Alvará Judicial da Lei 6.858/80: procedimento e litigiosidade – à luz da Constituição Federal
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Alvará Judicial da Lei 6.858/80 - Davi Santos Costa
1. INTRODUÇÃO
No tocante às sucessões causa mortis, é natural se imaginar que os procedimentos possíveis para tanto são o inventário judicial, o extrajudicial e o arrolamento. No entanto, há uma quarta possibilidade: o alvará judicial da Lei n° 6.858/80, regulamentado pelo Decreto n° 85.845/81.
Tal alvará judicial da Lei 6.858/80, doravante apenas denominado como alvará, é um procedimento peculiar, mais célere, simples e barato; mas, na mesma, mais limitado. Possui características próprias, o que lhe confere o status de um procedimento sucessório sui generis. Além disso, nem sempre está compatibilizado com o Inventário ou com a Constituição, visto que é anterior à CF/88.
No entanto, a despeito de sua relevância e efetividade, é um procedimento esquecido pela doutrina, pouco explicado em manuais ou livros, e raramente mencionado na graduação em Direito. Mas, ao bem da verdade, a redação deste trabalho promoveu discussões e reflexões ao menos da Faculdade de Direito da UFBA, de modo que alguns docentes passaram a abortar a Lei 6.858/80 nas aulas de Direito das Sucessões.
De igual forma, o Legislador negligenciou sua adequação à Carta Magna, existindo – por isso – incongruências com o atual formato do Inventário e com os princípios basilares do direito das sucessões, exempli gratia o princípio da igualdade entre filhos.
Acerca destas incongruências, salta-se aos olhos a figura do Dependente Habilitado
- quem, por ser o legitimado prioritário para o levantamento dos valores deixados pelo de cujus, possui tratamento privilegiado em detrimento dos demais filhos (que eventualmente não estejam cadastrados como dependentes).
Tais incompatibilidades não surpreendem quando se analisa o quão antiga é a Lei 6.858/80 que disciplina o alvará. Afinal, ela foi criada em 1980, surgiu durante a vigência do antigo Código Civil de 1916; viu o surgimento da Constituição Federal de 1988; do Código Civil de 2002 e do Código Civil de 2015. Portanto, é uma figura antiquíssima que não mais está em harmonia com o resto do Ordenamento, mas ainda assim ficou esquecida, enferrujada e abandonada pelo legislador.
Neste Trabalho do Conclusão de Curso, foi analisado, à luz da Constituição, o tratamento diferenciado entre filhos promovido pelo art. 1° da L. 8.858/80. Ao final, concluiu-se que tal artigo, ao prever o Dependente Habilitado como principal legitimado para o alvará judicial, discrimina filhos. Por conseguinte, argui-se que tal discriminação foi tacitamente revogada pela Constituição Federal, já que a Carta Magna sobreveio impondo – de forma correta e progressista – que todos os filhos devem ter igual tratamento jurídico.
2. A CF/88 E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE FILHOS
Apesar de autoexplicativo, vale considerar que o Princípio da Igualdade entre Filhos
nada mais é do que a necessidade de tratamento igual entre todos os filhos, sem discriminação por sexo, adoção, orientação sexual, idade, afinidades pessoais ou por ter sido fruto (ou não) de uma relação de concubinato.
No Código Civil, atualmente este princípio se encontra previsto no artigo 1.596; enquanto na Constituição, no art. 227– como se depreende dos dispositivos abaixo transcritos.
Art. 1.596 do CC. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
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Art. 227, § 6º da CF. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Trata-se de um princípio razoavelmente antigo, já velho quando célebre jurista Orlando Gomes o definiu como sendo uma proteção legal à legítima, que busca consagrar o princípio da igualdade, princípio pelo qual todos os filhos devem receber a mesma porção hereditária
(GOMES, 1986). Nos dizeres de Orlando, antes mesmo da Constituição de 1988, foi o princípio da igualdade entre filhos que ensejou a regulamentação do instituto da Colação, ferramenta esta que corresponde à equiparação das legítimas por meio do cotejamento e balanceamento dos quinhões após consideradas as doações feitas em vida, tidas como antecipação de herança.
Neste sentido, doutrinadores mais atuais seguem -pacificamente- conceituando tal princípio de forma análoga a Orlando Gomes. A exemplo, Euclides de Oliveira Sebastião Amorim defende que com a Constituição Federal de 1988, consagrou-se a plena igualdade entre os filhos, independentemente de sua origem, conforme disposto no artigo 227, § 6°
(OLIVEIRA, 2013).
Ou ainda nos vale as lições de Flávio Tartuce, quem, diante da inafastabilidade da igualdade fraternal, assevera que todos os filhos são iguais, independe de terem sido concebidos ou não no bojo de um casamento (TARTUCE, 2017). Desta feita, é incabível que o ordenamento se utilize qualquer expressão discriminatória, a título de exemplo, temos a antiquada e já revogada Súmula 447 do STF, que qualificava filho como adulterino ou não. Hoje prevalece a ideia de que, nas palavras de Tartuce, filho é filho, e ponto final
(TARTUCE, 2017).
Por sua vez, Carlos Roberto Gonçalves também reforça a igualdade, independentemente de os filhos serem consanguíneos, adotivos, advindos do casamento ou não. Mas esclarece que não foi sempre assim, uma vez que havia desigualdades perpetuadas pela própria legislação nos arts. 377 e 1.605 e parágrafos do Código Civil de 1916, sendo que o § 1º já estava revogado pelo art. 54 da Lei do Divórcio. Contudo, sobrevieram reformas legais, não mais subsistindo as desigualdades entre filhos consanguíneos e adotivos, oriundos do casamento ou não; por força da Constituição Federal (art. 227, § 6º), do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 20) e do Código Civil de 2002 (art. 1.596). Hoje, todos herdam em igualdade de condições
(GONÇALVES, 2018).
Entretanto, a Doutrina deixa de analisar que a igualdade entre os filhos não é somente a equivalência entre quinhões.
Decerto que falar em igualdade entre filhos é principalmente falar na equivalência das legítimas. E, além disso, a partir de uma interpretação histórica e teleológica fica evidente que o legislador buscou coibir a discriminação entre filhos em razão da origem da filiação.
Contudo, o princípio da igualdade entre filhos vai muito além disso, para abarcar uma necessária igualdade entre os filhos, no que diz respeito a questões como direitos, qualificações e tratamentos jurídicos.
Neste sentido, a CF (art. 227) e o CC (art. 1.596) são claros e explícitos, quando expressamente afirmam que os filhos terão os mesmos direitos e qualificações
, ficando proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação
.
Portanto, é imperioso constatar que o princípio da igualdade entre filhos não se limita à uma análise monetária. Hoje ele também toma forma na necessidade de um tratamento igual, não discriminatório, sem qualquer tratamento diferenciado entre filhos, seja qual for o motivo.
Assim, desse diálogo, importa-nos extrair que o princípio da igualdade entre filhos, posto que desde Orlando Gomes fosse defendido, ainda assim não era sempre aplicado. Embora já introduzido pela Lei do Divórcio de 1977, ainda maturava.
Em 1986, o princípio da igualdade entre filhos foi imortalizado na Doutrina de Orlando Gomes. Em 1988 foi consagrado e elevado