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O Choque Dos Universos
O Choque Dos Universos
O Choque Dos Universos
E-book498 páginas5 horas

O Choque Dos Universos

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Sobre este e-book

O Choque dos Universos aborda a mecânica quântica em nível macroscópico. Poderiam vários mundos coexistirem ao mesmo tempo, colapsando para um somente sob determinadas circunstâncias? E essas circunstâncias estariam contidas numa jovem humana e dependendo do que lhe acontecer o fim da humanidade estaria decretado? Ou há ainda uma chance de evitar a sua extinção provocada por alienígenas procedentes de outro universo? Ou uma IA desconhecida e um humano de nome Louis conseguirão mudar esse destino? Leia e descubra como esse fim foi evitado.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de dez. de 2023
O Choque Dos Universos

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    O Choque Dos Universos - Ronald Rahal

    O Choque dos Universos

    Por Ronald Rahal

    Revisado por Miguel Carqueija.

    Uma história no Multiverso.

    Prefácio. ............................................................................................................................... 3

    Parte I ................................................................................................................................... 5

    Parte II ............................................................................................................................... 19

    Parte III .............................................................................................................................. 26

    Parte IV .............................................................................................................................. 32

    Parte V ............................................................................................................................... 41

    Parte VI .............................................................................................................................. 46

    Parte VII ............................................................................................................................ 52

    Parte VIII ........................................................................................................................... 57

    Parte IX .............................................................................................................................. 63

    Parte X ............................................................................................................................... 75

    Parte XI .............................................................................................................................. 88

    Parte XII .......................................................................................................................... 104

    Parte XIII ......................................................................................................................... 111

    Parte XIV ......................................................................................................................... 119

    Parte XV .......................................................................................................................... 134

    Parte XVI ......................................................................................................................... 146

    Parte XVII........................................................................................................................ 158

    Parte XVIII ...................................................................................................................... 165

    Parte XIX ......................................................................................................................... 173

    Parte XX .......................................................................................................................... 184

    Parte XXI ......................................................................................................................... 191

    EPÍLOGO. ....................................................................................................................... 201

    ~ 1 ~

    ~ 2 ~

    Prefácio.

    Miguel Carqueija.

    Tradicionalmente, divide-se a Ficção Científica em duas principais vertentes:

    ―hard‖ e ―soft‖. É claro que, hoje em dia, reconhecemos que as subdivisões do gênero são muito mais numerosas (―space opera‖, utopia etc.). Em todo o caso, por ―hard‖ entende-mos a FC de embasamento cientifico, linguagem técnica, e que procura prever futuros desenvolvimentos tecnológicos. A FC ―soft‖ vem a ser aquela que se baseia mais no hu-manismo, nas relações e na psicologia dos personagens.

    Como exemplos maiores de uma ficção científica ―hard‖, podemos mencionar Ju-lio Verne, que mapeou, no século XIX, as possibilidades da civilização; Alexandr Belia-ev, que no romance ―Estrela Kets‖ imaginou, na década de 1930, a exploração do Sistema Solar; e Arthur C. Clarke, outro profeta da Astronáutica.

    No Brasil a FC ―hard‖ não é das mais frequentes, até porque, nos força a reconhecer o nosso atraso tecnológico e cientifico que, claro, não nos ajuda muito. Entretanto, temos um autor bem ―hard‖ na pessoa de Gerson-Lodi Ribeiro, cuja noveleta ―Quando os humanos foram embora‖ apresenta até um apêndice técnico. Lodi, aliás, já trabalhou com a hipótese de dinossauros inteligentes — como em seu conto ―O vôo do Ranforrinco‖ —

    que também viria a ser explorada por Ronald Rahal no presente romance. Outro autor nacional bastante técnico é Jorge Luiz Calife, considerado bem próximo da linha de Clarke.

