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No vestígio: Negridade e existência
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No vestígio: Negridade e existência
E-book282 páginas4 horas

No vestígio: Negridade e existência

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Sobre este e-book

Christina Sharpe desvenda, aqui, os vestígios das memórias negras escondidas numa história predominantemente branca. Por meio de poemas, de obras de arte, cinema e arquitetura, bem como de memórias individuais e familiares, a autora evoca os vestígios do sistema escravista na vida de pessoas negras e em toda uma sociedade moldada para desconfigurar seu sofrimento. Em diálogo com escritoras como Toni Morrison e Saidiya Hartman, Sharpe desenterra um passado colonialista ainda impregnado nas relações sociais, nos laços familiares e em nossa própria subjetividade. Ao evidenciar mecanismos de exclusão que perduram e servem de base para um sistema que lucra com os diversos tipos de violência contra corpos considerados desimportantes, Sharpe ressalta a urgência de um trabalho coletivo de vigília, lembrança e cuidado para a construção de um espaço que não reproduza estigmas e que permita o reconhecimento das feridas ainda abertas da escravização negra.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de jul. de 2023
ISBN9788571261006
No vestígio: Negridade e existência

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    No vestígio - Christina Sharpe

    Eu não estava lá quando minha irmã morreu. Estava em Chicago, na reunião da Cultural Studies Association, terminando de escrever a apresentação que seria minha primeira tentativa ligada ao trabalho que se transformou neste livro. Meu irmão Christopher ligou naquela quarta-feira de maio e perguntou se eu estava ocupada. Eu disse que estava terminando a apresentação que faria na sexta-feira. Ele me pediu para ligar de volta quando terminasse. Duas horas se passaram e eu ainda não havia ligado, então ele me ligou. Ele disse que gostaria de ter esperado, mas nosso irmão Stephen e nossa irmã Annette haviam insistido para que ele me ligasse outra vez. Disseram-lhe que eu ficaria chateada se ele esperasse. Nossa irmã mais velha, IdaMarie, tinha morrido, Christopher me contou. Não havia muitos detalhes. Ela morava sozinha e se atrasou para o trabalho. Não mais do que dez minutos, mas ela sempre fora tão pontual que dez minutos sem uma ligação, mensagem de texto ou e-mail alarmaram o pessoal no seu emprego a ponto de convencerem a polícia a ir ao seu apartamento. Ela foi encontrada lá. Eu desliguei o telefone. Liguei para minha companheira e para duas pessoas amigas. Mandei uma mensagem a um dos meus colegas de apresentação para dizer que não estaria no painel e o porquê. Mandei uma mensagem para outro amigo, um ex-aluno que agora é professor da Universidade DePaul, e ele disse que iria me buscar. Ele falou que eu não deveria ficar sozinha. Desliguei o telefone e adormeci.

    Isso foi em maio de 2013, e, na época, eu não tinha ideia de que mais duas pessoas da minha família morreriam nos dez meses subsequentes. Essa seria a segunda vez na minha vida que três parentes próximos morreriam sucessivamente. Na primeira ocasião, em 2 de fevereiro de 1997, 19 de janeiro de 1998 e 4 de julho de 1999, sobrevivemos à morte de meu sobrinho Jason Phillip Sharpe; de minha mãe, Ida Wright Sharpe; e de meu irmão mais velho, Van Buren Sharpe III. A maneira como essa repetição mortal aparece aqui é uma instanciação do vestígio como quadro conceitual da/para a negridade viva na Diáspora nos rescaldos ainda incandescentes da escravização de pessoas como bens móveis [chattel slavery] no Atlântico.

    Ninguém estava com minha irmã quando ela morreu em sua casa. Não fazia nem uma semana que ela, meu irmão Stephen, minha irmã Annette e meu cunhado James haviam voltado de um período de dez dias de férias na Flórida. Sua morte foi repentina e alarmante. Ainda não sabemos o que causou a morte de IdaMarie; o relatório da autópsia foi inconclusivo.

