Trocando o pneu com o carro andando: aprendizagem no trabalho de novos dirigentes municipais
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Trocando o pneu com o carro andando - Valéria Moraes
AGRADECIMENTOS
Acredito que tudo que produzimos é inerentemente coletivo. Somos produto de tudo o que já foi feito e, quando realizamos alguma coisa, contribuímos, nós também, com mais uma minúscula folha para a grande árvore do conhecimento humano. Reconhecido esse caráter amplo da construção social do saber e a minha gratidão por poder fazer parte desse imenso esforço, quero dar destaque a algumas pessoas que tiveram participação especial na realização da pesquisa e, posteriormente, deste livro.
De partida, ao professor Jairo Eduardo Borges-Andrade, meu orientador, a quem agradeço não só por ter me conduzido pela mão ao longo do doutorado por um campo de estudo até então desconhecido para mim, como também por me ter dado a honra de escrever o prefácio deste livro. A Fabiana Queiroga, colega de doutorado e praticamente minha co-orientadora. Aos queridas e queridos Carla Antloga, Sergio Franco, Armando Villas, Stella Cristina Moraes e Helena Lima que, mais do que companheiros de estudo, são amigos que ganhei de bônus durante esse tempo. Aos colegas do laboratório de pesquisa em aprendizagem, em especial à Professora Maria Julia Pantoja, que participaram ativamente de todo o processo de análise dos dados. Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, com os quais tive a oportunidade de vivenciar um ambiente acadêmico de excelência. Aos companheiros Greiner Costa, Mauro Zeuri e Josefina Carazzato pelas contribuições com os conhecimentos sobre planejamento participativo no setor público. Aos dirigentes municipais que abriram espaço em suas concorridas agendas para responder repetidamente a pesquisa. À querida amiga Mônica Fernandes, que me presenteou com a revisão afiada da introdução para o livro. À Nathalia, Marcela e Lilian, minhas filhas, que não só abdicaram do tempo com a mãe, mas também ajudaram diretamente no projeto de inúmeras formas. Entre tantas outras coisas, as agendas nas prefeituras não teriam sido montadas sem esse auxílio luxuoso. Ao José Augusto Valente, meu companheiro de vida, a quem devo desde o apoio incondicional para me dedicar ao doutorado até o financiamento dessa empreitada ousada de visitar prefeituras Brasil afora, de carro, saindo de Brasília. A todas e todos, meu mais profundo agradecimento.
"Cum dois meses de viagem
Eu vivi uma vida inteira
Saí bravo, cheguei manso
Macho da mesma maneira
Estrada foi boa mestra
Me deu lição verdadeira
Coragem num tá no grito
E nem riqueza na algibeira
E os pecado de domingo
Quem paga é segunda feira"
(Capoeira de Arnaldo, Paulo Vanzolini)
"Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco
Não há nada pra temer"
Os Saltimbancos – Chico Buarque
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
1 INTRODUÇÃO
2 APRENDIZAGEM RELACIONADA AO TRABALHO: TEORIA E PESQUISA
2.1 APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO
2.1.1 DIFICULDADES NA CONCEITUAÇÃO
2.1.2 DISTINÇÕES IMPORTANTES NA LITERATURA SOBRE ART
2.1.2.1 Nível de análise do fenômeno
2.1.2.2 Prescrição x descrição
2.1.2.3 Social x intrapsíquico
2.1.2.4 Um modelo organizador da literatura da área
2.1.3 TIPOLOGIAS DE APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES
2.2 INFLUÊNCIA DA DINÂMICA PSICOLÓGICA E DO CONTEXTO NA ART: ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM E PRÁTICAS DE GESTÃO
2.2.1 ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM NA DINÂMICA DO PROCESSO
2.2.2 O PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO NO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM
2.3 RESULTADOS DE APRENDIZAGEM RELACIONADA AO TRABALHO: A COMPETÊNCIA
2.3.1 COMPETÊNCIA REQUERIDA DE DIRIGENTES
3 MODELO TEÓRICO DE INVESTIGAÇÃO E HIPÓTESES
3.1 PRESSUPOSTOS E PERGUNTAS DE PESQUISA
3.2 OBJETIVOS
3.3 MODELO TEÓRICO: VARIÁVEIS E HIPÓTESES
