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O Entregador De Correspondências
O Entregador De Correspondências
O Entregador De Correspondências
E-book320 páginas4 horas

O Entregador De Correspondências

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Sobre este e-book

Ainda quando bebê, Alma foi deixada na casa de seus tios por causa da guerra que se aproximava da cidade de seus pais, durante sua vida ela recebeu correspondências ditas serem de seus pais que estavam presos. Na adolescência volta para sua cidade natal e começa a descobrir a verdade sobre a sua história.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de ago. de 2023
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    O Entregador De Correspondências - E. A. Fontanell

    O entregador de correspondências

    E. A. FONTANELL

    Prólogo – 08

    Capítulo 1

    1956 – 15

    Capítulo 2

    O vazio – 23

    Capítulo 3

    Setembro 1949 – 27

    Capítulo 4

    A surpresa – 35

    Capítulo 5

    A carta – 43

    Capítulo 6

    Dezembro 1956 – 52

    Capítulo 7

    Março1957 – 67

    Capítulo 8

    A visita – 87

    Capítulo 9

    O recomeço – 115

    Capítulo 10

    Março1959 – 119

    Capítulo 11

    Verão 1963 – 131

    Capítulo 12

    A caminhada solitária – 135

    Capítulo 13

    1964 – 141

    Capítulo 14

    Uma nova chance – 159

    Capítulo 15

    A vergonha – 182

    Capítulo 16

    Outono 1969 – 191

    Capítulo 17

    A visita – 198

    Capítulo 18

    Lual – 206

    Capítulo 19

    A viagem – 220

    Capítulo 20

    1944 – 245

    Capítulo 21

    1969 – 254

    Capítulo 22

    Verão 1974 – 265

    Capítulo 23

    1977 – 277

    Capítulo 24

    O começo – 1297

    EPÍLOGO – 306

    Dedico este livro à minha esposa e minha filha, partes integrantes e necessárias em minha vida.

    VITRAL

    A vida fora vista do parapeito da janela:

    Com toda sua cor e canto ao amanhecer...

    Como se sereia fosse com seu encantamento.

    Correndo pelos campos ao arredor.

    Jogando futebol e brincando de esconde pelas árvores do bosque.

    Pulando amarelinha com o tempo, seu amigo.

    A vida fora recebida:

    Num jardim florido onde o carmesim floresce,

    As rosas desabrocham em cada sorriso.

    A vida fora percebida através da cortina translúcida de sonhos:

    Com suas amizades conquistadas e,

    Nas inimizades e intrigas.

    A vida fora conquistada:

    Nos amores passageiros dos cantos escuros das praças,

    Vielas e ainda,

    Nas fugas desmotivadas.

    Percebemos a vida com mais maturidade

    Pelas amarras que nos foram postas,

    Quando acordamos e, passa-nos pelas mãos.

    É o metal frio dos ponteiros dos dias

    Que lhe são ofertados e nos traspassam.

    A vida fora vista pelo vitral dos anos:

    De forma imperceptível e intensa,

    Pelas alegrias e tristezas que lhe reuniu.

    A vida fora vista através das lágrimas:

    Em seu cavalo alado,

    Deixando as marcas por toda sua passagem,

    Amadurecimento como um fruto colhido.

    A vida fora vista através da abadessa:

    Nos passos calmos e vagarosos,

    Num noturno caminhar,

    Vagando por aí...

    A vida fora vista pelo limiar dos acontecimentos:

    Com toda sua palidez ao entardecer...

    Acenando-nos num adeus sem volta!

    A vida fora vista do parapeito da janela, tal qual

    Somente ela...

    PRÓLOGO

    O entregador de

    Correspondências

    1944

    A mansão do Sr. e da Srª Whallinson, está pronta para receber mais um lindo bebê, mesmo não estando ela grávida, sua sobrinha é bem-vinda. Eles têm dois filhos e, não havia planos até então para a chegada de mais um, acreditavam ser um casal o suficiente para se ter uma família completa.