    IdaMarie e eu não éramos próximas. Tivemos apenas momentos de proximidade, como no período turbulento após a morte de seu filho, meu sobrinho Jason [fig. 1.1]. Essa falta de proximidade se devia em grande parte, embora não apenas, ao fato de haver quase 22 anos de diferença entre mim e minha irmã mais velha; nunca passamos muito tempo juntas, nunca nos conhecemos muito bem, e eu cresci acostumada com sua ausência. Na verdade, não vivenciei sua ausência como ausência porque, quando eu nasci, ela já tinha a própria vida, distante de mim, pois sua relação com nosso pai era irrecuperável, por razões que permanecem desconhecidas para mim.

    Há muitos silêncios em minha família. Eu sou a caçula de seis. Meus pais nasceram na Filadélfia no primeiro quarto do século XX. Meu pai, que frequentou a Overbrook High School, era uma das oito crianças de uma família de classe média (sua mãe frequentara a Normal School em Washington, dc; três irmãos do meu pai estudaram na Universidade Howard); minha mãe, que frequentou a West Catholic Girls High School, era filha única de uma mãe solteira da classe trabalhadora em situação de pobreza. Minha mãe e meu pai se casaram no 19° aniversário da minha mãe; meu pai tinha 30 anos. Nem ela nem ele fizeram faculdade. Minha mãe sempre quis ser artista, mas as freiras brancas que lecionavam na West Catholic Girls lhe disseram que meninas Negras¹ não podiam. Então, depois de se formar, ela fez um curso profissionalizante para se tornar técnica em radiologia. Meu pai trabalhava na sala de triagem da agência do correio da rua 30, na Filadélfia. Minha mãe trabalhava como técnica em radiologia antes de eu nascer e, após ser diagnosticada com câncer e tratada pela primeira vez, passou a trabalhar na revista TV Guide. Depois disso, ela trabalhou na Sears, em St. Davids, Pensilvânia, no departamento de jardinagem e, mais tarde, no departamento de pessoal. Nós, crianças, estudamos na Archbishop John Carroll High School, na St. Katherine of Siena, na Academy of Notre Dame de Namur, na Devon Preparatory, na Valley Forge Junior High School e também na Conestoga Senior High School; escolas católicas mais ou menos boas ou medíocres, escolas particulares de elite e boas escolas públicas. Estudamos em todas essas escolas até que acabasse a bolsa e/ou até que o racismo ficasse insuportável demais; às vezes, a bolsa acabava por causa do racismo. Em cada uma dessas instituições públicas e privadas e ao longo das gerações (minha irmã era 22 anos mais velha que eu; meu irmão, 21), enfrentamos os tipos de racismo, pessoal e institucional, que muitas pessoas, de todas as raças, gostam de associar ao Sul dos Estados Unidos de antes do caso Brown versus Board of Education.² O motor do racismo estadunidense atropelou as ambições e os desejos de minha família. Ele trespassou nossos encontros sociais e públicos e também nossa sala de estar. Racismo, o motor que move o navio dos projetos nacionais e imperiais do Estado (o navio estadunidense do Estado […] a arca da aliança que autorizou tanto a liberdade quanto a escravização),³ atropela todas as nossas vidas e mortes dentro e fora da nação, no vestígio de seu fluxo proposital.

    Vestígio: o rastro deixado na superfície da água por um navio; a perturbação causada por um corpo nadando ou sendo movido na água; as correntes de ar atrás de um corpo em voo; uma região de fluxo perturbado.