4 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
4.1 DELINEAMENTO
4.2 CONTEXTO DE TRABALHO E CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS(AS) PARTICIPANTES DA PESQUISA
4.3 ESTUDO QUANTITATIVO: TESTE DO MODELO DE RELAÇÕES
4.3.1 INSTRUMENTOS – ELABORAÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO
4.3.1.1 Medida de domínio da competência de dirigente municipal (conhecimentos, habilidades e atitudes)
4.3.1.1.1 Construção da medida
4.3.1.1.2 Validação
4.3.1.2 Medida de estratégias de aprendizagem no trabalho
4.3.1.2.1 Adaptação da medida
4.3.1.2.2 Validação
4.3.1.3 Medida de uso de planejamento participativo
4.3.2 AMOSTRA
4.3.3 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
4.3.4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.4 ESTUDO QUALITATIVO: EXPLORAÇÃO EM PROFUNDIDADE
4.4.1 PARTICIPANTES
4.4.2 COLETA E ANÁLISE DE DADOS
4.4.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
5 ARTICULANDO OS DOIS ESTUDOS
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
ANEXOS
ANEXO 1 – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS COM DIRIGENTES MUNICIPAIS EM TÉRMINO DE MANDATO
ANEXO 2 - EXEMPLO DE ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS COM DIRIGENTES MUNICIPAIS EM TÉRMINO DE MANDATO
ANEXO 3 - EXEMPLO DE ANÁLISE DE DIVERGÊNCIAS NAS ANÁLISES DE CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS COM DIRIGENTES MUNICIPAIS EM TÉRMINO DE MANDATO
ANEXO 4 - LISTAS DE CONHECIMENTOS, HABILIDADES E ATITUDES IDENTIFICADAS COMO RELEVANTES POR DIRIGENTES MUNICIPAIS EM TÉRMINO DE MANDATO (OS NÚMEROS ENTRE PARÊNTESES INDICAM O NÚMERO DA ENTREVISTA ONDE OCORREU O TEMA)
ANEXO 5 – ESCALA DE COMPETÊNCIA DE DIRIGENTES MUNICIPAIS
ANEXO 6 – ESCALA DE ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM ADAPTADA DE BRANDÃO (2009)
ANEXO 7 - MENSAGEM ELETRÔNICA ENVIADA A CONSULTORES EM PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO.
ANEXO 8 – LISTA DE INDICADORES DE USO DE PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO
ANEXO 9 – FOTOGRAFIAS DOS PAINÉIS DA PRIMEIRA COLETA QUALITATIVA – RESULTADO DE APRENDIZAGEM ANTERIOR E RESULTADO DE APRENDIZAGEM EM 100 DIAS
ANEXO 10 – FOTOS DOS PAINÉIS DA SEGUNDA COLETA QUALITATIVA – RESULTADOS DE APRENDIZAGEM EM 11 MESES E PRÁTICAS DE TRABALHO
ANEXO 11 – FORMULAÇÕES RELATIVAS A RESULTADOS DE APRENDIZAGEM, CATEGORIZADAS
ANEXO 12 - FORMULAÇÕES RELATIVAS A RECURSOS E LIMITAÇÕES À APRENDIZAGEM DO AMBIENTE DE TRABALHO
REFERÊNCIAS
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
1 INTRODUÇÃO
Aprender a aprender. Eis o que trabalhadores e organizações do novo milênio escutam de acadêmicos, consultores e especialistas das áreas de Economia, Administração, Educação e Psicologia quando afirmam que as rápidas mudanças do mundo contemporâneo tornam imprescindível que indivíduos e organizações sejam capazes de produzir conhecimento. Toda essa argumentação em torno da importância da aprendizagem pode soar um pouco deslocada quando se tem em conta que a grande capacidade de aprendizagem é uma característica que diferencia a espécie humana das demais¹. O ser humano começa a aprender intensamente desde que nasce e o faz ao longo de toda a vida. Resultados bastante concretos dessa capacidade podem ser vistos na imensa complexidade dos arranjos sociais e artefatos tecnológicos que utilizamos e na velocidade com que estes vêm se modificando nos últimos tempos.
O que se pode notar é que tem se tornado perceptível o aumento da nossa consciência sobre o potencial desta capacidade, e isso tem-nos levado a ser mais proativos em relação ao ato de aprender. Cada vez mais valorizamos e buscamos obter dele os melhores resultados possíveis. Podemos indagar se a inquietação que muitos expressam sobre uma possível deterioração da aprendizagem
não possa ser fruto, na verdade, do aumento da demanda por conhecimentos e habilidades imposta pela sociedade do século XX. Sabemos muito, mas a percepção é de que aprendemos menos do que deveríamos.
