A Canção Que Vem Do Mar
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A Canção Que Vem Do Mar - Regina Fantin Schiavinato
Regina Fantin Schiavinato
A CANÇÃO QUE VEM DO MAR
1ª Edição
Editora Escrita Criativa
Sertãozinho – SP
2023
Copyright by Regina Fantin Schiavinato, 2023.
Todos os direitos reservados à autora. Nem o todo, nem qualquer parte desta obra pode ser reproduzida sem a expressa concordância da autora.
Plágio é crime conforme os preceitos legais.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Bibliotecário responsável: Fabrício Schirmann Leão – CRB 10/2162
Esta obra é dedicada aos meus pais,
Amadeu Fantin e Thereza Ninin Fantin,
por terem sido o portal que me trouxe a esta vida e por terem sido os pais perfeitos para mim.
Ao meu grande amor,
Anderson Tiago Schiavinato,
pelo apoio, incentivo e por fazer parte da minha história através dos tempos.
Ao fruto do nosso amor, nossa filha amada,
Sofia Schiavinato.
À minha primeira e grande incentivadora,
Sueli Bellini,
Por suas palavras, elogios e incentivos e pelo amor que nos dedica.
Em especial, à memória de
Graziela Marina Azrak.
ÍNDICE
Prefácio
Primeiro olhar
Mãe Luzia
Descoberta
Impossível fugir agora
A casa grande
O encontro
À procura de alguém
Juras
O baile
Um lugar especial
Em casa
Doente por amor
19 de maio de 1822
Não haverá despedida
Quem sou eu?
Quarta-feira, 11 de agosto de 1824
Sem pressa
Jacira
Cartas, descobertas e um bebê.
A canção que vem do mar
Chuva de arroz
Medos, despedidas e reencontros
Preço a pagar
Reine, Agde, França.
14 de julho de 1864
Reencontro
Prefácio
Talvez tenham lhe falado que o amor não existe. Talvez tenham lhe ensinado que amor verdadeiro só existe em contos de fadas. Talvez, você, caro leitor, nunca tenha nem sonhado com um amor desses que vou contar aqui.
Só posso dizer uma coisa: o amor ainda existe! Ele existirá enquanto houver corações dispostos a se entregarem verdadeiramente a ele.
Através de tudo que vou contar, quem não acredita poderá voltar a ter fé no amor.
Este livro conta a primeira parte de uma história de amor que atravessou os tempos.
Não importa o que tenha acontecido com você, ou no que você acredita, o amor é a maior força do universo e sempre encontrará um caminho de volta.
Primeiro olhar
É 05 de janeiro de 2022, quarta-feira. Naquela manhã, o mar estava calmo. Mais sereno que de costume, o brilho suave dos raios de sol reluzindo nas pequenas ondas, o céu azul, a brisa suave, a claridade de uma manhã comum, mas não para mim. Aquele foi o momento em que me decidi: vou escrever.
Sento-me na areia, ainda fresca pela noite, que terminara dando espaço para o novo dia. De todas as decisões tomadas até então, de tudo que já passara essa era a mais tocante e feliz. Iria escrever e seria como um resgate de tudo que levava na alma. Um sonho me acometera naquela noite, um sonho sobre tudo que vivi, tudo que vi e tudo que aprendi. Acaricio gentilmente a areia branca e isso me faz lembrar do primeiro momento, do primeiro pedido que fiz a Ela.
É março de 1822. Com letras trêmulas pela emoção que sinto, escrevo na areia com um pequeno galho que encontrei: Abençoe-me, minha mãe Iemanjá!
Junto com essa lembrança, vêm tantas outras que me fazem tomar a grande decisão de, enfim, contar toda essa história. Então, novamente, escrevo na areia um pedido para que ela possa, mais uma vez, me abençoar.
O pensamento viaja e volto para aquele exato momento, domingo 17 de março de 1822. Uma tarde quente, próximo ao porto do Recife, que, naquela época, ainda era chamado de Porto de Pernambuco. Foi o primeiro porto de escravos das Américas e principal escoadouro de açúcar e pau-brasil de Pernambuco, a mais rica capitania do Brasil Colônia, que daria, naquele mesmo ano, o seu ‘grito de independência’. O mesmo céu de todos os dias, o mesmo mar, mas, naquele dia, estava tudo diferente. Eu me abaixo e escrevo na areia, com os olhos cheios de lágrimas e o coração em pedaços pelo que acabara de acontecer. Termino de rabiscar meu pedido a Ela e levanto os olhos devagar. Com a claridade e as lágrimas que vinham com força, dificultando a visão, pude perceber um par de pés descalços na areia, que vinham caminhando em minha direção e já estavam bem perto quando me dei conta.