    A casa estilo Vitoriano, uma das pioneiras da pequena e movimentada Santo Alphonsus é diferente da maioria que têm as portas de entrada beirando a calçada, algumas possuem chaminés para mandar embora a fumaça das lenhas queimadas nos dias de inverno mais rigoroso.

    A pequena cidade se aninha aos pés da atraente Berchildes, uma montanha rochosa, conhecida como a montanha dos horrores. Ganhara esse apelido por causa do vulcão e dos alcantis de muralhas infindas. Mesmo estando adormecido há séculos ainda causa atenção.

    Por causa de sua beleza ímpar, muitos turistas e alpinistas de todas as partes do planeta durante o ano se dirigem à ela para desfrutar de suas montanhas e desfiladeiros, tendo uma estação de esqui - a primeira da cidade e a segunda da região - esse é um dos fatores que faz dela, apesar de pequena, uma das cidades mais visitadas da região

    - Podemos deixar ela aqui no sótão! – exclamou Theodora.

    Assenti com a cabeça num primeiro momento Daniel com os olhos atentos no cômodo, um lugar usado para guardar as coisas sem muita utilidade. 

    - Faz um bom tempo que não venho aqui! – exclamou deslizando os dedos pelo móvel, deixando marcas paralelas em riscos profundos na poeira –, acredito ser melhor encontrarmos outro lugar para o bebê. Pensei em outro cômodo enquanto subíamos.

    - Este será provisório. – retrucou Theodora, se esquivando de algumas teias de aranhas.

    - Talvez! – disse ele. – Estou querendo acreditar que este cômodo esquecido e cheio de coisas empilhadas, ou melhor, este sótão empoeirado, possa vir a ser um espaço confortável e arrumado para receber minha sobrinha –, continuou fitando as vigas de madeira sem verniz. – é bem quente e pouco iluminado. Não é mesmo? – retrucou.

    - Olha esta janela! – exclamou Theodora abrindo as cortinas, prendendo-as nas laterais, deixando os raios de sol permear o sótão refletindo no assoalho. – ela deixa o sótão muito claro. – observou.

    - Devo admitir ser este um lugar bastante tranquilo. Mas... se colocássemos ela junto com a Eleonora.

    - Não vejo motivo para isso! – franziu a testa Theodora reprovando sem pestanejar a ideia de Daniel. – Este lugar é excelente. – sentenciou sem deixar chances para Daniel contestar.

    - Quando olho este sótão, me dá calafrios, ele parece mais um depósito de entulhos. Mas.... depois de arrumado...

    - Sim. Sim. Depois de arrumado, não precisaremos trocar, está tudo em perfeita ordem. Uma faxina e tudo será resolvido. Será ele habitável novamente.

    - Ele foi um dia?

    Theodora o reprova com o olhar.

    - Eu não quis dizer que ele não seja totalmente habitável, claro com alguns ajustes tudo se resolve e Alma poderá ficar aqui.

    - Sei. Só quis dizer ser igual ao carro do seu pai aquela vez que ele nos emprestou! Lembra? retrucou Theodora.

    - Oras bolas! – proferiu Daniel, serrando os lábios contendo o palavrão preso à ponta da língua e o céu da boca. - Bem... ao menos o quarto dos brinquedos já arrumamos no porão.

    - O berço pode ficar ali –, disse ela virando-se para a parede onde a mesa e o grande e velho baú pirata em cedro com detalhes à mão, construído por Jober, está estacionado. – Vou mandar a Clô varrer e tirar o pó deste lugar.

    - Não se esqueça de mandar ela tirar as teias de aranhas, que por sinal não são poucas – disse ele desviando de mais uma.  - Ah. Lembre-se. Ela odeia ser chamada de Clô. – alertou ele curvando o canto dos lábios em um leve sorriso, acariciando a cortina longa amarelada, usada para deixar o cômodo sombreado. 

    - Não é culpa minha se ela tem esse nome! – retrucou. - Por que você está rindo? – observou ela um sorriso sínico vindo dele. Pensando na possibilidade de que se tivesse uma pistola em punho seria o último sorriso dele.