Entre todos os espaços da atuação humana, aquele que exige mais e melhores resultados de aprendizagem é o ambiente de trabalho. Autores como Sonnentag, Niessen e Ohly² destacam a sua relevância para muitas organizações e locais de trabalho, e acrescentam que essa importância tende a aumentar em função das mudanças constantes nas tecnologias e nos procedimentos de trabalho, nos requisitos, nos contratos e no próprio conceito de trabalho, mudanças essas que estão fortemente interrelacionadas.
No entanto, o ato de aprender no trabalho não é um fenômeno recente. Ele sempre esteve presente, ainda que tenha tomado formas diferentes ao longo do tempo, em grande medida devido às mudanças históricas que aconteceram na forma de se organizar o próprio trabalho. Durante séculos, as profissões foram exercidas em pequenas oficinas nas quais, para aprender determinado ofício, jovens aprendizes passavam anos observando artesãos mais experientes. Com o advento da indústria, a introdução do parcelamento do trabalho e da abordagem científica de seu gerenciamento foram acompanhadas pela adoção de métodos e técnicas de treinamento que visavam conduzir a força de trabalho a aprender a executar as tarefas da forma mais rápida possível. Porém, com a mudança do modo de se organizar o trabalho, mudou também o modo de aprender a executá-lo.
Atualmente, estamos assistindo a mais uma transformação na natureza do trabalho: a dissolução de sua unidade no espaço e no tempo; as mudanças nos conceitos de tarefa e carreira; a taxa de inovação acelerada; o aumento da complexidade do trabalho; a iniciativa pessoal versus a adaptabilidade ao novo local de trabalho; a competição global; o desenvolvimento de unidades grandes ou pequenas; mais trabalho em equipe; redução de supervisão; e, finalmente, o aumento da diversidade cultural³. Vemos, então, que há uma convergência em torno da hipótese de que estamos vivenciando, como em outros momentos históricos, uma mudança na forma de abordar a aprendizagem nas organizações de trabalho que são fruto de alterações na sua própria natureza.
É esse contexto de mudanças no mundo do trabalho que nos permite afirmar que a abordagem de aprendizagem no trabalho mais frequentemente utilizada desde o surgimento do taylorismo-fordismo já não produz os resultados desejados. Assim, torna-se cada vez mais evidente que as ações planejadas e estruturadas de treinamento e desenvolvimento já não respondem eficazmente às necessidades do contexto contemporâneo⁴⁵⁶. Ao contrário, é justamente aquela aprendizagem que acontece de forma não estruturada e diretamente relacionada à prática profissional a que tem contribuído mais significativamente para o desenvolvimento de competências no trabalho⁷⁸⁹¹⁰. Assim, gradativamente, o foco nas organizações vai se deslocando das formas tradicionais de treinamento e capacitação para formas de aprendizagem menos estruturadas e iniciadas pelos próprios empregados, com ou sem o suporte da organização.
Um claro exemplo dessa transformação de foco está na forma como os trabalhadores responderam à proliferação do trabalho remoto em virtude do isolamento social para enfrentamento da pandemia de COVID-19. Algo que já vinha se desenhando na esteira das mudanças trazidas pela crescente introdução da tecnologia de informação, de comunicação e de automação no trabalho, ganhou velocidade por força da necessidade de conter o espalhamento da doença. Assim, assistimos ao esforço acelerado de aprendizado realizado por trabalhadores, na maior parte do tempo sem qualquer iniciativa formal das organizações. Portanto, a aprendizagem relacionada ao trabalho mostrou sua relevância e sustenta as teses defendidas neste livro.
Espelhando esse movimento no mundo do trabalho, o campo de estudos do comportamento organizacional se concentrou em acumular, há algumas décadas, uma razoável quantidade de conhecimento sobre as ações formais de aprendizagem, contando hoje com modelos explicativos extremamente úteis e amplamente testados, como as contribuições de Gagné¹¹, Bloom et al.¹² e tantos outros. Cabe agora, portanto, direcionar esforços para compreender melhor o papel da aprendizagem relacionada ao trabalho neste novo contexto.
Com este desafio em mente, tomamos como referência o modelo de aprendizagem no trabalho de Illeris¹³¹⁴¹⁵, que nos pareceu bastante promissor quanto à sua capacidade de descrever o que está em jogo nesse tipo de aprendizagem. Ele parte da descrição do processo geral de aprendizagem humana, seguindo o princípio de que ela é um fenômeno do indivíduo, algo que acontece com uma pessoa, em oposição à ideia bastante difundida – e que será discutida mais à frente, de que organizações também aprendem. No modelo, a aprendizagem consiste na ativação simultânea de dois processos interrelacionados (aquisição cognitiva
e interação social
), os quais articulam três dimensões (conteúdo da aprendizagem
, dinâmica da aprendizagem
e ambiente
).
