Memórias da Emília
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Sobre este e-book
Anjinho de asa quebrada, Peter Pan e até Popeye aparecem nas histórias malucas da boneca, que entre uma peripécia e outra dá lições pra muita gente grande: "Dizem que não tenho coração. Tenho, sim, só que não é de banana... Mas ele dói quando vê uma injustiça. Dói tanto, que estou convencida que o maior mal deste mundo é a injustiça'.
Alguma dúvida de que Emília sabe das coisas?
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Memórias da Emília - Monteiro Lobato
Título – Memórias da Emília
Copyright da atualização © Editora Lafonte Ltda. 2019
ISBN 978.85-8186-349-8
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida por quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores e detentores dos direitos.
Direção Editorial: Ethel Santaella
REALIZAÇÃO
GrandeUrsa Comunicação
Direção: Denise Gianoglio
Atualização de textos e Revisão: Paulo Kaiser
Projeto Gráfico e Diagramação: Idée Arte e Comunicação
Ilustrações: Jótah
Versão EPUB: Estúdio GDI
Em respeito ao estilo do autor, foram mantidas as preferências ortográficas do texto original, modificando-se apenas os vocábulos que sofreram alterações nas reformas ortográficas.
Editora Lafonte
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Sumário
Emília resolve escrever suas Memórias
As dificuldades do começo
O Visconde começa a trabalhar para Emília
História do anjinho de asa quebrada
A história do anjinho corre mundo
O rei da Inglaterra manda ao sítio de Dona Benta um navio cheio de crianças
Protesto das crianças inglesas
Aparece Peter Pan
Conversas com o anjinho verdadeiro
O almirante assombra-se com o que vê
Onde aparece um famoso marinheiro
Emília descobre o segredo de Popeye
A couve da Emília e o espinafre de Popeye
Pedrinho e Peter Pan preparam-se para a luta
A grande luta
Pedrinho e Peter Panbatem Popeye
Palavras do almirante para Emília
Diálogo entre a boneca e o Visconde
A esperteza de Emília e a resignação do milho
A fuga do anjinho
Grande tristeza
Despedida da criançada e do almirante Brown
O Viscondedesabafa
Seu retrato da Emília
A boneca pensa em Hollywood
Minha viagem a Hollywood
Dona Benta descobre as memórias de Emília
Pedrinho e Narizinho aparecem no quarto
Fim da aventura em Hollywood
Últimas impressões de Emília
Suas ideias sobre pessoas e coisas do sítio de Dona Benta
Emília resolve escrever suas Memórias
As dificuldades do começo
Tanto Emília falava em Minhas Memórias
que uma vez Dona Benta perguntou: — Mas, afinal de contas, bobinha, que é que você entende por memórias?
— Memórias são a história da vida da gente, com tudo o que acontece desde o dia do nascimento até o dia da morte.
— Nesse caso — caçoou Dona Benta —, uma pessoa só pode escrever memórias depois que morre...
— Espere — disse Emília. — O escrevedor de memórias vai escrevendo, até sentir que o dia da morte vem vindo. Então para; deixa o finalzinho sem acabar. Morre sossegado.
— E as suas Memórias vão ser assim?
— Não, porque não pretendo morrer. Finjo que morro, só. As últimas palavras têm de ser estas: E então morri...
, com reticências. Mas é peta. Escrevo isso, pisco o olho e sumo atrás do armário para que Narizinho fique mesmo pensando que morri. Será a única mentira das minhas Memórias. Tudo mais verdade pura, da dura — ali na batata, como diz Pedrinho.
Dona Benta sorriu.
— Verdade pura! Nada mais difícil do que a verdade, Emília.
— Bem sei — disse a boneca. — Bem sei que tudo na vida não passa de mentiras, e sei também que é nas memórias que os homens mentem mais. Quem escreve memórias arruma as coisas de jeito que o leitor fique fazendo uma alta ideia do escrevedor. Mas para isso ele não pode dizer a verdade, porque senão o leitor fica vendo que era um homem igual aos outros. Logo, tem de mentir com muita manha, para dar ideia de que está falando a verdade pura.
