Prosa Marginal e Literatura Underground – A Linguagem de Mutarelli
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Prosa Marginal e Literatura Underground – A Linguagem de Mutarelli - Damásio Marques
Sumário
CAPA
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
A FICÇÃO DO DIÁLOGO POPULAR: FRONTEIRAS E LIMIARES DA COMUNICAÇÃO
1.1 A liberação do elemento épico popular: o sujeito que fala no romance (tempo/espaço de Rabelais)
1.2 A perspectiva linguística sobre a relativização da forma do romance
1.3 O segundo plano da representação da contracomunicação
CAPÍTULO 2
O APAGAMENTO DE FRONTEIRAS: INTENÇÕES, ENTRELAÇAMENTOS E CONTÁGIOS EM O CHEIRO DO RALO
2.1 Estruturas do romance: o estilo graphic novel
2.2 A história gráfica na narrativa: ação, ritmo e timing
2.3 A narrativa do skaz na voz de outrem ou underground
CAPÍTULO 3
NOVAS VIZINHANÇAS ENTRE AS COISAS E A REALIDADE EM O CHEIRO DO RALO
3.1 Contatos multiformes de linguagens e códigos
3.2 O realismo da palavra sensorial no corpo textual dialógico
3.3 Variantes do ficcional no romance: o corpo em festa na escala artístico-literária: Bosch/Eisner/Mutarelli
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
SOBRE O AUTOR
SOBRE A OBRA
CONTRACAPA
Prosa marginal e literatura underground
a linguagem de Mutarelli
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2023 do autor
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Damásio Marques
Prosa marginal e literatura underground
a linguagem de Mutarelli
Para Laís Marques.
AGRADECIMENTOS
À Prof.ª Dr.ª Maria José Palo, minha orientadora neste estudo, pela dedicação, paciência e empenho na condução da orientação.
À Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Junqueira, pelo apoio em todos os momentos, e à Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Xavier, pela experiência fundamental no estudo dos quadrinhos e pelos importantíssimos apontamentos.
A todos os professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, pelo empenho, paixão, dedicação e apoio às pesquisas do programa.
À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pela bolsa concedida para a realização desta pesquisa.
À Ni Brisant, pela amizade, parceria e encomendas.
A todos os amigos e familiares, que acreditaram e me apoiaram em minha trajetória acadêmica.
A Lourenço Mutarelli Jr., pelas conversas, e-mails e atenção dispensados a esta pesquisa.
O silêncio é a língua que eu falo.
E então tudo o que não existe surge.
Enquanto o que existe se apaga.
(Lourenço Mutarelli. O Cheiro do Ralo)
APRESENTAÇÃO
Atualmente, muito tem se falado sobre literatura marginal em nosso país. O fato se deve, principalmente, à ascensão dos autores das periferias e dos movimentos dos saraus e slams que se multiplicaram nas últimas décadas. O termo literatura marginal está associado, nesse contexto, às condições sociais de seus autores, moradores das periferias e que, alijados das grandes editoras, produzem suas obras em pequenos selos independentes. Mas, e a linguagem marginal? Como é ela? Está presente somente nesse contexto? Um autor de uma grande editora também pode ser marginal? Essas foram algumas perguntas que motivaram este trabalho, que agora vocês têm em mãos. Uma investigação que foi buscar em Rabelais, no Renascimento, a utilização de uma linguagem mundana, que já era marginalizada e perseguida e que pode ser observada em outros importantes momentos da literatura, como em Jean Genet, Charles Bukowski, Burroughs, Pedro Juan Gutierrez, só para citar alguns. No Brasil, destaca-se ainda a geração mimeógrafo da poesia marginal dos anos 1970, o maldito Glauco Mattoso e os movimentos contraculturais ligados ao underground. É aí que encontramos Lourenço Mutarelli. Advindo dos quadrinhos, uma das artes mais exploradas pelo underground, seja em revistas, seja em fanzines, Mutarelli transfere essa linguagem para o romance, gênero rico em referências e aberto a receber as influências e linguagens dos mais diversos meios. Ao adentrar esse universo, o leitor conhecerá esse mundo observando o objeto romanesco, agora, do subsolo. Poderá compreender como o underground ressignifica outras artes e se aproximar mais da linguagem marginal, que nada mais é que a linguagem popular, marginalizada pela norma culta e os cânones literários.
