Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

A Saga De Ulisses
A Saga De Ulisses
A Saga De Ulisses
E-book337 páginas5 horas

A Saga De Ulisses

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O presente livro trata-se das viagens e vicissitudes de Ulisses, um dos grandes heróis na conquista de Tróia. E iniciei a sua saga com algumas passagens de Ulisses no final da guerra para que melhor seja entendido o motivo que levou Poseidon a persegui-lo por tanto tempo. Trata-se da saga mais completa já escrita sobre o famoso herói.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de fev. de 2023
A Saga De Ulisses

Leia mais títulos de Santiago Diniz

Relacionado a A Saga De Ulisses

Ebooks relacionados

Filosofia para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de A Saga De Ulisses

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    A Saga De Ulisses - Santiago Diniz

    A Saga

    de

    Ulisses

    1

    2

    INTRODUÇÃO

    Odisséia, as viagens de Ulisses

    Dileto leitor, o mito a seguir, como tantos outros, é um bocado longo. Trata-se das viagens de Ulisses, um dos grandes heróis na conquista de Tróia. E

    iniciei a sua saga com algumas passagens de Ulisses no final da guerra para que melhor seja entendido o motivo que levou Poseidon a persegui-lo por tanto tempo.

    Boa leitura!

    3

    O ROUBO DO PALÁDIO

    Já faziam longas horas que os gregos lutavam sem nenhum resultado para apoderar-se das portas e dos muros de Ílion, sem que houvessem boas partes.

    Um Oráculo lhes anunciou, através de Calcas, que a sorte da cidade dependia do Paládio, estátua milagrosa da deusa Palas-Atena, feita com os ossos de Pélops, símbolo de Tróia e amuleto que a protegia da destruição. Então Ulisses, disfarçado em mendigo e desfigurado com listras, insinuou-se sozinho na cidade, juntando-se aos pastores que se aventuravam em levar seus animais aos pastos e com aqueles que iam e vinham recolher seus mortos, e entrou com eles. Sua tarefa consistia em achar o caminho, através das ruas e dos muitos apartamentos do palácio real, para o santuário escondido onde a figura e suas réplicas tinham sido guardadas. Não reconhecido, e quase sem querer, encontrou o caminho para Helena. Após a morte de Páris ela fora dada em casamento a outro filho de Príamos, Deífobos, o desbaratador do inimigo, razão pela qual isso provocou a indignação de Hélenos que, ressentido, abandonou Tróia e foi viver como eremita sobre o monte Ida.

    Helena reconheceu o mendigo e, por alguns momentos, sentiu saudade do lar, da filha Hermíone e do marido que abandonara. Jurou a Ulisses que não o trairia, pois era seu amigo, e o seu conselho tornou possível o roubo do Paládio autêntico, segundo ela, o menor de todos. Mas Ulisses, desconhecendo Helena como legítima filha de Zeus, sentiu que poderia ser logrado, por isso, decidiu sair da cidade de mãos vazias.

    À noite, resolveram Ulisses e Diómedes voltar à cidade e roubar a estátua, nem que lhes custasse a vida. Para tanto, disfarçados de homens comuns, entraram sorrateiramente, escalando um dos muros mais acessíveis da cidade, e, no silêncio da Noite, através do cano de esgoto do palácio, para evitarem cruzar com Helena, mataram os guardas e deslizaram para o interior do templo que continha a sagrada imagem. Deram com a presença da sacerdotisa do templo, Téano, esposa de Antenor. Esperaram que saísse do templo e depois, com muita cautela, enquanto um vigiava, o outro apossava-se da 4

    estátua, sem perceberem que estavam sendo vigiados: era Antenor, que a tudo observava. Mas o ancião não fez soar o alarma, pois havia reconhecido Ulisses. Acreditava na eminente destruição de Tróia, pois conhecia as previsões de Cassandra, a filha sacerdotisa de Príamos, que só ele não desprezava. Na intenção de encontrar graça perante os deuses, facilitou a saída dos ladrões, distraindo a atenção das sentinelas.