Dona Benta espantou-se de que uma simples bonequinha de pano andasse com ideias tão filosóficas.
— Acho graça nisso de você falar em verdade e mentira como se realmente soubesse o que é uma coisa e outra. Até Jesus Cristo não teve ânimo de dizer o que era a verdade. Quando Pôncio Pilatos lhe perguntou: Que é a verdade?
, ele, que era Cristo, achou melhor calar-se. Não deu resposta.
— Pois eu sei! — gritou Emília. — Verdade é uma espécie de mentira bem pregada, das que ninguém desconfia. Só isso.
Dona Benta calou-se, a refletir naquela definição, e Emília, no maior assanhamento, correu em busca do Visconde de Sabugosa. Como não gostasse de escrever com a sua mãozinha, queria escrever com a mão do Visconde.
— Visconde — disse ela —, venha ser meu secretário. Veja papel, pena e tinta. Vou começar as minhas Memórias.
O sabuguinho científico sorriu.
— Memórias! Pois então uma criatura que viveu tão pouco já tem coisas para contar num livro de memórias? Isso é para gente velha, já perto do fim da vida.
— Faça o que eu mando e não discuta. Veja papel, pena e tinta.
O Visconde trouxe papel, pena e tinta. Sentou-se. Emília preparou-se para ditar. Tossiu. Cuspiu e engasgou. Não sabia como começar — e para ganhar tempo veio com exigências.
— Esse papel não serve, Senhor Visconde. Quero papel cor do céu com todas as suas estrelinhas. Também a tinta não serve. Quero tinta cor do mar com todos os seus peixinhos. E quero pena de pato, com todos os seus patinhos.
O Visconde ergueu os olhos para o teto, resignado. Depois falou; fez-lhe ver que tais exigências eram absurdas; que ali no sítio de Dona Benta não havia patos, nem o tal papel, nem a tal tinta.
— Então não escrevo! — disse Emília.
— Sua alma, sua palma — murmurou o Visconde. — Se não escrever, melhor para mim. É boa!...
Emília, afinal, concordou em escrever as Memórias naquele papel da casa, com pena comum e tinta de Dona Benta. Mas jurou que havia de imprimi-las em papel cor do céu, tinta cor do mar e pena de pato.
O Visconde disparou na gargalhada.
— Imprimir com pena de pato! É boa!... Imprime-se com tipos, não com penas.
— Pois seja — tornou Emília. — Imprimirei com tipos de pato.
O Visconde ergueu novamente os olhos para o forro, suspirando.
Estavam os dois fechados no quarto dos badulaques. Servia de mesa um caixãozinho, e de cadeira um tijolo. Emília passeava de um lado para outro, de mãos às costas. Ia ditar.
— Vamos! — disse ela depois de ver tudo pronto. — Escreva bem no alto do papel: Memórias da Marquesa de Rabicó
. Em letras bem graúdas.
O Visconde escreveu:
MEMÓRIAS DA MARQUESA DE RABICÓ
— Agora escreva: Capítulo Primeiro.
O Visconde escreveu e ficou à espera do resto.
Emília, de testinha franzida, não sabia como começar.
Isso de começar não é fácil. Muito mais simples é acabar. Pinga-se um ponto final e pronto; ou então escreve-se um latinzinho: FINIS. Mas começar é terrível. Emília pensou, pensou, e por fim disse:
— Bote um ponto de interrogação; ou, antes, bote vários pontos de interrogação. Bote seis...
O Visconde abriu a boca.
— Vamos, Visconde. Bote aí seis pontos de interrogação — insistiu a boneca. — Não vê que estou indecisa, interrogando-me a mim mesma?
E foi assim que as Memórias da Marquesa de Rabicó
principiaram de um modo absolutamente imprevisto:
Capítulo Primeiro
???????
Emília contou os pontos e achou sete.
— Corte um — ordenou.
O Visconde deu um suspiro e riscou o último ponto, deixando só os seis encomendados.
— Bem — disse Emília. — Agora ponha um... um... um... O Visconde escreveu três uns, assim: 1,1,1. Emília danou.
— Pedacinho de asno! Não mandei escrever nada. Eu ainda estava pensando. Eu ia dizer que escrevesse