    Ronald Rahal, autor paulista, vem aparecendo nos últimos anos no ambiente da FC nacional, com uma produção surpreendentemente prolífica de contos e novelas

    ―hard‖, com muito embasamento científico atualizado, e textos por vezes de muito fôlego, como ―Regresso a Máquina do Tempo‖, romance publicado pela Agbook e a Amazon que homenageia a criação original de H.G. Wells.

    Em ―Choque dos universos‖ Rahal trabalha com a idéia, hoje muito em voga, do Multiverso, que na verdade é uma evolução da antiga teoria dos mundos dimensionais, muito explorada por autores como Clifford D. Simak (em ―City‖ e outros romances).

    Neste trabalho de Rahal, uma raça de dinossauros racionais disputa com a humanidade o direito de posse do nosso planeta, em razão de problemas na Terra alternativa deles, situada em outro ponto do Multiverso. E uma inteligência cibernética, a Prima, procura de certa forma mediar a questão.

    Rahal teve o bom senso de não partir do principio de que alienígenas em disputa com a humanidade sejam ―a priori‖ perversos e vilões, daí o seu texto é muito equilibrado sob esse aspecto. Curiosamente, porém, o que achei mais interessante foi a atitude do personagem principal, o policial Louise, herói do drama.

    Nos dias atuais andam muito enfraquecidos os laços familiares e, infelizmente, é muito comum, nas separações e divórcios em que os filhos ficam com as mães (que é o

    ~ 3 ~

    mais habitual), que o homem dê de ombros às responsabilidades paternas, quando muito pagando pensão, obrigado pela Justiça. Pois bem: Louise, embora já não more mais com a filha, a menina Debby, demonstra por ela uma dedicação a toda prova, arriscando a vida e enfrentando uma incompreensível ameaça extraterrestre, com tecnologias e objetivos muito acima da sua compreensão. E é admirável a persistência e determinação do personagem, a partir do momento em que a situação engrena de vez, em proteger a filha, o que o levará, afinal, a lutar por toda a humanidade.

    Isto e mais a idéia de que há lugar para todos no universo, constitui talvez os pontos altos da história, apresentando-se, além disso, por um estilo seguro e de linguajar rico.

    ~ 4 ~

    Parte I

    A sonda exploradora rompeu a barreira dimensional e penetrou nos limites do sistema estelar. A ruptura entre os vários Universos exigia formidáveis quantidades de energia, condição somente existente próxima de uma estrela que poderia lhe fornecer o fluxo necessário, além de lhe propiciar um potente campo gravitacional para atingir a aceleração necessária. Após um determinado número de órbitas, a energia captada e o impulso lhe forneceriam as condições para a abertura de um pequeno wormhole, ou buraco de minhoca entre dois Universos. O único inconveniente deste artifício era a dificuldade de calcular em que ponto do sistema estelar a sonda ingressaria devido às sutis alterações gravitacionais, sempre mutacionais, ocasionadas pelos seus diversos componentes. Toda vez que penetrava em uma das versões do Multiverso, era obrigada a percorrer rotas diferentes até o planeta alvo, cuja distância variava conforme o ponto de ingresso. Desta vez, emergira no longínquo cinturão de Oort.

    Após a abertura do Portal dimensional, certificou-se que penetrara finalmente na versão certa do sistema solar do vasto Multiverso.

    Por um tempo a sonda ficou flutuando no vácuo, apenas deixando-se levar pela inércia como se não possuísse mais energia para se impulsionar. Mas, era uma falsa impressão, pois logo em seguida ela executou um movimento giratório, como se buscasse por algum referencial naquela vastidão negra pontilhada por uma miríade de pequenos diamantes sendo que um deles parecia ser o mais próximo. As novas coordenadas apontavam para aquele ponto longínquo e piscante que nada mais era do que uma estrela ama-rela da classe G em torno do qual orbitavam há mais de 4,5 bilhões de anos os restos da formação daquele sistema conhecido como o cinturão de Oort.