    Theodora odeia o jeito sínico de Daniel tratar de alguns assuntos e, ele sabendo desse ponto fraco dela, sempre a provoca.

    - Desse teu jeito de se referir a Clotilde.

    - Qual jeito. Esse é o nome dela. Se existem culpados, esses são os pais dela. Você quer que meu pai te ajude a arrumar aqui?

    - Não precisa, é melhor deixar o velho Jóber em paz com as plantas. Você o conhece bem, se pedir para ele sair do jardim o dia acaba.

    - Vou buscar a caixa de ferramentas.

    - Obrigado querida!

    - Onde ela está?

    - Deve estar no porão, dentro de uma caixa plástica com uma etiqueta escrito: PERIGO.

    - Hein! – grunhiu num rosnar furioso Theodora. - O que tem de perigoso em uma caixa de ferramentas? Há, você fez isso por causa das crianças...

    - Não! Só coloquei a etiqueta pro teu pai não ficar pegando minhas ferramentas.

    - Que ridículo! - bradou ela -, não vejo problema algum em pegar algumas ferramentas emprestadas quando se precisa.

    - O problema é que ele nunca devolve.

    - Não é verdade! – exclamou furiosa -, é mais fácil você não devolver as dele! – finalizou em relampejos Theodora.

    - Você não sabe... ah. Deixa prá lá.

    - Diga.

    - Nada importante.

    - Oras Dan. Termine.

    Ele reluta por um nano segundo e se rende.

    - Já que insiste. Encontrei várias ferramentas minhas nas coisas dele.

    - Eu imagino – retrucou meneando a cabeça. - Pare de ser caluniador.

    - Você que quis saber o que eu iria deixar para lá.

    - Não acredito nisso. – retrucou ela na defensiva.

    - Outro dia teu pai me acusou de pegar as coisas dele.

    - Não duvido que tenha pegado. Ele deve ter achado as coisas dele com você.

    - Claro que não! Eram as minhas que estavam com ele.

    - Ahã! Por que os pais da Alma não vieram?

    - Eles vieram.

    - Eu não os vi.

    - Não puderam ficar. Quando chegaram, você não estava. Pediram para ficarmos por um tempo cuidando dela, explicaram sobre a possibilidade da guerra chegar à cidade onde eles moram.

    - Você não está mentindo para mim, não é Dan?

    - Tenho motivos?

    - Não.

    - OK. Na verdade, quem trouxe o bebê foram os meus pais, a minha irmã e o meu cunhado não puderam vir.

    - Não entendo o motivo deles não saírem daquele lugar...

    - Não é tão simples quanto parece. Eles têm negócios de gerações para cuidar.

    - Você deixou.

    - É diferente. Meus pais estão instalados há anos no mesmo lugar, minha irmã e meu cunhado ajudam eles nos negócios. Caso aconteça da guerra chegar, eles acreditam ser mais fácil fugir estando sem crianças.

    - Na verdade eles acham que a guerra dificilmente vai chegar até eles. É bem isso.

    - Se pensassem assim, não teriam trazido ela para a gente.

    ⟏⟏⟏⟏⟏⟏⟏⟏

    - Ela é tão linda, Dan! – exclamou Theodora, com olhar surpreso, olhando à pequena Alma dormindo.

    - Parece calma também.

    - Tomara. Já não me lembro das noites em claro quando nossas crianças ainda eram bebês.

    - Tivemos? – questionou com olhar sarcástico, sendo retribuído com um sorriso.

    - Se a guerra está próxima, por que não saem de lá?

    - Essa é uma questão de esperança...

    - Com a invasão iminente em uma guerra, esperança é uma coisa a ser deixada para trás. – interrompeu.

    - Prometeram voltar outro dia. A minha mãe queria ficar, mas meu pai achou melhor não.

    Do sótão eles ouvem o barulho de Franck e Eleonora correndo pela sala. Theodora começou a descer a escada sendo interrompida por flora que estava subindo.

