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Princesa Isabel Entre o Altar e o Trono: Catolicismo e Abolicionismo no Projeto de Terceiro Reinado
Princesa Isabel Entre o Altar e o Trono: Catolicismo e Abolicionismo no Projeto de Terceiro Reinado
Princesa Isabel Entre o Altar e o Trono: Catolicismo e Abolicionismo no Projeto de Terceiro Reinado
E-book455 páginas6 horas

Princesa Isabel Entre o Altar e o Trono: Catolicismo e Abolicionismo no Projeto de Terceiro Reinado

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Sobre este e-book

Quem foi a princesa Isabel? Que papel ela desempenhou na História do Brasil? Para alguns autores, a personagem foi uma grande heroína, que preferiu perder o trono para libertar os escravizados. Para outros, ela promoveu a abolição como uma farsa, sem qualquer preocupação com o destino dos libertos. Há ainda aqueles que a classificaram como uma mulher submissa ao marido, espécie de fantoche, sem autonomia, em uma estrutura patriarcal. Diferentemente dessas visões, este livro inova ao investigar a personagem a partir de seus próprios escritos, cartas e diários de viagem.
As questões que motivam este estudo são: o que a princesa dizia de si mesma? Como foi sua formação educacional desde a infância? Como ela compreendia seu papel como futura governante do país? Como imaginava o seu reinado? Quais eram seus modelos de reis e rainhas? Como ela se posicionava diante da escravidão e das possíveis formas de extinguí-la? Quais eram as afinidades entre suas visões de sociedade e política e aqueles ideais de romanização propostos pela Igreja Católica, entre meados do século XIX e início do século XX? Mais especificamente, como sua identidade e práticas católicas estavam relacionadas ao seu abolicionismo e ao modo como planejava o Terceiro Reinado no Brasil? Como foi seu exílio na França, após a queda da Monarquia? Como Isabel contou sua história ao final de sua vida? Como parte fundamental de elucidação desses questionamentos, o 13 de maio aparece como a ponta de um iceberg cujas bases submersas, há mais de um século, poderão finalmente ser conhecidas pelo leitor.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de mar. de 2023
ISBN9786525040691
Princesa Isabel Entre o Altar e o Trono: Catolicismo e Abolicionismo no Projeto de Terceiro Reinado

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    Pré-visualização do livro

    Princesa Isabel Entre o Altar e o Trono - Robert Daibert Junior

    capa.jpg

    Sumário

    CAPA

    INTRODUÇÃO

    CAPÍTULO 1

    As relações entre Igreja e Estado e o pensamento católico ultramontano no Brasil oitocentista

    1.1 RELAÇÕES IGREJA-ESTADO: SEPARATISMO, UNIÃO E PERSPECTIVAS DIVERSAS

    1.2 A IGREJA NO CENÁRIO POLÍTICO OITOCENTISTA BRASILEIRO

    1.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INSTRUMENTAIS

    CAPÍTULO 2

    D. ISABEL DE BRAGANÇA E BOURBON: EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO CATÓLICA DA PRINCESA IMPERIAL BRASILEIRA

