Por que falar em morte se é primavera?
De Leonor Assad
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Por que falar em morte se é primavera? - Leonor Assad
POR QUE FALAR EM MORTE SE É PRIMAVERA?
Logotipo da Universidade Federal de São CarlosEdUFSCar – Editora da Universidade Federal de São Carlos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
Editora da Universidade Federal de São Carlos
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Leonor Assad
POR QUE FALAR EM MORTE SE É PRIMAVERA?
Logotipo LetraSelvagemLogotipo comemorativo de 30 anos da Editora da Universidade Federal de São Carlos© 2022, Leonor Assad
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Coordenação editorial: Nicodemos Sena e Wilson Alves-Bezerra
Editora adjunta: Marli Perim
Design editorial (capa e miolo): Cesar Neves Filho
Ilustração da capa: Pintura digital de Dodi Ballada inspirada em quadro de Sandro Botticelli
Foto da autora: Daiane Freitas e Giuliano Wassall
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Catalogação na fonte: Angélica Ilacqua CRB 8/7057
Editoração eletrônica (eBook): Alyson Tonioli Massoli
Assad, Leonor.
Por que falar em morte se é primavera? / Leonor Assad. -- Documento eletrônico. -- 1. ed. - Taubaté, SP : Letra Selvagem ; EdUFSCar, 2023.
ePub: 793 KB.
ISBN: 978-85-7600-586-5
1. Contos brasileiros. I. Título.
CDD – B869.3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP). Catalogação na fonte: Angélica Ilacqua CRB 8/7057
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Sumário
Palavras de Papel
É Vice-Campeão!
A Vizinha
Entre Ruídos e Cheiros
Laços
O Dia em que Clarinha Matou seu Professor de Literatura
Com Incidente
De Algum Lugar
Posfácio
Os autores costumam esconder os tormentos de sua criação. Quando os personagens são vivos, realmente vivos, diante de seu autor, este não faz outra coisa senão segui-los, nas palavras, nos gestos que, precisamente, eles lhes propõem. E é preciso que ele os queira como eles querem ser; e ai dele se não fizer isso! Quando uma personagem nasce, adquire logo tal independência, mesmo em relação ao seu autor, que pode ser imaginado por todos, em outras várias situações, nas quais o autor nem pensou colocá-lo, e adquirir também, às vezes, um significado que o autor nunca sonhou dar-lhe!"
(Seis personagens em busca de um autor, Luigi Pirandello)
PALAVRAS DE PAPEL
Um dia, depois de uma noite mal dormida, ela decidiu não mais falar. Só assim poderia controlar as palavras que saíam de sua boca voando pela casa como bando de aves. Palavras vagas, palavras fúteis, palavras duras, palavras sem graça: todas fazendo barulho de maritacas que perturbavam o silêncio que esperavam dela. As palavras sem graça eram as mais difíceis de controlar. As vagas, bobas por natureza, a deixavam apenas cansada. Eram tantas e tão insistentes que às vezes vagavam soltas enquanto ela fazia suas tarefas diárias. As palavras fúteis quando apareciam deixavam a impressão de que podiam não ter sido ditas. Desapareciam rápido com o esquecimento. As palavras duras eram apenas vingativas, mas daquela vingança vazia que fica só na ameaça frívola que ninguém leva a sério. Mas as palavras sem graça... eram quase sempre inoportunas, pois apareciam com ares de importantes, queriam ter graça, mas o máximo que conseguiam era um sorriso forçado ladeado por ouvidos alheios.
Decidiu então trancá-las todas dentro de si, aprisionadas longe das cordas vocais. Porque se ficassem por perto daquelas pregas poderiam provocá-las e, forçando um pigarro indesejado, sair aos borbotões pela boca mal fechada. Os riscos de respingos de saliva e de má concordância verbal ou nominal seriam grandes. E ela, que gostava de falar um português correto, ultimamente vinha cometendo muitos erros vulgares. Trancou-as todas entre o estômago, órgão habituado a porradas alimentares e emocionais, e o cérebro, que se julgava o líder daquele corpo mal-ajeitado e já envelhecido.
No início ninguém notou o seu silêncio. Não porque falasse pouco. Ao contrário. Seu falatório muitas vezes incomodava. O silêncio dela não foi notado porque havia muitos espaços naquela casa onde ele podia se abrigar marotamente, protegida por sons de TV, de rádio e de arrumações domésticas. Só notaram o seu silêncio após alguns dias porque ela passara a ficar sentada em algum canto da casa, irrequieta e com uma tosse enjoada porque as palavras faziam-lhe cócegas ao vagar agitadas, tentando escapar pelo céu da boca.
Os da casa diziam para ela falar alguma coisa. Mas não falavam isso com muito entusiasmo. No fundo estavam gostando do seu silêncio. Apenas perceberam sua agitação, principalmente nos pés, que se esfregavam um no