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O desequilíbrio do contrato por adesão:  no Código Civil brasileiro
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E-book621 páginas7 horas

O desequilíbrio do contrato por adesão: no Código Civil brasileiro

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Sobre este e-book

"A simples leitura deste livro demonstra não só a sensibilidade jurídica da autora, mas também a árdua pesquisa, a linguagem clara e objetiva, possibilitando o leitor a compreender esse tema pouco versado e abordado em apenas dois artigos do Código Civil brasileiro de 2002.

Baseada em ponderações sistemático-teóricas, a autora ateve-se, ao dar ênfase ao desequilíbrio entre as partes no contrato por adesão, ponto nuclear de sua obra, e ao buscar a efetividade dos meios de equalização dessa relação jurídico-contratual: aos fundamentos propedêuticos do contrato sub-examine; à origem; à evolução e à tendência do contrato estandardizado; à natureza jurídica do contrato por adesão; aos princípios contratuais, sem olvidar do diálogo das fontes nas questões interpretativas, integrativas e corretivas; ao desequilíbrio do contrato por adesão indicando mecanismos de controle de cláusulas contratuais, tendo por base o direito europeu.

Não há como negar a importância deste livro por traçar diretrizes teórico-práticas e os lineamentos para uma solução aos problemas engendrados pelo tema. Com suas reflexões sobre pontos nucleares da temática, aponta novos paradigmas.

Oxalá, esta obra conduza os operadores do direito a uma tomada de consciência sobre essa problemática.

A autora revela um firme conhecimento do tema e uma maturidade científico-jurídica.

Trata-se de uma análise realista sobre o assunto, que merece o reconhecimento da comunidade jurídica."
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de out. de 2023
ISBN9786527008521
O desequilíbrio do contrato por adesão:  no Código Civil brasileiro

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    O desequilíbrio do contrato por adesão - Sheila Keiko Fukugauchi Miyazato

    1. FUNDAMENTOS PROPEDÊUTICOS

    Antes de adentrar no tema central, trataremos dos conceitos preliminares de contrato e contrato por adesão, situaremos o contrato por adesão na teoria dos fatos jurídicos, identificando, inclusive, seus elementos na teoria do negócio jurídico, para depois evidenciarmos as classificações contratuais pertinentes à matéria e a implicação do equilíbrio contratual nas fases do contrato.

    1.1 NOÇÕES PRELIMINARES

    Muitos questionamentos circundam o polêmico contrato por adesão, inclusive a respeito da sua própria contratualidade, por conseguinte convém trazer a seguir os conceitos de contrato e de contrato por adesão.

    1.1.1 CONCEITO DE CONTRATO

    Contrato é negócio jurídico bilateral ou plurilateral, distingue-se na formação por exigir ao menos duas partes¹, conforme retrata Orlando Gomes.

    Maria Helena Diniz² aduz o seguinte conceito: Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.

    O art. 1.101 do Código Civil francês³ define: O contrato é um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas com o objetivo de criar, modificar, transmitir ou extinguir obrigações. Tradução livre.

    O Código Civil italiano⁴, em seu art. 1.321, assim o conceitua: O contrato é um acordo entre duas ou mais partes para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial. Tradução livre.

    1.1.2 CONCEITO DE CONTRATO POR ADESÃO

    Contrato por adesão é negócio jurídico no qual o proponente constitui unilateral e previamente, um conjunto ou série de cláusulas, de modo geral e abstrato, para a outra parte, aderente, aceitá-las em bloco, sem que se possa discutir ou alterar substancialmente seu conteúdo.

    Ana Prata⁵ aduz a seguinte formulação: é aquele cujo conteúdo clausular é unilateralmente definido por um dos contraentes que o apresenta à contraparte, não podendo esta discutir qualquer das suas cláusulas: ou aceita em bloco a proposta contratual que lhe é feita, ou a rejeita e prescinde da celebração do contrato.

    Orlando Gomes⁶ assinala o seguinte conceito: contrato de adesão é o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas.

    No Brasil, o conceito legal é trazido pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 54: Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

    O Código Civil francês⁷, na 2ª parte, do art. 1.110, estabelece: O contrato de adesão é aquele que inclui um conjunto de cláusulas não negociáveis, previamente definidas por uma das partes. Tradução livre.

    O contrato por adesão é aceito como contrato tanto no Brasil como em vários ordenamentos, todavia muito se discute acerca da sua natureza jurídica. Há pertinentes e relevantes apontamentos suscitados pela doutrina nacional e estrangeira acerca da não contratualidade. Pareceu-nos, inicialmente, não se tratar de contrato ante à exígua liberdade contratual e autonomia da vontade nos contratos correntes.

    Vejamos, então, a figura jurídica do contrato por adesão sob o ângulo da teoria do fato jurídico.

    1.2 CONTRATO POR ADESÃO NA TEORIA DO FATO JURÍDICO

    As situações que afetam a liberdade contratual no contrato por adesão são inúmeras, o que nos levou a examinar com maior atenção as categorias do fato jurídico, com foco no negócio jurídico, que sustenta a teoria contratual em sua raiz.

    No contexto destacado, pontua-se a diferença entre as categorias do fato jurídico, a influência das teorias da concepção do negócio jurídico e suas repercussões no contrato estandardizado, além da presença dos elementos essenciais do negócio jurídico no contrato por adesão.