    2.1 A TRADIÇÃO EM TORNO DA FORMAÇÃO DOS PRÍNCIPES

    2.2 A FORMAÇÃO DE D. PEDRO II

    2.3 A FORMAÇÃO EDUCACIONAL DA PRINCESA: OU O QUE SAPUCAÍ OBSERVAVA

    2.4 SANTOS, GOVERNANTES E PERSONAGENS HISTÓRICOS: A PRINCESA E SEUS MODELOS

    2.5 ISABEL ENTRE A HERANÇA MATERNA E PATERNA

    CAPÍTULO 3

    ISABEL, CONDESSA D’EU: MOVIMENTAÇÕES DA HERDEIRA DO TRONO NO CENÁRIO IMPERIAL E NA EUROPA OITOCENTISTA

    3.1 O CASAMENTO DA PRINCESA IMPERIAL: TRAVESSIAS DO ATLÂNTICO

    3.2 ENTRE VIAGENS E BAGAGENS: APRENDIZADOS E VISIBILIDADES

    3.3 O TESTAMENTO POLÍTICO DA MATRAQUINHA

    CAPÍTULO 4

    A REDENTORA: ABOLICIONISMO CATÓLICO E A POLÍTICA DO CORAÇÃO NA ASSINATURA DA LEI ÁUREA

    4.1 UMA ABOLICIONISTA DE CARTEIRINHA: UM LONGO PERCURSO

    4.2 ABOLICIONISMO CARITATIVO OU EM DEFESA DE UMA LIBERDADE (C)AMÉLIA

    4.3 A LEI ÁUREA E A ROSA DE OURO: UMA TROCA DE PRESENTES

    4.4 UM TRONO À VISTA: POUCOS GUARDIÕES, MUITOS INIMIGOS

    CAPÍTULO 5

    D. ISABEL, IMPERATRIZ DE JURE: ENTRE A REDENÇÃO E O EXÍLIO

    5.1 LADRÕES! MISERÁVEIS!: A PRINCESA CHOROU A VALER

    5.2 O FANTASMA DA RESTAURAÇÃO: SOB NOVAS CONSPIRAÇÕES

    5.3 NOS BASTIDORES DO VATICANO E DO CLERO: EM DEFESA DAS DEVOÇÕES

    5.4 NOTÍCIAS DO BRASIL: DE LONGE FAÇO O QUE POSSO

    5.5 ENTRE LEMBRANÇAS E ESQUECIMENTOS: A PRINCESA CONTA UMA HISTÓRIA

    5.6 TOTENS NO SILÊNCIO DA CAPELA: UMA TRISTE CANÇÃO DO EXÍLIO

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    SOBRE O AUTOR

    CONTRACAPA

    Princesa Isabel entre o altar e o trono

    catolicismo e abolicionismo no projeto de Terceiro Reinado

    Editora Appris Ltda.

    1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.

    Catalogação na Fonte

    Elaborado por: Josefina A. S. Guedes

    Bibliotecária CRB 9/870

    Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

    Editora e Livraria Appris Ltda.

    Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês

    Curitiba/PR – CEP: 80810-002

    Tel. (41) 3156 - 4731

    www.editoraappris.com.br

    Printed in Brazil

    Impresso no Brasil

    Robert Daibert Junior

    Princesa Isabel entre o altar e o trono

    catolicismo e abolicionismo no projeto de Terceiro Reinado

    Aos meus pais, Robert e Edir, e aos meus filhos, Henrique, Marcos e Luísa.

    AGRADECIMENTOS

    A elaboração deste livro foi enriquecida, ao longo de muitos anos, com o diálogo, a orientação e a colaboração técnica e/ou acadêmica de muitos interlocutores. Nesse sentido, registro meus sinceros agradecimentos às seguintes pessoas: Alexandre Giuberti, Alexandre Mansur Barata, Alexandre Miranda Delgado, Ana Luísa Pinheiro Affonso, Ana Maria Stephan, Ângela Randolpho Paiva, Antônio Aprígio Pereira, Bárbara Simões, Bruno da Silva Antunes de Cerqueira, Celia Maria Marinho de Azevedo, Eneida Maria de Miranda, Érica Barros de Almeida Araújo, Francisco José da Silva Gomes, Galba Ribeiro di Cambro, Jean Menezes do Carmo, José Francisco Simões, José Murilo de Carvalho, Júlio Eduardo dos Santos Ribeiro Simões Reis, Lilia Schwarcz, Maraliz de Castro Vieira Christo, Maria de Fátima Moraes Argon, Mary Del Priore, Mônica Zaias, Neibe Cristina Machado da Costa, Newton Barbosa de Castro (in memoriam), Pedro Carlos de Orléans e Bragança e Rita de Cássia de Andrade Procópio.

    LISTA DE ABREVIATURAS

    INTRODUÇÃO

    Embora não tenha assumido o trono para o qual foi preparada, ao longo de sua vida, a princesa D. Isabel consagrou-se, nas páginas da História oficial do Brasil, como a Redentora dos escravizados, a grande responsável pela abolição da escravidão, ao assinar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888. Mesmo com o advento da República, ganhou lugar de destaque no panteão dos heróis cívicos do país.