    Completado o recálculo da nova trajetória, acelerou finalmente em sua direção.

    Desta vez, sua função fora duplicada para poder estabelecer dois Portais interdimensio-nais. O primeiro, já fora aberto, cuja função seria de uso constante para as futuras tarefas que se apresentariam. Além de eliminar o problema das variabilidades de ingresso. O

    segundo, menor, seria fixado num determinado ponto da superfície do planeta alvo para concretizar as diretrizes do plano estipulado.

    Um ser humano que por ventura pudesse emparelhar-se com a sonda e mensurasse a velocidade que desenvolvia, ficaria admirado com a rapidez com que percorria o espaço rumo à estrela central e aos planetas rochosos. Esse ser humano fictício teria dificuldades em assimilar a relatividade das posições no espaço já que a essa velocidade estonteante, ela lhe pareceria totalmente imobilizada. Mas, isso decorria também pelo fato de serem imensas as distâncias existentes entre os corpos no Universo. A única certeza de que realmente ela se movia, só poderia ser possível mensurando o gradativo aumento da circun-ferência da estrela para a qual se dirigia. Aquela sonda sofisticada utilizava uma série de referenciais para mover-se de um ponto para o outro naquele vasto espaço, efetuando vez por outra, pequenas correções na sua trajetória.

    Naquele ritmo, inconcebível para a tecnologia terrestre, ela logo passou pela órbita dos grandes gigantes gasosos do sistema solar sem se deter. Sua atenção só foi despertada quando passou por um pequeno planeta vermelho e começou a avizinhar-se de duas

    ~ 5 ~

    esferas distintas. Uma chamada Terra, azulada por seus vastos oceanos e densa atmosfera, e outra, menor, totalmente craterizada e sem vida alguma.

    A sonda desacelerou assim que o azulado corpo principal ocupou todo o seu campo de visão. Depois, executou uma manobra de 90 graus, movendo-se da parte iluminada para a escura.

    No lado noturno constatou uma série de manchas luminosas espalhadas aleatoriamente. Um claro indício de que uma inteligência se abrigava naquele mundo, recorrendo a luzes artificiais para afastar a escuridão que ocorria a determinados intervalos de tempo durante seu período de rotação.

    Mas, a sonda que singrara o espaço tão celeremente rumo ao planeta Terra, não era produto da inteligência humana, mas sim de uma que a substituíra. E ali estava com um propósito e não como mera exploradora.

    Do corpo principal da estrutura da sonda impulsionou-se um dispositivo menor que, apesar de não ter o porte da maior, tinha todos os requisitos necessários para edificar o segundo Portal que seria posicionado em algum ponto da superfície do planeta.

    Enquanto isso, a sonda principal aguardava as informações da menor que se aproximava da Terra. As duas nunca mais se reconectariam. Após o cumprimento das respec-tivas funções, automaticamente se dissipariam em pequenas nuvens moleculares conforme a vontade da Prima. Mas, nenhuma das duas partes sentia qualquer coisa com relação às suas finitudes. Apenas o objetivo de cumprir as diretrizes que lhe haviam sido impos-tas.

    Para o pequeno dispositivo lançado na direção do planeta Terra, conforme a distância diminuía, as manchas leitosas desconexas começaram a se desfazer, revelando que tal impressão era causada por milhões de pontos luminosos distintos que se estendiam por uma ampla área da superfície abaixo. E assim prosseguiu até se deparar com as coordenadas armazenadas em sua memória. Deteve-se sobre elas e deu início ao descenso para por em prática a tarefa que lhe cabia.

    A sonda menor foi diminuindo a distância que a separava da superfície sempre se orientando pelo retângulo de pontos luminosos das coordenadas até fixar-se numa característica do terreno pré-determinada pela memória: uma pequena mancha verde quase livre de construções. Um dos inúmeros parques que se distribuíam aleatoriamente pela cidade e que se distinguia por possuir uma velha ponte de pedra, ponto central onde deveria estabelecer o segundo Portal.