    Em 1948, minha mãe e meu pai se mudaram com minha irmã e meu irmão mais velhos de West Philadelphia para Wayne, Pensilvânia, na Main Line. Uma família Negra, de classe média, trabalhadora e esforçada, pessoas que viviam em uma encruzilhada de quatro vias em uma das extremidades de um pequeno bairro Negro de renda mista chamado Mt. Pleasant, cercado por bairros brancos, em sua maioria de classe média alta e ricos (na mesma rua ficavam o St. Davids Golf Club e a Valley Forge Military Academy). Pelo que sei, minha mãe e meu pai se mudaram para essa região em busca de oportunidade; o casal queria o que imaginava e sabia que não tinha e aquilo a que suas crianças não teriam acesso na Filadélfia: desde um espaço para crescerem (em breve seríamos seis, e a casa era pequena), com um quintal grande o suficiente para caberem árvores frutíferas e horta, até a facilidade de obterem uma boa educação. (Oportunidade: do latim ob-, que significa em direção a, e portu(m), que significa porto: o que é oportunidade no vestígio, e como a oportunidade é sempre apresentada?) É óbvio que não se trata de um fenômeno Negro exclusivo dos Estados Unidos. Esse tipo de movimento acontece em toda a Diáspora Negra do/no Caribe e continente até a metrópole, as grandes migrações dentro dos Estados Unidos, desde o início até meados do século XX, que viram milhões de pessoas Negras se movimentando do Sul para o Norte e, na contemporaneidade, as pessoas em movimento por todo o continente africano e também para Alemanha, Grécia, Lampedusa.⁵ Como muitas dessas pessoas Negras em movimento, meu pai e minha mãe descobriram que as coisas não eram muito melhores nesse novo mundo: as sujeições do racismo constante e escancarado e do isolamento continuaram. Depois que meu pai morreu, quando eu tinha dez anos, nossa família, que era de classe média baixa em circunstâncias difíceis, passou a ser uma família trabalhadora em situação de pobreza. Mesmo com todo o trabalho que meu pai e minha mãe tiveram para tentar entrar e permanecer na classe média, a precariedade – e mais do que isso – permaneceu. Depois que meu pai morreu, aquela precariedade se via e se sentia nos invernos sem calor, porque não havia dinheiro para manter o aquecedor funcionando; nos buracos no teto, nas paredes e no piso, danos causados pela água e que não tínhamos dinheiro para consertar; no medo e na realidade do corte de eletricidade e de outros serviços públicos por falta de pagamento; no medo de a casa ser hipotecada porque não havia dinheiro, ao menos não o suficiente, para pagar os impostos sobre a propriedade. No meu caso, o acesso aos refeitórios foi cortado durante o primeiro semestre na faculdade e, depois desse semestre, a Universidade da Pensilvânia quase não permitiu que eu voltasse ao campus porque não podíamos pagar a (pequena, mas muito alta para nós) contribuição parental. Porém, apesar de tudo isso e muito mais, minha mãe tentou abrir um pequeno caminho no vestígio. Ela trazia beleza para aquela casa de todas as maneiras que podia; trabalhava com alegria e forjava momentos, espaços e lugares vivíveis no meio de tudo o que era impossível viver ali, na cidade em que morávamos; nas escolas que frequentávamos; na violência que víamos e sentíamos dentro de casa, enquanto meu pai estava vivo, e fora dela, no mundo branco, antes, durante e depois de sua morte. Em outras palavras, mesmo enquanto vivenciávamos, reconhecíamos e vivíamos a sujeição, não vivíamos em sujeição nem como pessoas sujeitadas simplesmente ou apenas.⁶ Embora ela não fizesse parte de nenhum movimento Negro organizado – exceto pela forma como a vida e a mentalidade de uma pessoa são organizadas pelo mundo através da óptica da porta⁷ e da antinegridade e assim se posicionam para apreendê-lo –, minha mãe era politicamente e socialmente astuta. Ela estava sintonizada não apenas com nossas circunstâncias individuais mas também com essas circunstâncias, visto que indicavam o mundo antinegro mais amplo que estruturava toda a nossa vida e com ele se relacionavam. Vigília; o estado de vigilância; consciência. Foi com essa ideia de vigilância como consciência que a maior parte da minha família viveu uma consciência de si mesma como/no vestígio do projeto inacabado de emancipação.⁸

    Assim, o mesmo conjunto de perguntas e questões está se apresentando a nós através desses períodos históricos. Ele [é] a mesma história que está se contando a si própria, mas através das diferentes tecnologias e processos desse período particular.

    É um grande salto passar da classe trabalhadora às universidades da Ivy League e, daí, ao cargo de professora titular. E, como parte desse salto e à parte de suas especificidades, há o sentido e a consciência da precariedade; as precariedades das vidas após a morte da escravização (oportunidades de vida incertas, acesso limitado à saúde e à educação, morte prematura, encarceramento e pobreza);¹⁰ as precariedades do desastre em curso das rupturas da escravização de pessoas como bens móveis. Elas texturizam minhas práticas de leitura, meus modos de ser no/do mundo, minhas relações com outras pessoas e as formas como me relaciono com/a estas. Segundo Maurice Blanchot:

    O desastre arruína tudo, deixando tudo em perfeito estado. […] Quando o desastre vem sobre nós, ele não acontece. O desastre é sua iminência, mas, uma vez que o futuro, como o concebemos na ordem do tempo vivido, pertence ao desastre, o desastre sempre já o suprimiu ou dissuadiu; não há futuro para o desastre, assim como não há tempo ou espaço para sua realização.¹¹

    A escravização transatlântica foi e é o desastre. O desastre da sujeição Negra foi e é planejado; o terror é o desastre, e o terror tem uma história¹² e é profundamente atemporal. A história do capital é inextricável da história da escravização de pessoas como bens móveis no Atlântico. O desastre e a escrita do desastre nunca estão presentes, sempre são o presente.¹³ Nesta obra, quero pensar o vestígio como um problema do/para o pensamento. Quero pensar o cuidado como um problema para o pensamento. Quero pensar o cuidado no vestígio como um problema para o pensamento e da/para a (não) existência Negra no mundo.¹⁴ Dito de outra forma, No vestígio: Negridade e existência é um trabalho que reitera e performa que o pensamento precisa de cuidado (todo pensamento é pensamento Negro)¹⁵ e que o pensamento e o cuidado precisam ficar no vestígio.

    Dezembro de 2013. Eu estava no supermercado quando meu irmão Stephen ligou. Escutei a mensagem e liguei para ele imediatamente. O tom de sua voz e a própria ligação me indicaram que algo estava errado, porque nos últimos anos meu irmão se tornara muito ruim em fazer e retornar ligações, um fato pelo qual ele sempre se desculpou profundamente. Quando ele atendeu o telefone, me disse que tinha más notícias sobre Annette. Eu congelei. Perguntei: O quê? Ela está bem?. Stephen me disse que sim, fisicamente ela estava bem, mas Caleb (que se chamava Trey antes de ser adotado e renomeado), o filho adotivo e distante de Annette e de seu marido, fora assassinado em Pitsburgo. Stephen não tinha outras informações.

    Caleb havia sido severamente maltratado antes de ser adotado aos cinco anos. Ele era muito pequeno e quieto para sua idade, e minha irmã e cunhado no início não tinham plena consciência da extensão ou da gravidade da violência que sofrera. Mas, quando Caleb não superou problemas de adaptação, o casal procurou a ajuda de terapeutas. Em resposta a uma pergunta na terapia sobre as dificuldades que estava enfrentando, Caleb, então com seis anos, respondeu: Eu sou só ruim mesmo. No fim das contas, Caleb foi diagnosticado com um grave transtorno de apego, o que significava que provavelmente nunca criaria laços com a minha irmã. Há outras histórias a serem contadas a esse respeito; mas não são minhas para contá-las.

    Larguei minha cesta e saí da loja. Quando cheguei em casa, pesquisei na internet o nome de Caleb, e as breves notícias que encontrei nos sites do Pittsburgh Post-Gazette e do TribLive eram sobre o assassinato de um jovem Negro de vinte anos no lado norte de Pitsburgo; juntas, essas notícias forneceram todos os detalhes que eu tinha sobre a morte de meu sobrinho.¹⁶

    Caleb Williams, um homem Negro de vinte anos, residente no distrito de Turtle Creek, foi assassinado a tiros no tronco e no pescoço enquanto saía, acompanhado de outra pessoa, de um apartamento no bloco 1.700 da rua Letsche, no lado norte. Os tiros foram disparados de um apartamento vizinho. Ele foi levado para o hospital geral Allegheny, onde morreu mais tarde. Nenhuma pessoa foi acusada; a investigação está em andamento.¹⁷

    Essa não era a primeira vez que eu procurava nos jornais os detalhes do assassinato de alguém da minha família. Em 1994, a polícia da Filadélfia assassinou meu primo Robert, que era esquizofrênico; ele havia se tornado esquizofrênico após o primeiro ano como estudante de graduação na Universidade da Pensilvânia. O que consegui reconstruir com a ajuda do meu irmão Christopher, da minha companheira, da memória e de arquivos de notícias online é que Robert morava em um apartamento em Germantown, não muito longe de meu tio, seu pai, e de minha tia, sua madrasta, e que ele havia parado de tomar sua medicação. Ele era um homem grande, um metro e noventa. Ao que tudo indica, estava agitado e andando pela vizinhança.