    Tal consagração afirmou-se, sobretudo, nos escritos de autores ligados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que tinham um projeto historiográfico comum no qual ganhavam espaço biografias [...] capazes de fornecerem exemplos às gerações vindouras, contribuindo desta forma também para a construção da galeria dos heróis nacionais.¹ Nessa perspectiva, a vida da princesa D. Isabel tem sido frequentemente retomada como objeto de abordagem histórica. Em uma vertente historiográfica tradicional, os artigos e as biografias produzidos têm, como tônica central, um tom laudatório e psicologizante. Perspectiva essa encontrada nos seguintes biógrafos: Pedro Calmon, Hermes Vieira, Lourenço Luiz Lacombe, entre outros².

    A abordagem historiográfica da figura de D. Isabel, a cargo de historiadores comprometidos com um certo tipo de ideal monárquico, resultou em uma preocupação constante em engrandecer sua figura. Esse ideal, ao que parece, atua nesses biógrafos como uma espécie de prefiguração que orienta a escrita do texto, percebendo-se o enquadramento da princesa em um modelo preestabelecido. A apreciação torna-se previsível, uma vez que é conduzida no sentido de demonstrar, por meio de elogios, a superioridade do regime monárquico como sistema de governo viável por contar com pessoas extremamente especiais e, portanto, merecedoras de admiração da posteridade. As atitudes da princesa D. Isabel são balizadas por sua personalidade generosa, sua bondade, sua religiosidade e seu caráter maternal e piedoso. Tudo isso, na maioria das vezes, direcionado à abolição da escravidão em maio de 1888.

    Hoje, se, por um lado, a renovação da historiografia dedicada à abolição permite dissociar a extinção do escravismo de uma relação direta com a iniciativa de D. Isabel; por outro, a recíproca não é verdadeira, pelo menos no que diz respeito à sobrevivência de tal associação nos lugares de memória³.

    De maneira quase automática, seu nome ainda está indelevelmente associado à assinatura da lei, mesmo que de modo cético. Isso pode ser atribuído a um processo de construção histórica o qual lançou luz especificamente sobre o papel da princesa, no ano de 1888, obscurecendo quase todo o restante da complexidade de sua experiência enquanto sujeito histórico de seu tempo. Teriam sido as manobras político-parlamentares em prol da abolição, durante sua terceira regência, o único fator digno de suscitar uma tal abordagem historiográfica? Poderia a parte obscurecida revelar elementos importantes da experiência histórica da princesa D. Isabel — no sistema monárquico e no entorno oitocentista no qual ela se movia e ajudava a construir — enquanto provável e, para muitos, indesejável herdeira do trono?

    Algumas pistas significativas sobre aquela parte obscurecida podem ser vislumbradas já nas páginas de seus biógrafos tradicionais. No que tange à atuação política de D. Isabel, Pedro Calmon aponta seu posicionamento favorável ao Partido Conservador, contrastando com a simpatia de seu marido, o Conde d’Eu, pelo Partido Liberal. A possível afinidade de D. Isabel pelo Partido Conservador é explicada pela influência da mãe, D. Teresa Cristina. Segundo o autor, a Imperatriz [...] chorava sempre o drama que lhe arruinara a família na Itália, [e] parecia desconfiar das belas fórmulas liberais⁴, que culminaram com o processo de unificação da Itália e o rompimento dos laços diplomáticos com a Igreja Católica. Porém como entender, por exemplo, algumas escolhas de D. Isabel por senadores liberais nas listas tríplices que lhe eram apresentadas nas ocasiões em que ocupou a regência? O próprio Calmon narra um episódio no qual, tendo que efetivar tal escolha, a regente opta pelo General Osório, liberal ex-combatente na Guerra do Paraguai, atitude que teria contrariado imensamente os conservadores⁵.

    A oposição ideológica entre os dois principais partidos políticos imperiais tem sido questionada por alguns historiadores, que identificam algumas semelhanças entre eles⁶. A historiografia dedicada ao assunto é marcada por inúmeras divergências. Enquanto alguns autores diferenciam os partidos em termos de origem regional (rural ou urbana) ou classe social, outros negam uma diferença efetiva entre liberais e conservadores⁷. Outros ainda defendem uma posição hierarquizada, tendo a direção saquarema à frente⁸.