    - Eu falo com eles -, disse Flora rodando nos calcanhares e descendo as escadas.

    - Por favor mamãe – disse -, seja firme.

    Flora responde com um sinal de positivo.

    - Crianças parem de fazer barulho! – murmurou exacerbada Flora –, vocês não perceberam que o bebê está dormindo? – esbravejou mais uma vez com voz forte e sincronizada, atendendo a recomendação de Theodora.

    - Agora não é hora de dormir! - replicou Franck abusado, consciente de sua atitude, sem conseguir calar-se.

    Flora olha para ele furiosa –, espero ser essa a última vez que você me respondeu, garoto, vou retratar aos teus pais.

    Temendo uma pena severa, como sempre é punido qualquer um que aos olhos de Daniel seja considerado culpado, por menor que possa parecer o motivo do erro, busca a retratação.

    - Me desculpe vovó! – redimiu-se Franck a tempo abaixando os olhos.

    - Você já é bem grandinho, o mais velho. Tem sete anos, já deveria se comportar melhor, agora vamos, vá ajudar seu pai a levar as roupas da sua prima para cima, aproveite para ajudar a organizar as coisas enquanto cuido de sua irmã. Lembre-se sem fazer muito barulho.

    Ele sai resmungando e fazendo caretas sem Flora perceber.

    Theodora desce com Alma, deixando o sótão livre para Daniel e Franck arrumarem.

    - Falou com eles mamãe?

    - Sim filha.

    - E?

    - Prometeram se comportar.

    - A senhora foi firme?

    - Claro com as crianças não podemos abaixar a guarda senão...

    Capítulo 1

    1956

    O entregador de

    correspondências

    Em baixo da janela que divide espaço com o velho papel de parede desbotado, Alma cultiva em vasos, petúnias vermelhas, gérberas, entre outras plantadas em campânulas, flores herdadas de seu avô. O cômodo fora cuidadosamente arrumado para recebê-la, mas o papel de parede não foi substituído. Alma lança o olhar âmbar assustado através da vidraça em direção da montanha. Vê-la alvejada e coberta por flocos de neve nesses gélidos dias de inverno passou a ser seu passa tempo predileto nos últimos dias.

    A montanha esfumaçada sempre forma uma imagem ímpar, quando vista de um lugar tão privilegiado quanto a janela lateral do sótão. Um lugar que qualquer turista pagaria o preço que lhe fosse cobrado, para poder desfrutar, pois nos dias invernais nem mesmo o sol consegue dissipar a insistente neve que acumula na montanha.

    Apesar de ser uma vista privilegiada, quando a temos todos os dias, não damos conta de enxergá-la como deve ser.

    O vento norte uiva secamente, sibilando em canções tão fúnebres com agudas lufadas querendo acordar a bucólica paisagem no alvorecer cinéreo; a neve fina e gelada golpeia as árvores e o chão, formando delgadas camadas de gelo espalhadas pelas calçadas e ruas do quarteirão da casa dos Whallinson.

    Alma sente nos dias frios mais preguiça; por isso, com tremendo esforço ela projeta o corpo para fora da cama sem precisar ser acordada, continua com a blusa de tweed e sem ter a intenção de sair do quarto confortável e quente.

    Faz parte de sua rotina perder-se com os olhos e os pensamentos por entre o horizonte afélio, em busca de novidades, indo além do vulcão, mesmo consciente de que nada muda a cada dia na monotonia da casa de seus tios. As mesmas brigas, pelas mesmas tolices; as mesmas reclamações pelas velhas manias de cada um. Outro dia ela deparou-se com Theodora brigando com seu tio por ele ter esquecido de desligar o fogo e deixado o leite escorrer pela leiteira sujando o fogão novo; como se fosse a primeira vez que ele fizesse isso, ou mesmo, como se fosse uma coisa imperdoável. Mas dessa vez o fogão é novo, o que para Alma tem motivo para Theodora se zangar.