O autor
INTRODUÇÃO
O propósito central deste livro é o estudo do romance de estreia de Lourenço Mutarelli (1964) – O Cheiro do Ralo – em conexão à literatura marginal por meio de sua linguagem underground. Em nosso país, uma grande profusão de obras tem surgido sob a denominação de literatura marginal, o que a colocou em evidência. A notoriedade de escritores dos subúrbios das grandes cidades, como Ferréz (1975), Sérgio Vaz (1964), Sacolinha (1983), Allan da Rosa (1976) ou Rodrigo Ciríaco (1981), e a proliferação dos saraus — como a Cooperifa — justificam esse crescimento e expansão da expressão literatura marginal
.
O termo marginal associado à literatura não é desconhecido. Fora do Brasil, ele já aparece diretamente ligado a produções que datam desde o período do Romantismo. Em nosso país, a expressão serve para designar diversos tipos de produção. Para Rejane Pivetta de Oliveira (2011, p. 33), O aspecto característico da literatura marginal contemporânea é o fato de ser produzida por autores da periferia, trazendo suas novas visões, a partir de um olhar interno, sobre a experiência de viver na condição de marginalizados sociais e culturais
.
Na visão da autora, marginal é a literatura produzida por autores das periferias que têm suas realidades retratadas nessas obras. O termo foi tomado por Ferréz (pseudônimo de Reginaldo Ferreira da Silva), autor de Capão Pecado (1999), Manual Prático do Ódio (2003), e Ninguém é inocente em São Paulo (2006), para denominar a sua produção e a de seguidores desse estilo e frequentadores dos saraus periféricos urbanos. Em texto de abertura da coletânea Literatura marginal: talentos da escrita periférica (2005), Ferréz declara que é Literatura de rua com sentido sim, com um princípio sim, e com um ideal sim, trazer melhoras para o povo que constrói esse país, mas não recebe sua parte
(ÉPOCA, s/p). Essa modalidade de literatura — marcada por uma linguagem própria, característica da cultura dos excluídos — vem, segundo Ferréz, para suprir uma necessidade e preencher uma lacuna deixada pelo mercado editorial que não costuma lançar obras de autores da periferia.
Em sua maioria, as leituras realizadas da literatura marginal dão conta de um fator marginal associado à condição de vida de seus produtores e sua situação periférica nos grandes centros urbanos. Parte desses estudos tem origem nos currículos dos programas de pós-graduação em Sociologia ou Antropologia Social. Nessa perspectiva, as análises centram-se em fatores extraliterários, focados mais na situação dos autores e no modo como eles se fazem representar em suas próprias obras.
Heloísa Buarque de Holanda, organizadora da antologia 26 poetas hoje (1975) — que traz a poesia marginal dos anos 1970, a geração mimeógrafo — em artigo intitulado Literatura Marginal
, reconhece o autor Ferréz como um autêntico representante da Literatura Marginal. Para ela, Ferréz entende por marginal
[...] a busca de um lugar na série literária para aqueles que vêm da margem. E (Ferréz) explica melhor: Literatura marginal é aquela feita por marginais mesmo, até por cara que já roubou, aqueles que derivam de partes da sociedade que não têm espaço. Mas adverte: Quando a gente consegue alguma coisa por meio da arte, não quer dizer que a vamos sossegar. Temos é que organizar o nosso ódio, direcioná-lo para quem está nos prejudicando. Tudo o que o sistema não dá, temos que tomar
(HOLANDA, 2011, s/p).
Dentre os estudos críticos publicados no Brasil, o de Érica Peçanha do Nascimento, em dissertação de mestrado para o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (2006) — Literatura Marginal: os escritores da periferia entram em cena —, traça um estudo da literatura periférica, no qual os autores se veem representados por meio de sua escrita. Trata do marginal como independente, que não tem acesso aos bens culturais e só se vê representado por meio da sua arte. Os autores estudados por Nascimento são justamente Ferréz, Sérgio Vaz — cofundador do sarau da Cooperifa — e Sacolinha. Nascimento reconhece na geração mimeógrafo a gênese da Literatura marginal brasileira, como lemos:
O termo Literatura Marginal
surgiu na década de 70 num cenário político bastante conturbado em nosso país. Vivíamos um período de ditadura militar e, como forma de subversão à ordem, um grupo de intelectuais escreviam poemas em folhas mimeografadas e distribuíam por lugares de convívio comuns, como bares, cinemas entre outros. Os textos produzidos nesta época eram "marcados pela ironia, pelo uso