    Diante de tamanha divergência, acredito que seja necessário relativizar a afirmação de Calmon ao situar o posicionamento político de D. Isabel delineado meramente como favorável aos conservadores, em oposição aos liberais. Rejeito, portanto, essa explicação do biógrafo, uma vez que ela não esclarece, de modo satisfatório, as bases que orientavam a condução política da princesa, não apenas no que diz respeito à simpatia por um ou outro partido mas também na complexidade de sua condição de herdeira do trono brasileiro.

    Como tal, a princesa, ao longo da segunda metade do século XIX, movia-se em um cenário no qual emergiam ideias e movimentos diversos que povoavam os meios políticos e sociais de sua época. Vivia em um tempo marcado por: crises ministeriais, disputas partidárias, discussões em torno da extinção da escravidão, guerra do Paraguai, crise na relação Igreja/Estado, crescimento do republicanismo como um projeto alternativo ao seu, transformações culturais pelas quais passava o país, busca pela implantação da civilização nos trópicos, perspectivas de construção de uma identidade nacional que legitimasse a formação do Estado Imperial.

    Tudo isso amalgamado àquelas questões relacionadas ao enfrentamento de disputas, no campo político, que diziam respeito à administração dos conflitos de seu tempo. Qual visão de mundo informava as apreciações de D. Isabel a respeito dessas questões? Tais apreciações, certamente, possibilitariam maior elucidação não só de seu abolicionismo mas também de suas projeções enquanto futura imperatriz e, portanto, responsável pela continuidade do regime monárquico brasileiro.

    Os biógrafos apontam a presença da religiosidade de D. Isabel como algo que perpassou seus diversos papéis, fornecendo-lhe a sustentação moral para suas ações enquanto filha, esposa, mãe e, principalmente, regente. Para essa função confluíam também suas perspectivas abolicionistas em meio a um viés conservador e católico-assistencialista. As atitudes da princesa são fundamentadas em um constante sentimento de maternidade, humanitarismo religioso e ternura, que ganharam relevo como aspectos da personalidade da herdeira do trono, retratados como determinantes de suas iniciativas e decisões no plano político e de sua vida em geral⁹.

    Sobre a abolição da escravidão, Pedro Calmon afirma que a princesa

    [...] sacrificara-se talvez, fazendo a política do coração, mais do céu do que do mundo, [...] muito mais do seu feminismo do que de sua ambição: podiam derrubar-lhe a coroa, que os reis não levam para o túmulo, nunca a auréola que, de ordinário os acompanha para além do túmulo.¹⁰

    A apreciação do autor revela uma princesa quase sacralizada, envolta em ideais supremos; um ser que se destacava por seu caráter desprendido. Essa política do coração como motivação superior e apolítica aparece também na análise de Lourenço Luiz Lacombe, outro biógrafo de D. Isabel. Esse autor relata o seguinte diálogo travado entre o barão de Cotegipe e a princesa, após o 13 de maio, a respeito da então recente abolição da escravidão,: – Então, Sr. Barão, ganhei, ou não ganhei a partida? Cotegipe, cortesão e profético, vaticina então: – Ganhou a partida mas perdeu o trono!. ¹¹ A partida era uma espécie de queda de braços a respeito da libertação dos escravizados, sem indenização, medida defendida pela princesa que tinha Cotegipe como um forte opositor.

    Ao tratar desse diálogo, em uma interpretação semelhante à de Calmon, Lacombe indaga:

    Que lhe importava o trono se ela libertara uma raça? Que lhe valia o trono se ela realizara a redenção dos cativos? Para que lhe serviria o trono senão exatamente, para exercer por meio dele o supremo ato de amor e de caridade cristã – assim entendido no seu mais alto grau?¹²

    Mais uma vez, a herdeira do trono é caracterizada como portadora de ideais humanitários cristãos, valores supremos que se sobrepunham aos interesses pela posição à qual estava destinada. A política do coração sobrepondo-se aos meandros da política racional. Mas quais teriam sido as bases nas quais se assentavam essa política do coração? O posicionamento e a atuação política da personagem são, superficialmente, relacionados à sua visão de mundo católica, mas não são abordados de modo esclarecedor. Falta nesses textos, esclarecer quais eram as características do catolocismo hegemônico de seu tempo, o que era prescrito pela instituição e como isso era recebido e apropriado pela herdeira do trono de D. Pedro II. Como esse catolcisimo esteve presente em seu modo de perceber a si mesma, o seu papel no mundo e suas formas de agir e se preparar como futura governante.