    O art. 1.100-2 do Código Civil francês⁸ aduz fatos jurídicos: Os fatos jurídicos são atos ou fatos aos quais a lei atribui efeitos jurídicos. As obrigações decorrentes de um fato jurídico regem-se, conforme o caso, pelo subtítulo relativo à responsabilidade extracontratual ou pelo subtítulo relativo a outras fontes de obrigações. Tradução livre.

    O Código Civil brasileiro dedicou um livro inteiro na parte geral para fatos jurídicos, porém não os definiu, destacou especialmente o negócio jurídico, em seu título I. Contrariamente, o Código Civil francês não apresenta sessão específica para fato ou negócio jurídico, disciplina a matéria dentro do tema obrigações, em fontes de obrigações, arts. 1.100 a 1.303-4.

    As fontes de obrigações estão previstas no art. 1.100 do Código Civil francês⁹ nos seguintes termos: As obrigações decorrem de atos jurídicos, fatos jurídicos ou de autoridade única da lei. Elas podem surgir da execução voluntária ou da promessa de cumprimento de um dever de consciência para com os outros. Tradução livre.

    O Código Civil italiano não trata de fato jurídico de forma específica. O contrato é disciplinado, assim como no Código francês, na parte de obrigações. O art. 1.173 do Código Civil italiano¹⁰, que trata das fontes de obrigações, estabelece: As obrigações decorrem de contrato, de fato ilícito, ou de qualquer outro documento ou fato idôneo para produzi-las de acordo com o ordenamento jurídico. Tradução livre.

    O contrato por adesão já foi apontado como ato jurídico em sentido estrito, negócio jurídico unilateral e ato-fato jurídico, de modo que examinaremos, inicialmente, o ato jurídico em seus fundamentos.

    1.2.1 ATO JURÍDICO

    O ato jurídico comporta negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito. O ato jurídico em sentido estrito não exprime autonomia privada, porquanto sua concretização ocorre sob os desígnios da lei. Por sua vez, o negócio jurídico envolve a autonomia da vontade, unilateral ou bilateral. Nesse sentido, Maria Helena Diniz:

    O ato jurídico em sentido estrito não é exercício de autonomia privada, logo o interesse objetivado não pode ser regulado pelo particular e a sua satisfação se concretiza no modo determinado pela lei. No negócio, o fim procurado pelas partes baseia-se no reconhecimento da autonomia privada a que o ordenamento confere efeitos jurídicos. Porém, em atenção à convivência social, esse princípio da autonomia da vontade subordina-se às imposições da ordem pública¹¹.

    O Código Civil brasileiro refere-se a ato jurídico lícito em seu art. 185: Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior. A indicação do título anterior refere-se à aplicação subsidiária das regras do negócio jurídico para os atos jurídicos lícitos.

    O Código Civil francês em seu art. 1.101-1 define atos jurídicos: Os atos jurídicos são manifestações de vontade destinadas a produzir efeitos jurídicos. Eles podem ser convencionais ou unilaterais. Obedecem, como razão, para sua validade e seus efeitos, as regras que regem os contratos¹². Tradução livre. O Código francês designa duas espécies de conduta humana: a primeira refere-se ao ato jurídico em sentido estrito como manifestação que observa a lei; a outra, é o ato convencional, indicativo de ato sujeito à autonomia da vontade.

    O coeficiente mínimo do ato humano é a voluntariedade por parte do agente, é necessária a voluntariedade da conduta exterior, que não sendo querida, torna a conduta irrelevante¹³, v.g. coação física perpetrada por terceiro¹⁴.

    O Código Civil brasileiro e o Código Civil francês remetem o ato jurídico em sentido restrito à disciplina do negócio jurídico, na medida em que a analogia das situações a justifique.

    A tese que defende a natureza de ato unilateral do contrato por adesão desnatura-o como negócio jurídico. A concepção é destituída do autorregulamento de interesses pelas partes, porquanto a condução do ato jurídico em sentido estrito obedece precisamente aos traçados legais, ou seja, não há negociação, contrariamente no contrato por adesão identifica-se o poder de aderir ou não, o que consubstancia autonomia privada.

    O negócio jurídico, mencionando Maria Helena Diniz¹⁵, pode ser quanto à manifestação de vontade: unilateral e bilateral ou plurilateral.

    O negócio jurídico unilateral é aquele que provém de ato volitivo de um ou mais sujeitos, em única direção, com idênticos objetivos, dividindo-se em receptícios, v.g. obrigações alternativas, cujos efeitos decorrem da ciência da declaração pelo destinatário, e não receptícios, v.g. testamento, cujos efeitos independem do endereçamento a certo destinatário.

    Os principais negócios unilaterais são o testamento e as promessas unilaterais. As promessas são declarações de vontade pelas quais o declarante assume obrigações em relação a outro sujeito, v.g. título de crédito, promessa de recompensa e promessa de pagamento¹⁶. O testamento foi definido no art. 1.626 do Código Civil brasileiro de 1916: Considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, para depois da sua morte. O Código Civil de 2002 não encontra equivalente, porém o seu art. 1.857¹⁷ deixa transparente a noção de testamento.