    E, sorrateiramente, Ulisses e Diómedes saíram do templo, com o Paládio coberto de um pano, e esperaram o momento certo de distração das sentinelas, para poderem sair da cidade sem serem vistos. E, inesperadamente, apareceu-lhes Antenor. O troiano pediu-lhes que fizessem silêncio e o seguissem. O velho levou-os a uma passagem estreita e pouco conhecida, em outro ponto das muralhas. E por lá saíram, e os heróis fizeram a promessa de poupar a vida dele e de sua família, caso os gregos viessem a saquear a cidade.

    Ia amanhecendo, quando a ousada dupla estava de regresso ao acampamento com a presa. Vinham discutindo, já não como amigos.

    O CAVALO DE MADEIRA

    Mas, ao ver que o novo ataque aos muros também era repelido, mesmo com o Paládio em seu poder — pois a deusa Atena já há muito havia abandonado Tróia, e o Paládio era apenas um objeto de adorno —, o adivinho Calcas convocou uma assembléia dos mais ilustres heróis. Afinal, talvez o Paládio que tinham em suas mãos se tratasse de uma das inúmeras réplicas, e Helena os haveria enganado. Assim lhes falou:

    — Não vos exponhais ainda aos castigos de uma luta violenta. Desse modo, nada conseguireis. Será melhor, muito melhor, que penseis num estratagema mais proveitoso. Ouvi, então, a descrição do que vi ontem. Uma águia perseguia uma pequena pomba; esta se ocultou na fenda de um rochedo para poder escapar. Por muito tempo ficou a águia, furiosa, diante da fenda, mas a avezinha não saiu. De repente, a predadora escondeu-se num matagal bem 5

    perto. A pombinha, imprudente, abandonou o refúgio, e a águia, caindo como flecha sobre ela, fê-la em pedaços. Por conseguinte, não continuemos a insistir em tomar Tróia pela força. Recorramos, isso sim, à astúcia.

    O primeiro nome que passou pela cabeça dos gregos foi o de Ulisses, mas, embora ele e todos os demais matutassem, nenhum deles conseguia imaginar um meio viável para pôr cobro à dura guerra. E Agamémnon, andando de um lado para o outro, encontrou o rei dos ítacos sentado e pensativo diante de uma fogueira.

    — O ânimo de nossos homens chegou ao ponto mais baixo desde que aportamos nestas praias. Muitos já falam em negociar uma paz honrosa para ambos os lados, e outros, em simplesmente abandonar o cerco, voltando para a Hélade do modo como vieram.

    — Fugir?! Como podem pensar nisto, depois de tantos sacrifícios e tantos companheiros perdidos?

    — E o pior é que logo, imagino, começarão as rebeliões...

    Ulisses voltou a observar a fogueira que ardia à sua frente: as labaredas, tocadas pelo Vento que vinha do mar, erguiam muito alto as suas línguas de fogo. O relincho isolado de um dos cavalos presos no redil ali próximo acordou os demais, fazendo com que todo o acampamento ressoasse com aquele atordoante concerto equino; parecia que os próprios cavalos ameaçavam rebelar-se para encetarem, também, a ansiada fuga.

    Agamémnon, percebendo que estava importunando os pensamentos de Ulisses, decidiu:

    — Bem, bem, acho que já vou indo; parece que não há ninguém por aqui para trocar algumas idéias...

    6

    De repente, enquanto o rei levantava-se para seguir em frente, Ulisses pareceu hipnotizado; seus olhos fitavam as chamas elevadas, enquanto seus ouvidos, alertas, captavam os relinchos, misturando, aos poucos, as duas coisas numa só, e, inspirado por Atena, enquanto pensava, agora de olhos fixos para o curral dos gregos, observou o ventre bojudo de uma égua prenhe, e a deusa lhe incutiu uma ideia extraordinária, e Ulisses tentou decifrar a visão de Calcas, descobrindo finalmente um expediente:

    — Fuga... labaredas... um cavalo!!!

    Agamémnon virou-se para ele, pois havia levado um susto, chamando a atenção também dos demais.

    — Estás enlouquecendo, Ulisses? O que disseste?

    — Um cavalo, Agamémnon, eis a solução!

    Ulisses pôs-se em pé, enquanto seus olhos luziam. E, virando-se para um dos seus, ordenou:

    — Chama Epeios, e que venha o mais rápido possível, pois é muito importante!