    Um homem de Germantown foi alvejado e morto na noite passada, quando encerrou um impasse de oito horas com a polícia ao sair do prédio em que morava apontando uma pistola de partida para os policiais, disse a polícia. Robert Sharpe, quarenta anos, foi baleado várias vezes do lado de fora do prédio residencial na rua Manheim, perto da avenida Wayne. Ele foi declarado morto pouco tempo depois, no campus principal da Faculdade de Medicina do Hospital da Pensilvânia.¹⁸

    O que o jornal não disse é que Robert era conhecido na vizinhança e que ninguém ali o temia; as pessoas estavam preocupadas com ele e queriam ajudá-lo a se acalmar. O que o jornal não disse é que a polícia atirou em Robert, que estava desarmado, ou armado com uma pistola de partida – uma arma de brinquedo –, à queima-roupa onze vezes, ou dezenove, pelas costas.¹⁹ Não havia como buscar justiça aqui. O que significaria justiça?²⁰ Em Refusing Blackness-as-Victimization: Trayvon Martin and the Black Cyborgs, Joy James e João Costa Vargas perguntam:

    O que acontece quando, em vez de sentirmos fúria e choque cada vez que uma pessoa Negra é morta nos Estados Unidos, reconhecemos a morte Negra como um aspecto previsível e constitutivo desta democracia? O que acontecerá então se, em vez de exigirmos justiça, reconhecermos (ou pelo menos considerarmos) que a própria noção de justiça […] produz e exige a exclusão e a morte de pessoas Negras como norma?²¹

    Os contínuos assassinatos legais e extralegais de pessoas Negras sancionados pelo Estado são a norma e, para essa assim chamada democracia, necessários; é o chão em que pisamos. E o fato de que esse é o chão estabelece que, e talvez como, poderemos começar a viver em relação a essa exigência de nossa morte. Quais possibilidades de ruptura podem se abrir? O que acontece quando procedemos como se soubéssemos isto, ou seja, que a antinegridade é o chão sobre o qual estamos de pé, a base na qual tentamos falar, por exemplo, um eu ou um nós que sabe, um eu ou um nós que se importa?

    O fato de que essas e outras mortes Negras sejam produzidas como norma ainda deixa lacunas e questões sem resposta para aquelas de nós no vestígio²² dessas mortes específicas e cumulativas. Minha sobrinha Dianna me enviou um vídeo sobre seu primo, meu sobrinho. O vídeo era dedicado ao Little Nigga Trey, e o fato de existir diz muito sobre a vida do meu sobrinho depois que ele se mudou e voltou a viver próximo de sua família biológica em Pitsburgo, bem como sobre a família não biológica que ele formou como jovem adulto.²³ A vida de Caleb foi singular e difícil, mas também não foi muito diferente da de grande parte da juventude Negra que vive nas (e é produzida pelas) condições contemporâneas da vida Negra vivida no limiar da morte, como mortalidade, no vestígio da escravização. Agentes federais prenderam um suspeito de homicídio em Pitsburgo esta manhã, em New Kensington, que está foragido desde dezembro. é acusado de matar Caleb Williams, vinte anos, de Turtle Creek, em 10 de dezembro.²⁴ Vereda; a linha de recuo de (uma arma).

    Incluo o que é pessoal aqui para conectar as forças sociais acerca do que é existir no vestígio para uma família específica ao que é existir no vestígio para todas as pessoas Negras; para lamentar e ilustrar as maneiras como nossas vidas, de maneira individual, são sempre arrastadas no vestígio produzido e determinado, embora não de forma absoluta, pelas vidas após a morte da escravização. Em outras palavras, incluo o que é pessoal aqui a fim de situar este trabalho, e a mim mesma, no vestígio e do vestígio. O exemplo autobiográfico, diz Saidiya Hartman, não é uma história pessoal que se dobra sobre si mesma; não se trata de olhar para o próprio umbigo, trata-se de realmente tentar olhar o processo histórico e social e a própria formação como uma janela para os processos sociais e históricos, como um exemplo deles.²⁵ Como Hartman, incluo o pessoal aqui para contar uma história capaz de produzir envolvimento e de se opor à violência da abstração.²⁶

    Final de janeiro de 2014. Eu estava me preparando para ir à Alemanha a fim de ministrar uma palestra, na primeira

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