    O negócio jurídico bilateral decorre de declaração de vontade de duas ou mais pessoas, em sentidos opostos, podendo ser simples, no caso de conceder benefícios a uma parte e encargos à outra, v.g. doação e depósito gratuito, ou sinalagmático, aquele que verifica ônus e vantagens a ambas as partes, v.g. locação. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda trata dos negócios jurídicos bilaterais:

    Nos negócios jurídicos bilaterais, há atribuição de algum bem da vida ao patrimônio do figurante ou dos figurantes do outro lado. Daí a essencialidade dos dois lados, mesmo em se tratando de contratos unilaterais, que são negócios jurídicos bilaterais (quanto a haver manifestações de vontade de dois lados) em que só um dos lados recebe prestação. A bilateralidade, quando se fala de negócios jurídicos bilaterais, concerne às manifestações de vontade, que ficam, uma diante da outra, com a cola – digamos assim – da concordância. Há uma corda só que prende, que vincula, as pessoas que estão nos dois lados. Mas há a bilateralidade da prestação, que é outro conceito: o negócio jurídico pode ser bilateral, e só haver uma prestação. São acordos unilaterais (quanto à prestação, entenda-se) e contratos bilaterais, de que é exemplo a doação¹⁸.

    No negócio jurídico plurilateral, a plurilateralidade consiste em manifestações de vontade que convergem ao invés de se contraporem. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda exemplica mencionando cordas que se prendem a determinado ponto, onde se situa o patrimônio comum:

    Na expressão negócios jurídicos plurilaterais, a plurilateralidade é das manifestações de vontade, que em verdade convergem, em vez de se contraporem e comporem o negócio. As cordas são duas ou mais e prendem-se a um ponto, onde se situa o patrimônio comum.¹⁹ Grifos nossos.

    É importante destacar que parte não é uma pessoa, uma parte pode constituir-se por várias pessoas. Assim, se um direito pertencer a três pessoas e estas renunciam a ele, perfaz-se um negócio jurídico unilateral, a renúncia, praticada por várias pessoas²⁰.

    O contrato comporta negócio jurídico bilateral ou plurilateral, assim estão subtraídos da categoria do contrato os negócios jurídicos unilaterais.

    Nos contratos sinalagmáticos, todos os interessados se expõem a riscos ou sacrifícios econômicos, dessarte é imprescindível a concordância de ambos os interlocutores. Nos contratos unilaterais, apenas uma das partes incorrerá em sacrifícios, é suficiente apenas a declaração de vontade daquela que chamou a si as obrigações, a parte contrária nada perde, só aufere vantagens, por consequência desnecessária a manifestação de vontade daquela, exceto se em caráter negativo, preferir renunciar ao benefício²¹, e se os efeitos decorrerem da ciência do destinatário, conforme expusemos.

    O negócio jurídico unilateral é constituído por vontade única, podendo ser receptício ou não. Mesmo que haja necessidade de recepção pela outra parte, a relação se estabelece em sentido único, ou seja, as vontades não convergem.

    Nesse raciocínio, verificamos a bilateralidade da figura do contrato por adesão, enfatizando sua contratualidade, dado que as vontades entre aderente e ofertante são opostas e convergem em dado momento.

    Verificadas as questões que circundam o ato jurídico, seguiremos com a categoria do ato-fato jurídico e suas implicações na matéria.

    1.2.2 ATO-FATO JURÍDICO

    Alguns autores como Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Marcos Bernardes de Mello, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho reconhecem a figura do ato-fato jurídico. Trata-se de fato jurídico qualificado pela atuação humana²².

    Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald esclarecem o ato-fato jurídico, evidenciando a interface entre conduta e fato jurídico:

    É dizer: o ato-fato jurídico é a categoria que nasce de uma conduta humana, mas produz efeitos jurídicos independentemente da vontade da parte. Aliás, indo mais longe, pode produzir efeitos, até mesmo, contra a vontade da parte. Portanto, o ato-fato jurídico brota de um comportamento humano, mas produz consequências por força de lei, desatreladamente do elemento volitivo. É ato, pois, em sua formação; e é fato, em sua eficácia²³.

    O ato-fato jurídico é ato humano, porém a intenção em realizá-lo é irrelevante para a norma, v.g. a compra e venda realizada por criança é um fato concretizado por conduta humana. A nulidade do negócio pela condição de absolutamente incapaz seria patente, todavia tem ampla aceitação social e como ato-fato jurídico é válido.

    Os meros fatos contrapõem-se aos atos humanos, porquanto estes possuem como componente mínimo a voluntariedade, consequentemente o Direito atribui efeitos aos atos jurídicos atendendo a essa voluntariedade²⁴. Nos atos-fatos jurídicos, a situação fica a meio caminho das duas noções.

    O ato-fato jurídico²⁵ se divide em atos reais, indenizativos e caducificantes. Atos reais²⁶ são aqueles que resultam em circunstâncias fáticas geralmente irremovíveis, v.g. na pintura de tela por incapaz há aquisição de sua propriedade através da especificação. Atos indenizativos²⁷ são atos humanos que resultam em prejuízo a terceiro com dever de indenizar, v.g. o dano em automóvel decorrente de colisão de veículos. Atos caducificantes²⁸ são atos humanos que determinam a extinção de direitos, v.g. prescrição e decadência. O ato-fato possui a característica de se realizar por ato humano e ter o elemento psíquico irrelevante na sua configuração²⁹.

    Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda considera que o contrato por adesão não se constitui em ato-fato, utilizando os seguintes argumentos:

    Poder-se ia pretender que o ato humano, por parte de quem toma o trem, ou de quem sobe no bonde, ou no ônibus, ou na barca, ou na balsa, entra no mundo jurídico como ato-fato humano, e assim não há negócio jurídico. Mas tal explicação é de refugar-se. Quem foi no trem, no bonde, ou no ônibus, na barca, ou na balsa, negociou. O direito tem tal ato como ato humano, que é, embora o repute não suscetível de se lhe investigar a deficiência. O que surpreende é que o louco e o menor de dezesseis anos possam negociar. Ora, o direito público teve de atender a que o louco e o menor de dezesseis anos precisam de transporte como as outras pessoas. Entre vedar-lhes a utilização dos transportes e considerá-los com o consentimento dos pais, tutôres ou curadores, ou do Estado, se os não tem, o direito preferiu o segundo caminho³⁰.

    Quem ingressa no ônibus, trem ou metrô, negocia, pois o comportamento de comprar o bilhete ou gesticular para parar o transporte indica a intenção de firmar o contrato para o deslocamento do ponto de partida do passageiro até o destino ínsito no trajeto do veículo escolhido.

    Não se pode afirmar que o ato ocorreu desvinculado da intenção de contratar nos moldes estabelecidos para o transporte solicitado e que o passageiro acenou para o ônibus ou comprou o bilhete para o avião, barca, metrô ou trem desavisadamente ou por acaso, ou até mesmo contra a sua vontade.

    A questão que se evidencia diz respeito à declaração de vontade, que pode ser de forma direta, mesmo não escrita ou não verbal, quando se constitui cabalmente, ou de forma indireta, quando demanda interpretação para sua verificação.

    As discussões acerca da posição dos contratos massificados na teoria do negócio jurídico requer análise mais detida das teorias que tentam explicar o fenômeno. As principais teorias são a subjetiva e a objetiva, depreendendo-se do estudo relevantes conclusões.

    Conforme a teoria acolhida, focaliza-se os elementos do negócio jurídico sob determinado enfoque, por conseguinte necessário o exame das teorias do negócio jurídico para análise adequada do contrato por adesão, iniciando-se por seus elementos constitutivos, o que permite a identificação da figura como negócio jurídico ou não.

    Seguimos o posicionamento de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda segundo o qual contrato por adesão não é ato-fato jurídico. Nos contratos seriados, existe intenção de contratar, não se trata de fato desprovido de vontade, a declaração de vontade existe, embora possa ser tácita. Em alguns casos, como o do incapaz que contrata, é possível aferir o enquadramento na categoria de ato-fato, mas não na figura específica do contrato por adesão.

    1.2.3 NEGÓCIO JURÍDICO

    O fundamento do negócio jurídico é a autonomia da vontade, ou seja, o autorregulamento de interesses pelas próprias partes, o que identificamos no contrato por adesão.

    Analisaremos adiante as concepções do negócio jurídico e seus elementos essenciais com o fito de confirmar a natureza contratual do contrato por adesão, elemento a elemento.

    A seguir, evidenciaremos as principais teorias conceptivas do negócio jurídico a justificar o fundamento do contrato ora na vontade, ora na declaração de vontade, todavia sempre considerando a ótica do fato jurídico.

    1.2.3.1 CONCEPÇÕES DO NEGÓCIO JURÍDICO

    As duas principais correntes do negócio jurídico tratam da natureza do negócio jurídico como: i) ato de vontade, com foco na gênese do ato jurídico pelo emissor (teoria da vontade); e como ii) declaração de vontade, priorizando a exteriorização da vontade, uma proteção ao comércio (teoria da declaração).

    Antônio Junqueira de Azevedo apresenta a concepção estrutural, reunindo as duas perspectivas, subjetiva e objetiva, no negócio jurídico, como um único fenômeno. Trata-se de uma teoria que não discute a formação como ato volitivo ou a funcionalização do negócio jurídico, todavia o verifica como fato jurídico, partindo da teoria dos fatos jurídicos.

    Dito isso, indispensável investigarmos a natureza do negócio jurídico para a análise do contrato por adesão, já que conforme a teoria, focaliza-se os elementos do negócio jurídico em aspectos diversos, acentuando ou enfraquecendo suas caracterizações. Respalda-se inclusive a constituição do consentimento no contrato por adesão com base na declaração de vontade e não na vontade, apenas.

    1.2.3.1.1 CONCEPÇÃO VOLUNTARISTA OU GENÉTICA

    No início do século XIX, os pandectistas condensaram a expressão ein rechtliches Geschaft, transformando-a em uma só palavra – Rechtsgeschaft (negócio jurídico). O conceito de negócio jurídico teve inspiração ideológica do Estado liberal, cuja característica peculiar era a ampla preservação da liberdade individual diante do Estado³¹.

    A teoria voluntarista ou genética³² traz a concepção de negócio jurídico como ato de vontade ou conforme sua gênese, priorizando a formação do ato, a vontade que lhe dá origem, a autonomia da vontade, que visa produzir efeitos.