    Epeios era o mais hábil construtor que havia entre as hostes gregas, e apesar de já estar dormindo foi tirado às pressas de sua barraca e levado até Ulisses, ainda que contra a sua vontade.

    — Epeios, filho de Panopeus, caberá a ti a maior glória de toda esta guerra, caso obtenhas sucesso em tua arte: derrubar as muralhas da invencível Tróia!

    Epeios ficou sem jeito, mas percebeu o intenso brilho no olhar de Ulisses, e convenceu-se de que, ou estava louco, ou realmente tinha uma boa ideia.

    E Ulisses tomou-o pelo ombro e o incentivou:

    7

    — Não te preocupes, Epeios, não te mandaremos escalar sozinho os muros de Tróia, mas temos muito trabalho pela frente.

    Ulisses fez um sinal para Epeios e Agamémnon e levou-os até as proximidades de Tróia, num pequeno bosque, protegidos os três pelo manto da Noite. E, após sentarem-se sobre alguns troncos caídos, Epeios perguntou:

    — Bem... então, do que se trata?

    — Meus amigos! Tróia, finalmente, cairá. Construiremos um enorme cavalo de madeira, e no ventre dele ocultaremos os mais valentes heróis gregos.

    — Um cavalo oco?

    — Perfeitamente, Epeios. E assim será introduzido dentro das muralhas da sagrada Tróia.

    Agamémnon escutava a conversa, entre incrédulo e fascinado, sem saber ainda se estava diante da ideia luminosa de um gênio ou do delírio absurdo de um demente. Começava a lembrar-se do que havia acontecido ao grande Ájax. Mesmo confuso, procurava entender:

    — Sê mais claro, Ulisses. Não acompanhamos o teu raciocínio. Fala-nos em detalhes.

    — Entretanto, amigos, para que isto aconteça, o resto das tropas terão que retirar-se para a ilha de Tênedos, após queimar tudo o que restar no acampamento. Os troianos, vendo isso do alto dos seus muros, sairão mais uma vez. Um dos heróis, inteiramente desconhecido de Tróia, ficará fora do cavalo e, rumando para eles como se fora fugitivo, lhes contará uma mentira qualquer: que se viu obrigado a escapar dos aqueus, por pretenderem estes sacrificá-lo aos deuses como vítima propiciatória para um feliz regresso, ou algo assim... Poderá dizer-lhes que se escondeu debaixo do cavalo de madeira 8

    consagrado à deusa Atena, e que somente abandonou o esconderijo, ao ver partir os inimigos. Ainda que lhe dirijam pergunta após pergunta, continuará a repetir a mesma narração até que neles desapareça qualquer desconfiança.

    Então, ele poderá entrar na cidade como desertor, digno de piedade, e uma vez lá dentro, se esforçará para fazer com que os habitantes levem o cavalo para o interior da cidade. Quando os troianos estiverem adormecidos, confiantes de nossa fuga, por meio de um sinal que o nosso compatriota nos fará, abandonaremos o esconderijo e, depois de chamar as nossas tropas em Tênedos, por intermédio de um archote aceso, começaremos a destruir a cidade a ferro e a fogo, pegando-os desprevenidos.

    Mal Ulisses terminou de falar, louvaram-lhe o espírito criativo. Ao retornarem para o acampamento, reuniram os comandantes e outras autoridades da hoste para lhes passar tudo o que haviam confabulado, e todos elogiaram a ideia de Ulisses, sobretudo Calcas, cujas intenções tinham sido perfeitamente compreendidas pelo astuto herói ítaco. Chamando a atenção de todos para os favoráveis agouros das aves e os trovões de aprovação de Zeus, que ressoavam pelo céu, incitou os gregos a se porem, sem perda de tempo, ao trabalho. Mas Pirros, fazendo um gesto de desaprovação, levantou-se e disse:

    — Calcas, os verdadeiros valentes costumam atacar os inimigos pela frente e em campo aberto. Deixemos que os troianos sejam os covardes e lutem apenas do alto dos muros. Quanto a nós, devemos renunciar a qualquer astúcia e recurso que não seja a luta franca. Nela precisamos provar que somos os melhores.