    Diferentemente dos trabalhos anteriores, o historiador Roderick J. Barman escreveu uma biografia dedicada à princesa D. Isabel sob uma concepção acadêmica. O autor se propôs a tomar a vida dela como um veículo de compreensão da interação entre gênero e poder no século XIX no Brasil. Para tanto, procurou empreender, segundo suas palavras. a ‘feminist’ analysis of D. Isabel’s life¹³.

    O autor desenvolve sua análise enfatizando a dificuldade de as mulheres do século XIX agirem de forma autônoma por serem moldadas e inseridas em estruturas culturais, sociais e econômicas criadas por homens aos quais eram subordinadas¹⁴. É dentro desse quadro que Barman situa D. Isabel.¹⁵ Para ele, a princesa estava presa a uma estrutura patriarcal rígida que a impedia de agir de modo autônomo. É nesse sentido que afirma:

    It may appear contradictory, even deplorable, to us that D. Isabel did not assert herself. Acess to the resources underlying power is not, however, sufficient of itself to give agency. The mix of cultural attributes absorbed by D. Isabel through her relationships with her father, aia, and husband, the way of life that her marriage imposed on her, and the conditions in wich she served as regent each and all inimical to her developing a strong sense of autonomy and a desire for agency. During her life, D. Isabel did not pursue goals that she chose for herself. (grifo nosso)¹⁶

    Orientando-se por um modelo de ação feminista, o autor, ao não encontrar tal perfil em sua biografada, acaba se frustrando e, em extrema oposição, faz uma leitura apressada e determinista de D. Isabel. Apresenta-a como uma figura passiva, sem vontade própria ou modo de interferência. A única exceção que o biógrafo encontra é justamente a assinatura da Lei Áurea. Escreve o autor:

    Despite her privileged position in respect to the resources that underlie power, her gender meant that she did not develop a sense of agency in public affairs until she was almost forty years old. The paradox in D. Isabel’s life is that her single use of that agency [...] contributed to her exclusion from public life and her banishment from her native land. ¹⁷

    Enquanto os biógrafos tradicionais retratam uma princesa voluntariosa e determinada, portadora de uma visão política superior e destemida, Barman acaba por subestimar e, de certa forma, anular a experiência histórica de D. Isabel antes de sua terceira regência. Só consegue perceber sua ação autônoma, em um único momento, num ato de ruptura e de grande impacto. Antes de sua última regência, o autor insiste em retratá-la como desinteressada pelos negócios públicos e envolvida nos afazeres domésticos. Sua religiosidade também é apresentada como parte importante da constituição de sua personalidade¹⁸.

    O autor, contudo, nesse aspecto, não acrescenta mais do que os outros biógrafos já haviam afirmado. É importante notar que a preocupação central de Barman gira em torno da questão de gênero, na qual insere a religiosidade de D. Isabel sem maiores problematizações. Em suma, essa é a leitura que o autor faz do posicionamento político da princesa: um fantoche diante de estruturas patriarcais rígidas que a anulavam e a imobilizavam.

    As abordagens historiográficas aqui apresentadas, embora tragam contribuições inegáveis e indícios importantes que ajudarão a compor este trabalho, não elucidaram, de modo satisfatório, o papel de um certo catolicismo oitocentista na experiência da princesa. Faltam trabalhos menos inflamados, que não busquem simplesmente situá-la como heroína abnegada e altruísta ou responsável pela farsa da abolição, ou ainda como um fantoche sem autonomia em uma estrutura patriarcal.

    Nesse sentido é que me proponho a debruçar-me sobre sua figura, situando-a no jogo histórico de seu tempo, marcado por uma racionalidade própria e permeada por normas e conflitos, dos quais D. Isabel não escapava. Ao rever o texto dos principais biógrafos de D. Isabel, meu intuito é apontar lacunas e problematizar a interferência dessa religiosidade em sua ação política, não apenas no que diz respeito ao seu abolicionismo e ao entorno do 13 de maio de 1888 mas também à construção de sua visão de mundo e à projeção da continuidade da monarquia no Brasil em um possível Terceiro Reinado.