    A pequena sonda leu as características do relevo para identificar algum problema que pudesse impedi-la de instalar o Portal interdimensional que conectaria o seu mundo a este que sobrevoara. Não encontrando qualquer dificuldade ou empecilho, deu início à primeira etapa da instalação. Depois de cumprida a missão, antes de findar suas atividades, conectaría-se à rede de informações globais para coletar os dados que permitiriam localizar a origem da superposição daquele Universo enviando-as para a sonda principal que as retransmitiria para o seu mundo de origem.

    ~ 6 ~

    Pequenos componentes destacaram-se de sua estrutura e rumaram na direção do arco que sustentava a velha ponte do parque. Àquela hora da noite ninguém testemunharia os pequenos, mas auto-suficientes mecanismos silenciosos que disparara, mesclando-se com as pedras que compunham o arco. Com eficiente precisão cada um se posicionou de forma a completar a estrutura do Portal e torná-lo operacional permitindo o ingresso de qualquer corpo físico procedente de outro Universo. Depois da instalação e verificação de sua operacionalidade, deu início à coleta de dados para localizar a anomalia.

    A pequena sonda flutuou acima do parque e encoberta por seu campo defletor, conectou-se a diversos satélites que orbitavam o planeta para iniciar o processamento de milhões de dados.

    Nenhum ser humano teria condições de acompanhar a velocidade com que efetua-va a filtragem de imagens e de sons provenientes de todos aqueles satélites que estavam interligados aos seus sensores. Seu mecanismo de processamento trabalhava com extrema rapidez e nele mesclavam-se uma coletânea fantástica de rostos, vozes, indicadores biológicos e parâmetros sem fim, que eram comparados com as escassas informações da anomalia registrada em seu banco de dados.

    Uma tarefa que pelos padrões humanos levaria meses para ser concretizada foi fi-nalizada em pouco mais de uma hora. As imagens, o áudio e os parâmetros biológicos, principalmente os de DNA, teriam que ser idênticos aos armazenados em sua memória confirmando que chegara à época correta onde se encontrava a estranha anomalia quântica que extinguiria a humanidade.

    Ultrapassada esta fase, executou novo filtro das informações coletadas dos últimos dias baseadas em imagens de câmeras, conversas telefônicas, exames de laboratório, acessos a redes enfim, qualquer dado que pudesse levá-la à anomalia e ajudasse na sua localização. Cruzando essas referências sobre a planta da cidade, em poucos minutos encontrou o que procurava: a posição da anomalia se situava numa das unidades de determinada construção vertical não muito longe de um dos parques que a pontilhavam, com uma pequena margem de erro de 0,0004 %.

    Sensores ultra-sensíveis emitiram feixes de ondas direcionadas naquela direção que, cruzando o espaço, ultrapassaram as paredes de concreto retornando com imagens sonográficas e de temperatura da anomalia que, confrontadas com outros parâmetros registrados, confirmavam ser ela a causa do fenômeno. Naquele exato momento ela estava posicionada horizontalmente sobre um estranho objeto retangular, ao lado de outro, sobre o qual se estendia um corpo de maiores dimensões. O propósito de ambos lhe era desconhecido. O ritmo cardíaco e respiratório da entidade menor, a própria anomalia, indicava pouca atividade física. Sua missão de busca estava encerrada.

    A sonda imediatamente enviou para a sonda maior as informações coletadas.

    Em poucos segundos, seguindo as instruções, um dispositivo no seu interior foi ativado e ela se desfez numa suave névoa molecular esverdeada. O caminho estava agora aberto para a sonda maior que dispondo de mais recursos e informações completaria a missão de capturar e examinar a própria anomalia.