    O próprio Ulisses não pôde conter-se que não admirasse a nobreza daquele jovem. Mas teve que replicar:

    — Neoptólemos, jamais vi outro homem tão nobre quanto tu, salvo teu pai!

    Falaste como convém a um herói e homem valente. Contudo, nem teu pai, semi-deus no valor e na força, conseguiu este orgulhoso castelo. Nem tudo consegue a valentia, mesmo durante esses nove a dez anos que estamos 9

    tentando conquistá-la. Por isso, suplico-vos, heróis, que obedeçais ao conselho de Calcas e que ponhais em execução a minha ideia, e sem tardar.

    Todos os gregos apoiaram as palavras de Ulisses, exceto Filoctetes, o único que se pôs ao lado de Pirros, como era de se esperar, uma vez que ainda não estava saciado de luta, ao contrário dos demais que já estavam exaustos e pretendiam conquistar de vez a cidade de Tróia. Os dois somente mudaram de ideia graças à intervenção de Zeus, que fez desencadear uma tempestade de vento e incessantes raios, acompanhados de estrondosos trovões.

    Assustados, compreenderam que deveriam coincidir a sua vontade com as propostas do adivinho e do filho de Laertes. Assim, submeteram-se eles e, embora a contragosto, cessaram a resistência.

    De volta aos navios, entregaram-se os heróis ao Sono antes de iniciarem a obra projetada. À meia-noite, Atena surgiu em sonho ao grego Epeios incumbindo-o, como homem muito hábil que era, de construir com madeira o enorme cavalo, e prometendo-lhe auxílio para que o trabalho ficasse pronto o mais depressa possível. O grego, reconhecendo a deusa, abandonou contentíssimo o leito, concentrando todos os seus pensamentos naquele trabalho, e com a alma sacudida pelo Gênio da arte. Ao despontar o amanhecer, contou a todos o extraordinário sonho que tivera. Os Átridas mandaram imediatamente cortar os abetos mais fortes nos vales da cadeia do Ida, os quais foram depressa levados ao Helesponto. Numerosos jovens começaram a trabalhar, seguindo as ordens de Epeios, o engenheiro inspirado por Atena, mas manteve afastados os comandantes para lhes fazer uma surpresa. Uns serravam a madeira, outros cortavam os ramos dos troncos, enfim todos se esforçavam por ser úteis, enquanto permaneciam atentos um grupo de sentinelas. Epeios começou modelando os pés do cavalo, sobre uma grande plataforma, depois o ventre, sobre o qual ajustou as costas, atrás o lombo, na frente o pescoço, ornado de formosa crina flutuante ao vento. A cerviz e a cauda foram providas de abundante pelo, e na cabeça se ajustaram orelhas pontudas e brilhantes olhos, feitos de cristal. Numa palavra, havia tudo o que deveria haver num cavalo vivo: magnífico. Com o auxílio de Atena, Epeios aprontou o seu trabalho em três dias. E, assim que terminaram 10

    a obra, mandou chamar todos os comandantes para virem apreciar o que haviam feito, que permanecia escondido dentro de uma clareira, na floresta.

    Agamémnon, Menelaus, Ulisses, Idomeneus, Nestor, todos afinal, ficaram pasmados diante do portentoso milagre, tal era a sua perfeição, tanto que surgiu um boato que o cavalo começaria a relinchar de um instante a outro.

    Menelaus murmurou:

    — Um presente digno dos deuses!

    Os olhares da maioria estavam voltados para os olhos do animal — sim, porque a arte perfeita de Epeus o levara ao requinte de dotar o cavalo de dois olhos gigantescos, dentro dos quais ardiam dois faróis iluminados por uma miríade de velas, compondo um espetáculo ao mesmo tempo belo e aterrorizante.

    Ulisses, então, andando de um lado para outro, tentando encontrar alguma coisa naquela obra espetacular, perguntou ao engenheiro ao pé do ouvido:

    — Epeios, fizeste aquela parte tal qual te ordenei?

    — Sim, não me esqueci deste detalhe, sagacíssimo filho de Laertes. Quando chegar a hora, verás.