Todo o modelo se organiza em torno das oportunidades de aprendizagem, que são os pontos de contato do indivíduo com o mundo fora dele e que podem ou não serem aproveitadas por ele para, de fato, empreender o processo. Em outras palavras, quando uma pessoa se depara com uma situação nova no ambiente, ela pode, ou não, identificar essa situação como uma oportunidade de aprendizagem e acionar, ao mesmo tempo, o processo interno de interação com a situação e o de elaboração cognitiva dela. Os dois processos acontecem simultaneamente e são influenciados pelas três dimensões envolvidas, isto é, pelo tipo de conteúdo a ser aprendido ou, dito de outra forma, o tipo de resultado esperado, pela forma como a pessoa costuma e consegue aprender e pela forma como a situação se apresenta naquele caso específico.
O que o modelo nos ajuda a compreender é o que está em jogo quando alguém dá partida na ação de aprender. Ele pode nos ajudar, por exemplo, quando queremos entender, ou de alguma forma atuar, sobre essa aprendizagem, mostrando sobre o que é preciso agir para obter o resultado pretendido.
Quando contextualizado no ambiente específico de trabalho, o modelo evidencia características desse ambiente e a forma como elas se relacionam com o ato individual de aprender. É esse modelo contextualizado que nos interessa neste livro. Com base nele, vamos nos aprofundar também em teorias específicas sobre alguns elementos presentes nas dimensões propostas por ele: na dimensão dinâmica da aprendizagem
, daremos atenção às estratégias de aprendizagem no trabalho; na dimensão ambiente
, veremos uma prática de trabalho específica, que é o planejamento participativo; e, finalmente, na dimensão conteúdo
, o conceito central é o de competência.
Estratégia de aprendizagem no trabalho é o nome dado aos esforços empreendidos pelos aprendizes com a finalidade de facilitar o processo cognitivo, isto é, a aquisição, o armazenamento e a recuperação da informação¹⁶. Um mesmo indivíduo pode usar uma ou mais estratégias, ocorrendo ainda variações entre indivíduos ou entre diferentes situações vivenciadas por ele. Elas englobam tanto comportamentos encobertos quanto manifestos. Quando uma área de uma organização adota um novo procedimento, por exemplo, alguns dos trabalhadores daquele setor tomarão a iniciativa de aprender o procedimento lendo o normativo que o regulamenta. Outros, contudo, aprenderão pedindo ajuda a um colega que já esteja mais familiarizado, e outros ainda vão preferir fazer para tentar entender. Cada um desses está usando a estratégia de aprendizado que lhe parece mais adequada para aquela situação.
Essas diferentes estratégias se organizam nas seguintes categorias: cognitivas, comportamentais e de autorregulação¹⁷. O contexto de mudança no mundo do trabalho – descrito anteriormente – tem feito crescer o interesse pela compreensão do funcionamento das estratégias de aprendizagem no trabalho, embora ainda haja relativamente poucos resultados de pesquisa sobre elas¹⁸. Por esse motivo, elas foram selecionadas para integrar nosso estudo.
Na dimensão ambiente
, o modelo de aprendizagem de Illeris caracteriza dois âmbitos diferentes: os aspectos relacionados ao ambiente técnico-organizacional e aqueles relacionados ao ambiente sociocultural¹⁹. Estes dois ambientes, que se relacionam dinamicamente, geram as oportunidades de aprendizagem. Neles estão incluídas, pelo lado técnico-organizacional, as dimensões divisão e conteúdo do trabalho, autonomia e oportunidade de aplicação de qualificações, oportunidade de interação social e, finalmente, tensão e stress. Já pelo lado sociocultural, temos três tipos de comunidades: de trabalho, política e cultural. Por exemplo, quando determinado trabalho é muito limitado e repetitivo (dimensão divisão e conteúdo do trabalho), o trabalhador provavelmente identificará poucas oportunidades de aprendizagem. Ao contrário, em um posto de trabalho em que este trabalhador tenha muita autonomia para tomar decisões (dimensão autonomia e oportunidade de aplicação de qualificações), as oportunidades de aprendizagem tendem a ser mais frequentes. E este mesmo trabalhador aprenderá a distinguir as lideranças formais dos líderes de fato da organização ao participar da comunidade política.
Como vimos anteriormente, o trabalhador pode ou não aprender em uma dada oportunidade de aprendizagem. Do ponto de vista da organização, portanto, estimular a aprendizagem relacionada ao trabalho consiste, essencialmente, em gerar essas oportunidades e estimular os trabalhadores a se aproveitarem delas.