    Assim que as moléculas da sonda se dispersaram, a sonda maior seguiu as instruções emitidas. Defletores sofisticados a esconderam das primitivas máquinas daquela

    ~ 7 ~

    época e dos próprios sentidos dos seres daquele mundo aguardando a fase seguinte da missão.

    ***

    O irritante alarme do despertador obrigou mãos trêmulas a apalpar o pequeno relógio em busca do botão que pusesse um fim àquele som estridente incômodo. Dedos finos, providos de unhas bem cuidadas, o pressionaram, silenciando-o. A mente que executara aquele movimento automaticamente, ainda perambulava por aquele mundo onde lembranças se misturavam com vívidas fantasias.

    Esforçando-se mentalmente para acostumar-se àquela realidade que exigia boa dose de vontade e movimentos físicos, Suzan moveu a cabeça para o lado para ver o mos-trador do relógio. Os dígitos de cor verde indicavam que já eram seis e meia da manhã.

    Então, lembrou-se que ainda era uma quarta-feira e que o fim de semana estava longe, muito longe ainda do que desejaria.

    Como era praxe, Suzan cuidaria de si mesma e de sua pequena filha Debby, de cinco anos de idade, para dar conta das atividades do dia. E não podia se esquecer que as duas teriam que estar prontas antes das nove da manhã, o horário de entrada na companhia de seguros onde trabalhava. Antes de chegar ao escritório, uma sequência de tarefas lhe aguardavam. Banhar-se; dar banho na pequena filha; preparar o desjejum matinal para ambas; vestir-se; maquiar-se e por último, por o uniforme escolar em sua filha e arrumar sua lancheira infantil, além de ter de levá-la para a escola maternal. Parecia-lhe um mar sem fim de coisas para fazer e sempre havia algo que esquecia ou que, por causa do cansaço, deixava para o dia seguinte, atravancando ainda mais a rotina futura. Tais acúmulos de tarefas extras sempre a atrasavam.

    Para complicar ainda mais as coisas, o local onde Suzan trabalhava e a escola, on-de deixava sua filha cinco dias por semana, eram bem afastados um do outro. Mesmo levantando cedo, numa grande metrópole, milhões de pessoas faziam as mesmas coisas todos os dias para trabalhar locomovendo-se fossem de ônibus, carros ou metrô. No caso dos carros como era o caso de Suzan, as ruas e as avenidas das grandes cidades logo se atravancavam de veículos frustrando a ilusão de que seria possível vencer num curto prazo de tempo a distância entre dois pontos afastados.

    Debby era uma menina obediente, mas como toda a criança de sua idade tinha dificuldade em acordar cedo, obrigando Suzan a ser enérgica muitas vezes para que não se atrasasse no trabalho. Como uma mulher divorciada e independente, valorizava o emprego, pois aprendera por experiência própria que o futuro de uma mulher sozinha nas grandes metrópoles do seu tempo era imprevisível. A vida lhe ensinara que só poderia contar com o que conseguisse do próprio esforço. O sustento das duas vinha deste emprego e só era amenizado com o auxílio do seu ex-marido que custeava as despesas da escola de Debby, o plano de saúde e quando possível, o supermercado. O máximo que seu parco salário de policial podia suportar.

    Suzan era uma mulher nos seus trinta e quatro anos de idade que aparentava ter bem menos. Levando uma vida agitada alimentava-se mal. Isto reforçava a sua complei-ção fina e delicada que lembrava mais a de uma adolescente. Seu cabelo aloirado curto e seus grandes olhos azuis contribuíam para lhe dar essa impressão jovial. Mas, o estresse

    ~ 8 ~

    acumulado provocado pela separação e a forçada solidão, aos poucos começavam a mar-car seu rosto com pequenos sulcos nos cantos dos olhos. Mesmo assim não lhe faltavam galanteios por parte de pretendentes eventuais.