    Contrapondo-me a uma análise psicologizante da religiosidade da herdeira do trono, pretendo investigar essa política do coração não como um posicionamento apolítico e desinteressado, e por isso superior, sagrado e celestial, como querem os biógrafos citados, mas sim como algo constituído, em suas bases, por uma visão católica de sociedade, relacionada com a crise de relacionamento entre Igreja e Estado no século XIX e suas repercussões. Ou seja, pretendo historicizar a religiosidade da princesa imperial, relacionando-a com as especificidades propostas pelas matrizes do catolicismo de seu tempo. Com isso, tenciono, ao demonstrar o equívoco de explicações biográficas pautadas no pressuposto de uma religiosidade humanitária e atemporal, explicitar o sentido político assumido na experiência da princesa imperial.

    Vale ressaltar que o Terceiro Reinado, sob o governo de D. Isabel, certamente existiu como expectativa, apesar de ter sido severamente criticado por republicanos e até por monarquistas, simpáticos a um governo de D. Pedro Augusto. Esse príncipe era o filho mais velho da princesa D. Leopoldina, falecida em 1871, irmã de D. Isabel. Ele era também o neto mais velho do imperador, cogitado por alguns monarquistas como melhor opção para a continuidade do regime. Falava-se, inclusive, que o próprio D. Pedro II pensava em preparar a sucessão para esse neto.

    Certamente, o reinado de D. Isabel não foi fundamentado em um projeto elaborado com bases teóricas escritas e propostas e planejamentos oficialmente bem delineados e formalizados, mas sim como uma perspectiva futura, que, de antemão, demandava cálculos e movimentações. Por conseguinte, exigia de D. Isabel uma postura específica, tanto mais visível quanto mais ameaçada e questionada.

    Portanto, o estudo a que me proponho busca realizar uma interpretação da figura da princesa, tomando como ponto de partida a possível interferência de sua religiosidade nas teias e articulações nas quais ela se inseria como herdeira do trono. Assim, a ação formal e efetiva de D. Isabel, no sentido de obter a aprovação do projeto de lei assinado em 13 de maio — bem como seu envolvimento informal com grupos abolicionistas da Corte — aparecem como a ponta de um iceberg, cujas bases, como pretendo argumentar, circunscrevem-se ao redor de uma visão católica de sociedade e de sua relação com as perspectivas de um governo para o Terceiro Reinado. Com isso, de certo, aquele quadro que retrata sua altruísta política do coração ganha novas cores.

    Contudo D. Isabel não era um papel em branco em que se inscreviam as matrizes do pensamento católico de seu tempo de modo direto e definitivo. Problematizo, portanto, os seguintes pontos: qual teria sido a percepção/apropriação dessas matrizes, sob a ótica daquela que era tida como futura imperatriz do Brasil? Qual o grau de importância e inserção de tal pensamento na construção de sua visão de mundo, ao longo dos anos de sua preparação? Como o absorveu e o instrumentalizou quando foi chamada a ocupar o trono, nas ausências do imperador, ocasiões em que assumia, sem limites, todas as prerrogativas do exercício do poder? Como os ideais católicos interferiram na forma pela qual D. Isabel se colocava diante das enérgicas lutas partidárias que envolviam, além dos dois principais partidos e das inúmeras clivagens de que eram compostos, novos modelos de sociedade, sobretudo no que diz respeito à perspectiva de crescimento do partido republicano nos círculos políticos da Corte e das províncias? Como ela (re)significou e interpretou, à luz de sua condição de herdeira do trono, os valores, os projetos e as perspectivas que eram correntes em seu tempo?

    É necessário investigar a concepção de sociedade brasileira que foi engendrada pela herdeira do trono, a partir de sua visão de mundo, e como ela transpareceu nos três momentos em que atuou, tanto como regente do Império, como nos intervalos entre tais períodos, ou mesmo nas discussões em torno de uma possível restauração monárquica após 1889, travadas com políticos filiados ao Círculo Monárquico.