    Por horas Alma fica debruçada na janela sem se importar ser em vão buscar alguma coisa nova naquele lugar. Todas às vezes que tenta encontrar respostas para suas dúvidas, busca abrigo junto ao parapeito da janela, como se ele pudesse abrir para ela um novo mundo, mais colorido e vibrante.

    Descansa a testa no vidro, perdendo-se em pensamentos diante da imagem invernal que há anos nessa época lhe faz companhia.

    Sobre seus pais Cynara e Charlie, pouco sabe, ou melhor, quase nada lhe é dito. Quando consegue obter algumas poucas informações, essas são contraditórias, dependendo de quem lhe conta. Quando questiona, diziam querer poupá-la do assunto.

    Alma é apaixonada pela neve, apesar de sentir esses dias mais bucólicos, tendo os chuvosos como os mais tristes e sombrios, por esse motivo prefere a neve.

    Apesar de achar os dias de neve bucólicos, neve a alegra, não compreende o motivo, mesmo assim a prefere, diz sempre que a alegria não precisa ser compreendida, apenas sentida. Está sempre a olhar os flocos brancos azorragando a janela, tentando sem sucesso contá-los.

    Jóber Crhistwork o velho marinheiro, está sempre a cultivar o jardim, com benevolência e dedicação, feito um grande jardineiro, às vezes acredita ter sido para isso que viera ao mundo.

    Ele tem pouco mais de oitenta anos, marcados pelos sulcos estacionados na face, coragem ilibada, pele queimada pela exposição ao sol, sobrancelhas grossas, bigode branco e espesso, desse tem orgulho, tanto quanto da medalha ganha por ter combatido com bravura na guerra, servindo com brio a pátria.

    Seus cuidados com o jardim vão além de qualquer situação, pois mesmo quando não está bem de saúde vai até ele; no começo causava um pouco de ciúmes em Flora, às vezes ela reclamava que ele cuidava mais do jardim, das flores, esquecendo-se dela.

    O jardim fica na parte da frente da mansão, fora feito por ele com todo cuidado, quando veio com a esposa Flora morar na mansão a pedido de Theodora. Esse é o único contato com as flores que ele mantém desde que encerrara as atividades na floricultura que administrou por vários anos após seu retorno antecipado da guerra.

    Nos dias chuvosos ele pode ser visto em sua capa transparente e o chapéu de feltro, presentes de Theodora, logo quando começou a cultivar o jardim. 

    Quase todos os dias Alma está com ele, sendo considerada inseparável companheira de Jóber Crhistwork, principalmente nos dias sem chuvas, nesses ela abandona o sótão e desce numa carreira só quando chamada por ele. Às vezes por motivos diversos quando é impedida, fica observando da janela. Quando isso acontece, recebe ao menos um aceno de mãos abertas, em uma imagem estereoscópica dele, a cuidar do jardim, podendo sentir o aroma perfumado das flores e da terra sendo abluída pelas nuvens.

    Às vezes Alma se torna testemunha ocular de algumas intrigas entre Daniel e Jóber, com as inúmeras reclamações para Theodora por não gostar das flores rodeando a casa.

    Alma enxerga uma imensidão de casa, não conseguindo entender o motivo da implicação de seu tio com Jóber, não tendo explicação, a não ser pura intriga desnecessária; para ela se se olhar a casa toda dá para perceber que é enorme, e o jardim ocupa um pequeno espaço de poucos metros, grande mesmo é a preocupação de seu avô com o pequeno jardim.

    Daniel por sua vez só tolera essa situação, pelo amor que sente por Theodora e, a consideração por Flora, as quais sempre gostaram muito de flores e, das filhas de Jóber, para azar de Daniel somente Theodora cultiva o prazer de mexer com terra e plantas.

    Se esse não fosse o seu desprazer ele e a muralha que o separa da vontade, o jardim já teria dado lugar a qualquer outra coisa que não possuísse flores, talvez uma segunda piscina, menor, com cascata, mesmo sendo poucos os dias de verão que ela seria acessível.