    O nascimento de Debby fora seu último esforço, numa série deles, que fizera para tentar salvar seu casamento. Louise era um detetive que praticamente estagnara dentro dos quadros da polícia. Uma promoção que lhe permitisse obter um salário maior e uma função burocrática que lhe concedesse mais tempo para se dedicar à família, era constantemente barrada pelos seus superiores. Não por ser desleixado em suas funções, mas por ser franco demais em suas opiniões e isto lhe granjeara muitas antipatias. Por essa razão lhe designavam investigações que o obrigavam a ausentar-se por longos períodos de sua casa e esta situação acabara por desgastar o seu casamento. As brigas tornaram-se constantes e Suzan tentara de tudo para que seu marido mudasse de profissão. Lou, como era apelidado pelos colegas, alegara à esposa que ser um policial era o que melhor sabia fazer e que um dia aquela situação de baixo salário e forçada ausência acabaria. Era só uma

    ―questão de paciência‖, como sempre lhe dizia. Mas, a paciência foi um luxo que Suzan tentou demonstrar por muitos anos até se tornar um fardo pesado demais para se carregar.

    As coisas só haviam melhorado um pouco quando engravidara de Debby. O detetive Louise conseguira ficar mais tempo em casa por causa da gravidez da esposa, mas quatro meses após o nascimento da filha, foi obrigado a voltar às investigações prolongadas e às ausências constantes. E as discussões recomeçaram. Passados dois anos, chegaram à conclusão de que o casamento era insustentável e decidiram amigavelmente por um fim à união por meio do divórcio. ―Dar um tempo‖, como ele dissera a esposa. Suzan fez um acordo judicial para ficar com a filha e o ex-marido decidiu espontaneamente ajudá-la financeiramente no que pudesse.

    O desgaste dos seis anos que ficaram juntos foi muito grande para Suzan e a de-cepção foi transferida instintivamente para todos os homens. Por isso se dava melhor com as mulheres. Para complicar as coisas, seu encarregado na seguradora onde trabalhava era um homem que colocava o interesse da empresa acima de qualquer outro e a pressionava demais por resultados.

    Os contatos com Louise eram esporádicos e só ocorriam quando o pai vinha buscar a filha para um breve passeio em alguns fins de semana ou mais frequentemente, no caixa do supermercado. Mesmo assim e na maioria das vezes, acabavam se desentenden-do. Por isso o evitava sempre que possível e tentava dar prosseguimento à sua vida o mais independente que conseguisse do seu ex-marido.

    Aquela manhã não seria diferente das outras e Suzan puxou os lençóis e levantou-se resignada. Pulou da cama e em passos cambaleantes rumou para o banheiro e abriu a torneira. Enquanto a pia enchia-se de água, olhou de relance seu reflexo no espelho e espantou-se com a sua própria aparência. Todo o estresse de sua vida estava bem visível em sua face. As manchas escuras debaixo de seus olhos denunciavam as noites mal dormidas combinadas com a cansativa rotina diária do trabalho, da casa e do cuidado com a filha.

    Suzan passou a mão pelos cabelos revoltos tentando melhorar a imagem refletida.

    Perguntou-se por quanto tempo ainda aguentaria essa infindável passagem de dias rumo ao único acontecimento que sabia certo em sua vida: a chegada da morte. Para onde tinham ido todos os seus sonhos de juventude? O que acontecera com todos os planos que

    ~ 9 ~

    fizera? Meneou a cabeça sem encontrar a resposta e molhou seu rosto na água fria para encontrar a coragem que lhe permitiria sobreviver por mais um dia. Em seguida, abriu as portas do boxe e girou lentamente o registro de água para que o chuveiro despejasse o seu conteúdo na temperatura certa. O jato morno molhou seus cabelos e deslizou por sobre seu corpo, empoçando o piso. A água dava-lhe uma sensação de frescor e conforto. Fechou os olhos e permitiu-se relaxar por alguns minutos como se pudesse eternizar aquele momento. Mas, sabia que aquele desejo era uma mera ilusão e logo voltou à realidade, terminando rapidamente o banho. Tinha muitas tarefas pela frente. E a primeira delas se chamava Debby.

