Suplemento Pernambuco #197: O QUEBRA-CABEÇA DE UMA LITERATURA
De Jânio Santos, Hana Luzia, Luis E. Jordán e
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Suplemento Pernambuco #197 - Jânio Santos
CARTA DOS EDITORES
Falar em quebra-cabeça
para se referir às literaturas produzidas nas Antilhas talvez cause estranhamento. Afinal, são autorias diversas de territórios próximos, mas muito diferentes. Se é possível falar das Antilhas enquanto conjunto de literaturas, isso se deve à ideia de trânsito e movimento (algo comum a todo o chamado Mundo Atlântico
) e de que, como pensou Édouard Glissant, existe um modo de ser que, mesmo diverso, aponta para a ideia de crioulização - algo que permite pensar esses territórios como um bloco cultural. Nesta edição do Pernambuco , o poeta e ensaísta Leo Gonçalves parte dos mapas percorridos pelo premiado poeta René Depestre, atualmente com 95 anos, para traçar linhas possíveis de compreensão das literatura antilhana - uma literatura negra de cima a baixo
, como Leo diz, que fabula novos imaginários e se aproxima, em vários pontos, do Brasil.
Em diferentes abordagens, a poesia surge nesta edição. Seja nos poemas de William Carlos Williams traduzidos por Rodrigo Garcia Lopes; na apresentação do pensamento (nas searas do ensaio e da ficção) da escritora catalã Maria-Mercè Marçal; no perfil do poeta chinês Yao Feng (que escreve em português); ou na entrevista do dramaturgo e editor argentino Ariel Farace, cujo trabalho editorial se baseia em livros de poesia. Noutra via, Adriana Lisboa comenta os critérios de sua tradução para Hiroshima mon amour, de Marguerite Duras – narrativa que consiste, grosso modo, em um roteiro de filme escrito como texto literário. Por fim, dois antropólogos discutem a emergência climática dentro da nossa parceria com a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), na qual pesquisadores de todo o Brasil compartilham seus estudos.
Você ainda lê nesta edição um trecho inédito de Um álbum para Lady Laet, novo livro de José Luiz Passos lançado neste mês pela Alfaguara Brasil; uma resenha sobre a Seleta erótica de Mário de Andrade, importante trabalho de Eliane Robert Moraes (USP).
Os registros de linguagem não binária desta edição (como no expediente, logo abaixo, e na seção entrevista) respeitam as formas escolhidas pelas pessoas envolvidas.
Uma boa leitura a todas e todos!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
André de Oliveira, jornalista e escritor; André Santa Rosa, jornalista e poeta; be rgb (Beatriz Regina Guimarães Barboza), tradutore e doutorande em Estudos da Tradução (UFSC); Felipe Cordeiro, ator e doutorando em Letras (UFMG); Gilton Mendes dos Santos, professor (UFAM); Iuri Müller, escritor e crítico literário; José Luiz Passos, escritor e professor (UCLA); Laura Erber, poeta e artista visual; Leonardo Nascimento, doutorando em Antropologia (UFRJ); Meritxell Hernando Marsal, tradutora e professora (UFSC); Rodrigo Garcia Lopes, poeta e tradutor; Thiago Mota Cardoso, professor (UFAM); Wander Melo Miranda, professor (UFMG) e crítico literário
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governador
Paulo Henrique Saraiva Câmara
Vice-governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos
Secretário da Casa Civil
José Francisco Cavalcanti Neto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Superintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITOR ASSISTENTE
Carol Almeida e Igor Gomes
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Hana Luzia e Janio Santos
ESTAGIÁRIOS
Luis E. Jordán, Rafael Olinto e Vitor Fugita
TRATAMENTO DE IMAGEM
Agelson Soares e Sebastião Corrêa
REVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
Diogo Guedes, Everardo Norões, Gianni Gianni (interina) e José Castello
Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
Rodolfo Galvão
UI/UX design
Edlamar Soares e Renato Costa
Produção gráfica
Júlio Gonçalves, Eliseu Souza, Márcio Roberto, Joselma Firmino e Sóstenes Fernandes
marketing E vendas
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Telefone: (81) 3183.2756
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Andando por Budapeste e pela política húngara enquanto a sopa não chega
Laura Erber
hana luzia
Passei os últimos quatro meses em Budapeste aguardando a temporada da sopa de cereja, pequeno milagre gustativo que dura o mês de junho. Uma experiência nem doce nem salgada, suave mas imponente, epicentro da cruz dos sabores, irmã do beijo e dos azeites, prima dos prazeres anímicos, pra nem falar do baile de cores de fazer inveja a qualquer Rothko. Comer, beber, respirar. Como seria a vida se fosse simples como algumas palavras juntas?