    O negócio jurídico concebeu-se como um instrumento da liberdade individual, consubstanciado numa liberdade contratual, que se queria praticamente sem limites. O voluntarismo individualista revelou-se tão intenso que deu origem ao dogma da vontade³³.

    A teoria subjetiva ou teoria da vontade sustenta a vontade interna ou psicológica como elemento essencial do negócio jurídico, conforme essa visão, só existe negócio jurídico se o figurante, ao declarar sua vontade, o fizer com essa intenção e querer dos efeitos. A vontade declarada precisa refletir a vontade interna, logo na discordância entre a vontade psicológica e a declarada, prevalece aquela³⁴.

    A vontade detém, intrinsecamente, o preceito da autonomia privada. O acréscimo da vontade no termo declaração tem o significado de declaração de aceitação, de adesão, de oferta, de revogação, e assim por diante, que delimita o objeto de interesse, em relação vinculativa. Alguns autores falam em meras declarações ou simples manifestações³⁵.

    Ainda na concepção voluntarista, durante os debates entre a teoria da vontade (Willenstheorie) e a teoria da declaração da vontade (Erklärungstheorie), a teoria da declaração da vontade abriu espaço para que o negócio jurídico deixasse de ser visto como ato de vontade³⁶.

    A questão da declaração na teoria voluntarista é mencionada por Emilio Betti, buscou encontrar no contrato a gênese da sociedade humana, a procurar justificativa do efeito jurídico a se obter na vontade a favor de quem se produz, ou na atividade que aquela se exprime, elevando essa vontade à razão precípua e exclusiva:

    A qualificação do negócio como declaração de vontade (que é uma tradução de Willenserklarung – qualificação doutrinária, que ficou sendo monopólio dos tratadistas teóricos e não conseguiu penetrar no uso vivo da língua – já nos vem dos pandectistas alemães do século XIX, adeptos do dogma da vontade (desde Savigny a Windscheid)³⁴ e é resultado de uma elaboração, de certo modo arbitrária, das fontes romanas, efetuada, segundo a tendência e no sentido daquele dogma, no terreno do direito comum³⁵. Não deixa de ter interesse, para a história do conceito e do dogma, observar que no corpus iuris justiniano a expressão "declarare voluntatem", frequentemente interpolada, não indica nunca uma declaração que valha só por si e seja, em relação ao conteúdo, constitutiva e insubstituível, mas antes é usada, precisamente, para indicar uma revelação ou manifestação de uma voluntas, fato psicológico, que pode ser observável e demonstrável também por outra forma³⁷.

    A Willenstheorie defendia a vontade interna e a Erklärungstheorie defendia a vontade declarada como fonte legitimadora do contrato. Apesar da grande influência de Savigny, primando pela preeminência da vontade, os códigos se dividiram, especialmente o Código Civil alemão (BGB) de 1900, acatando a figura do erro, por um lado, e prestigiando a segurança, a estabilidade das relações e a boa-fé de terceiros, em sentido contrário, confirmando o conteúdo do que foi efetivamente declarado, conforme destaca Claudia Lima Marques³⁸.

    A teoria da vontade em seu raciocínio básico é impertinente para alicerçar o fenômeno de contratação massiva, cuja necessidade de segurança nas relações que se processam em grandes volumes é patente. Em regra, não se pode admitir vontades internas prevalecendo sobre manifestações claras de oferta e aceitação, em desacordo com o declarado.

    Todavia, há que se coibir conteúdo contratual abusivo, de má-fé, em afronta à lei imperativa e aos bons costumes, na contramão do interesse social. O que não indica a supressão da autonomia privada declarada, mas a sua adequação às finalidades e aos princípios do Direito.

    A concepção objetiva parte da declaração de vontade para alicerçar relações contratuais, não da mera ou simples declaração, mas da declaração como fator preponderante para a formação da relação contratual.

    1.2.3.1.2 CONCEPÇÃO OBJETIVA OU FUNCIONAL

    A concepção objetiva ou funcional, inicialmente, via o negócio jurídico como um meio concedido pelo ordenamento para produzir efeitos jurídicos e não um ato de vontade propriamente dito³⁹. Na concepção objetiva ou funcional, o negócio jurídico constitui um comando concreto ao qual o ordenamento jurídico reconhece eficácia vinculante⁴⁰.

    A teoria da declaração, objetiva, funcional ou preceptiva, atribui prevalência da declaração sobre a vontade psicológica, sob o argumento de que a declaração é o único dado objetivo capaz de ser identificado pelas outras pessoas.

    A vontade interna constitui-se em circunstância de difícil, e até impossível apreensão em sua realidade e veracidade. Essa concepção considera o comportamento previsto pelas normas jurídicas como elemento suficiente para concretizar o negócio jurídico⁴¹.

    A declaração de vontade é elemento objetivo necessário nas relações negociais por adesão, apta a funcionalizar o contrato pela sua concretude. Deve prevalecer, como regra, à vontade ínsita do contratante, viabilizando as relações jurídicas seriadas na economia contemporânea. Por conseguinte, a acepção voluntarista resta inconciliável com a sistemática contratual massiva.

    Depreende-se da teoria objetiva, a noção de autonomia privada como autorregulação concreta de interesses pelas partes, o que demonstra evolução conceitual ante à concepção que a evidenciava apenas como vontade interna das partes.