    Ulisses sorriu, deliciado.

    Então, Epeios, erguendo as mãos para o Céu, orou:

    — Poderosa Palas, ouve-me! Salva o cavalo e salva a mim também!

    E todos repetiram a mesma prece, e o cavalo de madeira foi consagrado por todos à honorável deusa, Atena-Hípia, a deusa do cavalo.

    11

    Durante todo aquele tempo, os troianos, amedrontados, haviam continuado no abrigo dos muros. E, com a morte de Páris, os troianos haviam impelido Deífobos, seu irmão, a desposar a viúva Helena e tomar as rédeas dos exércitos de Tróia e de seus aliados, que permaneciam dentro dos muros da vasta cidade. Entre os deuses, chegara a desarmonia ao maior grau possível, visto que previam o instante em que se cumpriria o fim de Tróia, enquanto Zeus encontrava-se fora, de viagem ao remoto Oceano. Os deuses, descendo todos à Terra, invisíveis aos homens, alinharam-se perto do rio Escamandros, em ordem de batalha. Também os deuses do mar se integraram num ou noutro grupo. Aqueles que eram favoráveis a Tróia atiraram as ondas contra os barcos, arrastaram-nos pela terra, na esperança de jogá-los contra o cavalo de madeira e destruí-lo, mas não o deixou o Destino. E, na planície, Áres atirava-se contra Atena; foi o sinal da luta generalizada. Os Imortais investiram uns contra os outros; sob seus pés tremia a Terra, e todos gritavam tão espantosamente que o fragor chegava aos Infernos e fazia tremer os Titãs no Tártaros. Tal acontecimento refletiu para os homens uma terrível tempestade, às vésperas da conquista de Tróia.

    E Zeus, sentindo um tremor de terra, percebeu que algo errado estava se sucedendo, além do normal, ou no Olimpo ou sobre a Terra. Montou no divino carro puxado por corcéis alados e, conduzido por Íris, voltou imediatamente ao Olimpo, de onde, vendo que os deuses lutavam uns contra os outros, começou a fulminá-los, que no ponto de vista humano tratava-se de uma tempestade regada a raios, relâmpagos e trovões. E os deuses, amedrontados, suspenderam a refrega. Têmis, a deusa da justiça, a única entre os primeiros do Olimpo que se mantivera distante da divergência, apresentando-se aos demais, acompanhada da deusa da concórdia, Homonóia, separou-os, dizendo-lhes que Zeus estava disposto a destruir todos os que se negassem a obedecer. Os deuses, temerosos de serem jogados no Tártaros, contiveram a cólera e, abandonando o combate, regressaram uns ao Olimpo, outros às florestas, às montanhas e aos abismos do mar. Com isso, Zeus, sob ameaças, proibiu qualquer deus de intervir na guerra a menos que tivesse seu consentimento, e ordenou que cessasse a chuva e fizesse Hélios o seu percurso normal.

    12

    No acampamento dos gregos, recuperando-se pelo abalo da Terra, já haviam eles terminado de dar os últimos retoques no cavalo. Ulisses, na assembléia dos heróis, levantou-se para falar:

    — Chegou a hora, chefes do povo grego! Agora veremos quais são os que se distinguem realmente pelo valor, pois temos de ir ao encontro do tenebroso futuro dentro do ventre deste cavalo que nos ocultará. Crede-me, é preciso ser mais corajoso para entrar neste cavalo do que para afrontar a Morte em campo aberto. Portanto, aventurem-se os que sabem que são valorosos de fato. Os demais partirão para Tênedos. É preciso, no entanto, que fique ao pé do cavalo um rapaz valente, disposto a fazer o que eu mandar. Quem deseja incumbir-se de tal missão?

    Hesitaram os heróis. Finalmente, Sínon, valoroso grego da casa de Sísifos, portanto parente de fato de Ulisses, sabendo ser capaz da aventura mais arriscada, adiantou-se:

    — Estou firmemente decidido a incumbir-me do feito. Ainda que os troianos me atirem vivo ao fogo, decidi.

    Aplaudiram-no os demais, e vários heróis já idosos murmuravam:

    — Quem é esse rapaz? Nunca lhe ouvimos o nome, nunca se distinguiu por ato de valor.