    De modo complementar, é preciso ainda elucidar o modo pelo qual a princesa posicionava-se diante da questão da escravidão e das possíveis formas de extinguí-la. Tal questão afligia, de maneira diversa, inúmeros setores da sociedade oitocentista brasileira. Como concebeu o fim da escravidão e atuou na execução dos projetos destinados a alcançá-lo? Em suma, de que modo o pensamento católico de D. Isabel insere-se na forma pela qual foi conduzida a gradual extinção legal da escravidão no país?

    De acordo com José Murilo de Carvalho, [...] as fases por que passou o processo abolicionista no Brasil revelam aspectos importantes do comportamento de vários agentes sociais e esclarecem a natureza do próprio sistema político imperial¹⁹. Sendo o fim da escravidão um problema crucial para o entendimento do cenário político brasileiro da época, o modo de encaminhamento da tão problemática resolução da questão servil possibilita a compreensão da ordem social e política esperadas por D. Isabel.

    Nesse sentido, a forma pela qual a princesa conduziu — a partir do exercício do Poder Executivo e Moderador — a aprovação do projeto de lei que extinguiu a escravidão no Brasil deve ser tomada como indício revelador de sua forma de pensar a administração daquela sociedade, no que diz respeito à manutenção da ordem social e política.

    O percurso traçado neste livro compreende, no primeiro capítulo, um pequeno estudo das relações entre Igreja e Estado que possibilitam compreender o cenário daquela política do coração a partir do conceito de ultramontanismo adotado ao longo do trabalho.

    No segundo capítulo, investigo a formação educacional da princesa D. Isabel a partir de seus cadernos e estudos, considerando ainda a presença das heranças materna e paterna. Demonstro como, em sua infância e adolescência, foram esboçadas suas primeiras compreensões acerca de governantes valorizados e considerados modelos a serem seguidos.

    Já no capítulo três, procuro situar a experiência da herdeira do trono, no cenário nacional e internacional, por meio de sua apresentação em espaços públicos e privados, nos quais manifestava e consolidava sua visão de sociedade e de política, mediante a interação com o mundo social. No texto, procuro perceber as manifestações práticas de uma visão aprendida, embrionariamente, em sua formação educacional e aprimorada na maturidade.

    No quarto capítulo, trato da aproximação da princesa com o abolicionismo por intermédio das orientações do catolicismo social de seu tempo. Caracterizo seu abolicionismo católico e sua relação com as perspectivas esboçadas pelo Papa e pelos bispos na época.

    Já no último capítulo, apresento sua postura diante das possibilidades de restauração da monarquia, sua relação com o clero, com o Papa e com as devoções católicas em voga. Procuro ainda perceber o sentido de suas práticas caritativas, suas reflexões no exílio e visão expressas naquele momento por meio de suas lembranças e registros.

    Tais problematizações foram enfrentadas a partir de um trabalho extenso de leitura e análise crítica das fontes documentais e, obviamente, de uma vasta bibliografia dedicada aos temas circunscritos às questões aqui colocadas. Em seguida, procuro trazer, em linhas gerais, algumas reflexões teóricas que serviram de suporte para o desenvolvimento do projeto.

    Segundo Rene Remond, [...] a política não segue um desenvolvimento linear: é feita de rupturas que parecem acidentes para a inteligência organizadora do real.²⁰ Tais questões me levam a investigar a figura de D. Isabel por intermédio de sua racionalidade própria e a partir da compreensão de sua visão de mundo como produtora de um sentido e uma orientação, em um cenário marcado por incertezas, incoerências e contradições. O político tem readquirido um espaço promissor nas produções historiográficas, com início das propostas da chamada Nova História Política.

    Pierre Rosanvallon, um de seus representantes, propõe a aplicação de uma história conceitual do político, encarregada de compreender a formação e evolução das racionalidades políticas, ou seja,

    [...] dos sistemas de representações que comandam a maneira pela qual uma época, um país ou grupos sociais conduzem sua ação, encaram seu futuro. Parte da ideia de que estas representações [...] resultam [...] do trabalho permanente de reflexão da sociedade sobre ela mesma²¹.