    A declaração de vontade interfere no conteúdo, qual seja a autonomia privada, pois esta torna-se segura em razão da sua concretude e exteriorização e observa a lei e a causa do negócio jurídico, que não deve se constituir absoluto e iníquo.

    A autonomia privada não indica o querer no vácuo. O direito protege a autonomia da vontade inserida no ordenamento, respeitando a sua causa. O negócio jurídico é ato pelo qual o indivíduo regula os seus interesses nas relações com os outros, consonante ao direito que conecta efeitos em detrimento da função econômico-social, caracterizando-lhe o tipo⁴².

    Emilio Betti relaciona o negócio jurídico a três questões fundamentais: i) forma – como é?; ii) conteúdo – o que é?; e iii) causa – por que é?. A forma e o conteúdo indicam a estrutura do negócio jurídico e a causa, a sua função. Nessa análise, forma, conteúdo e causa, são elementos existenciais do negócio jurídico⁴³.

    A forma é a declaração, considerando o negócio jurídico como fato social e a autonomia privada um fenômeno social, por consequência compreende-se que o negócio jurídico deve ser socialmente reconhecível. O negócio passa a ser fato social apenas com o reconhecimento pelo ambiente social das declarações, suscetível de interpretação e valoração entre os envolvidos.

    A exteriorização da vontade pela declaração no negócio jurídico avulta de sentido social, além disso produz elemento de base concreta, cuja materialização inequívoca é indispensável para embasar a relação jurídica segura e eficaz.

    O conteúdo é um preceito, estatuto ou dispositivo de autonomia privada, dirigido a efeitos concretos das partes que o estabelece. A declaração se vincula ao seu conteúdo, ordenando linha de conduta, em confronto com qualquer outra disposição advinda de outras relações, detendo relevância essencialmente social, operativa em si, cuja eficácia primeiro se manifesta no plano social e, só depois, no plano jurídico.

    O preceito de autonomia privada é o regulamento dos interesses das partes nas suas relações ou com terceiros, diferenciando-o da mera vontade. O preceito declarativo da autonomia da vontade tem papel preponderante na relação negocial.

    Declaração e autonomia privada são elementos correlacionais. A autonomia privada é substancializada através da declaração, suporte que se afigura determinável, e assim não poderia deixar de ser para funcionalizar o contrato. A declaração tem peso inequívoco, não se trata de mera declaração, mas preceito da autonomia privada, que rege a relação privada basilarmente.

    A mera declaração está atrelada à mera voluntariedade. É necessário que o agente tenha consciência e vontade da própria declaração para existir um suporte mínimo a consubstaciar o negócio jurídico⁴⁴.

    A autonomia privada pode ser reconhecida pela ordem jurídica com duas funções distintas: i) como fonte de normas jurídicas, integrando a própria ordem jurídica, como fonte de direito subordinada e dependente; e ii) como pressuposto e causa das relações jurídicas, em abstrato e em geral, disciplinada pela norma jurídica. A autonomia privada é reconhecida pela ordem jurídica exclusivamente como pressuposto e causa da relação jurídica, e não como fonte de normas jurídicas, conforme compreende Emilio Betti.⁴⁵

    Não se trata de competência para criar normas jurídicas⁴⁶, mas da competência dispositiva que os particulares já consolidam socialmente em suas relações, reconhecida e sancionada pelo ordenamento jurídico.

    O negócio jurídico é instrumento da autonomia privada, disponibilizado pelo direito para os particulares comandarem sua própria casa sem invadir esfera alheia, salvo excepcionalmente, quando há ingerência em negócios alheios ou atribuição de vantagem a terceiros⁴⁷.

    Antônio Junqueira de Azevedo⁴⁸ aponta, entretanto, sensível diferença entre preceito e relação jurídica, termos distintos, com efeitos diversos. O ordenamento jurídico reconhece o negócio jurídico como fonte criadora de relações jurídicas e não como fonte de normas jurídicas. O regulamento das relações jurídicas não pode ser de natureza preceptiva, porque é apto a criar vínculos entre os próprios interessados. Também não se pode adotar a ideia da recepção, porque é ideia de ordem jurídica, a partir da qual surgem as relações jurídicas. Além disso, um preceito com eficácia constitutiva não é preceito, não é norma, é uma relação jurídica que não pode ter valor normativo, pois é efeito da norma. Uma relação jurídica nunca é normativa, dado que preceito (norma) e relação jurídica não são termos equivalentes. Assim, a relação jurídica nunca é normativa, segundo a compreensão do autor.

    Contemplamos a ideia de que o negócio jurídico envolve relações e não normas jurídicas. Ainda assim, é possível considerar o estatuído entre partes constituir preceito, que não conduz à normatividade jurídica, em patamar de lei, ao contrário, o preceito identificado na relação negocial é direcionamento e fortalecimento da declaração de vontade e da própria autonomia privada.

    Causa é a razão do negócio jurídico, e detém típica função de interesse público, que sintetiza os elementos do negócio, a qual corresponde a providência concreta, consequentemente não se justifica nos demais atos jurídicos privados, cujos efeitos não precisam ser evidenciados mediante categorias extrajurídicas⁴⁹.