    — Deve ser, seguramente, impelido por um gênio a trazer a ruína aos troianos ou a nós próprios.

    Nestor, erguendo-se então, disse para incentivar os dânaos:

    — Agora, meus filhos, necessitamos de toda a nossa coragem. Os deuses colocam nas nossas mãos o objeto de dez anos de castigos. Por isso, vamos depressa para o ventre do cavalo! Sinto renascer em mim o vigor da 13

    mocidade, o vigor que me alentava quando me propus embarcar com Jáson no Árgo, e o houvera feito não fosse o rei Pélias a me reter.

    Assim falando, aprontou-se Nestor para entrar em primeiro lugar, pelo alçapão no ventre do cavalo, muito bem construído e ajustado para não ser descoberto pelos troianos. Mas Pirros, filho de Aquiles, suplicou-lhe que lhe cedesse tamanha honra, que era moço, considerando ser mais conveniente à sua idade avançada, comandar os pílios que partiriam para Tênedos. Muito custou convencer o velho; e então Pirros, inteiramente armado, foi o primeiro em subir à enorme cavidade do cavalo de madeira, seguido de Menelaus, Diómedes, Estênelos e Ulisses, e, pouco depois, Filoctetes, Ájax (filho de Oíleo), Idomeneus, Meríones, Podalírios, Menesteus, Acamas, Eurímacos, Leonteus, Agápenor e todos quantos couberam no esconderijo. O último a entrar foi Epeios, o autor daquela bela escultura, o qual, puxando para dentro a escada, fechou o alçapão e sentou-se diante dele. Os outros mantiveram-se calados, na escuridão. Com eles, também, foram levadas provisões para matar a fome e a sede.

    Enquanto entravam no bojo do cavalo, Agamémnon, necessário permanecer fora para comandar os exércitos, ordenou que incendiassem as tendas do acampamento e, depois, embarcassem nos navios. E, sob as ordens dele e de Nestor, zarparam para a ilha de Tênedos, que antes já havia sido saqueada pelos aqueus, há muitos anos. Ancorando diante de Tênedos, longe dos olhos dos teucros, começaram a desembarcar somente o necessário para que pudessem zarpar mais do que depressa, aguardando ansiosos, com os olhares voltados para as praias troianas, à espera de um sinal que poderia levar dias até que Sínon pudesse agir.

    Pouco depois, as sentinelas troianas perceberam ao longe, no Helesponto, as nuvens de fumaça que subiam, e, observando com mais atenção a margem, do alto dos muros, de onde podiam avistar até então alguns navios, perceberam que haviam desaparecido. Era difícil acreditar. Os guardas, imediatamente, chamaram o rei Príamos e os filhos, para que também vissem.

    Poderiam os gregos somente terem modificado a formação de seus navios, 14

    como também poderiam ter abandonado as praias troianas, por estarem debilitados. Acreditavam que, possivelmente, empreenderiam uma nova expedição, mais tarde, mas, até lá, eles próprios se fortaleceriam e se preparariam para esse novo ataque. Era tudo o que precisavam. Por isso, para se certificarem, foram mandados espiões , disfarçados de camponeses e mendigos, para que observassem de longe o que estava se passando, pois não deveriam se precipitar. Podia ser manobra de envolvimento por outro lado.

    Os gregos tinham usado todos os recursos imagináveis nos últimos tempos.

    Algo podiam estar tramando.

    Então, partiram os espiões, que o mais depressa possível retornaram com a notícia:

    — Grande Príamos, nutrido pelos deuses, algo de muito estranho acontece no acampamento dos aqueus!

    — Vamos, diz logo o que há! Um homem que perdeu quase todos os seus filhos dificilmente se espantará com qualquer coisa...

    E o sentinela gaguejou:

    — Majestade, os gregos... acho que partiram!

    — Ora, vamos, levai este idiota daqui! Sua boca fede a vinho, como a de quem passou a noite libando aos deuses.

    E disse o outro sentinela:

    — É verdade, Majestade, venham todos conferir!

    Aos poucos foram chegando outros, inclusive camponeses, confirmando a notícia.