    - Debby, querida! Acorde! Mamãe precisa levá-la para a escolinha. - Disse Suzan, roçando suavemente os dedos no rosto da filha. A menina abriu os olhos com dificuldade esfregando-os com o dorso das mãos. Olhou em volta e num longo bocejo voltou-se para ela. - É preciso, mamãe? Estou com tanto sono! Eu queria dormir só mais um pouquinho.

    Deixa, mamãe, vai?

    Suzan sabia que não podia se dar àquele luxo. Sua vida era determinada pelo relógio e a lembrança das vezes que tinha sido advertida pelo chefe por chegar atrasada, causava-lhe um misto de impotência e um desagradável frio no estômago. Usando um tom calmo na voz, como se dispusesse de todo o tempo do mundo, olhou fixamente para a filha.

    - Hoje não pode, querida. Você sabe que a mamãe tem que trabalhar e antes disso, tenho que lhe dar um banho e vesti-la para levá-la à escolinha. Já conversamos sobre isto e quero que me ajude.

    Debby a olhou com aquele ar contrafeito e cruzou os braços. Suzan simplesmente começou a tirar-lhe o pijama para lhe dar um banho.

    - Filha! Por favor! Colabore comigo! Hoje eu não estou com disposição para brigas!

    A pequenina cedeu à reclamação da mãe e deixou-se banhar, bocejando várias vezes. Suzan depois a secou e penteou seus longos cabelos pretos. Parou alguns instantes para observá-la e suspirou com a visão de seu rosto de boneca. Debby herdara dela os olhos azuis e o cabelo liso e escuro do pai que se desmanchava numa curta e bem feita franja.

    Depois de vesti-la, Suzan colocou a menina sentada diante da mesa da cozinha e preparou um leite com chocolate e várias torradas cobertas por fatias de queijo. Enquanto Debby se alimentava, a mãe beliscou alguns pedaços das mesmas e sorveu alguns goles do leite morno achocolatado, enquanto preparava o lanche da filha composto por uma fruta, um pequeno sanduíche de frios com folhas de alface e uma garrafa com suco de laranja. Era grata à escola que servia almoço aos alunos do semi-internato. Isto de certa forma atenuava a sua correria de todas as manhãs.

    - Mamãe! - Suspirou a filha. - A Érika ontem puxou meus cabelos!

    Sem deixar de concentrar-se no preparo do lanche, Suzan ergueu uma das sobran-celhas. - Por que, querida? A professora Emília viu isso?

    ~ 10 ~

    - Não, mamãe! Ela estava cuidando do Peter e não viu a Érika fazer isso comigo.

    A Érika queria pegar meus lápis de cor e eu não deixei!

    Suzan apenas suspirou. - Ahh... Não se preocupe, querida. Eu falarei com ela. Agora acabe de comer e depois eu te ajudo a escovar os dentinhos, certo?

    A mãe acomodou o lanche, a fruta, um guardanapo e o suco cuidadosamente na pequena lancheira infantil colorida de Debby, fechando-a bem devagar para que o orifício da tampa se encaixasse perfeitamente na garrafa e o sanduíche não ficasse amassado. Era ponto de honra o cuidado que Suzan dispensava no preparo do lanche da filha. Afinal, dava-lhe certa satisfação o fato de Debby comer uma pequena refeição preparada por ela, como era natural para todas as mães que se preocupavam com o bem estar dos filhos. Era uma forma de se conectarem durante o dia. Como um pequeno lembrete de que apesar de estar separada do pai, sua mãe estava presente. E por mais que estivesse cansada, a sua atenção não se limitava apenas a este detalhe. Tinha o maior cuidado com a aparência dela. À noite, seguia o extenuante ritual de lavar e passar seus uniformes depositando-os carinhosamente sobre a pequena cadeira situada ao lado da cama vermelha da filha, que tinha o rosto estampado de Branca de Neve que Debby tanto adorava. Sentia-se orgulhosa de cuidar bem dela e queria que soubessem que era uma mãe dedicada. Ou talvez, como pensava às vezes, fosse uma forma de manter-se ocupada e esquecer que era uma mulher jovem, porém, muito solitária.