    Entendemos que a teoria objetiva é o aperfeiçoamento da teoria subjetiva, justifica os fenômenos contratuais com substância e a ela nos remeteremos em vários momentos. Consideramos sua preeminência em relação à teoria subjetiva do negócio jurídico em linhas gerais, entretanto a teoria subjetiva trouxe elementos da vontade, que em muitos casos não podem ser desprezados.

    A ênfase à declaração de vontade ante a vontade interna como premissa básica, sem desconsiderar as necessárias exceções, afigura-se consentânea à evolução contratual, justificando e alicerçando as realidades impostas pela contratação em massa, que reclama por segurança e por objetividade na condução das atividades econômicas.

    Veremos a seguir a concepção estrutural do negócio jurídico, tese por nós acolhida, que identifica simultaneamente em sua acepção a declaração de vontade e a vontade, eliminando definitivamente as discussões acerca da preeminência de uma ou outra.

    1.2.3.1.3 CONCEPÇÃO ESTRUTURAL DE ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO

    A definição de negócio jurídico é aqui formulada do ponto de vista estrutural, procurando-se compreender como ele é, e não como surge ou como atua no mundo jurídico⁵⁰. Trata-se da concepção aduzida por Antônio Junqueira de Azevedo, que explica a integração da declaração e vontade por meio da existência, da validade e da eficácia do negócio jurídico.

    A concepção estrutural concebe o negócio jurídico nas duas facetas do fato jurídico: em abstrato e em concreto, identificando o fato jurídico em abstrato como categoria, e o fato jurídico em concreto como fato. Dessarte, categoria e fato integram o negócio jurídico. Nessa linha de pensamento, o fato jurídico é observado em sua essência como estrutura, e não como função (teoria objetiva) ou gênese (teoria voluntarista).

    Como categoria, ele é a hipótese de fato jurídico (às vezes dita suporte fático), que consiste em uma manifestação de vontade cercada de certas circunstâncias (as circunstâncias negociais) que fazem com que socialmente essa manifestação seja vista como dirigida à produção de efeitos jurídicos; negócio jurídico, como categoria, é, pois, a hipótese normativa consistente em declaração de vontade (entendida esta expressão em sentido preciso, e não comum, isto é, entendida como manifestação de vontade, que, pelas suas circunstâncias, é vista socialmente como destinada à produção de efeitos jurídicos). Ser declaração de vontade é a sua característica específica primária. Segue-se daí que o direito, acompanhando a visão social, atribui, à declaração, os efeitos que foram manifestados como queridos, isto é, atribui a ela efeitos constitutivos de direito — e esta é a sua característica específica secundária. In concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide⁵¹.

    O fato jurídico in abstracto é a declaração de vontade, socialmente qualificada como produtora de efeitos jurídicos e circunstanciada negocialmente. A declaração de vontade, tecnicamente, é aquela reconhecida como carreada e direcionada a gerar efeitos jurídicos na sociedade. Não é simples manifestação de vontade despida de objetivos⁵².

    A tese estrutural caminha adiante na evolução das teorias do negócio jurídico, segue da declaração de vontade nos moldes traçados pela teoria objetiva, que a admite como ponto de partida concreto e determinado, apta a dirigir a relação negocial que foi instalada.

    O fato jurídico in concreto é o fato jurídico consistente em declaração de vontade direcionada a efeitos desejados que o ordenamento confirma, operando efeitos jurídicos, em observância aos pressupostos de existência, de validade e de eficácia⁵³. A perspectiva concreta posiciona a vontade no plano da validade e da eficácia, sem desmerecer seu papel na estrutura do negócio jurídico.

    O negócio jurídico assim engendrado é fato jurídico. Não se trata de fato jurídico em sentido estrito, de modo que depende de declaração, assim não o é o descobrimento de tesouro, a morte, e outros que independem da declaração de vontade. É ato cercado de circunstâncias negociais, que o torna socialmente reconhecido e qualificado a produzir efeitos pelo direito⁵⁴.

    Adotamos a teoria estrutural como direção de nossos trabalhos, dado que ela identifica na perspectiva subjetiva a declaração de vontade, os qualificativos negociais e a previsão dos efeitos no primeiro plano, e na perspectiva objetiva, a concretização do fato com a incidência dos efeitos, observados os requisitos de existência, validade e eficácia, num segundo plano.

    A perspectiva estrutural do negócio jurídico soluciona o dilema acerca da vontade e da declaração de vontade no negócio jurídico, discussão interminável porque, embora a declaração de vontade tenha preeminência, ela não é absoluta e em torno disso desenvolvem-se os questionamentos atinentes ao papel da vontade.

    Conquanto a teoria objetiva tenha evidenciado significativa evolução no trato da matéria, claro é que a vontade representa um papel importante e justificativo para situações várias do negócio jurídico como vícios do consentimento, vícios sociais e questões ligadas à boa-fé.

    Na teoria objetiva, a vontade é destacada da declaração, acentuando-se o papel da declaração, entretanto propugnando exceções para situações específicas. A teoria estrutural segue a proposta da teoria objetiva ao considerar a declaração da vontade, porém não diminui o papel da vontade. A vontade é observada no plano da validade e da eficácia. Depreende-se a eficiência da teoria nessas bases, que não descura da vontade, atribuindo-lhe a necessária importância numa avaliação de plano concreto.