Por mais de um momento tive a impressão de estar vagando dentro de um conto de Dezső Kosztolányi. A passagem dos dias se condensava em pequenos episódios intensos e graciosos, compatíveis com a estrutura do conto. Porém, diferente do que ocorre nas maravilhosas histórias do poeta Kornél Esti, ninguém mais se banha no Danúbio no centro da capital. É preciso ir até a praia romana, ou mais longe, em direção a Eslováquia, onde o rio parece ser mais largo e guloso, um animal líquido que avança plácido e libidinoso lambendo as terras secas do país.
Borges teria gostado de saber que Budapeste é um duplo. Na verdade não é bem isso. Budapeste é uma cidade dublê. Forjada na união de Buda, Peste e da menos célebre Obuda, nas últimas décadas ela se tornou a locação perfeita para filmes cujas histórias se passam sempre algures. Sobretudo Paris, mas já foi dublê de Berlim e, em 1988, a Moscou do filme Inferno vermelho onde uma dupla de detetives tentava desbancar uma rede de criminosos, claro, russos. No filme Munique de Steven Spielberg, a área do Boulevard Andrássy funcionava tanto como a Paris quanto a Roma dos anos 1970.
Borges disse mais de uma vez que não temos muitas histórias, estamos sempre contando as mesmas histórias, levemente ou muito modificadas. Dizia algo parecido sobre metáforas. Há poucas imagens ou modelos metafóricos, mas sua variação é infinita. É um pouco assim com Budapeste, pequenas alterações e ela se desdobra, ad infinitum, noutras capitais. Nela, o passado é o presente, e este se esforça por florescer mas soçobra na obsolescência, a imaginação fez de Budapeste uma cidade-depositório de nossa nostalgia ou de uma certa ideia de beleza a ela associada. Entra-se em Budapeste como se entra num tipo de portal, confusos sonhos de uma Europa Central mais cosmopolita do que bélica permanecem ali, agindo, redivivos e mortiços, nem doces nem salgados, na cruz dos nossos dissabores democráticos.
Não persegui mafiosos russos, mas minha pesquisa lidava com os mapas mentais que ligam passado, presente e imaginação literária. Envolvia visitas aos arquivos públicos da cidade e documentos sobre as aventuras e desventuras da família Erber entre os séculos XIX e XX. E como nem todo enigma temporal jaz no passado, tive a sorte de descobrir uma liga de futebol de escritores em atividade e a mais simpática redação de jornalismo investigativo independente que já visitei, Átlátszó.
Um passo atrás, dentro do avião. Mãe, a cidade está cheia de fumaça azul
, exclamaram meus filhos, e bastava olhar pela janela para ver que era mesmo verdade. Depois descobri que há uma controvérsia literária sobre o Rio Danúbio ser melhor descrito como um rio azul ou um rio amarelo. Há mesmo apoiantes de uma descrição menos binária que mistura o azul com o amarelo. Mas quando se trata de cores, fico com a beleza da resposta das crianças: o Danúbio era azul.
Meses depois, interessada nas táticas performáticas do magiarismo, atravessei em sentido contrário uma compridíssima manifestação do Fidesz que marchava com a bandeira nacional sobre a Ponte Margarida. Não faltavam música folclórica e gentes emperiquitadas, havia também agricultores e associações de padeiros, se entendi bem os cartazes. Depois corri para as bandas do Hotel Gellert, onde acontecia a grande manifestação estática da oposição, infelizmente e previsivelmente derrotada. Foi curioso constatar que numa coalizão que juntava gatos, lagartos e sapatos, o jingle era: Todo o poder ao povo
. Imaginem só, todo o poder ao povo! Se o marqueteiro de Lula soltasse um mote desses, o fantasma do comunismo seria