Olhando por esse ponto de vista, vemos que as práticas voltadas para a gestão utilizadas pelas organizações podem ser consideradas como instrumentos para articular e operacionalizar as dimensões do ambiente técnico-organizacional, interferindo diretamente na quantidade de oportunidades de aprendizagem disponibilizadas para o trabalhador. Estamos falando aqui de práticas como gestão por objetivos, gestão por processos, planejamento estratégico, avaliação 3600 e tantas outras à disposição dos gestores. Todas elas influenciam, de alguma forma, nas dimensões do ambiente técnico-organizacional e podem ajudar na disponibilidade de mais ou menos oportunidades de aprendizagem.
Vários estudos mostraram que a dimensão oportunidade de interação social tem se mostrado bastante promissora para gerar essas oportunidades²⁰²¹. Por esse motivo, decidimos explorar o planejamento participativo, uma prática fortemente baseada nessa dimensão, para observar como ela poderia interferir no ambiente técnico-organizacional, uma vez que já havia indícios de que essa teria efeitos positivos sobre essa dimensão²²²³. Além do uso de planejamento participativo, observamos também se o tamanho do município, representando a dimensão tensão e stress, poderia causar algum impacto.
Para concluir a abordagem ao modelo de Illeris, resgatamos as considerações sobre resultados de aprendizagem relacionada ao trabalho que mostram a dificuldade de se identificar resultados neste tipo de aprendizagem²⁴²⁵, o que revela também a complexidade para a realização das próprias pesquisas, sobretudo as de abordagem quantitativa. Encontramos muitos estudos nos quais, em lugar de resultados, o que se vê é a análise de formas e processos de aprendizagem²⁶²⁷²⁸. Quando ocorrem, os relatos de resultados propriamente ditos ora utilizam categorias como conhecimentos, valores, habilidades, entre outras, ora se referem a competências, tal como os estudos relacionados a treinamento²⁹.
O último conceito, a competência, já está bastante consolidado como instrumento para medir resultados de aprendizagem formal nas organizações. Seu apelo se deve, em grande medida, à sua estrutura trifatorial: uma competência engloba conhecimentos, habilidades e atitudes. Podemos dizer, por exemplo, que alguém tem competência para realizar compras públicas de maneira ética. Isso significa que ela conhece bem a legislação pertinente (conhecimentos – C), sabe aplicar essa legislação ao caso concreto (habilidade – H) e tem a atitude esperada, que é uma postura ética em relação à coisa pública (atitude – A). Os três elementos formam o conhecido acrônimo CHA, orientador da grande maioria das ações de formação, capacitação e educação na modernidade. Não é comum, no entanto, encontrá-lo em estudos sobre aprendizagem informal ou, como preferimos chamar, relacionada ao trabalho. Assim, inovando em relação à grande maioria dos estudos que tratam do assunto, este livro mostra que é possível falar sobre resultados de aprendizagem relacionada ao trabalho por meio do conceito de competência, trazendo mais precisão e clareza.
Eis, assim, um brevíssimo resumo da teoria sobre aprendizagem relacionada ao trabalho que deu origem a este livro. Mas, indo além da teoria, o livro traz detalhes de um estudo realizado para testar, na prática, a validade de algumas hipóteses que o modelo de Illeris sugere. Por isso, escolhemos abordar uma situação na qual ocorre intensa demanda por aprendizado de novos conhecimentos, habilidades e atitudes ao mesmo tempo em que as oportunidades de participação em aprendizagem formal são bastante reduzidas: a prática profissional de integrantes de equipes dirigentes do executivo municipal. Portanto, ao mesmo tempo em que procurou lançar luzes sobre um fenômeno ainda relativamente pouco estudado, a pesquisa também deu destaque a um tipo de trabalho raramente reconhecido como tal: a atuação de dirigentes políticos no espaço em que estes homens e mulheres interagem mais diretamente com seu público-alvo.
A principal hipótese da pesquisa era de que membros do primeiro escalão municipal, na primeira vez em que assumem essa posição, passam por uma intensa aprendizagem no primeiro ano de mandato. Isso provavelmente ocorreria pelo fato de que estas pessoas, em grande parte, não trazem experiência anterior nesse tipo específico de trabalho, além de poderem contar ainda com pouca disponibilidade de eventos voltados para a formação nestas funções e poucas oportunidades de aprender com outras pessoas mais experientes.
A partir dessa hipótese inicial, investigamos outros aspectos derivados do modelo de aprendizagem, como, por exemplo, quais estratégias de aprendizagem essas pessoas mais utilizavam,