzir cultura. Caminhar, nessa perspectiva, representa o inquestionável veredito de que a vida cotidiana está imersa em um mundo de cultura, isto é, de elaborações humanas historicamente localizadas e com referência a dada sociedade e a seus modos peculiares de vida.

    Ao caminhar, pois, cada indivíduo refaz e recria a caminhada, assim como a cultura se refaz e se recria continuamente, tornando-a um elemento para a investigação histórica e vetor de transformações sociais. A proposta de estudo nesta perspectiva histórica e cultural, que tem no corpo e no movimento os atores e o cenário da vida, visa a compreender as relações entre o corpo humano e a gama de movimentos que dele emana. É o corpo e que dá suporte aos modos de ser de cada sociedade, constituindo-se em uma referência para analisar e interpretar o mundo vivido⁷.

    Considerando que o ser humano habita um mundo por ele constituído, a partir da invenção ou criação de símbolos, da atribuição de sentidos peculiares às circunstâncias de sua existência e de significados subjetivos aos seus atos e que ele não escapa às próprias determinações do seu universo simbólico⁸, olhar a caminhada sob uma perspectiva histórica e cultural é a oportunidade de resgatar muitos desses sentidos e significados que, ao andar a pé, foram atribuídos pelos indivíduos e grupos sociais, ao longo do tempo, como expressão de seus costumes, tradições, crenças e valores.

    Em suas variadas facetas, a caminhada apresenta-se como um vasto horizonte a ser desbravado. Repleta de possibilidades, seu estudo proporciona uma lente que aproxima a vida das pessoas em seu cotidiano e em suas experiências individuais ou coletivas, destacando particularidades sociais e peculiaridades culturais muitas vezes não percebidas por aqueles que estão imersos na cotidianidade⁹. Ela expõe práticas e atividades que com ela se relacionam, associam-se ou dependem direta ou indiretamente para que se realizem, revelando o próprio ser humano em seus mais diversos tipos sociais.

    A caminhada, logo, manifesta aspectos dos modos de vida e significados da existência coletiva, seja pelo sensível ou pelo inteligível que se expressa em suas representações. Isso pode ser observado nas procissões religiosas, nos séquitos fúnebres, nas migrações e peregrinações, nas passeatas, nas marchas militares, dentre tantas outras formas de manifestações; são maneiras em que, pelo ato de caminhar, pode-se sentir a intensidade da presença do ser humano no mundo. São tipos de caminhar que exprimem historicidade e cultura e conferem forma à realidade social.

    O livro, enfim, busca, com sua proposta, ampliar o debate acerca das inúmeras possibilidades de investigação da corporeidade e das práticas corporais nas Ciências da Motricidade, a partir de outros olhares cada vez mais abrangentes e não excludentes.

    Trata-se de um livro que tem o propósito de propiciar uma reflexão sobre a manifestação dos fenômenos socioculturais, que se expressam a partir do corpo humano — seus atos, seus gestos e sua incidência sobre o mundo vivido —, que são expressões da corporeidade tanto culturalmente adquiridas quanto socialmente impostas.

    A todos os leitores, que façam uma boa caminhada pelas páginas que se seguem.

    L’Homme qui marche

    (Alberto Giacometti, 1961)


    2. Corporeidade é a condição de presença, participação e significação do ser humano no mundo. Conforme Manuel Sérgio, o movimento humano, ou a motricidade, emerge da corporeidade como sinal de quem está-no-mundo-para-alguma-coisa, isto é, com sinal de um projeto. Toda a conduta motora inaugura um sentido através do corpo" (Cf. SÉRGIO,

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