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    Jober Crhistwork retornou da guerra, onde serviu como fuzileiro naval – antecipadamente por ter sido ferido gravemente, quase perdendo a vida -, fato que lhe rendera muitas histórias e condecorações.

    Alma está no jardim e, entre as tesouradas certeiras, sempre sobram histórias para contar sobre a guerra, dizendo que as flores são melhores para se lidar aos seres humanos, reafirmando os pensamentos que sempre o acompanharam: só fazem o bem para qualquer pessoa que tenha o privilégio de tê-las por perto. Isso com exceção de seu genro é claro. 

    Com algumas histórias remontando aos anos de empreitada como dono de uma floricultura na parte de cima da cidade, onde vivia com Flora, desde quando Theodora era criança em um bairro pequeno e muito movimentado tendo em vista o comércio local atraindo muitos imigrantes instalados.

    Vendera a floricultura para um jovem casal que estava à procura de um comércio para começar vida nova na cidade. Não estava mais em condições de administrar o comércio, tendo em vista a idade avançada, fragilidade da saúde e a dificuldade de locomoção, deixando de comercializá-las, mas a paixão, ele a trouxe para junto da casa de sua filha.

    QUATRO MESES ANTES...

    Uma agradável manhã, a neve que cobrira as calçadas havia derretido; o vento forte uiva em silvos longos ao encontro dos prédios e árvores, em prenúncio do equinócio da primavera.

    Alma levanta-se de um salto da cama, desliza suavemente parando próxima da janela, fazendo a respiração sufocar vidro, deixando-o suar, molhando-o tanto por dentro, quanto por fora, onde as gotas da garoa tocam insistentes a escorrer, formando pequenas gotículas, algumas ela acompanha com o indicador. Às vezes a garoa para e dá lugar aos raios de sol a refletir nas gotas. Ela gosta do barulho da chuva quebrando no silêncio do sótão. Novamente atenta observa o velho Crhistwork por detrás da vidraça. Fica apreensiva passando a mão em movimentos circulares para limpar o vidro embaçado, para então poder enxergá-lo com mais nitidez.

    No jardim Crhistwork mexe com as flores, às vezes afasta-se um pouco, arrumando o chapéu, sacando as grossas luvas, guardando-as no bolso do penggong ao lado da tesoura.

    Ora bate com as botinas no cimento para tirar um pouco do barro estacionado na sola, às vezes utiliza a tesoura para limpar; volta-se para algumas roseiras, depois para a hera dando tesouradas firmes para manter o muro na lateral bem aparado. Em um relance de olhar para a janela do sótão percebe a silhueta de Alma na janela a observá-lo, sabe que ela finalmente acordara, acena com a mão e saca o chapéu, fazendo-lhe vênia, deixando escapar um breve sorriso, sendo retribuído com um aceno e um sorriso.

    De repente e fora de época à chuva começa a ficar mais intensa, alguns tenebrosos relâmpagos rasgam o cinerício céu, em luminosos bailares de luzes e sons abafados. Flora esbraveja a chamar pelo marido, sendo ignorada e, continuando com as tesouradas, então ela escorrega até ele, puxando-o pelo braço, na tentativa de convencê-lo sem sucesso a deixar as flores para depois da chuva.

    Theodora aparece à porta, preocupada os chama, sendo interrompida por Daniel que, até então estava com as crianças na cozinha esperando pelos outros para o café da tarde como raramente acontece, visto que, só têm a chance de se reunir quando ele está em casa, então todos se sentam à mesa. Gira no calcanhar e entra, deixando Theodora e Flora na varanda exaltadas a gritar com Crhistwork.

    Na noite anterior os noticiários retrataram quatro mortes por raios, sendo esse um dos anos mais violentos para o período já registrado na história de toda a região de Santo Alphonsus, sendo que não era época para raios, mas esse ano eles não escolheram a época certa para aparecerem.

    - Até mesmo o tempo não tem mais se entendido com as estações, elas estão se misturando durante o ano! – esbravejou Jóber com a cabeça para

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