    Para o autor, deve-se investigar a maneira pela qual são pensadas as soluções para aquilo que é interpretado como um problema. Isto é, os estudos baseados nessa Nova História Política buscam privilegiar [...] a identificação dos ‘nós históricos’ em volta dos quais as novas racionalidades políticas e sociais se organizam²². O que o autor defende é uma reconstrução do modo a partir do qual os atores políticos compreendem as situações de seu presente e pensam suas ações. No caso da princesa D. Isabel, buscarei identificar o diagnóstico emitido por ela para os problemas com os quais se deparava, bem como as reflexões e propostas voltadas para as possíveis resoluções de tais problemáticas.

    Sobre as questões inerentes ao tratamento da relação entre política e religião, é importante salientar que, conforme declara Aline Coutrot, a historiografia, nos últimos tempos, tem considerado as forças religiosas [...] como fator de explicação política em numerosos domínios. Elas fazem parte do tecido do político, relativizando a intransigência das explicações baseadas nos fatores sócio-econômicos²³.

    Acredito que essas considerações me remetem à possibilidade de um olhar diferenciado sobre a complexidade do sistema imperial no qual D. Isabel estava inserida. A valorização do entrelaçamento entre política e religião me permite minimizar o peso excessivo atribuído às instâncias socioeconômicas na compreensão daquele sistema. Não se trata de desprezar a interferência desses fatores, mas sim de propor uma análise diferenciada, a partir de um olhar fundamentado em uma nova concepção da esfera política.

    Busquei trabalhar a visão de mundo da princesa por meio do conceito de representação de Roger Chartier. Para o autor, as representações [...] são matrizes de discursos e de práticas diferenciadas que têm por objetivo a construção do mundo social e como tal a definição contraditória das identidades suas e dos outros.²⁴ Isto é, as concepções de mundo de D. Isabel serão consideradas como produtoras de sentidos, por intermédio das quais ela organizava seus discursos e práticas, formulava valores, forjava sua identidade, apresentava-se e se autoconstruía, ao mesmo tempo que contribuía para a construção do mundo social no qual estava inserida. Os conceitos e valores expressos por D. Isabel — a partir das classificações, delimitações e divisões pelas quais apreendia o mundo social — serão entendidos como [...] esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado.²⁵

    Assim, sua visão de mundo foi tomada como um modo próprio pelo qual se relacionava com o meio social em que vivia. Essa relação, segundo o autor, também se dá por intermédio das práticas definidas como modalidades que [...] visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição.²⁶ Dessa forma, tomei as práticas da princesa D. Isabel, sejam elas religiosas, políticas e sociais em geral, como meio de expressão de sua identidade, pensamento, perspectivas e planos. Tudo isso circunscrito às problematizações que apresentei anteriormente.

    Pretendi compreender sua forma de encarar o mundo mediante dos discursos emitidos sobre ele, sobretudo naqueles aspectos problematizados. Ao trabalhar com seus discursos, ainda segundo Chartier, tomei como pressuposto o fato de que as

    [...] percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas [etc]) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições, cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio.²⁷

    Diante do que foi enunciado, investiguei a visão de mundo da princesa, entendida como representação, não como algo pronto e acabado, mas em constante processo de construção em meio às lutas pela imposição de sua legitimidade enquanto futura imperatriz.

    Abordei a vida da princesa considerando que sua figura, ao mesmo tempo que era constituída pelas estruturas do sistema político, social, religioso e cultural de seu tempo, interferia no funcionamento deles como uma peça importante no processo histórico no qual esteve inserida.

    Suas escolhas, atitudes e expressões foram situadas nesse jogo que, embora tivesse regras mais ou menos determinadas, não apresentava de antemão o resultado final. Antes, estava sujeito a uma variada gama de possibilidades com as quais D. Isabel poderia jogar. Isso ajuda a pensar as escolhas e apostas da princesa dentro de um campo de possibilidades variadas.

    Dessa forma, foi preciso considerar a interferência da imprevisibilidade do jogo como elemento constante na vida da personagem. O fato de D. Isabel ter sido preparada para assumir o Terceiro Reinado, dando continuidade ao regime monárquico no Brasil, não excluía as incertezas e impossibilidades com as quais esse encaminhamento se defrontava.

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