Rapidamente, apago o que havia escrito, já que a religião dos escravos
não é aceita, e o catolicismo é pregado por toda a parte. Os cultos são realizados às escondidas e eu, como filha de portugueses, fujo algumas noites para poder participar daquilo tudo que, de alguma forma, toca profundamente minha alma e meu coração. Vou subindo o olhar, devagar e com medo, passando dos pés para aquelas pernas fortes em uma calça enrolada quase até a altura dos joelhos. Paro por ali, de medo de quem poderia ser e pela cegueira causada pelas lágrimas e a claridade extrema. O homem para diante de mim.
Com o corpo tremendo e o rosto coberto pelas lágrimas, levanto a cabeça devagar para o encarar. Pisco algumas vezes, limpando a visão e enxugando o rosto com as costas das mãos. Assim, posso olhar nos olhos daquele jovem rapaz que me encara como quem acaba de encontrar algo extraordinário e que não deveria estar ali. Paro de respirar por um momento, aguardando alguma reação.
Fico imóvel, de olhos arregalados e ele diz apenas:
— Olá, senhorita!
Ele me abre um sorriso que me faz parar de respirar novamente.
O cabelo castanho dourado, queimado pelo sol e desarrumado pela brisa cobre seus olhos pequenos e meio puxados; ele ajeita com a mão a franja que vai até a altura da orelha e continua a me olhar aguardando uma resposta que não vem. Não consigo sequer sussurrar uma só palavra diante de alguém que nunca vi, mas que possui tanta beleza. Sim, era encantador. Naquele momento, só consegui descrevê-lo em minha mente, como quem quisesse gravar cada detalhe na memória, como se fosse um sonho que pudesse se apagar quando acordasse ou um delírio de quem tinha chorado demais. O vento abre um pouco mais a camisa desabotoada e vejo reluzir em seu peito uma corrente dourada com uma imagem de santo.
Nesse momento, meu medo de que ele tenha notado o que eu escrevera volta a fazer meu coração tremer. O catolicismo ainda nos é imposto, temo ser repreendida, temo que ele fosse alguém da igreja, que tivesse chegado, já que nunca o tinha visto por aqui. Isso me tira do meu devaneio de caminhar com os olhos pelos músculos e pelos de seu peito. Volto-me ao seu olhar, e ele percebe meu desespero.
— Desculpe-me por tê-la assustado — diz, dando um passo para trás, mas logo volta pra perto. — Não pude deixar de notá-la, agora vejo que chora, e seu choro me toca, mas não a quero perturbar.
Num gesto repentino, leva a mão próxima a meu rosto como se quisesse enxugar mais uma lágrima que teima em rolar, mas não ousa me tocar, pois me esquivo diante de tal atrevimento, porém, continuo muda, imóvel e amedrontada. Ele tem um sotaque francês e nunca o tinha visto. Eram muitas as pessoas que chegavam e partiam pelo porto, levando e trazendo mercadorias, imigrantes, viajantes. Eu não costumava ficar muito por aquela praia, mas, hoje, especialmente, tive que ir ao porto.
Limpo as mãos cheias de areia no vestido azul claro, tentando mantê-las ocupadas enquanto tento encontrar fôlego, coragem e palavras para responder algo, mas não consigo. Meus cabelos, espalhados pela brisa, começam a grudar no rosto molhado e retiro-os para colocá-los atrás da orelha e baixo a cabeça. Nada consigo dizer. Os nós no peito e na garganta são grandes demais pra deixar sair qualquer palavra que seja. Ele continua a me olhar como se tivesse todo o tempo do mundo.
Por um momento, sua presença me arranca da tristeza e do desespero que sentia, há pouco, ao receber a notícia de que o navio em que meus pais viajaram não retornaria nesta tarde como era esperado, na verdade não voltaria nunca mais, por conta de uma tempestade ocorrida dois dias atrás. Fui até o porto ao ver que uma grande embarcação se aproximava e recebi a notícia que trouxe grande tristeza para a comunidade em que vivia, pois muitos tinham perdido seus familiares. Agora eu estava sozinha, sem meus pais, e isso era devastador.
Aos poucos, eu me afasto, viro as costas e vou embora, como quem foge sem saber pra onde. Vou em direção à ponte, onde deixara meu cavalo. Depois de uma certa distância, ouso olhar pra trás e o vejo ainda me olhando, parado, como alguém que foi deixado de mãos vazias e sem entender nada. Fujo para casa, jogo-me na cama e choro em soluços, por meus pais, até dormir. A noite vem morna, e acordo em meio a pesadelos aterrorizantes sobre o que acabara de acontecer com meus pais. Os olhos doem, o coração também. Naquela noite, não ouço os tambores. O silêncio é ainda mais triste. Tenho vontade de fugir novamente, mas não tenho pra onde, nem pra quem correr, pois