    Na teoria dos contratos por adesão, a correta concatenação entre vontade e declaração constitui-se em ponderação necessária e justa, considerando a segurança requerida para alicerçar as massivas e intensas relações contratuais contemporâneas atrelada aos mecanismos legais, administrativos e judiciários, que equilibram as relações abusivas.

    A despeito do direito francês ter primado em suas bases pela teoria da vontade e o direito alemão pela teoria objetiva, na prática houve uma simbiose entre as duas teorias, que resultou na aplicação integrada de ambos os fundamentos nos dois ordenamentos, pioneiros nas duas principais teses de concepção do negócio jurídico, o que justifica a adequação da teoria estrutural.

    1.2.3.1.4 DESEMPENHO DA TEORIA SUBJETIVA E OBJETIVA NO DIREITO FRANCÊS E ALEMÃO

    Embora a teoria da vontade tenha permeado o direito francês e a teoria da declaração o direito alemão, na prática as duas em muito se aproximaram. Ambas fidelizaram seus argumentos principais, seja na vontade ou na declaração de vontade, contudo perfizeram concomitantemente exceções, que as deixaram no meio do caminho, entre a vontade e a declaração de vontade.⁵⁵

    A jurisprudência atestou a aproximação das duas teorias e evidenciou a reciprocidade da vontade e da declaração da vontade no direito francês e alemão, predominando uma ou outra com maior ou menor intensidade.

    Marcos Bernardes de Mello⁵⁶ conclui que as duas teorias são substancialmente coincidentes, porque o voluntarismo predomina como fundamento do negócio jurídico. A divergência ocorre quanto à prevalência da vontade interna ou da declarada quando conflitantes. Em ambas, a exteriorização da vontade é elemento material, objetivo do negócio jurídico.

    Antônio Junqueira de Azevedo considera a declaração de vontade como elemento de existência do negócio jurídico, que prescinde da vontade. Esta, por sua vez, é discutida no plano da validade ou da eficácia do negócio jurídico. Dessarte, a discussão sobre prevalecer um elemento ou outro não tem razão de ser⁵⁷.

    Segundo Humberto Theodoro Júnior,

    Como reação, a teoria da declaração mostrou-se tão extremada como a teoria da vontade. Se a primeira protegia intoleravelmente o declarante, a segunda outorgou tutela exorbitante ao destinatário da declaração. É evidente que não se poderia tutelar, por exemplo, a má-fé de quem procurasse prevalecer do erro alheio para, maliciosamente, obter vantagens do negócio viciado. E além do mais, se se pode valorizar a declaração, não se deve fugir da realidade de que a raiz mesma do negócio jurídico não pode ser desvinculada da vontade⁵⁸.

    Não há consenso, a doutrina ora pende para a prevalência da vontade subjetiva, ora para a objetiva. O Código Civil de 1916, em seu art. 85, optava claramente pela teoria da vontade. O Código Civil de 2002 fez opção eclética no seu art. 112, assinalando que a interpretação dos negócios jurídicos observará a vontade subjetiva que possa ser extraída do conteúdo de sua declaração⁵⁹.

    A evolução do direito caminha para atender aos reclames sociais diante do movimento social. Observa-se que em 1916, a sociedade inseria-se no início da produção em massa, em 2002, a estandardização dos contratos apresentava problemas, fundamentalmente abusividades, que precisavam ser contidas através de um direito mais social, com olhos para o indivíduo, observando-se já a partir da Constituição de 1988 um novo parâmetro para as relações econômicas.

    O contrato por adesão acomoda-se através de declaração de vontade definidora do conteúdo transacionado e dos efeitos jurídicos desejados pelas partes. É certo que a vontade é fator importante na relação contratual, conferindo fidedignidade à negociação, embora desvinculada da declaração de vontade que constitui o negócio jurídico. Em suma, evidencia-se a teoria estrutural do negócio jurídico, conformadora dos elementos declaração de vontade e vontade na teoria contratual.

    Ultrapassada a discussão das concepções do negócio jurídico, sigamos em análise dos elementos essenciais do negócio jurídico por adesão.

    1.2.3.2 ELEMENTOS ESSENCIAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO NO CONTRATO POR ADESÃO

    O Código Civil brasileiro, em seu art. 104, menciona como requisitos de validade do negócio jurídico i) a capacidade do agente; ii) o objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e iii) a forma prescrita ou não defesa em lei.

    É a redação do Código Civil italiano⁶⁰: Art. 1.325. Os requisitos do contrato são: 1) o acordo das partes; 2) a causa; 3) o objeto; 4) a forma, quando se verificar que é prescrita pela lei, sob pena de nulidade. Tradução livre.

    O Código Civil francês⁶¹, ao tratar da validade do contrato, prescreve: Art. 1.128. O seguinte é necessário para a validade de um contrato: 1º O consentimento das partes; 2º Sua capacidade de contrair; 3º Um conteúdo legal e certo. Tradução livre.

    Nos códigos acima, verificamos o elenco da capacidade, acordo e consentimento; conteúdo ou objeto; e às vezes forma ou causa, admitidos como elementos ou requisitos de validade do negócio jurídico.

    Maria Helena Diniz⁶² aduz os elementos constitutivos ou estruturais do negócio: essenciais, naturais e acidentais.

    A autora indica os elementos essenciais essentialia negotii – como aqueles que são da substância do ato, podendo ser gerais, comuns a todos os negócios

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