    Suzan ajudou sua filha a escovar os dentes e depois, segurando seus cabelos, os penteou mais uma vez com suaves passadas de escova. Delicadamente ajeitou a mochila sobre os ombros dela e deixou-a ali, parada perto de si enquanto se maquiava rapidamente. Borrifou seu perfume preferido, contornou os olhos com uma pequena haste escura e passou um discreto batom sobre os lábios enquanto Debby a olhava curiosamente. Esco-vou os cabelos jogando-os para frente e depois para os lados, olhando-se no espelho. Depois pegou uma mecha e a examinou por um instante. Apesar de ainda ser jovem percebeu aqui e ali os primeiros fios de cabelo branco, lembrando-a de que o tempo não perdo-ava ninguém.

    Surpreendeu-se com o esforço que Debby fazia para vê-la do seu ponto de vista e carinhosamente a levantou, aproximando seus rostos diante do espelho. Deu um beijo na filha, deixando em sua face de pêssego a marca dos lábios. A menina esfregou o rosto para tirá-los e quando conseguiu, Suzan deu-lhe outro e as duas trocaram olhares sérios que logo se desmancharam em sorrisos e estridentes gargalhadas.

    ***

    O trânsito como sempre estava engarrafado. Nada que destoasse daquele cotidiano de milhares de pessoas locomovendo-se em seus carros para todos os cantos da grande cidade num dia normal de trabalho. E como era habitual, Suzan era obrigada a ouvir as mesmas coisas: buzinas, sirenes e todos os ruídos típicos das grandes metrópoles que só aumentavam a sua irritação.

    Os carros à frente de Suzan moviam-se bem devagar, pois a rua onde estava fora parcialmente interditada por um enorme caminhão da companhia de eletricidade forçando todos os veículos a entrarem num gargalo estreito e sem um agente de trânsito para coor-

    ~ 11 ~

    denar o fluxo, o motorista mais esperto conseguia ultrapassar os demais, numa briga de buzinas e quase colisão. E para complicar ainda mais as coisas, no próximo cruzamento um semáforo funcionava de forma preferencial aos veículos que percorriam a via principal encurtando o intervalo de tempo para ultrapassá-la. Desta forma, aquela série de obstáculos prolongava o percurso do veículo de Suzan mais do que o habitual naquela manhã.

    Do seu assento, Suzan impaciente moveu-se um pouco para o lado da janela, para tentar observar melhor o que estava acontecendo à sua frente. E assim que constatou qual era o motivo do engarrafamento, deu-se conta de que perderia preciosos minutos só naquele trecho da rua. Mas, não havia nada que pudesse fazer para impedir isso, pois ficara aprisionada numa das inumeráveis armadilhas que afligiam o trânsito das grandes cidades.

    Suzan olhou o relógio e a fila de veículos que se locomovia lentamente. Até que chegasse a sua vez para ultrapassar a via principal, perderia os preciosos e poucos minutos de que dispunha para não se atrasar no trabalho. Logo lhe veio à mente a desagradável imagem do seu chefe chamando sua atenção por causa de mais um atraso, o que lhe causou certo desconforto e seu estômago começou a doer.

    Enquanto esperava por sua vez, mentalmente culpou os trabalhadores da companhia de eletricidade pelo atraso. Depois, se arrependeu deste sentimento. Afinal, eram pessoas iguais a ela. Que tinham que trabalhar também para o seu sustento. Deveriam ter mulheres e filhos para cuidarem. E

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