    15

    Certamente, segundo eles, haviam sido vencidos pelo cansaço, pelo sofrimento e pela saudade. Entretanto, ainda assim, esperaram mais algum tempo. E Príamos ordenou, ainda incrédulo:

    — Que uma patrulha teucra vasculhe tudo ao redor! Deve-se tratar, com certeza, de algum golpe tramado pelos aqueus. Não vos esqueceis de que aquele terrível Ulisses, mestre da perfídia, encontra-se entre eles.

    Então, loucos de alegria, e alucinados, correram em tropel à praia, embora não se esquecessem de revestir-se das armas, pois não estavam ainda livres de uma emboscada. E, instantes depois, uma voz explodiu do alto das muralhas:

    — O cerco terminou!

    Outra voz gritou a mesma coisa, e uma terceira reproduziu o mesmo, e logo por toda a cidade só se dizia a mesma coisa:

    — O cerco terminou! O cerco terminou!

    Mulheres e crianças saíram às ruas; homens carregando crateras cheias de vinho dançavam pelas vias públicas de Tróia e toda a cidade era uma alegria só. Tróia, enfim, era novamente uma cidade livre, livre para amar, para negociar, para odiar, para rir, para chorar — enfim, para viver outra vez, como todas as cidades.

    E começaram a procurar entender o que acontecia:

    — Quem não garante que eles se satisfizeram com o Paládio e foram embora?

    — Só se eles forem tolos...

    16

    As imensas e pesadas portas Escéias foram finalmente abertas, de par em par.

    Não havia mais perigo algum de invasão, principalmente depois que receberam a notícia de que nem mesmo haviam gregos ocultos na floresta nem nas montanhas, e as pessoas podiam deixar os limites da cidade, sem qualquer receio. Todos acorreram para ver os restos do acampamento grego, rindo e cantando. Outros, mais judiciosos, saíam em busca dos cadáveres dos parentes e amigos, mortos recentemente. Em vez do velho acampamento grego, viram as tendas incendiando, restos de comida, lanças partidas, ossos queimados pelo Sol, e no meio da antiga ágora um formoso e fascinante cavalo de madeira; cercaram-no e contemplaram-no com espanto, em vez que se tratava efetivamente de obra-prima. Pensaram que, provavelmente, era um objeto religioso de adoração, ou uma estranha arma de guerra. Houve clamor e cantos em torno do impressionante monumento que simbolizava a derrota dos gregos.

    — Vede, há aqui uma inscrição, na parte frontal do monumento! Está escrito:

    Oferenda a Palas-Atena para um bom regresso. Os aqueus o abandonaram!

    E alguém se lembrou de levá-lo, como relíquia, para a festa com que Tróia celebraria a vitória. Houve dúvida.

    — Que faremos desta maravilha?

    Imediatamente se estabeleceu uma discussão sobre o que era preciso fazer com tão grande maravilha. Enquanto uns achavam que convinha conduzi-lo à cidade e ali deixá-lo exposto como perpétuo símbolo da vitória, pensavam outros que convinha atirá-lo ao mar ou queimá-lo. Cápis encabeçava os que queriam, a todo transe, destruir o cavalo que os gregos haviam deixado. Foi um conselho que ouviram com grande ansiedade e temor os heróis ocultos no bojo do cavalo.

    O grego, desarmado e fingindo-se assustadíssimo, desempenhou o papel que lhe fora indicado por Ulisses. Erguendo os olhos ao Céu, em súplica, e 17

    voltando-se depois aos presentes, em especial ao rei, exclamou por entre soluços:

    — Ai, como sou desgraçado! A que país, a que mar posso apelar, se os gregos me expulsaram e os troianos se preparam para matar-me?!

    Os suspiros do pobre homem despertaram a compaixão até dos que o tinham aprisionado como inimigo e tratado com brutalidade. O rei Príamos ordenou:

    — Deixai-o em paz. Quem tu és, estranho? E a que exército pertences? Fica tranqüilo, pois, no momento, não vamos tirar-te a vida. Mas só digas a verdade. Por que os gregos te perseguem?

    — Vamos, diz quem és!

    O homem, livrando-se do falso temor, respondeu:

    — Direi a verdade, ainda que isso

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1